segunda-feira, 11 de julho de 2016

Stavisky, o Grande Jogador (Stavisky...) 1974

Stavisky é o primeiro dos dois filmes que Alain Resnais realizou na década de 70. É a sua segunda colaboração com o escritor espanhol Jorge Semprún e é outro filme com uma conotação política imediata.
Pela primeira e única vez na sua carreira, Resnais, faz uma reconstituição histórica, de um argumento baseado em factos reais, passado na primeira metade dos anos e versando a controversa figura de Alexander Stavisky. Este homem nascido em Kiev, de origem judaica e filho de um respeitável dentista, é o exemplo típico do arrivista que constrói uma fortuna considerável e alcança um poder desmesurado, através de métodos pouco recomendáveis. Stavisky vai construir um império, onde a face mais agradável era o seu próprio teatro, mas a mola real eram as falcatruas financeiras, a especulação, a corrupção e a compra de toda a gente, desde políticos a agentes policiais. No entanto, ao longo do filme, vamos nutrindo sentimentos de grande ambiguidade que aliás transparece da própria figura do burlão. Apaixonado pela sua mulher, liberal e generoso, amigo dos seus amigos, Stavisky vai crescendo em influência à sombra do governo socialista francês. Não que ele seja um homem politicamente empenhado ou coerente. Ao mesmo tempo que se relaciona com o poder de esquerda em França, vai negociando a possibilidade de venda de armas para aqueles que Espanha conspiram contra república e são adeptos das ideias fascistas. Stavisky acaba por cair em desgraça, acima de tudo apanhado no remoinho da intensa luta política, muito típica dos anos 30. A sua queda vai levar a convulsões políticas relevantes, como fortes movimentos populares em Paris e à queda do próprio governo. Marginalmente, o filme vai apresentando alguns excertos da estadia de Trotsky em França, depois do seu exílio da União Soviética. Aparentemente não se descortina nenhuma relação entre Trotsky e Stavisky (aparentemente nunca se conheceram), até à parte final do filme em que a mudança de governo, por força do escândalo de Stavisky, vai implicar a expulsão de França do antigo dirigente comunista. A ambiguidade do filme estende-se até à sua própria morte. Se aparentemente foi uma tentativa de suicídio bem sucedida, paira sempre a dúvida que a sua morte não tenha passado de um homicídio. 
De um ponto de vista da reconstituição histórica, o filme é absolutamente primoroso. Penso que nada fica a dever às melhores obras de referência no género, assinadas por Luchino Visconti (Sentimento, O Leopardo, Os Malditos e Morte em Veneza, por exemplo). A mesma obsessiva preocupação com os pormenores, o mesmo bom gosto discreto no guarda roupa, nos décors, no uso das cores e dos adereços, com um rigor inexcedível. O argumento, no entanto, parece-me um pouco menos conseguido do que o de A Guerra Acabou, a outra colaboração entre Resnais e Semprún. Talvez a figura de Stavisky não seja tão apaixonante que justifique um filme, ou, pelo menos, o filme, sendo excelente, nunca chega a ser absolutamente exaltante. No entanto, fica sempre a lição principal a retirar e que se torna intemporal: Stavisky acaba sozinho, abandonado por todos (excepto pela sua mulher) aqueles que ajudou a prosperar. O poder não se move por juízos morais ou complacências afectivas. Enquanto serviu uma elite que dele se aproveitou, Stavisky foi incensado e bajulado. Mas todo o seu poder era frágil e efémero. Num mundo sem escrúpulos, não há espaço para cumplicidades afectivas ou gestos de solidariedade quixotescas. É cada um por si.
 O filme foi muito bem recebido em França, em boa parte devido à popularidade de Jean Paul Belmondo, o actor principal, de quem aliás partiu a ideia da realização do filme. Internacionalmente, a recepção foi mais fria. A especificidade francesa e a narrativa temporalmente fragmentada (muito típica em Resnais) contribuiu para reforçar a aura de cineasta frio e pouco acessível. Quarenta anos depois, Stavisky é visto como um marco incontornável na carreira de Resnais, sobretudo pela singularidade de ser o seu único filme histórico. Para a esmagadora maioria dos cineastas seria uma obra prima absoluta. Face à qualidade dos seus filmes, Stavisky ocupa apenas um lugar na metade inferior da minha tabela de preferências dos seus filmes. O que mais do que uma crítica a Stavisky, é um elogio à qualidade da sua obra. 
*Texto de Jorge Saraiva

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