As Ervas Daninhas marca o regresso de Alain Resnais aos espaços exteriores depois dos seus filmes anteriores terem sido praticamente rodados em estúdio. Trata-se da adaptação da novela L´Incident de Christian Gailly, a primeira vez que Resnais adaptou uma novela em toda a sua carreira e na qual o escritor não participou na sua tradução cinematográfica.
O filme é construído sobretudo para dois actores: Sabine Azemá e André Dussolier, mas trazendo, como é costume, novos actores que nunca tinham trabalhado com o realizador, embora em papéis secundários, como é o caso de Mathieu Amalric e de Emmanuelle Devos. O argumento parte de uma casualidade: uma mulher, dentista de profissão, perde uma carteira que é encontrada por um homem que para além da entregar à polícia, fica fascinado tanto pela fotografia que encontra no seu interior, como pelo facto de ela, tal como ele, parecer ter uma atracção especial por aviões, como o comprova a existência de uma licença de pilotagem. Todo o argumento é marcado pela duplicidade nas relações entre as personagens e a transformação das mesmas à medida que a acção decorre. George que parece ter um passado obscuro (embora nunca revelado), move-se inicialmente por uma espécie de dever de cidadania, de devolver a carteira que acidentalmente encontrou. Mas, embora pareça ter uma vida estável (casado com uma mulher bastante mais nova e com dois filhos adultos). rapidamente esse episódio trivial vai desestruturar toda a sua vida afectiva que percebemos ser bastante menos equilibrada do que à primeira vista se supunha. A sua necessidade de conhecer a misteriosa dona da carteira, leva-o a pretextar motivos fúteis e a expor-se ao ridículo da recusa e da indiferença. Não são menos interessantes as mudanças de comportamento de Marguerite: inicialmente vai sentir-se reconhecida pelo gesto altruísta de George, mas à medida que este se torna insistente, adopta um ar de superioridade e de indiferença. Acaba, no entanto, por reconhecer a sua própria solidão e a curiosidade sobrepõe-se à hostilidade. Este é um dos aspectos mais interessantes do filme: o elogio da irracionalidade nas relações humanas. Não chega a haver paixão nem de um lado nem do outro, mas há uma espécie de início de desafio a um status quo tão confortável, quanto insatisfatório: ele na sua família estabilizada e ela na sua profissão bem sucedida.
A pedra de toque do filme é o seu final. Sem que nada o faça prever, mas vindo de quem vem não chega a ser surpreendente, As Ervas Daninhas tem dois finais alternativos: num deles, há quase um happy-end com Marguerite a passear de avião com George e a mulher e todos parecer viver momentos de felicidade. No outro, o avião despenha-se e ninguém sobrevive. Mais do que o regresso aos finais alternativos de Fumar/Não Fumar, há aqui o retorno ao conceito de obra aberta que caracterizou os primeiros anos da carreira de Alain Resnais, sobretudo O Último Ano em Marienbad e que tanta controvérsia provocaram. Este final ambíguo, em que duas possibilidades são apresentadas de forma quase tão natural como intencional sem nos deixarem qualquer pista sobre a mais provável das soluções, é um sinal de frescura e de vitalidade de um cineasta que perto dos 90 anos continua a surpreender. Mas, esta liberdade criativa que é deixada ao espectador para interpretar o filme, pode constituir um exercício de auto-citação, mas não deve ser entendido como um exercício gratuito. É que todo o filme «pede» um desenlace destes. Porque há coisas que não se explicam de forma linear, nem podem ser reduzida a sequências convencionais. As Ervas Daninhas é um grande filme de um grande cineasta, mas ainda não seria a sua derradeira palavra...
*Texto de Jorge Saraiva.
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