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terça-feira, 19 de março de 2024

Adeus, Até ao Meu Regresso (Adeus, Até ao Meu Regresso) 1974

A guerra colonial na Guiné. Alguns casos significativos entre as variadas experiências que afectaram milhares de soldados portugueses que ali combateram. As Mensagens de Natal para as famílias na Metrópole. Histórias que rondam o patético, a ironia, o absurdo, ou pontuadas pelo pitoresco sentimental, a amargura, o irreparável sofrimento. Filme para televisão, Adeus até ao Meu Regresso é um dos testemunhos da viragem no interior da RTP que o 25 de Abril provocou. Parafraseando, no título, a frase feita com que inúmeros soldados portugueses davam as suas "mensagens de Natal" (na televisão) durante o período da guerra colonial, Adeus até ao Meu Regresso faz-se e estreia-se precisamente quando, pela primeira vez, a guerra dava lugar à paz e os soldados regressavam enfim: em Dezembro de 1974.Através do testemunho de soldados que haviam vivido a guerra na Guiné (a primeira colónia portuguesa a obter a independência após o 25 de Abril), António Pedro Vasconcelos dá-nos a dimensão de um conflito armado mas sobretudo o que dele restava na consciência do povo. Da revolta à resignaçâo, dos traumas às dúvidas, das afirmações às interrogações. Documento agarrado ao vivo, em cima da dor e do regresso, este filme é bem o retrato da retaguarda e da memória da guerra colonial, o único que, curiosamente, o cinema português ousou fazer.

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sábado, 5 de março de 2016

Ana (Ana) 1982

Passado e presente, realidade e mito, trabalho e tradições, formam uma teia singular no mais belo e “puro” filme de António Reis e Margarida Martins Cordeiro, e sintetizam uma visão do mundo, de que a terra de Trás-os-Montes parece ser o centro, onde a personagem de Ana representa o equilíbrio cósmico, uma mulher que é “um pouco mais do que uma avó e um pouco menos do que um símbolo” O cinema de António Reis e Margarida Cordeiro tem a ambição desmedida da poesia, único critério da sua verdade, do seu vigor, da sua latência duradoura no espectador. Só essa realidade lhe interessa, só essa inteireza busca. Cinema de secreta e paciente convocação e manipulação dos materiais, não tem paralelo com nada do que o cinema já ergueu. Nele se confunde o respeito pelo real e a sua transgressão, o documento e a ficção são postos em causa, enquanto categorias formais, pelo seu tecido. Realidade, imaginário, visões, sentimentos, há certamente um vocabulário-outro para falar dos objectos cálidos e fascinantes que Reis e Margarida Cordeiro geram: poemas fílmicos, belíssimos e solidários, majestáticos. Usando excertos de poemas de Rainer Maria Rilke e outros textos da autoria de António Reis e Margarida Cordeiro, "Ana", à semelhança de "Trás-os-Montes" impressionou profundamente a crítica internacional, tendo recebido a Espiga de Ouro, relativa ao Grande Prémio do Festival de Cinema de Valladolid, em 1982, e uma Menção Especial no Festival Internacional da Figueira da Foz, em 1982. Participou ainda, entre outros, nos festivais de Veneza, Berlim, Roterdão, Hong-Kong, Montreal, Chicago, Bruxelas, Hamburgo, Los Angels, São Paulo, Manheim, Edimburgo, Lausanne, Genebra, La Rochelle, Locarno (filmes do ano, 1983) e Rimini (melhores filmes da Europa, 1985). Foi seleccionado para os Prémios René Clair (1983) e David di Donatelle (1983). Integrou o programa da Semana dos Cahiers du Cinema (1983).

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Cerromaior (Cerromaior) 1981

Após frustrada tentativa de evasão, o jovem Adriano é reconduzido ao abúlico seio de família, dominante numa povoação alentejana onde a exploração tradicional dos trabalhadores agrícolas é, desde 1973 (em que escassos ecos de liberdade chegam), pela rádio, da guerra civil espanhola), representada pelo arrogante e prepotente primo Carlos, símbolo e esteio do salazarismo que se consolida. O percurso de Adriano afirmar-se-á entre sombras e fantasmas, conformismo e preconceito, demência e suicídio, raiva e confrontação.
Cerromaior é um dos filmes portugueses do ano de 1980 que, tendo com alvo o chamado «grande público» não faz concessões ao cinema comercial, cujo objectivo principal é o puro entretenimento (entertainement), Outros filmes desse mesmo ano, apontando esse mesmo objectivo, sem se vergarem aos imperativos do puro comércio, todos eles com antestreia no 9º Festival de Cinema da Figueira da Foz, são Manhã Submersa (filme), de Lauro António, A Culpa, de António Vitorino de Almeida, Verde por Fora, Vermelho por Dentro, de Ricardo Costa e o documentário Bom Povo Português, de Rui Simões (cineasta).
Para o início de uma década em que o cinema português procura ser visto sem deixar de ser «cinema de autor», a convergência é significativa. Os objectivos são atingidos no mercado nacional. Embora só notados no estrangeiro pela sua presença em festivais, este conjunto de filmes aponta um caminho.
Adaptação cinematográfica do primeiro romance de Manuel da Fonseca, Cerromaior, de 1943. É um dos primeiros filmes do pós 25 de Abril de 1974 a explorar em Portugal um tema social com inteira liberdade de expressão.

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sexta-feira, 4 de março de 2016

As Horas de Maria (As Horas de Maria) 1979

Inspirado no relato pela imprensa de um caso verídico, com argumento, diálogos e realização de António de Macedo e fotografia de Elso Roque, As Horas De Maria prolonga na ficção o gesto de Fátima Story. Esta produção Cinequanon foi parcialmente filmada em Fátima, assente numa estrutura de doze capítulos que seguem a história da personagem de uma rapariga cega e internada num hospital, convicta na probabilidade de um milagre de Nossa Senhora de Fátima. Estreado com enorme escândalo em 1979, foi um dos mais polémicos filmes da época, acusado de blasfémia pela igreja católica.
As Horas de Maria é uma obra de valor simbólico, numa época de bruscas e dramáticas mutações em Portugal. No ano em que o filme foi produzido, 1976, não teria por certo acontecido o que aconteceu três anos mais tarde, quando estreou em Lisboa. A suposição não é sem fundamento. O recuo das forças progressistas da Revolução dos Cravos, num contexto social que lhes era desfavorável, fez-se sentir com avanços da direita em políticas em que muito recuara, como a cultura. A viragem foi rápida.
Na estreia, a 3 de Abril de 1979, um evento insólito deu relevo ao filme nos meios de comunicação e gerou considerável polémica: um grupo agressivo de manifestantes de direita, sentindo-se apoiados pelo repúdio já manifestado pela Igreja católica, que achava a obra blasfema, insultaram e agrediram espectadores em frente da sala – o Nimas, na Av.5 de Outubro, em Lisboa, – com actos violentos e apedrejamentos. O ritual manter-se-ia por vários dias, com agrupamentos a rezar o terço e a entoar ladainhas para a conversão de Macedo, dos espectadores contaminados, dos fãs heréticos.
A explicação do insólito é assim dada por João Bénard da Costa : «O realizador, baseado nos chamados Evangelhos apócrifos, propunha uma visão não trascendental de Jesus e punha em causa a virginidade de Maria». (João Bénard da Costa, Histórias do Cinema, Sínteses da Cultura Portuguesa, Europália 1991, ed. Imprensa Nacional).
Voltam ao de cima certas sensibilidades, próximas das que dominavam antes. O efeito que o filme provocou ilustra isso e não só: as bem prováveis consequências de um atrevimento assim. De mais um: a filmografia de Macedo está cheia disso.

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Veredas (Veredas) 1978

História da Branca-Flor - a partir de lendas e figuras da mitologia popular. Raízes dum itinerário pelas origens naturais e paisagísticas, até ao coração de Portugal. Os valores (água, nascimento, roda-da-vida), as figurações (o diabo, os lobos) e as referências (o senhor, a servidão), com um estigma de justiça inadiável.
Veredas é a primeira de duas obras de João César Monteiro baseadas em textos inspirados na tradição oral portuguesa, sendo Silvestre (1982) a segunda. Adaptações livres de textos literários que exploram essa tradição, integrando neste caso elementos próprios do imaginário do autor, são expressão de uma tendência típica do cinema português dominante no documentário, a partir do início dos anos sessenta (António Campos), tendência que se desenvolve nos anos setenta : a devoção antropológica de cineastas como Manuel Costa e Silva, António Reis e Margarida Cordeiro, Ricardo Costa ou Noémia Delgado por realidades culturais e sociais arcaicas, mal conhecidas, típicas de regiões mais isoladas e com tradições bem preservadas. Monteiro e Noémia Delgado são os cineastas que, na ficção, exploram essas tradições.
Veredas será também o primeiro filme em que João César Monteiro, metendo-se na pele de uma das personagens, pela primeira vez protagoniza, não sem disso tirar algum prazer, o seu alter-ego : é frade e chefe de salteadores. Caracteriza-se esse seu gosto pelo protagonismo por extrapolar três ângulos de um triângulo : no topo, um pólo mágico, histórias fantásticas da Idade Média e da tradição oral portuguesa. Noutra ponta, intencional ou não, o desalinho narrativo, em estilo de brincadeira, e, com ela na base do triângulo, frade e malfeitor, protagonizando o Bem e o Mal, o personagem representado pelo João. Torna-se a questão quadrada quando no triângulo outro ângulo se encaixa, para dar mais pé à coisa : um estilo teatral, escala aberta, planos fixos, palavrosos, que muito boa crítica, em relação a este e aos futuros filmes, não despeitará..

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Nós por cá Todos Bem (Nós por cá Todos Bem) 1978

Uma equipa de filmagem dirige-se à Várzea dos Amarelos, de visita à mãe do realizador, onde fixa alguns momentos da vivência local e escuta a velha senhora. Com o documentário cruzam-se evocações (ou fantasias) ficcionais biográficas.
"Depois de "Uma Abelha na Chuva" havia que esperar mais, é certo. Só que Fernando Lopes, apostando na fusão do directo (ver "Belarmino")  e da ficção (ver "Abelha...") não foi capaz de um sólido ponto de vista e sobretudo não caminhou por terrenos que pudesse escavar com a percutência do seu trabalho anterior.
Escolhendo, para protagonista do filme, a sua própria mãe, enveredando por um certo tom confessional, Lopes indecide-se entre o pudor afectivo e a distância documental, tal como não resolve a ambivalência entre uma suposta verdade do directo e e um relativo visionarismo da ficção.
Os limites do filme são o somatório dessas não ultrapassadas contradições. Mas as potencialidades (a verdade que ele traduz) estão exactamente nesse campo. Entre um país e uma memória, um passado e um presente, Portugal/1976 era o território da dúvida, incertezas. "Nós por cá Tudo Bem" reflecte-o.
A reter: a cenografia de Jasmim (sobretudo a cozinha e o bordel): as canções de Sérgio Godinho; nos actores: Zita Duarte e a breve (fulgurante) aparição de Lia Gama." JLR

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Os Demónios de Alcácer Quibir (Os Demónios de Alcácer Quibir ) 1977

"A uma greve de operários agrícolas no Alentejo, a polícia associa elementos de um grupo de teatro ambulante. A acção decorre no espaço aberto e agreste da charneca. Com a conivência de Lianor, a trupe penetra no palácio de D. Gonçalo, velho aristocrata. O fidalgo vive obcecado por visões de grandes feitos passados, num universo de fantasmas. Acabam os malteses por descobrir o seu tesouro: uma caixa cheia de carabinas e munições. Durante a carga policial que se segue, enfrentam os agentes de armas na mão. Nos horizontes, só a negra África se avista.
Os Demónios de Alcácer Quibir é a primeira ficção do cinema militante português em tempos de liberdade, depois do censurado Nojo aos Cães de António de Macedo, feito cinco anos antes, durante a época do fascismo. Sendo ambas obras típicas do novo cinema, este filme de Fonseca e Costa explora o universo visionário que a Revolução dos Cravos deixa entrever, pondo em foco a pertinente contradição entre as realidades de um período de mudanças profundas e a utopia que a revolução de cariz socialista perde de vista. A contradição é perturbadora e provoca sombrias expectativas, que os indicadores históricos não iluminam.
O olhar com que os cineastas progressistas portugueses dessa década (e praticamente todos o são) olham o futuro torna-se opaco. Desiludidos com o caminho que as coisas tomam, volvido o tempo de esperança, tentam interpretar as realidades do seu país de um ponto de vista que não é suficientemente elevado para criar o distanciamento certo. Aquilo que avistam não é nítido. Surgem, nesse contexto, obras intricadas, voltadas para dentro, assombras pelo passado. Todas as ficções militantes da década sofrem desse "mal": as de Eduardo Geada, as de Luís Galvão Teles. Verde por Fora, Vermelho por Dentro, será porventura a única (a mais mal tratada pela intelisenzia reinante) que, pondo pé fora da intriga classista, empolando a adivinha, forçando a caricatura, conseguirá sair vacinada, livrando-se do mal." Fonte: wikipédia.

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Trás-Os-Montes (Trás-os-Montes) 1976

As raízes históricas de Trás-os-Montes são ancestrais e inscrevem-se na tradição galaico-portuguesa. O rio Douro e o seu enquadramento agreste são o décor natural de uma paisagem humana rica em tradições e práticas sociais que se perdem no tempo. São os velhos, as crianças, a agricultura de subsistência, o colectivismo pastoril e agrícola, os que ficaram e os que se foram, enquadrados num retrato sem história, pictórico, percorrido por longos silêncios musicais, numa paisagem solene em que a Natureza domina.
Retrato de Trás-os-Montes do ano de 1976, por António Reis e Margarida Cordeiro, esta última Transmontana, natural do Concelho de Mogadouro, da aldeia de Bemposta. Trás-os-Montes, o primeiro filme que assinou com António Reis, tornou-se uma referência para toda uma geração, e 34 anos depois da estreia continua a ser a súmula de algo português.
Trata-se de um documentário ficcionado, género muitas vezes referido através do termo docuficção. Especificamente, é uma etnoficção: retrata personagens típicas da Terra Fria, o nordeste montanhoso de Portugal, inventariando hábitos seculares, num ambiente rural majestoso. Dotado de uma linguagem acentuadamente poética distinta da narrativa clássica, é uma das obras representativas do movimento do Novo Cinema e uma das primeiras docuficções portuguesas.
“Para um povo e para um país à procura de si próprios”, escreveu João Bénard da Costa, “é uma das poucas pedras do caminho que nos pode ajudar a reencontrar a direcção”. .

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Brandos Costumes (Brandos Costumes) 1975

Cenas da vida doméstica duma família da média burguesia, alternadas com "actualidades" sobre a ascensão, glória e queda do Estado Novo, traçando um paralelo entre a figura do pai tradicional e do ditador Salazar. Os conflitos e as frustrações das filhas (correspondendo a duas gerações) surgem representadas dialecticamente, nas suas relações com os progenitores, a avó e a criada. Estes acontecimentos da esfera privada são postos em confronto com os da história colectiva do país.
""Brandos Costumes", filme do teórico mais bem preparado do novo cinema português, é uma obra que articula, com rara coerência, a "instância política" e a "instância estética", sem qualquer concessão nem demagogia. Perspassam no filme as sombras dos grandes primitivos - dos americanos aos russos - a revisão do cinema de propaganda português (particularmente " A Revolução de Maio", expressamente citada) e o rigor cénico de obras contemporâneas, desde Straub a Kramer. É um "filme-ensaio", um "filme-prosa", em que o jogo intelectual se sobrepõe ao emocional, mas em que os códigos são revisitados com uma acutilância cultural, muito rara no cinema português, quase sempre alheio a tais asceses." JBC

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quarta-feira, 2 de março de 2016

Meus Amigos (Meus Amigos) 1974

"O segundo filme de Cunha Telles como realizador,Meus Amigos(1974) é feito com fundos da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Centro Português de Cinema,uma cooperativa de realizadores de que Cunha Telles foi crítico e a que apenas adere para poder continuar a realizar. O filme conta a história de alguns amigos que participaram na primeira revolta de estudantes em 1962 e que se reencontram passados dez anos para fazer um balanço. Eduardo, que se tinha casado com um excelente partido, separa-se da mulher para reencontrar a sua liberdade e prosseguir a sua ação ordenada no sistema.
José Manuel abandonou os estudos, tendo emigrado como tantos outros e descobre que trabalhar no interior do sistema é, afinal, prolongar a sua sobrevivência e, portanto, prefere manter - se à margem, vivendo de expedientes, de ofertas de amigos, de desenhos para os turistas, de traduções. As mulheres falam abertamente da sua vida sexual, da perda da virgindade e dos seus parceiros, num reflexo da mudança de mentalidades que contribuiu para tornar possível, ou até inevitável, a revolução.
Cunha Telles não pretendia seguir a evolução profissional de cada um dos personagens, mas antes verificar que as ilusões de 62 tinham já desaparecido. O filme mostra essencialmente como a falta de liberdade e a opressão eram invasivas na vida pessoal dos protago nistas. E a própria arquitetura representada no filme é disso exemplo. Os atores movem - se quase sempre em casas isoladas por paredes ou por janelas sempre fechadas. À falta de liberdade generalizada na sociedade, corresponde uma falta de liberdade espacial , como se tivessem assumido a sua condição de presidiários, numa espécie de versão cinematográfica da prisão domiciliária.
Meus Amigos pretendia ser uma crónica das vidas lisboetas, da rotina palavrosa dos vencidos da bica, da ressaca de 62. É um filme longo, por vezes penoso, com quase três horas de duração, com uma grande austeridade nos enquadramentos fixos e com planos tão demorados que se aproximam da provocação, o oposto, como vimos, de O Cerco , em que a câmara se movia constantemente. Há quase um apagamento do papel do realizador, como se apenas tivesse decidido colocar a câmara e deixar a vida seguir, e nesse sentido é - lhe tão alheio como a qualquer um dos espectadores. Como escreveu Eduardo Prado Coelho, é um filme “que se deixa morrer aos poucos, que prepara fria e deliberadamente o seu suicídio coletivo. E há nessa morte em silêncio a angústia em nós de nada sabermos explicar o que se passa, de tudo ficar cada vez mai s do lado de lá, intransitivo e enclausurado, terrivelmente só. Nenhuma crítica o pode aceitar, claro; mas qualquer pessoa o pode entender” (Coelho 1974)" * Texto de Luis Urbano

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Jaime (Jaime) 1974

O mundo, a vida e o trabalho de Jaime Fernandes, camponês nascido na freguesia do Barco (Covilhã - Beira Baixa), atingido por doença fatal (esquizofrenia paranóica), aos 38 anos. Internado no Hospital Miguel Bombarda (Lisboa), ali morreu em 1967, com 69 anos. Aos 65 anos, começara a pintar e, durante esse curto período de tempo, até à sua morte, realizou uma obra pictórica genial, influência do meio social e hospitalar. Jaime, doente psiquiátrico, busca, no seu labirinto interior e no exterior que o rodeia, a harmonia que lhe escapou: o sentido das origens, as imagens do seu passado distante, as presenças de um universo ausente, o das terras de Barco, da Beira Baixa, que cedo a cidade lhe roubou. Busca isso nos desenhos que desenha, nas pinturas que pinta. E assim descobre, na força dos traços e no enigma das cores, aquilo a que teve de renunciar: ele próprio, num lugar que deixou de existir. Existir e não existir, real e imaginário são formas de ser que só pela imagem ele consegue fazer viver. Homem sombra no meio das sombras, flamejando: perfis, cores, gritos. A clausura total dentro do espelho. No ano da Revolução portuguesa de 1974, uma revolução no cinema português, Jaime, uma obra-prima da curta metragem no formato documentário pelo poeta, auto-didata e artista António Reis. Jaime, poema de sofrimento e solidão, uma obra única não só no cinema novo, como também no cinema português em geral.

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terça-feira, 1 de março de 2016

O Mal Amado (O Mal Amado) 1974

João, com cerca de vinte e cinco anos, decide abandonar os estudos, pouco antes de ir para a tropa. Soares, o pai - funcionário público zeloso, com influências e amizades - arranja-lhe um emprego transitório. Colocado numa secção de mulheres, a sua chefe, Inês, marcando a situação de favor de João, transfere para ele uma paixão frustrada pelo irmão, morto na guerra colonial, enquanto João começa a namorar Leonor, uma colega. Por mero acaso de ciúme, Inês acaba por abatê-lo, com um tiro de pistola
"O último filme português a ser proibido pela Censura do regime fascista foi, também, o primeiro a ser estreado após a sua queda. Vivia-se ainda a euforia dos primeiros dias da Libertação quando "O Mal Amado" se apresentou no écran do Satélite. Primeiro trabalho de longa-metragem de Fernando Matos Silva, "O Mal Amado" é a história de um jovem emparedado entre as várias esferas de Poder, corrompido/destruído pelas malhas insensatas do estertor do Império. Excelentemente interpretado por João Mota e Maria do Céu Guerra (muito bem enquadrados pelos restantes actores), narrada com eficácia e fluidez, contando com Costa e Silva na fotografia (que, não sendo excepcional, é segura) e com uma banda musical cuidada, "O Mal Amado" é um dos mais escorreitos filmes do dealbar da década de 70 no cinema português. O que dele se retém não é o labéu da "obra-prima obrigatória" mas a carpintaria de um argumento e dos meios de o pôr em cinema, uma certa limpidez, um certo desembaraço de processos.
Fernando de Matos Silva arranca com o pé direito." Jorge Leitão Ramos.

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Sofia e a Educação Sexual (Sofia e a Educação Sexual) 1973

Sofia regressa dum colégio na Suíça, onde passou a infância e para o qual foi enviada pelo pai, Henrique, após a morte da mãe. Instalada na antiga e luxuosa mansão que a família possui em Cascais, Sofia descobre, através da relação de Henrique com a amante Laura, uma vida social complexa, egoísta, hipócrita, que lhe era desconhecida mas à qual não pode escapar...
"Primeiro trabalho cinematográfico de Eduardo Geada, "Sofia e a Educação Sexual" marca a irrupção do desejo na esfera do cinema português. Não apenas o erotismo (aflorado já em "A Promessa" por exemplo) mas o próprio sexo, enquanto mecanismo de corpos, de olhar, de instituição.
Filmando os interiores burgueses, Geada filma os ritos, o auto-espectáculo dessa burguesia, as regras de comportamento que a enformam, os códigos. Atento, Geada aguça aqui o seu olhar (de) crítico. Houve quem falasse num filme demasiado cerebralizado, com riscos de monta (como o plano fixo de Luísa Nunes repetindo "amo-te Jorge"), a crítica dividiu-se na sua estreia. Mas Geada aflora o murmúrio e a obscuridade, a perversão cinéfila e a transgressão calculada, a mercadoria do sexo e a fascinação/repelência do charme. Inventa um rosto no ecrã do cinema português: Luisa Nunes que, com esta presença solitária, deixou marca na memória. Lança, fora dos circuitos do cinema do nacional-cançonetismo Io Apoloni - e com sucesso. Consegue, de Costa e Silva, uma fotografia excepcional. Aproveita e acentua, de Artur Semedo e Carlos Ferreiro, aptidões comprovadas.
Para além de tudo faz um sucesso comercial." Jorge Leitão Ramos.

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O Recado (O Recado) 1972

Lúcia é cortejada por António, da mesma classe social, embora guarde memória amorosa de Francisco, um marginal meio-aventureiro. Ausente há longo tempo, Francisco manda recado a Lúcia do seu regresso, por Maldevivre, um vagabundo, mas é liquidado por um gangue, talvez um ajuste de contas. Lúcia espera-o, pois, em vão, no dia e local marcado, numa praia deserta, até saber da sua morte por Maldevivre, o que a faz perder as possibilidades de evasão para um mundo que, não sendo o seu, a atrai… Desencantada, Lúcia curva-se perante a ordem de valores que António representa. Enquanto só, mas não o único, Maldevivre continua à espera que a raiva cresça e rebente.
"Podia-se falar deste filme para dizer que a primeira longa-metragem de Fonseca e Costa é, tecnicamente, mais que correcta, que os actores vão bem, que a guitarra de Pedro Caldeira Cabral dá à música de Rui Cardoso uma dolorosa dimensão ou que a fotografia (do cubano Ochoa) é esplêndida. Podia-se...
Mas isso seria faltar ao essencial deste filme. E o essencial é que este é um retrato firme, crispado e triste de uma geração que da resistência passou à passividade enquanto outros resistiam na carne, morriam. O essencial é que este filme ousou encenar a Pide a liquidar um resistente, ousou ser frontal e ardiloso, cifrado quanto baste para iludir a Censura e directo no retrato de uma classe intelectual a quem a raiva esmorecera.
"O Recado" é o filme português da época que melhor espelha a realidade (política, psicológica, social, interior) de onde emanou. Uma singularidade nada irrelevante no interior da geração do Cinema Novo." Texto de Jorge Leitão Ramos.

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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Pousada das Chagas (Pousada das Chagas) 1972

"Pousada das Chagas" foi uma encomenda caída do céu. A Fundação Gulbenkian tinha criado um museu de arte sacra em Óbidos e queria fazer um documentário sobre ele. Estávamos em 1970, e depois de " Mudar de Vida", em 1966, eu tinha deixado de acreditar no cinema clássico. A tarefa era urgente e não havia tempo para pensar. Enchi os bolsos com bocados de papel - citações de Rimbaud, Légende Dorée, Camões, Lao-Tse - e fui para Óbidos filmar conjuntamente com Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, pessoas de talento quase insolente. O que emergiu foi um "drama sacro" modernista, uma colagem de vozes, textos, objectos, espaços, pulsações. Corpos que ardem, que sofrem, que irradiam energia. (Paulo Rocha).
 "Pousada das Chagas" é uma encomenda mecenática da Gulbenkian, antecedendo os subsídios ao Centro Português de Cinema que relançariam o cinema português no inicio dos anos 70. Ante-estreou em 25 de Fevereiro de 1972 na Fundação Calouste Gulbenkian, em complemento ao filme " O Passado e o Presente", de Manoel de Oliveira, também em ante-estreia e, também, subsidiado pela Fundação e produzido pelo Centro de Cinema Português. Nessa noite, no Grande Auditório, com os seus 1500 lugares esgotados, teve lugar uma sessão solene com a presença do Presidente da República, Américo Thomaz, e de quase todo o governo. "Uma representação entre o documentário e a ficção sobre o Museu de Òbidos. O processo de colagem (actor-décor, textos literários-arte sacra) e a precisão gestual evidenciam a influência de outras culturas na obra de Paulo Rocha e anunciam os seus caminhos futuros. O filme é sobretudo um ascético ritual, em busca de uma secreta correspondência das artes".
João Bénard da Costa, "Cinema Novo Português: Revolta ou Revolução?", in Cinema Novo Português 1960/1974, ed. Cinemateca Portuguesa, 1985 

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A Promessa (A Promessa) 1973

Baseado na obra de Bernardo Santareno, este filme conta a história de um jovem casal de pescadores, unidos por um voto de castidade, que acolhe um cigano ferido na sequência de uma disputa em que foi esfaqueado. Há medida que o tempo vai passando, nasce uma relação de amor entre a jovem mulher e o cigano, acabando por dar origem a um clima de grande tensão. A acção, tal como no Mudar de Vida de Paulo Rocha, desenrola-se numa típica aldeia de pescadores, mas ao contrário do primeiro não tenta fazer o retrato de uma sociedade maioritariamente pobre e sem esperança no futuro, mas explora a questão da influência quase nefasta que a religião exerce sobre um povo ignorante. Todo o filme tem, por isso, uma espécie de aura esotérica que vai de encontro aos interesses do próprio autor, que se diz anarco-místico. Para tal, contribuem o uso da cor, do nevoeiro, de planos em câmara lenta e de uma certa representação mais teatral, ou como diria António de Macedo, mais melodramática, porque o povo português é melodramático. Porém, não se deve aqui confundir teatral com artificial, pois à excepção de um certo exagero na interpretação de um dos ciganos – que torna os diálogos quase imperceptíveis de cada vez que intervém – estamos perante um bom trabalho de actores, infelizmente tão raro nos filmes portugueses deste período. Também merecedora de destaque é a fotografia de Elso Roque que, em consonância com o misticismo de António de Macedo, proporciona momentos de grande interesse, como na poderosa cena da violação ou a pictórica cena final.
A Promessa, talvez por não corresponder aos ideais traçados pelo Cinema Novo (mas não só), não está entre os melhores filmes da época. Mas, uma vez mais, António Macedo demonstra uma grande ousadia, quer ao nível do tema quer ao nível da técnica, sendo por isso um importante contributo para o cinema nacional.

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Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família (Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família) 1972

João Lucas é um fulano bizarro que quase nunca sai da cama. As receitas domésticas são trazidas por Maria, que trabalha numa fábrica alemã que faz chapéus-de-chuva.
O quotidiano é filmado em 8 mm por uma Criança, uma menina. O pé-de-meia de Maria é, por vontade de João, quase todo gasto nessa brincadeira. Mas ele está-se nas tintas, provoca o sogro, que o critica, metendo uma máscara de porco e lá vai fazendo pela vida: os prazeres do sexo, «terno porém aflito», são coisa que não dispensa.
Maria insiste com o João, procurando restabelecer uma relação normal, mas em vão e ela acaba por sair de casa. A Criança continua a filmar o inefável João, até gastar a película toda. Este por ali fica, entretido a vê-la desabrochar. Filme esmola por ter sido feito com pouco dinheiro (cerca de 200 contos), o quinto produzido pelo CPC (Centro Português de Cinema), apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, numa época ainda sob a vigência do Estado Novo. A lógica é esta: filme imperfeito, feito de fragmentos, de retalhos, de restos obtidos como esmola.
«João César Monteiro parte para o ataque já nos créditos de abertura, ao realizar gesto obsceno diretamente para a câmera». A bem calculada irreverência que Monteiro pratica tanto nos actos da vida como no cinema será um bom investimento para o futuro. Crítica social e arrojo formal, o desprezo pelo politicamente correcto, pelos equilibrados classicismos a que outros se vinculam na prática da vida e do cinema, são as apostas. A Dies Irae, ira de Deus, a mesma do João, em tema musical de Mozart, servirá às mil maravilhas para dar consistência ao personagem e servirá para explicar as opções ideológicas e formais do autor.
A família, bem social cultivado pelo fascismo, e as liberdades estéticas praticadas na Sétima Arte pelos adeptos da Nova Vaga, a que Monteiro adere com os seus colegas do CPC, em estilo bem pessoal, serão os motivos a que ele deita mão para realizar a obra. A abjecção, prática surrealista explorada no cinema por Luís Buñuel, servirá de tempero. Planos sequência recorrentes e uma narrativa desalinhada, quebrando os cânones da exposição clássica, farão o resto. Sabe o astuto João que é por esse lado que lá chegará. Torna-se reincidente.

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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Vilarinho das Furnas (Vilharinho das Furnas) 1971

"Vilarinho das Furnas" não é o primeiro trabalho de fôlego de António Campos, mas é aquele que impõe o nome do seu realizador como personalidade singular do documentarismo português dos anos 60-70.
Retrato de uma aldeia comunitária do Norte do País, condenada a desaparecer pela construção de uma barragem, o mais notável deste filme é a dissociação operada entre banda de imagem e banda de som, num jogo de autonomias que mutuamente se cavalgam, se completam, se contraditam. Campos recolhe, testemunha e, na secura do seu procedimento (nenhum comentário pessoal acontece), na disponibilidade de ver e ouvir, faz-se solidário - e não em visita, nem lamento, nem missionação - da realidade moribunda que encontra.
Tecnicamente precário, "Vilarinho das Furnas" é um exemplo de ética face ao real, que não sai ferido, em essência, pelo facto de ter escassas condições de produção. Talvez seja mesmo o contrário. Na sua rudeza ele assume-se vertical num tempo em que o restante documentarismo luso era, sobretudo, polido, bem acabado, mas vazio.* Texto de Jorge Leitão Ramos

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Pedro Só (Pedro Só) 1972

Pedro, camponês de uma aldeia montanhosa do interior, em Trás-os-Montes, envolve-se numa luta de famílias e mata outro companheiro, no momento em que este atacava o seu pai. Desesperado, foge de si mesmo e dos outros, tornando-se num vagabundo. Apesar de tudo, mantém uma dignidade que o distingue dos outros, vulgares pedintes. Depois de passar várias dificuldades, Pedro tenta abandonar aquela vida de solidão através do amor por Clara, uma prostituta. Mas é demasiado tarde. O vagabundo regressa então à sua terra natal. Ao constatar que nada mudou ao longo dos anos, a sua vida pouco tempo mais irá durar.
Mais uma adaptação de um romance para o cinema, desta vez de Manuel Mendes, a sua obra mais conhecida, "Pedro: romance de um vagabundo" (1954), pelas mãos de Alfredo Tropa, um jovem realizador que já tinha então um número considerável de curtas-metragens, e que aqui tem a sua primeira longa. Tropa já tinha alguma experiência no movimento do novo cinema portugês, pois fora assistente de filmes como Foi assistente de realização em algumas películas, como Mudar de Vida, de Paulo Rocha, e Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes.
Pedro Só foi filmado em condições muito precárias, numa das regiões mais pobres de Portugal - as aldeias do isolado nordeste transmontano. Um dos filmes pouco falados do novo cinema português, que merece uma visualização.

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Uma Abelha na Chuva (Uma Abelha na Chuva) 1972

Um universo rural imobilista e opressivo, quebrado por ausências, desencontros ou silêncios, incidindo sobre um casal, Maria dos Prazeres, Álvaro Silvestre. Relação conjugal de compromisso, que é estilhaçada pelo conflito latente das paixões, fraquezas e desejos recalcados...
 É um dos filmes portugueses mais emblemáticos feitos antes da revolução de Abril de 1974. A acção passa-se num ambiente social rígido. Faz uso de uma narrativa forte, não-linear, muito próxima do cinema francês dos anos 60. O filme destaca as três classes que formavam o meio rural português da época: o povo, a aristocracia e a burguesia. O filme não é uma transcrição exacta da obra literária, antes uma interpretação sonora e visual das várias leituras que Fernando Lopes fez do livro e, do universo criado por Carlos Oliveira em 1953. A falta de meios terá ditado a adopção de uma estratégia experimental por parte do seu realizador/produtor, que viu a rodagem e montagem do filme, irem sendo intercaladas pela produção de pequenos filmes publicitários que asseguravam a subsistência do projecto. Este moroso processo de montagem favoreceu e promoveu o carácter experimentalista e o desejo de Fernando Lopes em desafiar as convenções: desmontando o enredo da obra de Carlos Oliveira, eliminando personagens e descontextualizando geográfica e socialmente a narrativa. Desta forma, Uma Abelha na Chuva requer a participação do espectador para que seja devidamente apreciado, pois possui uma construção fílmica extremamente fragmentária, elíptica, com saltos narrativos, deslocações de sentido e repleta de mensagens subliminares. A sua linguagem demonstra a vontade vanguardista da época em inovar estratégias estéticas. Há, por isso, uma procura incessante na desconstrução permanente no interior da própria narrativa, que é construída através da repetição de cenas sem diálogo, da insistência em certos movimentos que intensificam e dão ênfase às acções dos personagens.
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ontinuidades em som e imagem, este estilo próprio tem como resultado um filme onde por vezes o som não está, propositadamente, sincronizado com a imagem, onde há uma intenção clara no uso da voz off nos longos monólogos interiores das personagens, na montagem repetitiva que, em conjunto com freeze frames ou com fotografias, quebram o fluxo da narrativa.

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