Nos Lábios Não (Pas Sur La Bouche) é o filme de Alain Resnais que com maior legitimidade pode ser designado como comédia. Prolonga o ambiente musical do anterior, É Sempre A Mesma Cantiga, mas retira-lhe a carga sombria e hipocondríaca, para o tornar num puro divertimento ligeiro. Trata-se de uma adaptação de uma opereta dos anos 20 escrita por André Varde (libretto) e Maurice Yvan (música).
Habituados a conviver com os temas densos dos filmes de Resnais, poderemos ficar surpreendidos com a leveza deste filme. Por esse motivo, terá recebido reacções desfavoráveis de grande parte da crítica, tendo alguns começado a pressagiar um declínio irreversível do realizador, na altura já octogenário. Talvez por esse motivo, este foi um dos seus poucos filmes que não estreou comercialmente em Portugal, passando directamente ao mercado de dvd. Nos Lábios Não tem tudo o que é comum nas operetas e comédias ligeiras típicas das primeiras décadas do século XX: historietas de amor e de equívocos de relações, com frequentes malentendidos, segredos e traições, ambiguidades propositadas que acabam por se deslindar no final. O filme respeita a estrutura original da opereta, dividindo-se em três partes, que correspondem aos três actos originais. Prosseguindo a via musical já experimentada no anterior É Sempre A Mesma Cantiga, as canções aqui fazem parte da própria estrutura do filme e não uma espécie de comentário do mesmo, como acontecia no filme anterior. Mas aqui apresenta uma inovação: os actores cantam mesmo, sem recorrerem a nenhum tipo de playback de outros cantores. Esta situação levou a que Pierre Arditti tivesse afirmado que cantar era a última coisa que esperava fazer na sua carreira de actor e que, num certo sentido, era o trabalho mais desafiante e arriscado da sua carreira.
Acho que os detractores de Nos Lábios Não, não têm razão na críticas que fazem ao filme e numa pseudo-traição do realizador ao seu excepcional legado cinematográfico. Afinal o que é que é permanente na obra de Resnais? Não são os seus temas, mas a sua vontade permanente de experimentar e de surpreender. E tomando em linha de conta que o fio condutor da sua obra é o arrojo formal e a variedade temática, Nos Lábios Não, não sendo, obviamente, uma das suas obras primas, está também muito longe de destoar do conjunto da sua obra.
Uma coisa parece evidente: Resnais movimenta-se com grande desenvoltura num género que, aparentemente, não seria um dos mais favoráveis para si. Os actores/cantores estão longe de ser brilhantes nesta segunda função (o que é natural), mas desenrascam-se a contento. Resnais insistiu que se o seu objectivo era ter actores que cantavam e não cantores que representavam. As canções foram gravadas previamente e na rodagem do filme fizeram playback. Do naipe habitual, restam o par Arditti/Azemá e um notável Lambert Wilson (que tinha entrado no «universo» do cineasta no filme anterior). Do ponto de vista técnico e de realização, o filme é particularmente cuidado, em termos sonoros e visuais (com designs magníficos do habitual colaborador Jacques Saulnier) tendo ganho os prémios do ano do cinema francês para o melhor actor secundário (Darry Cowl, num dos seus últimos trabalhos antes do seu falecimento em 2006), melhor som e melhor guarda-roupa, embora não tivesse ganho nenhum dos prémios mais relevantes. De resto, como seria de esperar, o filme, todo rodado em estúdio, remete mais uma vez para as artes de palco, quase se podendo dizer que se trata de uma opereta filmada. Aqueles que gostam de Resnais, mas não são incondicionais absolutos, verão o filme com curiosidade e, seguramente, com agrado. Os seus seguidores mais fiéis não o perderão e estarão dispostos a realçar os seus méritos intrínsecos.
Texto do Jorge Saraiva.
Texto do Jorge Saraiva.
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