terça-feira, 28 de abril de 2015

Salmo Vermelho (Még kér a nép) 1972



Passado no século XIX, nas planícies húngaras, um grupo de trabalhadores rurais parte para uma greve, na qual eles irão enfrentar duras represálias, e a realidade da revolta, opressão, violência e moralidade.
"Még kér a nép", o título húngaro do filme, significa "E as Pessoas ainda Perguntam", e é muitas vezes descrito como um musical, o que faz todo o sentido, embora não seja isso o que o título sugere. Apesar de todos os takes longos, não é um filme passivo-agressivo, cheio de remendos estáticos intoleráveis, é antes caracterizado pelo constante movimento e uma actividade incansável. É um filme que não perturbou o Pacto de Varsóvia em vigor na altura, e ainda assim era mais do que um simples hino ao passado e ao presente do socialismo.
 Em "Meg ker a nep", o realizador Miklós Jancsó reduz os elementos cinematográficos naturais a um mínimo, o seu estilo cria uma sensação de importância do movimento, tanto em termos estéticos como ideológicos. "Parece-me que a vida é um movimento contínuo. Num processo, numa demonstração, há movimento a toda a hora, não acham? É físico e também é filosófico: a contradição é encontrada no movimento, o movimento de idéias, o movimento de massas. O homem está sempre rodeado, ameaçado pela opressão: os movimentos de câmera que eu crio sugerem isso", palavras do próprio realizador. Os takes longos e a montagem quase invisível permitem que os espectadores se concentrem em dispositivos não verbais, para entender a acção que se vai desenrolando.
O filme tem lugar inteiramente em exteriores, um factor comum na obra do realizador, e o espaço aberto é utilizado ao máximo, fazendo uma incrivelmente rica experiência de visualização, o máximo que os olhos podem ver. Concorreu ao festival de Cannes de 1972, valendo a Miklós Jancsó o prémio de melhor realizador. A Palma de Ouro foi perdida para dois outros grandes filmes políticos que já passaram por aqui: "A Classe Operária Vai ao Paraíso", de Elio Petri, e "O Caso Mattei", de Francesco Rossi. Era o ano do cinema político.


E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:



Desta vez não vos posso oferecer um texto relativo ao filme. Contudo, as poucas passagens de Salmo Vermelho que vi, lembrou-me uma citação do músico José Mário Branco. É que a música, como qualquer arte, pode ser usada para o progresso ou para o seu inverso. Nestes filmes do ciclo tem-se salientado que não existe neutralidade, que toda a criação humana é fruto de uma relação entre humanos, e de uma relação de classes antagónicas. A arte é também fruto dessa interacção e age na mesma natureza de interacções. A Música é usada neste filme como um meio para algo superior, das "grandes coisas da alma humana". 
Aqui vos deixo a citação a José Mário Branco para mote à reflexão complemento ao filme:
Não existe neutralidade na canção. Tenho pensado muito nisso por causa dessa treta de nos chamarem cantores de intervenção. Chamarem-nos cantores de intervenção é uma forma de desresponsabilizar os outros que não o são. Parece que, normal é uma pessoa não intervir, não se meter “nessas coisas”. Quando qualquer ocupação do espaço social – em cima dum palco, num disco, num tempo de antena (…) – é relevante do ponto de vista da nossa relação com a comunidade. Portando, não há neutralidade nisso. Se eu ficar a cantar baboseiras, parvoíces, ou coisas completamente anódinas que contribuam para estupidificar as pessoas, etc, eu estou a intervir, sou activo na mesma, estou a dizer: “É pá, ficas quietinho, não faças nada. Tu és um escravo. Não levantes a garimpa, continua isso, nasces, morres, e continua o processo. Não faças nada.” Outros, seja a falar de amor, seja a falar das relações sociais, seja a falar de poesia – das grandes coisas da alma humana -, exprimem-se, entregam-se, questionam-se. Isso, quando passam para si e para os outros… [tem um efeito]. 

(Em entrevista ao programa Bairro Alto, emitido em 2010 na RTP2. Pode assistir ao programa aqui).

por Bruno - Leitura Capital*

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