sábado, 4 de julho de 2020

A Motoreta (El Cochecito) 1960

O septuagenário Don Anselmo Proharan, um ministro aposentado do governo, vê-se a dividir um espaço com o filho e a família. Don Anselmo, um viúvo, fica restrito a um cómodo da casa, e a sua vida social fica reduzida a assistir a vigílias, funerais, e visitar o cemitério. Quando o seu amigo paraplégico pega uma cadeira de rodas motorizada Don Anselmo acompanha-o até ao túmulo da esposa para deixar flores. Don Anselmo fica obcecado em conseguir a sua própria cadeira de rodas motorizada, e pertencer assim à subcultura dos outros donos de "cochecitos". E vai tentar tudo ao seu alcance para conseguir uma.
O argumento é baseado numa novella, publicada nos anos 50, chamada "El Paralítico", de Rafael Azcona. A história surgiu de uma anedota que Azcona publicou anteriormente em "La Codorniz", uma revista cultural semanal que criticava o regime de Franco. A história narrava como um grupo de homens deficientes criticava os jogadores de um jogo de futebol ao deixarem o estádio nas suas cadeiras de rodas motorizadas. A história despertou o interesse de Marco Ferreri, que já tinha adaptado com sucesso outro conto de Azcona, "El Pisito". Imediatamente visualizou José Isbert no papel de protagonista, que só poderia ser a escolha ideal. 
Don Anselmo, o personagem central do filme, poderia ser visto como uma variante de um dos personagens mais famosos do neorrealismo italiano, Umberto D., do filme do mesmo nome, dirigido por Vittorio de Sica em 1952. No entanto, em contraste com "Umberto D.",  o personagem de Don Anselmo provoca empatia no espectador, apesar do crime que vai cometer para pagar a cadeira que tanto deseja. Exactamente por esse motivo, os censores suprimiram a cena em que Don Anselmo comete esse crime, e o realizador teve de filmar a cena novamente, mais curta e mais simples, a fim de tornar o final moralmente mais aceitável. 
Os passeios de Don Anselmo em Madrid dão ao público uma visão da Espanha da década de 50. A câmara de Baena captura o contexto quotidiano do espaço urbano de Madrid, e é fundamental para reflectir a marginalização social. O pano de fundo desta comédia negra é o conflito entre a vertiginosa modernização industrial ocurrida naquele momento (o chamado milagre económico que levou a Espanha a outro momento), e a estrutura persistentemente desactualizada da ditadura de Franco. A crise que ocorre dentro de certas estruturas sociais (família, vizinhança, amigos) critica a escassez de solidariedade e a crueldade do grupo em relação ao individuo. Na essência, a crise que a sociedade enfrentou naquela altura é ficar presa entre os velhos modelos sociais e os novos ditames da modernidade. Desta forma, "El Cochecito" evoca o neorrealismo que Ferreri tinha iniciado nos dois filmes anteriores.
Ferreri partiria de Espanha depois de terminar este filme, deixando para trás um conjunto de três obras que vieram a ter bastante repercussão no cinema espanhol, tendo a sua estreia em Itália, mais propriamente no festival de Veneza, onde ganhou o prémio Fipresci.
Legendas em inglês.

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