Fumar/Não Fumar é a obra mais ambiciosa de Alain Resnais. Trata-se da adaptação cinematográfica da peça Intimate Changes do dramaturgo britânico Alan Ayckbourn. Para a sua consecução cinematográfica, Resnais contou com a ajuda de Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri. Dividido em duas partes, tem um total de cinco horas.
É também o mais ambicioso, mas simultaneamente mais simples e minimal projecto de Resnais. Embora seja todo rodado em estúdio. todos os cenários, quase sempre fixos, reportam-se a espaços exteriores. Conta apenas com dois actores, Pierre Arditti e Sabine Azéma que se desdobram num conjunto de nove personagens (cinco femininas e quatro masculinas). É igualmente o seu filme mais próximo das técnicas de representação teatral, evocando os seus melodramas dos anos 80 (Mélo e Amor e Morte) e, de forma mais remota, O Último Ano em Marienbad. Nunca estão em «palco» mais do que duas personagens em simultâneo, uma masculina e outra feminina.
Fumar e Não Fumar situa-se numa pequena aldeia do Yorkshire, onde vive um director da escola, desencantado e alcoólico e a sua esposa, voluntariosa, mas desiludida e que pensa seriamente em terminar o casamento. O director tem apenas um amigo, professor no colégio que dirige que sofre atrozmente com as infidelidades da esposa, conhecidas de toda aldeia. A este par de casais juntam-se um homem da aldeia de sete ofícios, mas que todos correm mal, a sua namorada, que é empregada na casa do primeiro casal e mais algumas personagens menores. A estrutura dos dois filmes é idêntica. A acção decorre em quatro momentos fixos: o primeiro dia, cinco dias depois, cinco semanas mais tarde e cinco anos depois. A sequência narrativa é perfeita, porque o final de cada uma das partes, abre imediatamente para a seguinte. O desenrolar destas quatro fases, dura menos de uma hora. A partir daí, surge um novo interlúdio, com o título «ou bien» e retoma-se quase de forma aleatória uma das sequências anteriores, mas onde o diálogo surge alterado. Esta alteração vai implicar um desenvolvimento completamente diferente da acção e do papel dos diversos personagens. Repetindo esta fórmula, cada um dos filmes vai ter seis finais distintos, a maioria deles completamente contraditórios entre si. As diferenças entre os dois filmes são subtis, mas significativas: em Fumar, Celia Teasdale olha para um maço de cigarros e decide fumar; em Não Fumar, perante o mesmo maço de cigarros, a mesma personagem resiste à tentação. Fumar centra-se no casal Teasdale e o casal Combes tem uma importância secundária; em Não Fumar, sucede precisamente o contrário.
O que é absolutamente extraordinário neste díptico é a forma como Resnais transforma uma comédia (muitas vezes absolutamente hilariante) feita a partir de personagens banais e de histórias quotidianas, num dos mais perturbantemente filosóficos filmes da história do cinema. A multiplicidade de finais diferentes, coloca com uma acuidade especial o problema do acaso e do destino nas vidas das pessoas. Um simples sim, ou um simples não, determinam de forma tão inconsciente quanto decisiva o futuro de cada pessoa, de que só nos podemos aperceber de forma retrospectiva. O que Resnais filma é o que aconteceria nas nossas vidas se no seu decurso, pequenas decisões tivessem sido diferentes. A multiplicidade de acontecimentos que se sucedem, estilhaçam a ideia da inevitabilidade do destino. Tudo se joga como um somatório de pequenas irrelevâncias, resultando as alterações radicais da sua conjugação. Os finais que se sucedem de forma tão distinta e contraditória, acentuam pares dicotómicos, como vida e morte, sucesso e insucesso, saúde e doença e felicidade e infelicidade, funcionando como um jogo de espelhos aberto a todas as possibilidades. Cada um de nós constrói o seu próprio caminho, muitas vezes de forma fortuita e terá que arcar com as consequências da decisão. Resnais, no entanto, faz-nos olhar, para o como poderia ter sido se as opções tivessem sido diferentes.
Do ponto de vista estético, o díptico é absolutamente primoroso. As técnicas teatrais são subvertidas pelo artificialismo dos cenários, fortemente contrastantes com os diálogos realistas. O trabalho dos dois actores é absolutamente espantoso pela versatilidade revelada, que se afirma em pequenos pormenores como o tom de voz, os gestos, ou as formas de andar, criando idiossincrasias próprias em cada personagem.
Provavelmente, um dos melhores filmes de toda a história do cinema.
Texto do Jorge Saraiva.
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