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sábado, 27 de janeiro de 2018

Lavoura Arcaica (Lavoura Arcaica) 2001

"A produção difícil de Lavoura Arcaica (2001), longa de estreia de Luiz Fernando Carvalho, é bastante conhecida. O corte inicial do filme possuía 3h40, diminuída em uma hora para uma “versão comercial”, que obviamente clamava por um filme menor. O impasse mais curioso veio do Canal Plus, rede francesa que se interessou em co-financiar a obra juntamente com a VideoFilmes dos irmãos Salles, com peso especial na distribuição europeia. Se tivesse menos de duas horas, a obra apareceria como favorita à Palma de Ouro em Cannes (naquele ano, venceu O Quarto do Filho, de Nanni Moretti).
Depois do segundo corte, da insistência do diretor em não mexer mais na obra (apoiado pelo próprio Raduan Nassar, autor do livro adaptado) e concordância dos irmãos Salles com a opinião de Luiz Fernando Carvalho, o prazo para a inscrição do filme no Festival de Cannes foi esgotado, o financiamento do Canal Plus não aconteceu, e a opinião de alguns críticos brasileiros, pedindo que o filme não fosse mesmo inscrito, pois afastaria os votos da Academia, viu o sonho realizado. Com 2h43 minutos de duração, Lavoura Arcaica chegou aos cinemas. E arrebatou a todos os que mergulharam em sua história, mostrando que em alguns casos, o excesso programado, o perfeccionismo e a extrema fidelidade à obra original não necessariamente estragam um filme. É a forma como se manipula esses ingredientes que resulta em um bom ou mal produto. No caso de Lavoura Arcaica, o resultado é uma obra-prima. 
André (Selton Mello) é o foco do enredo. Ele representa o filho pródigo que deixa a casa vazia, triste, quando resolve fugir ao julgo do pai e do marasmo da fazenda onde mora. De família libanesa, onde o patriarca, interpretado de maneira soberba por Raul Cortez, administra a vida de todos em forte vigilância moral e valores demasiadamente arcaicos, André percebe que não há lugar para ele, o sujo, o epilético, o filho da “febre nos pés” naquele lugar. Ele é o filho que possui um desejo incestuoso pela irmã, chegando a realizá-lo, em uma espécie de “milagre divino da carne”, que serve tanto como descarga de sua libido, quanto como afronta a tudo o que o opressivo pai construiu e valorizou a vida inteira."
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sábado, 20 de janeiro de 2018

A Festa da Menina Morta (A Festa da Menina Morta) 2008

Há 20 anos uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas comemora a Festa da Menina Morta. O evento celebra o milagre realizado por Santinho, que depois do suicídio da mãe recebeu nas suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. A menina nunca encontrada, mas o tecido rasgado e manchado de sangue passa a ser adorado e considerado sagrado. A festa cresceu indiferente à dor do irmão da menina morta, Tadeu. A cada ano as pessoas visitam o local para rezar, pedir e aguardar as "revelações" da menina, que através de Santinho se manifestam no ápice da cerimonia.
"A Festa da Menina Morta parece trazer uma vontade bastante pessoal de Matheus Nachtergaele em levar para o cinema algo que lhe é de caríssimo interesse. Ele fala sempre sobre a importância daquela cultura ribeirinha do rio Amazonas, tão desconhecida para nós. Mas, finda a projeção, surgem perguntas. O que Matheus queria precisamente falar: de um modo de vida ou do misticismo? E como ele se posiciona sobre a dinâmica desse grupo social que é reproduzido, em princípio, de uma matriz real? São perguntas sem respostas afiadas, lançadas ao vento, que têm seu retorno garantido para colocarem em xeque certos procedimentos adotados pelo diretor, que acabam por culminar sobre um dilema terrível ao filme: onde se coloca o ponto-de-vista do narrador-cineasta.
Nachtergaele parte de um evento real para assim compor os traços ficcionais que se voltam ao ponto de partida: uma procissão-festa que celebra o milagre brotado da morte de uma menina, num verdadeiro culto-relicário de suas roupinhas rasgadas entre músicas, comilanças e bebedeiras festeiras, que o ator conheceu quando atuava em O Auto da Compadecida (o que deixa claro, mais uma vez, as intenções nobres de alguém que cruzou semestres com projeto firme na cabeça). Na verdade, o filme parte desse extrato real para sobrevoar em círculos o personagem de Santinho (Daniel de Oliveira), que ganhou o status que seu nome indica há 20 anos, quando recebeu de um cão os trapos da menina no mesmo instante em que sua mãe se suicidava. Virou milagreiro, mas o que o filme nos mostra é que aqui está um violento sujeito, vulcanizado a explosões de humor, pequenas violências domésticas (como tabefes no cocuruto das empregadas). É um líder sob crise titã, carregando o peso da coroa e arruinado nos seus ânimos. "
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sábado, 13 de janeiro de 2018

Santiago (Santiago) 2007

"“Santiago” (2007), documentário dirigido por João Moreira Salles, é um exercício de problematização de gênero. O diretor começou a filmá-lo em 1992, ao perceber a singularidade da personagem que intitula a obra, Santiago Badariotti Merlo, mordomo da casa em que Salles passou a infância, solitário, e com o encantador hábito de redigir textos a respeito da história da nobreza de povos do mundo todo. O documentarista abandona o projeto iniciado na década de 90 (único filme de sua carreira que não conseguira realizar) e retoma o material (30 mil páginas e 9 horas de cenas registradas) apenas 13 anos depois. Neste ponto, resolve traçar um exercício reflexivo a respeito daquilo que havia filmado, organizando, assim, uma impressionante discussão em torno dos limites entre a documentação e a ficção, cujo eixo é não mais exclusivamente a vida de Santiago, mas também a memória do diretor e suas decisões narrativas. 
As primeiras cenas de “Santiago” optam pelo close in (procedimento muito raro no filme) em direção a uma série de fotografias, enquanto o narrador explica: “Há treze anos, quando fiz estas imagens, pensava que o filme começaria assim: Primeiro uma música dolente. Não essa que eu só conheci mais tarde, mas algo parecido; depois um movimento lento em direção a três fotografias.” Neste momento, se estabelecem, portanto, dois níveis narrativos. O primeiro refere-se à esfera metaficcional, no qual o artista lança comentários a respeito da própria obra. O segundo, por sua vez, se ocupa da história de Santiago e sua relação com a família de Salles. Logo, o narrador estabelece uma tênue ligação com o personagem que dá título ao filme, já que o antigo mordomo o ensinava a equilibrar copos com a bandeja na mão, enquanto o pequeno patrão “brincava de servir” com os irmãos, distinção servo/proprietário que guiará as principais escolhas da obra. Deve ficar claro, entretanto, que ambos os planos da história dividem-se também em duas dimensões: a do passado e a do presente, duas temporalidades que, uma vez documentadas, se complementam na trama. 
O documentário, termo utilizado na França dos anos vinte e, provavelmente, estabelecido definitivamente por John Grierson nesta mesma década, é um gênero tradicionalmente marcado por seu caráter não ficcional. Contudo, já as primeiras definições do termo o diferenciavam dos chamados “cinejornais”, visto que o documentário executaria o “tratamento criativo” da matéria tratada, sendo, portanto, mais do que reprodução mecânica da realidade. Este ideal está impresso nas cenas iniciais de Santiago, já que a câmera permite que percebamos algo para além das imagens fixas do passado, representadas pelas fotografias que inauguram a história. Logo, João Moreira Salles define aquele que deveria ser efetivamente o primeiro plano do filme. Ouvimos a voz de Santiago, a tela está escura, revelando à assistente de filmagem, Márcia, que gostaria de começar a filmagem com um pequeno depoimento preparado com todo o carinho, ao que a responsável negaceia. Jamais saberemos o que Santiago gostaria de ter expressado e esta inacessibilidade é uma constante em todo o filme. Em seguida, vemos a claquete mediando nossa percepção na primeira vez na qual, finalmente, vemos o ex-mordomo, em uma cena repleta de signos e, mais ainda, de significados."
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terça-feira, 2 de junho de 2015

O Vampiro da Cinemateca (O Vampiro da Cinemateca) 1977



"O Vampiro da Cinemateca, de 1977, dirigido por Jairo Ferreira é um dos filmes mais experimentais do Cinema Marginal. Com uma linguagem que beira ao documentário, com voz off constante e cortante de Jairo, o filme faz uma montagem com diversas imagens de outras obras cinematográficas e de imagens filmadas com Super8 de Jairo.
 Ele se posiciona como um crítico, tanto da cultura de massa, quanto de outras situações. Ele faz críticas também a cultura nacional, e ao cinema novo. Em um momento, ele diz: “O cinema novo é um cadáver gangrenado. Um movimento de direita que se julga de esquero, Glauber rocha diz que vai descobrir o certo através do errado, Glauber é uma instituição brasileira, ou seja, ele vai descobrir que ele é o novo lima Barreto na linha direta de rui Barbosa”. Isso mostra todo o desprezo do movimento marginal pelo cinema novo, ainda que este bebesse nas descobertas e obras daquele. Ainda falando sobre Glauber Rocha, maior expoente do cinema Novo, Jairo faz uma crítica direta “Não adianta Glauber, pode estribuchar. Você nunca vai ser o Maiakovski brasileiro”.
O filme não segue uma linha narrativa clássica, intercalando imagens que parecem aleatórias. O único personagem recorrente é o próprio Jairo, que parece fazer o papel do vampiro da cinemateca. O autor costumava chamar esse tipo de filme de “cinema de invenção”. Em certa hora do filme, ele diz “é preciso inventar novos signos”.
 Com muitas referências a arte concreta, a antropofagia de Oswald de Andrade e ao cinema artesanal pré-marginal de Mujica, o Zé do Caixão, Jairo parece querer inventar um novo significado para a arte cinematográfica. Em certo momento, ele diz “estamos na trilha da antropofagia anti-colonialista, metalinguagem, sem linguagem, translinguagem, meta super 8, cinema concreto”. O filme é justamente um exemplo dessas abstrações de Jairo. O filme é metalingüístico, porque fala de cinema e seu papel, além de inserir imagens de outros filmes; é concreto, a medida que faz o cinema pelo cinema, a filmagem pela filmagem, o som pelo som – a arte pela arte- sem a necessidade de contar uma história, pregar uma ideia específica ou se propor a ser didático.
Gisela Mota, Nuvem de Películas

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A Herança (A Herança) 1970



"Adaptação de Hamlet, de Shakespeare, para o Centro-Sul brasileiro do início do século XX. Omeleto, um rapaz filho de senhores do sertão, vai para a capital com o objetivo de estudar e fazer-se doutor. O pai morre e ele volta antes do esperado, encontrando a mãe casada com o irmão do pai. O falecido volta do além e conta para o filho que foi assassinado, o rapaz promete vingança a fim de que a alma do pai possa descansar em paz.
Hamlet já foi interpretado por grandes atores como Lawrence Olivier, John Barrymore, Richard Burton e até Sarah Bernhardt e Asta Nielsen travestidas. E o filme foi dirigido por gente competente (ou quase) como Olivier, Kenneth Branagh, Tony Richardson, Grigori Kosintsev e Franco Zeffirelli. Mas certamente em nenhuma oportunidade foi adaptado de modo tão livre e atrevido como no Brasil de 1970, onde, em plena Boca do Lixo paulista, Ozualdo Candeias escreveu, dirigiu e fotografou A herança.
Tinha tudo para dar errado, a começar pelo elenco heterogêneo: um sex symbol popularesco (David Cardoso), um rouxinol da música brega (Agnaldo Rayol), uma atriz televisiva de rosto marcante e estilo denso (Bárbara Fazio), vários ilustres desconhecidos. Como se não bastasse, a tragédia do príncipe da Dinamarca é transposta para o meio rural brasileiro numa paródia do western italiano, na qual os nobres são transformados em caipiras ou fazendeiros. Ofélia, por exemplo, é uma bela mulatinha, e o trunfo da peça, a prosa poética do mestre Shakespeare, foi substituído por legendas nos monólogos interiores dos personagens. O resto é silêncio.
Mas, diria o dramaturgo, há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia. O resultado é mais que satisfatório, chega a ser surpreendente. A herança é ainda mais estranho que A margem, o primeiro longa do diretor, e não tem a explícita poesia deste; é de uma estranheza áspera, que chega a incomodar. Em certos momentos, estamos bem próximos das primeiras cenas de Deus e o Diabo, do Glauber, e quase sempre, da totalidade de Augusto Matraga, do Roberto Santos, inclusive no uso da música cantada como auxiliar narrativo.
Músicas emblemáticas (cirandas infantis, marchas fúnebre e nupcial, “Sertaneja” de René Bittancourt), lindamente tocadas como moda de viola. E ainda ruídos da natureza (ventanias, chuvaradas), vozes de animais, gargalhadas debochadas do protagonista. No único momento em que a palavra conduz a ação (no circo, onde Omeleto denuncia o assassinato do pai), temos uma canção caipira cheia de som e de fúria.
Apesar de tudo, o enredo shakespeariano está presente em quase todas as seqüências. Ao descobrir que o pai foi assassinado pelo tio, que casou com a mãe (revelação feita pelo fantasma do falecido), o protagonista finge-se de louco. Mais tarde, mata sem querer o pai de sua amada, que enlouquece e depois morre afogada. Na carni ficina final, morrem todos. Na peça, a herança vai para um parente. Na versão de Candeias, a fazenda é dividida entre os trabalhadores rurais. Ser ou não ser original, eis a questão."
João Carlos Rodrigues, Portal Brasileiro de Cinema

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segunda-feira, 1 de junho de 2015

Cancêr (Cancêr) 1972



Nas palavras do próprio Glauber, “o filme não tem história. São três personagens dentro de uma ação violenta. O que eu estava buscando era fazer uma experiência de técnica, do problema da resistência de duração do plano cinematográfico. Nele se vê como a técnica intervém no processo cinematográfico… Resolvi fazer um filme em que cada plano durasse um chassi, e estudar a quase-eliminação da montagem quando existe uma ação verbal e psicológica dentro da mesma tomada.”
Filme polémico de Glauber Rocha, que começou a filmá-lo em 1968,  no mesmo ano de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", e com parte do elenco deste. "Cancer" seria o seu primeiro filme underground, marcado por uma postura combativa contra as convenções sociais.
Filmado em quatro dias, levou quatro anos para ser montado, acabando por ser a única obra de Rocha ligada ao movimento do cinema marginal.  Foi filmado com uma câmera Éclair de 16mm, segundo o realizador, para explorar ao máximo takes longos e sem cortes (inspiração de Straub).

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O Homem do Corpo Fechado (O Homem do Corpo Fechado) 1973



"Pela segunda vez, este filme é incluído entre os filmes característicos do Cinema Marginal brasileiro. No entanto, não se trata de uma obra que se filie a esse movimento, marcadamente paulista e carioca, mas que manteve relações com ele, na medida em que foi contemporânea e apoiou-se na mesma base de produção.
O filme é de 1972, quando já se esgotava o Cinema Novo e a produção cinematográfica nacional buscava outros rumos, pressionada pela censura do regime militar e pela necessidade de se autosustentar, oferecendo ao público um produto mais comunicativo e menos politizado.
Sendo uma produção de concepção intrinsecamente mineira, resultado de um movimento tardio de cineclubistas e críticos que se aventuravam na realização cinematográfica, imaginávamos um filme que tivesse a ver com o nosso substrato cultural. A inspiração que imediatamente nos conduziu foi a grande literatura de Guimarães Rosa e o universo mítico do Grande Sertão, que já tinham rendido um bom filme paulista, rodado em Minas, com gente mineira no elenco e na produção: A hora e a vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos.
O homem do corpo fechado optou, porém, mais pelo páthos rosiano, o mundo do Grande Sertão, do que pelos dilemas metafísicos e existenciais tornados sensíveis pelo intelectual universalista que era Rosa. Ao contrário, o conflito fundamental foi buscado no cotidiano mineiro, mas solucionado à maneira dinâmica do western, com muitas cavalgadas, lutas corporais e duelos, tendo por fundo a geografia inóspita e o horizonte imenso.
A opção se mostrou acertada em todos os sentidos. O filme foi visto na época – avaliação que resiste até hoje – como uma obra genuinamente mineira, com características originais da nossa humanidade e do nosso ambiente natural e cultural, magnificamente traduzidas pelos elementos constitutivos da obra cinematográfica, como atuação, fotografia, música, cenários e figurinos, ordenados por uma direção e uma montagem vigorosas.
Isso só foi possível porque pudemos contar, para montar a produção em bases profissionais, com a infra-estrutura do cinema brasileiro daqueles anos, instalada no Rio e em São Paulo, que nos forneceu quadros e metodologias do Cinema Novo, da pornochanchada e do Cinema Marginal."
Victor Hugo, Portal Brasileiro de Cinema

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domingo, 31 de maio de 2015

Os Monstros de Babaloo (Os Monstros de Babaloo) 1971



 "Quando você pensa em família qual a primeira idéia que lhe vem à cabeça? Amor? União? Laços eternos? Natal?
“Os Monstros de Babaloo” de 1970, escrito, produzido e dirigido por Elyseu Visconti pode abrir os seus olhos para esta instituição sagrada. Esse é sem dúvida alguma o melhor filme sobre família que já vi.
Os monstros do título são as pessoas que habitam Babaloo, ilha mítica onde há uma mansão erguida com o dinheiro de Badu, o pai. Num primeiro momento o filme parece ser uma mera fantasia absurda saída da cabeça de um cineasta no final dos anos 60, mas basta você olhar mais atentamente e perceber que nada do que se vê é tão fantasioso quanto parece.
Evandro não escolheu atores atraentes para viver os papéis principais, ele preferiu uma atriz gorda, feia, passionalmente exagera e egoísta para viver a mãe. O pai é feio, banguela e egoísta. O irmão parece um macaco mendigo, visivelmente louco com algum retardo e egoísta. E tem ainda a irmã mais velha (Helena Ignez) essa é diferente, ela é linda, um pitéuzinho, loira, engraçada, inteligente e egoísta também. Em Babaloo todos são representações visuais autênticas de nós mesmos.
Mas porque todo mundo nessa casa é tão medonho menos a irmã? Oras, o filme é narrado por ela, tudo se passa através do ponto de vista desta garota, ela sempre está por cima da carne seca, além de ser linda ela é a única que se dá bem no final. Se o filme fosse narrado por outro membro da família a história teria outro desenlace.
Elyseu Visconti filmou na total ausência de moralismo a natureza egoísta que está intrínseca em nós. O cara estava livre! É lindo de ver. Inspirador. Para ele o único fator que une a família é o dinheiro e o espaço para morar, quando esses cogitam desaparecer também desaparece o interesse de permanecer juntos.
Um exemplo. Badu é muito rico, por isso tem todos a sua volta. Tanto ele quanto sua mulher têm casos extraconjugais, mas isso em momento algum parece ser um problema enquanto ainda há dinheiro. A partir do momento em que a grana acaba a traição é motivo de brigas e até morte.
Cada ser humano vive o seu universo independente da família. Evandro coloca seus personagens neste ambiente apenas para nos mostrar que a família não passa de uma ilusão e que há de se quebrar o signo marcado do PAI, da MÃE e do IRMÃO para viver melhor e sem culpa. Tanto o pai, como a mãe e o irmão são como qualquer outra pessoa existente no mundo.
Claro que há pelo menos um momento de coexistência pacífica e harmônica entre essas pessoas, onde todos se conciliam; estão todos dentro do carro passeando e cantando o Hino da Copa de 70 , “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...” Puro engodo!"
Wilson, daqui.

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Sem Essa, Aranha (Sem Essa, Aranha) 1970



“Já fiz tudo que um branco podia fazer”, confessa o personagem principal de Sem essa Aranha. Depois de colocar os paulistas em transe, desencadeando uma nova onda de esquizofrenia paraindustrial entre cinéfilos e seguidores mais radicais — sem falar dos fãs de vanguarda e dos diluidores de carteirinha —, Rogério Sganzerla vem ao Rio mostrar que é realmente o melhor de todos. Os três filmes dirigidos para a produtora Belair — a nossa Atlântida udigrúdi —, no primeiro semestre de 1970, precisam ser revistos. Da Boca do Lixo paulista para o Beco da Fome carioca, Rogério Sganzerla chegou tocando o terror:“sempre tive a impressão que o diabo ia com a nossa cara!”. Sem essa Aranha foi o último filme da série carioca — e não deve nada às produções paulistas do diretor. O cineasta teve que sair do país às pressas, com as latas na mão. Os negativos foram levados a Paris e revelados no laboratório da Éclair. A associação entre Sganzerla e o ator Jorge Loredo é um dos maiores achados do cinema brasileiro. O personagem Zé Bonitinho — tipo criado por Loredo para a TV, caricatura genial do cafajeste local, cafona e colonizado, o galã fracassado que no fim das contas se dá bem, resumindo: o picareta — se mistura tão bem com o Aranha do filme que parece até uma invenção do próprio Rogério.
Números musicais com Moreira da Silva e Luiz Gonzaga, stripteases, um pacto com o demônio, artistas de circo, masturbação e morte completam essa eletrizante chanchada psicodélica, apresentada em quinze planos-seqüência de tirar o fôlego e enquadrados com estilo pela câmera-na-mão de Edson Santos. Estilhaços de Joyce, Rimbaud e — principal-mente — Oswald de Andrade ex plodem na tela:“reconheço e identifico o homem recalcado do Brasil, produto do clima, da economia escrava e da moral desumana que faz milhões de onanistas desesperados e de pe-derastas”. Um raio X do Rio e da tragicomédia brasileira.“O cinema não me interessa, mas a profecia”, dizia Rogério Sganzerla em 1968. Remier Lion

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sábado, 30 de maio de 2015

Copacabana Mon Amour ( Copacabana Mon Amour) 1970



A vida de alguns habitantes de Copacabana. Sônia Silk, uma prostituta (também conhecida como Miss Prado), é irmã de Vidimar, apaixonado pelo patrão, o Dr. Grilo. O patrão engravidou a irmã de Sónia, que perdeu o seu próprio filho ainda adolescente, e agora sonha cantar na Rádio Nacional. Sónia vê espíritos possuírem seres e objectos, e procura ajuda com o pai-de-santo Joãozinho da Goméia.
Produzido por Sganzerla e Júlio Bressane, como uma das seis obras primas feitas com um micro budget para a produtora Belair, num período record de 4 meses, no início da década de 70. Bressane e Sganzerla dirigiram a actriz Helena Ignez três vezes cada, nestes seis filmes, onde ela era o foco principal. A produtora Belair consistia em apenas 3 pessoas, Sganzerla, a sua esposa Ignez e o ex-marido desta, Bressane. Antes do casamento com Bressane, Ignez tinha sido casada com Glauber Rocha, de quem tinha um filho, e, de quem Sganzerla era muitas vezes crítico, visando-o como porta voz do cinema novo, respnsável por colocar uma metodologia de arte europeia no cinema brasileiro. Tanto Sganzerla como Bressane celebravam José Mojica Marins como um mestre, algo que também já o fazia Rocha, que o considerava o maior cineasta do mundo. A ditadura levou a uma dissolução forçada da Belair, obrigando os seus três intervenientes a emigrarem para a Europa.
Em 1970 a intersecção implícita entre o Tropicalismo e o Cinema Marginal era explícita. A banda sonora de Gilberto filme serve como um contraponto necessário para a visão escura e pós-godardiana de Sganzerla. O argumento, com a sua estrutura mínima recorrente, e elipses abstractas também se contrapõem às imagens oníricas coloridas do filme. É difícil de bater a presença de Ignez, desafiadoramente marchando através de uma Copacabana lotada, em praias solarengas no seu micro fato vermelho, e saltos altos. Ela é mais uma vez a mulher de todos, agora literalmente, viajando numa paisagem atemporal, como Alice no País das Maravilhas...a partir de encontros lésbicos encantadoramente inocentes, ou batalhas metafísicas sobre a vaidade ou ganância. Sganzerla pinta o Brasil contemporâneo como um inferno industrial, teimosamente ignorando o passado, que borbulha por todos os lugares, incorporados no corpo de uma prostituta envelhecida.
Sganzerla parece ser o cineasta mais profundo e poderoso a trabalhar em São Paulo, e a estética trash da Boca do Lixo mais ao seu estilo do que do Rio. Longe do Boca, Sganzerla é menos específico, mais abstrato e filosófico. "Copacabana Mon Amor" era um filme-chave para um realizador esquecido, que acabou por perder contacto com a realidade que teve como objectivo apresentar, em toda a sua verdade crua.

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Caveira, My Friend (Caveira, My Friend) 1970



"Filme-irmão eclipsado de Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, Caveira My Friend não deveria estar esquecido assim. Ambos relatos de geração, centrados em torno de um clima apreensivo e torturante onde o futuro não revela muitas certezas, os dois filmes mostram jovens soltos no mundo, circulando de pedaço em pedaço, inquietos, mas antes de tudo curtindo.
Os personagens de Caveira My Friend, como os de muitos dos filmes udigrudi, vivem apenas no presente, sem passado ou futuro, sem ressentimentos anteriores ou anseios posteriores a guiarem suas ações. É esse todo o barato da "transa", de todos os tipos de experiências (sexo, drogas, rock'n'roll) que funcionaram e desencadearam modos de viver & filmar vigorosos, explosivos. O filme de Álvaro Guimarães tem algo que pode ser dito de muitos poucos filmes brasileiros, já que a maioria dos cineastas só consegue filmar depois dos 30, ou, mesmo jovem, envelhece cedo: aquilo que os americanos chamam teen angst, "agonia juvenil" - uma inquietação que aparentemente nada na vivência cotidiana pode dar conta. Pois bem: desde os roubos que fazem Caveirinha e seus comparsas até a música primorosa dos Novos Baianos - atenção para a participação como atriz de Baby Consuelo - o filme está repleto desse sentimento.
A grande sacação de Caveira My Friend é resolver essa inquietação, essa agonia não no ponto de vista da narrativa e dos encontros que são feitos (como em Meteorango Kid), mas justamente no modo como o filme é apresentado: esquetes ou esboços, fragmentação e falta de relação entre si das seqüências... Mas aquilo que se tornou uma espécie de "marca registrada" do cinema marginal - a recusa de uma história certinha, com começo, meio e fim e trazendo alguma mensagem - é trabalhado de outra forma em Caveira. Se Orgia e Meteorango Kid evoluíam por acumulação e progressão, se A Sagrada Família apostava na radicalidade da experimentação pela experimentação, o filme de Álvaro Guimarães parece enveredar, conscientemente ou não, pela crônica documentária, pelas "atualidades" não mais dos grandes acontecimentos, mas dos minúsculos gestos de um grupo de amigos.
Nesse sentido, Caveira My Friend estaria para o cinema marginal como o Cinema Novo de Joaquim Pedro de Andrade estaria para a sua geração: um registro documentário dos costumes e do modo de vida de uma geração. Mas Caveira não parece nem com um documentário nem com uma ficção. Ele parece com aqueles filmes menosprezados porque feito apenas para consumo próprio, os filmes de família. Só que não se trata de um papai filmando o aniversário do filhinho ou um fim de semana no zoológico, mas um amigo entre os demais tentando captar um sentimento. Se o filme acaba se revelando um tanto irregular ao final da projeção, no entanto não se pode negar que a tarefa principal de seu realizador foi realizada: ele conseguiu captar o que queria, mesmo que quisesse apenas filmar entre amigos. E resulta um diagnóstico: as crianças vão bem, obrigado." Ruy Gardnier

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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico (Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico) 1969



Bahia, final dos anos 60. Um jovem estudante chamado Lula (Antônio Luiz Martins) passa o tempo a protestar na universidade, mas sem nenhuma orientação política, a vaguear pelas ruas, a fumar erva, a tentar ser actor e a fazer sexo. Ele é Meteorango Kid, o anti-herói inter-galáctico, e atravessa o labirinto do quotidiano através das suas fantasias e delírios, deixando atrás de si um rasto de inconformismo e um convite à rebelião.
Por altura do final dos anos 60, o cinema brasileiro estava dividido entre duas vagas, a do "Cinema Novo" e a do "Cinema Marginal". "Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico", realizado por um jovem de 21 anos, chamado André Luiz Oliveira, situava-se algures a meio entre estas duas vagas, com Oliveira a fazer parte de um terceiro grupo de realizador, que faziam filmes experimentais baseados no popular. Com o Brasil voltado para uma ditadura militar, Lula representava a nova geração, confusa (como o demonstra a câmara a girar aleatoriamente), sem identidade, "nem marxista nem leninista", fumando droga, não tentando ser um mártir mas tentando encontrar o seu lugar. Mas existe sempre uma rejeição a estes dois movimentos do cinema brasileiro, sobretudo quando, no seu quarto, Lula olha para a câmera e diz: "Não". 
Há uma homenagem ao "tropicalismo", que nasceu na Bahía, por exemplo, com a foto e o discurso de Caetano Veloso num festival, e na banda sonora de Moraes Moreira e Galvão. Estruturado em fragmentos e sem um fio condutor resistente,  "Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico" é uma bela manifestação de rebeldia, bem referente ao período em que foi realizado.

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terça-feira, 26 de maio de 2015

O Anjo Nasceu (O Anjo Nasceu) 1969



"Santamaria (Carvana) e Urtiga (Gonçalves) são dois marginais perigosos que, fugindo da polícia, invadem uma casa da classe média carioca, matando um homem e transformando a empregada e a dona de casa (Bengell) em reféns. Santamaria, que se encontra ferido na perna, acredita na chegada de um anjo e é mais violento, acreditando que sua violência o redimirá perante o anjo. Urtiga lhe segue como um cão fiel. Juntos, acabam matando as duas mulheres. Matam a seguir um homem para roubar um carro e também a mulher que presenciou o assassinato, após uma sessão de torturas. Santamaria indaga sobre o futuro de Urtiga após sua morte, mas esse se recusa em acreditar que o amigo irá morrer. Juntos fogem estrada à fora, com Santamaria urrando de dor.
Realizado após Matou a Família e Foi ao Cinema, o filme apresenta o mesmo interesse em sua estilização da violência e numa secundarização da narrativa diante de uma proposta de poética visual. Nesse sentido, se encontra repleto de flashforwards, apresentando muitas das cenas de violência que virão posteriormente em seus primeiros planos e introduz uma seqüência de um casamento que não possui qualquer motivação diegética. Ainda assim é bem mais conciso que Matou a Família, centrando-se apenas no drama dos dois marginais. Uma aparente segunda incursão extra-diegética, com imagens do homem pousando na lua e se comunicando com o presidente americano, acaba se revelando imagens que os marginais assistem e comentam debochadamente ao lado de suas reféns. Ao apresentar a invasão do espaço burguês a partir do ponto de vista dos marginais, o filme se aproxima de Armadilha do Destino, de Polanski e se distancia de Horas de Desespero, que apresenta a visão clássica do terror de uma família de classe média típica americana igualmente reféns em sua própria casa. Porém, se compartilha com o filme de Polanski de uma certa simpatia pela anarquia dos marginais, contamina sua própria estrutura com essa mesma anarquia, enquanto o filme de Polanski segue uma narrativa bem mais convencional. Existe uma tênue presença de um caráter homo-erótico na relação dos dois marginais, que se concretiza somente em uma seqüência em que Urtiga abraça o corpo do companheiro. Ao contrário dos filmes anteriores do cineasta não há menção velada ou aberta ao momento político de repressão da ditadura militar. Seu radicalismo, que acabaria na década seguinte resultando em projetos excessivamente herméticos ou auto-condescedentes, aqui já se encontra pronunciado na seqüência final, com um plano fixo de cerca de 8 minutos da estrada onde os bandidos fugiram." Por Cid Vasconcelos.

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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Matou a Família e foi ao Cinema (Matou a Família e foi ao Cinema) 1969



Um filme muito inovativo, onde o protagonista depois de fazer o que está escrito no título (matar a família e ir ao cinema), assiste a quatro curtas metragens com argumentos variados, incluindo um sobre violação. Ao mesmo tempo algo de violento acontece quando duas jovens se apercebem que estão apaixonadas uma pela outra.
O filme parece querer fazer uma crítica severa (mas indirecta) aos jornais sensacionalistas, (o título do filme é retirado das manchetes de um jornal destes), banalizando a violência e a exploração sexual. Uma das possíveis explicações para o argumento é criticar os torturadores que mataram estudantes, mas acabaram por ir para casa em paz.
Apesar de ser uma clara homenagem ao cinema francês, nomeadamente a Nouvelle Vague, Bressane consegue criar algo único, que ilustrava os problemas na estrutura social brasileira, no final dos anos 60. Estes problemas não eram exclusivos do Brasil, e provavelmente irão ressurgir em todas as sociedades, devido a falhas inerentes à condição humana, e a miopia de cada membro da humanidade. É através destas subtis homenagens visuais que entendemos que estamos a lidar com um filme que vive de mensagens escondidas. É um filme que é uma carta de amor filmada, e uma reflexão cuidadosa sobre o poder dos média.
Apesar do poder da força policial que está em campo para servir o status quo, Bressane usa o filme mais como um grito de guerra. Capta um lugar, um tempo, e uma atitude política, e ao fazer isso pinta um retrato claro daquilo que sente, compelido ao que ele sente necessidade de se rebelar. São coisas difíceis de se articular, um profundo sentimento de que algo está errado, com as condições sociais onde as coisas estão aparentemente bem, mas em "Matou a Família e foi ao Cinema", Bressane consegue fazer isso, exactamente.
Segunda longa-metragem de Júlio Bressane.

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domingo, 24 de maio de 2015

A Mulher de Todos (A Mulher de Todos) 1969



Ávida por visitar a exótica Ilha dos Prazeres, a ninfomaníaca Ângela Carne e Osso convida o amante para a viagem. Desconfiado, o marido contrata um detetive particular que acaba por descobrir o plano e apaixonar-se pela jovem. Desconcertado diante do flagrante, o empresário prepara uma terrível vingança.

"Fica difícil pensar que alguém, algum dia, pudesse fazer algum filme mais ácido-cáustico-venenoso que O Bandido da Luz Vermelha, seja no Brasil, seja no mundo. Talvez só o autor do próprio que pudesse tentar repetir o feito. Dessa feita que nasce A Mulher de Todos, filme que só não é mais improvável que seu diretor.
Essa excepcional obra-prima nascida da Boca do Lixo, da pornochanchada, dos quadrinhos e do fundo do lixo da cultura de massa tem como pano de fundo a história pra lá de maluca de Ângela Carne e Osso, que é nada mais nada menos que Helena Ignez no auge do tipo de atuação que ela mesma criou na época do Bandido quando interpretava Janete Jane – mas a prostituta rancorosa não tem nada a ver e não chega nem perto desse literal mulherão, que o tempo todo é explosiva, debochada, sensual, perigosa, maluca, imprevisível … O tipo de fúria libidinosa que só Sganzerla mesmo saberia domar de forma decente.
Sem estrutura definida e cheio de personagens tão malucos/bizarros quanto a protagonista – tipo um doutor nazista fã de quadrinhos (feito pelo Jô Soares!) e um toureiro aveadado que só se ferra na mão de Ângela – e com personagens mais declamando frases inacreditáveis de tão impensáveis do que dialogando propriamente, a estética que Sganzerla imprime a cada plano é algo incrível, filmando com a profundidade e noção de quadro de Orson Welles interiores dignos dos filmes mais toscos da era dourada do nosso cinema de sacanagem, uns exteriores anárquicos, e uma movimentação ininterrupta de dar dor de cabeça, o filme só confirma o que muita gente já sabe: os filmes de Rogério estão entre os mais originais da cinematografia mundial.
Esse filme, particurlarmente, é um verdadeiro teco na cara tanto dos falsos moralistas quanto dos pseudoliberais, e uma verdadeira saraivada de deboche e sarcasmo impensável na época da ditadura, e mais impensável ainda agora, quando mesmo com um bom aqui e outro bom ali, está tudo muito comportadinho para se pensar em fazer filme tão experimental em forma e conteúdo assim dentro do cinema de ficção.
E se o mundo fosse um lugar decente, Sganzerla seria tão importante quanto Ford, Welles e Godard. Falei mesmo. São poucos os que pegam a cultura de massa ruim, e com isso fazem uma obra-prima pra lá de rebuscada e refinada, e melhor ainda, na base do esculacho e da gozação." Por Bernardo Brum. Daqui.

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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Hitler IIIº Mundo (Hitler IIIº Mundo) 1968



A figura de um Hitler futurista vai parar a um país do Terceiro Mundo, e depara-se com uma realidade em convulsão. Nesse local imperam atrocidades, como a perseguição política a comunistas e a tortura; autoritarismos e messianismos. Os habitantes convivem entre miséria, degradação urbana, espetacularização e banalização da estranheza humana.

"Mas o que parece ter sido uma poderosa fonte de "A mulher de todos" é o "Rito do amor selvagem", espetáculo teatral montado na segunda metade dos anos por José Agrippino de Paula, autor de um dos melhores filmes do cinema marginal, "Hitler Terceiro Mundo", com Jô Soares no elenco. Uma imensa bola ocupava o centro do palco. É com uma imensa bola semelhante que se abre "A mulher de todos". Plirtz, interpretado por Jô Soares, de uniforme nazista, esfrega-se nessa bola, o que voltará a fazer no final; sua esposa diz que balões e dinheiro são a vida de Plirtz. José Agrippino interpreta o 'zulu anárquico' no filme e, numa da inserções digamos extradiegéticas, vemos dançando, ao lado de Sganzerla, Helena Ignez, José Agrippino e Maria Esther Stokler, esposa de Agrippino, co-diretora e figurinista do 'Rito do amor selvagem'. Stênio Garcia, que interpreta o primeiro amante de Ângela, também tinha vários papéis no O rito, que incluía entre seus personagens diversos nazistas, inclusive Borman. O texto de José Agrippino sobre o espetáculo lembra vários elementos expressivos da Mulher de todos, quando fala, por exemplo, das 'redundâncias infinitas' do diálogo, ou explica que 'o espetáculo foi dividido em duas unidades que formam a estrutura livre que formam a estrutura livre: a cena e a interrupção. Chamo de cena as unidades de cenário, personagem e situação; e de interrupção a uma ação vinda do exterior que perturba, confunde, destrói e desintegra a cena'. Nessa relação cena/interrupção talvez ecoe a relação enredo/cenas extradiegéticas de que falei acima".
O voo dos anos – Bressane, Sganzerla - Estudo sobre a criação cinematográfica
Jean-Claude Bernardet, editora brasiliense


"A forma de trazer os alimentos à boca, quando se aproxima do animalesco, nos remete a um outro traço da imagem do abjeto constituído pela representação de seres humanos com características animais. O animalesco aparece, então, como imagem da degradação ou da violência. Em 'Hitler Terceiro Mundo', filme de José Agrippino de Paula, a animalidade humana é representada nos dois sentidos. O filme se inicia com uma série de sons guturais de animais selvagens. Jô Soares, no papel de um singular samurai, joga folhas velhas de legumes aos favelados que reagem como animais sendo alimentados; algumas cenas depois, seres animalescos, lembrando macacos, dançam em volta de um corpo torturado; no final do filme ainda o samurai, de frente para uma televisão, leva um pedaço de carne à boca e o balança convulsivamente, soltando grunhidos. Também neste sentido, são marcantes as cenas de 'Bang Bang', em que um homem se barbeia com uma máscara de macaco, indo a seguir fazer amor, de forma animalesca, com uma moça estendia numa cama".
Cinema Marginal (1968/1973) A Representação em seu limite 
Fernão Ramos editora brasiliense / Embrafilme 

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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Viagem ao Fim do Mundo (Viagem ao Fim do Mundo) 1968



Enquanto aguarda a chamada para o embarque do seu avião, um rapaz procura na banca de jornais uma leitura para a viagem. Descobre uma edição de bolso das "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Embarca e junta-se a uma equipa de futebol, duas freiras, uma modelo de publicidade que se senta ao seu lado, e um homem de meia-idade visivelmente nervoso.
"Fernando Cony Campos defendia a originalidade na criação artística. Concebia-a em termos de proposta, perspectiva, ponto de vista, estilo, meios e o que mais pudesse ajudar a formar uma visão distintiva. Uma vez surgidas personalidades como Jean-Luc Godard ou Glauber Rocha, cumpria ao cineasta procurar um caminho alternativo ao daqueles, ainda que ficasse aquém da possível genialidade de um ou outro. Só essa proposição já nos permitiria aproximá-lo da sensibilidade experimental que explodiria no final dos anos 60. Os pontos de contato ultrapassam, porém, a mera comunhão de princípios. Embora tenha sido em grande parte fruto de uma produção precária, demorada e cheia de contratempos, Viagem ao fim do mundo já trazia no bojo de seu projeto original os elementos que o distinguiriam como um dos precursores imediatos do Udigrúdi. Em particular, a sobreposição de vários níveis de enunciação e a de várias formas de linguagem contemporânea destróem paulatinamente a idéia de uma narrativa, mesmo de uma narrativa sofisticada como a dos cinemanovistas. Além disso, se o universo ideológico do filme ainda o insere no conjunto do Cinema Novo, há uma recusa à condenação pura e simples de meios (ou mídias) porque egressos da cultura de massa. A contracultura pode ser alienada, mas é expressiva em seus constituintes e sobretudo indicativa de um estado de coisas. O desencanto político convive com o caos da transformação inevitável. Não por acaso, a obra se instaura a partir do encontro casual de um pocket book de Memórias póstumas de Brás Cubas em uma banca de revistas e prossegue incorporando fascismo, consumo, misticismo, pobreza... e, de forma pioneira e emblemática, o Tropicalismo (a trilha está povoada de clássicos do movimento como “Alegria, alegria”, “Soy loco por ti America” e “Tropicália”).
A certa altura, ouve-se uma possível autodefinição da obra:“O maior defeito deste filme és tu, espectador.Tu tens pressa de envelhecer. E o filme anda devagar. Tu amas a narração direta e nutrida. O estilo regular e fluente. E este filme e o meu estilo são como ciprestes que viram à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, murmuram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem. E caem”.
Texto de Hernani Heffner, daqui.

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quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Estranho Mundo do Zé do Caixão (O Estranho Mundo do Zé do Caixão) 1968



Uma antologia de três histórias contadas pelo Zé do Caixão. Em "O Fabricante de Bonecas", marginais invadem a casa de um velho e descobrem o segredo da confecção das suas bonecas. Em "Tara", um vendedor de balões fantasia uma paixão doentia por uma jovem que segue obsessivamente pelas ruas. Em "Ideologia", o excêntrico Professor Oãxiac Odez tenta provar a um rival que o instinto prevalece sobre a razão, usando métodos nada ortodoxos.
Realizado por José Mojica Marins, que vinha de dois sucessos importantes e quase consecutivos, "Á Meia Noite Levarei Sua Alma" e "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver", e abraça de vez toda a estética marginal. Em plena década de sessenta, quando o Brasil passava por uma ditadura militar, Mojica realizou este filme macabro, recheado de violência explícita, gore, nudez feminina, abordando temas tão extremistas como canibalismo, necrofilia, violação, tortura, ou sadismo. Mojica aposta no cinema de género da Boca do Lixo de São Paulo, dando um encontrão nos padrões do cinema brasileiro feitos até então.
"O Estranho Mundo do Zé do Caixão" é provavelmente um dos filmes mais niilistas dos anos sessenta. Superficialmente pode parecer muito banal, mas consegue ser muito mais corajoso e escuro do que a maioria dos filmes do género. E seria a partir daqui que Mojica se tornaria num realizador de culto entre o género fantástico, ao lado de nomes como Fulci, Jean Rollin ou Jess Franco, todos eles Europeus.
O cinema de Mojica foi uma forte influência para todo o cinema marginal brasileiro, mas neste ciclo só veremos este filme dele.

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terça-feira, 19 de maio de 2015

O Bandido da Luz Vermelha (O Bandido da Luz Vermelha) 1968



São Paulo, década de 60. Jorge (Paulo Vilaça) é um assaltante de casas, a polícia chama-o do "bandido da luz vermelha", por usar sempre uma luz vermelha para entrar nas casas. Engana a polícia ao utilizar técnicas muito peculiares de assaltos. Viola as vítimas, tem longos diálogos com elas e e protagoniza fugas ousadas, para depois gastar o fruto do roubo de maneira extravagante. Tem uma paixão chamada Janete Jane (Helena Ignez), envolve-se com outros assaltantes, um polícia corrupto, e acaba por ser traído.
Filme de estreia de Rogério Sganzerla, anuncia a sua divergência do cinema novo logo na cena de abertura. Na banda sonora são sobrepostas dobragens de um homem e uma mulher, a sobrepor frases como "guerra total na Boca do Lixo", descrevendo o filme como um western sobre o terceiro mundo. O resultado é uma inundação de informação que tanto pode dissuadir como cativar o espectador. Se este decidir ser arrastado para o mundo do Bandido da Luz Vermelha, e as suas corajosas façanhas na Boca do Lixo em São Paulo, com a sua atmosfera vibrante, descobre-se uma miscelânea de géneros (do western ao film noir), cheia de imagens e sons que fazem uma interessante crítica ao estado do país no final da década de sessenta.
O filme não consegue esconder as suas influências, incluindo um dos heróis de Sganzerla, Orson Welles. Alucinante e feito com uma montagem muito rápida, "O Bandido da Luz Vermelha" é um manifesto do próprio Sganzerla, uma educação cinematográfica sentimental, do cinema e da sociedade, na sua forma mais delirante possível.
O filme é baseado em factos reais, nos crimes do famoso assaltante João Acácio Pereira da Costa.

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segunda-feira, 18 de maio de 2015

A Margem (A Margem) 1967



Influenciado por acontecimentos reais, publicados em jornais populares, o filme aborda o dia a dia das populações pobres que vivem nas margens do rio Tietê: prostitutas, chulos, deficientes mentais, aleijados, homens desesperados que aguardam a barca do Inferno.  Vamos encontrando o mais variado número de estranhas personagens: uma jovem que teve de recorrer à prostituição; uma prostituta negra que circula vestida de noiva; um homem que aparenta destoar do resto da população, por usar um terno e uma gravata que o sufocam constantemente.
Historicamente é um filme muito importante na história do cinema brasileiro. Num universo alternativo, "A Margem" seria considerado um filme tão importante para história do "Avant- Garde" como "Meshes in the Afternoon", mas na verdade, e durante muitos anos, este filme foi visto por muito poucas pessoas tendo mesmo inspirado muitas das que o viram, e dessas, algumas fizeram parte deste falado cinema marginal. 
O realizador,  Ozualdo Ribeiro Candeias, não era um cinéfilo, ganhou experiência como camionista, entre outras variadas profissões, e dizia-se que tinha ido buscar influências a grandes filmes brasileiros, como "Limite", mas veio depois a saber-se que ele só o viu muitos anos depois de realizar este "A Margem". O que Ozualdo sabia era sobre São Paulo, a cidade que o viu crescer.
"A Margem" é poucas vezes lembrado pelas qualidades técnicas evidentes, mas sim por ter sido colocado como o precursor do cinema marginal brasileiro. Estreou apenas em duas salas, na altura do seu lançamento, numa altura em que o cinema brasileiro tinha pouca expressão, acabando o filme por ficar em exibição apenas uma semana. A crítica, mesmo a mais conservadora, não resistiu ao filme, e deixou-lhe bastantes elogios, comparando-o com "Terra em Transe", de Glauber Rocha. Nascia assim o culto de volta do "cinema marginal brasileiro", que nos anos seguintes, atingiria uma importância bastante assinalável dentro do cinema daquele país.
Uma nota de destaque, Ozualdo Ribeiro Candeias fez este filme quase todo do seu bolso.

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