Jo e Fanfan são irmãos gémeos, embora de sexo diferente. Filhos de um casal de portugueses emigrado em França, apanhamo-los em princípio de férias a caminho de Portugal. E descobrimos, logo logo, que entre eles existe uma intimidade muito particular. Andam juntos para todo o lado, partilham o mesmo quarto, os mesmos gostos, a mesma moto, a mesma tenda de campismo. Mas também percebemos que um princípio de conflito se instala. Jo descobre que Fanfan se iniciou sexualmente com um tipo que conhecem do bar e sente ciúmes. Depois, lentamente, verificamos que os dois irmão se vão afastando. Quando as férias terminam, Fanfan permanece em Portugal por mais uns tempos. E Jo fica desasado e progressivamente inquieto.
"Sem Ela" é uma história de uma ausência. De como um adolescente sofre ao enfrentar a vida. Mas é também uma metáfora para a situação de muitos luso-descendentes, divididos entre dois países, duas almas, duas culturas. A felicidade está na fusão dessas duas entidades, mas no corpo do filme, essa pulsão é proibida, incestuosa. "Sem Ela" é uma história que faz medo, porque já não há paz possível para aquelas duas criaturas (o final, em "happy end" não poderia ser mais enganoso...). O mundo em volta, de resto, não ajuda a apaziguar tensões: lá esta essa cultura de margem de muitos jovens gauleses excluídos que é o racismo político, lá se identifica uma textura social atabafante, no nosso país. E há mais nuvens do que sol.
Filmado com grande liberdade de movimentos, câmara à mão, atenção aos rostos, à pele, àquilo que nos actores é físico mais do que profissionalmente premeditado, esta fita de estreia de Anna da Palma tem frescura, intenção e revela uma realizadora. Atenta ao enquadramento social, traça do casal de emigrantes, pais dos protagonistas (interpretado com sabor pela dupla Maria Emilia Correira / Vitor Norte), é um retrato onde se mescla ternura e severidade, com quem compreende o seu ser e modos, mas não os acompanha já. Apetece gostar deles, como apetece gostar do filme inteiro.
Há planos iluminados por uma espécie de plenitude que nos deixam repletos. Logo vem uma cena mais frágil que nos desacerta a atenção? Há momentos em que amamos aqueles dois jovens (belíssimos Aurélien Wiik e Bérénice Bejo), tão frágeis que quase dá vontade de aconchegar. Outros há em que os sentimos desarticulados ao ponto de fazerem crescer em nós irritação?. Obra primeira, "Sem Ela" tem virtudes surpreendentes e erros expectáveis - e uma vontade impulsiva de existir."
In Expresso de 11-09-2004
Nota: legendas em português incluidas no ficheiro. Convém verem com o VCL.
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