sábado, 2 de junho de 2018

Rasganço (Rasganço) 2001

Numa fria manhã de Janeiro, Edgar chega à cidade dos estudantes. Determinado, fará uma tentativa de integração, traçada de forma cerebral e severa, seduzindo para esse efeito três mulheres: Ana Rita (estudante de Direito), Maria dos Anjos (responsável pelo albergue local) e a dra. Zita Portugal (figura influente em Coimbra). Ainda assim, Edgar não é aceite naquele grupo fechado. Mas ele vai escolher não se sujeitar passivamente à rejeição. Para isso elabora um complexo plano de vingança, escolhendo de entre os alunos as suas vitimas.
"Há um plano em "Rasganço" que ilumina tudo. Edgar está reclinado sobre um braço, em nú frontal e Zita acaricia-lhe as formas. Quando o plano começa nem temos a certeza que seja um corpo de homem o que lá está (como noutros momentos, em planos fechados sobre os olhos do actor, também nos confunde a indefinição do sexo). O que é certo é que para mulheres várias (e de diferente condição - uma estudante, a bibliotecária, mulher de um professor, e uma funcionária superior da Misericórdia)  Edgar é uma criatura erótica, a materialização de um desejo. Que para outras (narcotizadas) ele actue como identidade violadora, mutilação de que só se dão conta ao acordar, não é menos perturbador. Nas entrelinhas, se calhar, é licito ler qualquer coisa de medonho: Edgar não existe, é uma invocação, um fantasma que subjaz à vontade de integração de todos os restantes comparsas e que materializa uma pulsão intima de desordem. A vertiginosa atração pelo Outro, pelo que não faz parte, pelo que desestabiliza, o suor e a violência (e, porque não, o sémen e os genes?) do que está em baixo,obsessão burguesa por excelência. Edgar é um homem, certamente, mas, porque projecção feminina, mulher num lugar essencial da sua natureza. O plano atrás referido de Edgar com Zita é isso mesmo que sussurra.
Estou a prever que quem veja o filme com os olhos frios (era uma vez um homem que chega a Coimbra e encontra uma estudante e etc.) me diga que tresleio e deliro significados onde eles não estão. Nada contra. Acontece que não consigo olhar "Rasganço" com uma história com princípio, meio e fim - há demasiados "buracos", alçapões, planos que se colam para abruptas conjunções, há vermelhos por todos os lados, a cor do sangue, a cor da alma. É por isso que sustento que "Rasganço" não é simplesmente uma fita sobre Coimbra, os seus estudantes e um violador. É, antes, um mergulho que parte de um lugar preciso, mas ocorre num espaço quase abstracto. Uma mulher e os seus fantasmas, pois claro. Com a energia, a urgência, a impudícia e a ausência de cálculo que se pede a um filme de juventude."
In, Expresso (1-12-2001)

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