sábado, 16 de julho de 2016

A Vida é Um Romance (La Vie est un Roman) 1983

A Vida é um Romance, foi um dos filmes de Alain Resnais que mais consenso desfavorável gerou, entre o público e a crítica. Foram poucas as vozes que defenderam este filme e a afluência de público foi uma das mais baixas dos filmes por si dirigidos. Em boa parte, tal deve-se ao facto de toda a gente estar à espera de qualquer coisa parecida com o seu filme anterior, O Meu Tio da América, o qual, recorde-se, foi o seu maior sucesso de sempre.
No entanto, há alguns pontos de paralelismo entre os dois filmes: uma quase super-produção, quando comparado com outros filmes de orçamento muito mais baixo, aqui com a presença de Vittorio Gassman, Geraldine Chaplin, Fanny Ardent e o cantor de ópera Ruggero Raimondi; há também a estrutura tripartida do filme. Só que agora estas três histórias que se entrelaçam, não diferem no espaço, mas no tempo, conforme o argumento de Jean Gruault. A localização é sempre um castelo nas Ardenas. Num primeiro momento, somos transportados a um período mitológico em que um jovem príncipe é salvo da morte e mais tarde mata um dragão para reclamar o seu reino; no segundo momento, na altura do início da segunda guerra mundial, o conde Forbek recebe um grupo de amigos a quem vai sujeitar a uma singular experiência, de despojamento das memórias, para poderem viver naquilo que ele designa num templo de etermo prazer; finalmente, no terceiro e último momento, o castelo está transformado num instituto educacional que recebe uma conferência com alguns reputados especialistas internacionais, onde através de simulações e de workshops diversos, procura-se encontrar um modelo de ensino adequado. As sequências do filme, nomeadamente nos dois últimos momentos, sucedem-se de forma quase aleatória e, como é óbvio, nunca se tocam. Estão aqui presentes alguns dos temas mais caros ao cinema de Resnais, como o peso da memória na construção da identidade pessoal, ou as relações entre a realidade e a imaginação, mas eles são particularmente visíveis na segunda parte, enquanto que a terceira parte explora temas mais comuns e menos metafísicos, mas menos usuais na sua obra. Uma das razões do insucesso crítico e comercial de A Vida É Um Romance, é que ao contrário de Providence e de O Meu Tio da América, filmes igualmente com segmentos distintos, aqui a relação entre elas, é muito mais difícil de estabelecer. Claro que num mundo onde o aleatório desempenha um papel central, todas as conexões são permitidas. O problema é que há umas que resultam melhor do que outras e o conceito de obra aberta, absolutamente crucial no seu cinema (e que exemplarmente se aplica a alguns dos seus filmes), nem sempre pode ser invocado com propriedade. Assim há uma espécie de três filmes incluídos num só, onde o segundo é claramente o melhor. É sempre possível estabelecer uma conexão entre a manipulação das consciências provocada pelo soro que vai apagar as memórias e o sistema de ensino dos anos 80 (e também o actual), massificador no pior sentido do termo, uma vez que é alienante e sem sentido crítico. Mas reconheço que se trata de um fio ténue.
Outro aspecto que foi bastante mal acolhido pela crítica, foi o recurso sistematizado ao humor, sobretudo na terceira fase do filme. Mas aí não dou razão aos críticos. Habituados a um cinema sério e de grandes temas, muita gente não percebeu a essência do cinema de Resnais reside na capacidade de subverter os cânones estabelecidos e de provocar os espectadores para saírem da posição acomodada ditada pela previsibilidade. O humor voltaria em Quero Ir Para Casa (talvez o mais bizarro de todos os seus filmes) e estará presente em praticamente todos os seus restantes títulos, até ao derradeiro Amar, Beber e Cantar.
Vários visionamentos de A Vida É Um Romance têm ajudado a dissipar a decepção inicial que o filme me provocou, na já longínqua década de 80. E hoje não me parece apropriado falar dele como um fracasso, mas talvez como um filme menos conseguido. Ainda assim, tem elementos suficientemente interessantes para justificar o seu visionamento atento. Mas, se se quiser falar de fracasso, terá que se acrescentar a palavra elegante, porque até quando as coisas não correm tão bem, há sempre qualquer coisa que ultrapassa o óbvio... 
* Texto de Jorge Saraiva 

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