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sábado, 20 de setembro de 2014
O Diabo, Provavelmente (Le Diable Probablement) 1977
Charles deriva através da política, religião e psicanálise, rejeitando todas.Quando percebe a profundidade do seu desgosto, com o declínio físico e moral da sociedade onde vive, decide que o suicídio é a única opção...
"Para não fugir à regra, Le Diable, Probablement, penúltimo filme de Bresson, foi um desastre comercial e pouco tempo e por pouca gente foi visto nos cinemas em que se exibiu. A crítica - dum modo geral - não diferiu do juízo do público. O filme foi considerado um espectacular “falhanço” do grande cineasta, arrastado pelo seu “reaccionarismo” e por certa senilidade a traçar um retrato apocalíptico da juventude dos anos 70, que pecaria por total desconhecimento de causa, total superficialidade e total pessimismo. Na sua resenha crítica, um jornal como o Nouvel Observateur classificava o filme entre as obras “a evitar”.
De um modo geral, os detractores não perdoaram a Bresson ter pegado na juventude, no sexo, na droga, no esquerdismo, na ecologia, na psicanálise, etc., e ter mandado tudo isso literal e provavelmente ao Diabo. A evocação de tal “personalidade”, se era, nos anos 70 bem vinda em certo tipo de filmes mais ou menos “terrorizantes” (desde Rosemary’s Baby aos vários Exorcist) é certamente incómoda quando - como é o caso - nenhum intuito sensacionalista se descortina, nem há qualquer intenção de pôr à prova os nervos do espectador. O Diabo não é neste filme uma presença de guignol e vem citado apenas num curto e ocasional diálogo (se é que em Bresson algo há que seja e não seja ocasional) travado num autocarro: (“Qui nous manoeuvre en douce? Le Diable, probablemente”). A pergunta e a resposta surgem na boca de “passageiros” dum autocarro, cuja intervenção no filme a elas se resume. Mas, proferido o nome, o autocarro trava bruscamente, devido a algo que acontece e que o espectador nunca chega a saber o que foi. Ficamos sempre no domínio das probabilidades já que, desde o título, Bresson nunca é afirmativo sobre as razões de que acontece ao grupo de jovens que são objecto do seu filme. Essa continuada ambiguidade, essa continuada probabilidade parecem ter desnorteado particularmente público e crítica que experimentaram crescente dificuldade (e mal estar) perante a fragmentação deste filme, não ordenado em torno de uma coerência psicológica ou dramática.
No entanto, tais características são constantes da obra de Bresson. Le Diable, Probablement nada mais faz que levá-las ao seu ponto extremo, sobre um argumento que, como em Pickpocket e Au Hasard Balthazar, é, pela terceira vez na sua obra, inteiramente da sua autoria. Mas é precisamente porque esse ponto é muito extremo que público e alguns comentadores terão sentido tantas dificuldades, tanto mais que desta vez não tinham o ponto de apoio exterior de uma obra literária conhecida (como foi o caso em filmes anteriores).
Não será exagerado dizer-se que Le Diable é um filme construído em elipse. Entre os muitos exemplos, cito apenas a sequência em que Valentin mata Charles, precedida pelo passeio destes (sequência que é quase o contraponto da fuga de Fontaine e Jost no famoso Un Condamné à Mort s’est Échappé). Charles diz a Valentin (em off) “Pensei que num momento destes teria ideias sublimes”. Silêncio de Valentin, que a câmara continua a seguir. Depois, Charles pára, a câmara vai junto dele (com essa espantosa mobilidade imperceptível que é segredo do realizador) e diz: “Nunca hás-de saber no que eu estou a pensar ...”. Ouve-se o tiro e Charles cai. De facto Valentin “nunca há-de saber” (como o espectador), porque ele próprio impediu a revelação, e, como bem notou Serge Daney, tomou a frase à letra: “Charles morreu por ter sido tomado à letra”. A revelação final que permitiria o “belo fim”, ou a “inteligência” da história, é retirada pelo gesto de morte, que introduz a máxima elipse, ou o máximo vazio. Tudo o que Charles pudesse dizer não interessa, porque, na estética bressoniana, a palavra - o discurso - é lugar de teatralidade ou de drama, e, como tal, insignificante. Os discursos (dos dirigentes políticos, da sessão na Igreja, do ecologista Michel, do psicanalista) só revelam o total esvaziamento, são sempre o lugar privilegiado da não-comunicação. Se Charles escolheu Valentin “para o gesto antigo, à romana” é precisamente porque este último é o único que não fala. O que se exprime, exprime-se por gestos e ruídos. Jamais por discursos organizados. A comunicação de Charles com Valentin processa-se através destes: a droga que é dada, a música que ouvem em conjunto (Monteverdi) na sequência capital da segunda visita à igreja. Quando Charles se decide a falar (na assombrosa sequência com o psicanalista a que Bresson, muito sabido em mitos, deu o nome nada inocente e nibelunguiano de Dr. Mime) fá-lo recorrer à leitura de um magazine, debitando lugares comuns. Ao contrário do grupo de cineastas ecologistas que fabricam, na obscuridade e de lâmpadas na mão, o comentário para o filme que fazem (numa das sequências mais inquietantes e revolucionárias desta obra), Bresson sabe que a palavra (ou esse género de palavra) está a mais e só anula o significado que finalmente importa: o que advém de sons e imagens articuladas na sua desarticulação (ou desarticulados na sua articulação). Donde, a importância que crescentemente confere à banda sonora e que nesta obra atinge, porventura, o seu máximo de riqueza e densidade.
Em Le Diable, os vários elementos visuais e sonoros, constantes em toda a filmografia de Bresson (escadas, elevadores, gradeamentos, automóveis, ruído de motores, de portas que se fecham, de objectos mecânicos, etc.) aprisionam os personagens no vácuo em torno do qual todo o filme é construído. Por isso, a câmara se demora nos espaços deixados vazios pela saída das pessoas, por isso estas são enquadradas pelo meio do corpo, numa permanente desarticulação e fragmentação, que retira qualquer estabilidade à presença física e sempre proíbe a fruição do corpo (“corpo interdito”, como se diz no Lancelot du Lac).
Le Diable, como toda a obra de Bresson, é um filme de ruptura. Será entre as personagens, nos interstícios delas, que se transmite essa outra presença: a que o autor apenas provavelmente indica e cada qual é livre de interpretar como quiser.
Como escreveu Jorge de Sena “nada mais existe, nada mais tem importância / para quem viu a treva nos intervalos das coisas”.
Uma atenta visão da obra de Bresson mostrará que, sobretudo depois de Au Hasard Balthazar, para Bresson, também, “nada mais existe”. João Bernard da Costa.
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quinta-feira, 18 de setembro de 2014
O Espantalho (Scarecrow) 1973
Max é um ex-condenado que tem vindo a poupar dinheiro para abrir uma lavagem de carros em Pittsburgh. Lionel é um marinheiro que volta para casa para ver o filho que nasceu enquanto ele estava no mar. Juntos foram um par improvável, enquanto Max aprende um pouco como Lionel lida com o mundo: ele acha que os espantalhos não assustam as aves, mas sim diverte-os.
O road movie e a vasta paisagem social e demográfica, muitas vezes turbulenta, dos Estados Unidos, têm, ao longo dos anos sido motivo de inspiração para vários realizadores, argumentistas, e até mesmo actores. Dissidentes da contra-cultura, anti-heróis, famílias em conflito, solitários, viajaram pelos Estados Unidos de ponta a ponta, em viagens que os afectaram emocionalmente, qualquer que seja o seu destino. O final dos anos sessenta, e o inicio dos anos setenta, viram saír para a rua uma série considerável destes filmes, um período totalmente compreensível, dadas as transformações radicais da época. Alguns exemplos: Easy Rider, Two-Lane Blacktop, Five Easy Pieces, The Sugarland Express, Vanishing Point, The Last Detail, entre muitos outros.
Entre estes filmes, estava um de Jerry Schatzberg, acabadinho de dirigir um jovem Al Pacino em "The Panic in Needle Park" (1971), que deu ao público a sua própria visão com "Scarecrow", acabando por ganhar a Palma de Ouro, em 1973, ex-áqueo com "The Hireling", de Alan Bridges. Mais uma vez com Pacino, agora ao lado de Gene Hackman, é um filme que segue o caminho de dois homens que vivem à margem da sociedade. Dois andarilhos da classe trabalhadora, em vez de rebeldes da contra-cultura, um com uma enorme ingenuidade, energia e humor, o outro com uma dose de mau humor, nervosismo e cansaço do mundo, ambos em busca de algo, qualquer coisa, para dar sentido às suas vidas. Percorrendo um longo caminho da Califórnia para Pittsburgh, as suas personalidades opostas acabam por ter um efeito profundo sobre o outro, durante as suas experiências, ora brutais, ora cómicas.
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quarta-feira, 17 de setembro de 2014
O Cowboy da Meia Noite (Midnight Cowboy) 1969
Dustin Hoffman é Ratso Rizzo, um aldrabão desmazelado com grandes sonhos. John Voight é Joe Buck, um ingénuo e sedutor cowboy do Texas, convencido que é a salvação de muitas mulheres nova-iorquinas, solteiras e sedentas de amor. Vivendo à margem da sociedade, o destino acaba por juntar estas duas personagens neste poderoso e comovente filme.
"Midnight Cowboy" é várias coisas ao mesmo tempo: um astuto estudo de personagens, um buddy movies, uma comédia humana, e uma descrição honesta e directa do decadente mundo da prostituição masculina, em Nova Iorque. O que é mais surpreendente no filme, é a sua recusa em envelhecer. Ganhou o Óscar de Melhor Filme em 1969, mas visto mais de quarenta anos depois, nada parece ter diminuído o seu impacto. Continua a ser tão crú e potente como quando foi lançado pela primeira vez, com o rating X.
John Schlesinger, realizador inglês, fez "Midnight Cowboy" como a sua estreia americana, e como não era nativo de Nova Iorque, foi capaz de trazer um ponto de vista diferente, dos olhos de um estrangeiro, que redefinia a cidade, e a América. Schlesinger deixa o seu director de fotografia, Adam Holender, perder-se, por entre luzes de neon, gigantes arranha-céus, e uma variedade eclética de pessoas que a maioria dos americanos tomam como pessoas comuns. A câmera de Holender transforma a cidade num personagem do filme, como qualquer outra pessoa. Se Park Avenue é o local onde os sonhos são realizados, a 42nd Street é o local onde eles são desfeitos.
Foi o único filme, até hoje, que avaliado com o rating X, conseguiu ganhar o Óscar de Melhor Filme. Levou mais duas estatuetas para casa, de Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado (Waldo Salt). Valeu ainda nomeações para os actores Hoffman, Voight, e Sylvia Miles. Com dois actores nomeados para o prémio principal, o prémio acabaria por fugir para John Wayne, em "True Grit".
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terça-feira, 16 de setembro de 2014
O Inimigo Público (Take the Money and Run) 1969
Um filme apresentado como um documentário sobre a vida de um criminoso incompetente e mesquinho, chamado Virgil Starkwell. Descreve a infância e a juventude de Virgil, os seus fracassos numa carreira musical, e a sua obsessão por assaltar bancos. O filme usa uma narração em voice over, e entrevistas com familiares amigos e conhecidos.
O primeiro verdadeiro filme dirigido por Woody Allen pode não ser um dos seus mais conhecidos, mas influenciou mais o seu direcionamento para a comédia do que qualquer outro. Imaginem sketchs dos Monty Phyton misturados com os mockumentários de Christopher Guest, com ambos os estilos a serem totalmente novos na altura do lançamento deste filme. Muito influenciado pelos irmãos Marx, e a comédia muda, o filme é basicamente um conjunto de sketchs, em que Allen e o seu consultor Ralph Rosenblum eventualmente conseguiram colocar alguma ordem. Uma mistura anárquica e autodepreciativa de cenas muitas vezes hilariantes, e alguns fracassos engraçados, que ao contrário do Woody mais recente, parodia, e utiliza a sua vasta riqueza sobre a história do cinema, em vez de, simplesmente copiar os filmes daquela época.
Cada cena perturba o sentido do documentário seriamente, criando um mal estar baseado na comédia. Por um lado é Woody Allen achar que qualquer coisa que vá contra a ilusão da verdade seja engraçada, mas ninguém chega ao fim do filme a pensar que o que acabaram de ver era realmente um documentário. Allen era um escritor de "comics" e argumentista de televisão nesta altura, e as suas piadas eram tão boas que não interessava se ele estava a tentar encontrar a sua rotina no standup. Uma comédia muito inteligente, a não perder.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2014
De Punhos Cerrados (I Pugni in Tasca) 1965
Uma família da província está no centro do filme de estreia de Marco Bellocchio, o mórbido "I Pugni in tasca", que é literalmente um filme doente. Temos várias doenças que alimentam os membros da família: a mãe é cega, os filhos sofrem de epilepsia, o mais novo também é deficiente mental - são encarnações físicas das suas enormes emoções.
O jovem protagonista, Alessandro, é-nos introduzido ao filme a saltar de uma árvore, literalmente caindo no frame, como se tivesse sido largado do ar. Alessandro é conhecido por vários nomes (Ale ou Sandrino), vive longe do mundo ao seu redor, não se encaixa na sua família ou sociedade, e a sua vida é marcada por um constante tumulto, normalmente da sua própria criação. Tem tendências homicidas, que ele vê como uma solução prática para os problemas familiares, além de se portar como uma bomba prestes a explodir.
O protagonista é Lou Castel, um actor já com uma longa e variada carreira, mas um desconhecido quando Marco Bellocchio o escolheu para o papel principal. Na sua juventude foi muitas vezes comparado a um jovem Marlon Brando, não só devido à sua calvície prematura, mas também porque simultaneamente parece inofensivo e profundamente ameaçador.
O vazio da família é assumido pelo irmão mais velho, Augusto (Marino Masé), que é o mais convencionalmente normal da família. Frustrado com as responsabilidades que foram descarregadas sobre ele como irmão mais velho, depois da morte do pai, ele pretende casar-se com a namorada, e mudar-se para um apartamento na cidade.
Ao lado de "Antes da Revolução", de Bernardo Bertolucci, este filme marcava o início de uma nova era no cinema italiano, que era infinitamente mais política, e mais ousada, principalmente porque davam um pontapé no Neorealismo, que vinha a dominar o cinema italiano nos anos 40 e 50, com uma radical simplicidade, e um enorme humanismo. "I Pugni in Tasca" era um produto dos turbulentos anos sessenta, era em que a maioria dos países ocidentais foram sacudidos pela agitação política e divisões geracionais que se tornaram abismos intransponíveis. Lançado em 1965, a escassos três anos das revoltas estudantis de Maio de 68, o filme é atravessado por uma raiva reprimida, tal como o título sugere.
Existe algo sombriamente cómico sobre o filme. Bellocchio leva o assunto muito a sério, mas dá-lhe um tom um pouco absurdo que circula algures entre a comédia e o infortúnio. No entanto, o realizador nunca se afasta da tragédia pungente do filme, porque todos os membros da família se vêm uns aos outros como encargos, e portanto tentam sabotar a felicidade do outro. Eles são disfuncionais porque não conseguem ver nada de positivo uns nos outros, que reduz cada membro da família a um objecto, mais do que a uma pessoa.
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domingo, 14 de setembro de 2014
Losers
O cinema não é só feito de heróis, e de grande vitórias. Por vezes conta-nos histórias do outro lado da vida, o dos perdedores e das derrotas.
O próprio Cinema já teve os seus dissabores no que diz respeito a este tema. O filme que talvez venha primeiro à memória no que diz respeito a perdedores, é "Heaven's Gate", de Michael Cimino, um épico monumental, para muitos especialistas um dos maiores filmes da história do cinema, mas que na altura da sua estreia foi massacrado pelo público e pela crítica. Lembro-me de "One From the Heart", projecto fabuloso de Francis F. Coppola, com uma história desgastante por trás da sua produção. Foi também mutilado na altura da sua estreia. De outro ponto de vista, temos obras como "A Côr Púrpura", de Steven Spielberg, nomeado para 11 Óscares, sem ter ganho qualquer um.
Vamos por agora esquecer os filmes perdedores, e vamos entrar no reino das personagens "losers". É um tema que daria pano para mangas, suficiente para um ciclo de mais de um mês de duração. Mas, como sempre, fizemos uma mini selecção de personagens losers, com 5 filmes, que irão ser mostrados ao longo da semana. Espero que gostem.
Segunda: I Pugni in Tasca (1965), de Marco Bellocchio
Terça: Take the Money and Run (1969), de Woody Allen
Quarta: Midnight Cowboy (1969), de John Schlesinger
Quinta: Scarecrow (1973), de Jerry Schatzberg
Sexta: Le Diable Probablement (1976), de Robert Bresson
O próprio Cinema já teve os seus dissabores no que diz respeito a este tema. O filme que talvez venha primeiro à memória no que diz respeito a perdedores, é "Heaven's Gate", de Michael Cimino, um épico monumental, para muitos especialistas um dos maiores filmes da história do cinema, mas que na altura da sua estreia foi massacrado pelo público e pela crítica. Lembro-me de "One From the Heart", projecto fabuloso de Francis F. Coppola, com uma história desgastante por trás da sua produção. Foi também mutilado na altura da sua estreia. De outro ponto de vista, temos obras como "A Côr Púrpura", de Steven Spielberg, nomeado para 11 Óscares, sem ter ganho qualquer um.
Vamos por agora esquecer os filmes perdedores, e vamos entrar no reino das personagens "losers". É um tema que daria pano para mangas, suficiente para um ciclo de mais de um mês de duração. Mas, como sempre, fizemos uma mini selecção de personagens losers, com 5 filmes, que irão ser mostrados ao longo da semana. Espero que gostem.
Segunda: I Pugni in Tasca (1965), de Marco Bellocchio
Terça: Take the Money and Run (1969), de Woody Allen
Quarta: Midnight Cowboy (1969), de John Schlesinger
Quinta: Scarecrow (1973), de Jerry Schatzberg
Sexta: Le Diable Probablement (1976), de Robert Bresson
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