No auge da contestação à guerra no Vietname, Chris Marker organizou um protesto colectivo de cineastas franceses, sob a forma de um filme. Trata-se. pois, de um filme claramente militante, directamente envolvido no conflito e claramente de apoio ao governo do Vietname do Norte e aos guerrilheiros que na parte sul do país, lutavam para expulsar o invasor americano.
Marker optou por não realizar nenhum segmento, assumindo, porém, as tarefas de coordenação e de edição. Na realização participaram Godard, Resnais, Agnès Varda, Claude Lelouch, Joris Ivens e William Klein. Por vontade expressa dos envolvidos, nenhum segmento é directamente assinado pelos directores, mas o tempo veio a revelar quem fez o quê.
Muito do interesse deste documentário é hoje meramente histórico, porque revela a forma de vida de uma época. Sem pôr em causa o carácter agressivo da intervenção americana no Vietname, os méritos do regime do Vietname do Norte, elogiados em quase todos segmentos, estão hoje claramente desvalorizados, ou mesmo desacreditados. Mas, integrado no contexto histórico da segunda metade da década de 60, o período de todos os questionamentos e de todas as contestações, as imagens fazem todo o sentido. Há imagens recolhidas no Vietname após os bombardeamentos, evocações da presença colonial francesa, uma entrevista com Fidel de Castro, excertos de discursos de militares americanos, manifestações de rua em Paris e uma reportagem com a mulher de um cidadão americano que se imolou pelo fogo, como forma de protesto pela intervenção do seu país. Há três segmentos que merecem um destaque especial: o de William Klein que cobre de forma muito extensa as manifestações Nova Iorque contra a guerra do Vietname e as contra-manifestações dos defensores da agressão americana; o segmento de Jean-Luc Godard é o único que é de imediato identificado com o seu autor, uma vez que o cineasta filma-se a si mesmo junto de uma câmara. Godard reflecte sobre a relação entre o cinema e a militância, a arte e o compromisso e a eficácia da mensagem, tomando como ponto de partida, a recusa do governo do Vietname do Norte. face à sua oferta para filmar nesse país. «Talvez não confiem em mim», afirma ironicamente o cineasta suiço, desmistificando um pouco a ideia maniqueísta instalada então na cultura ocidental; mas o segmento de Alain Resnais é o mais estranho, perturbante e estimulante momento do filme: trata-se de um monólogo de um escritor, perante uma mulher que se limita a fitá-lo, a quem é solicitado um texto sobre uma livro relacionado com a guerra do Vietname e que manifesta dúvidas e vacilações relativamente a questões de política internacional e estilhaça o politicamente correcto. Porquê o Vietname e não qualquer país de África alvo de guerras? Porquê a intervenção americana a ser contestada em contraste com o silêncio face à invasão da Hungria em 1956 (Praga seria apenas no ano seguinte)? Num percurso muito típico das primeiras obras de Resnais o escritor vai evocando as suas memórias que remontam à segunda guerra mundial, quando os americanos eram vistos como libertadores e não opressores e confessa a sua clara filiação em muitos dos valores e dos ícones da cultura americana. É um segmento absolutamente luminoso que, juntamente com o de Godard, vale o filme.
O filme teve um acolhimento triunfal em Nova Iorque na altura da sua antestreia e fez um percurso interessante na Europa, apesar das ameaças de bomba de grupos extremistas pró-americanos. Hoje é vista como uma obra militantemente generosa, mas datada, excepto os fragmentos de Resnais e de Godard que, como é típico dos génios, transcendem o tempo e as circunstâncias em que são concebidos.
*Texto de Jorge Saraiva
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