Há uma tendência balofa de se
considerar os humanos que vivem neste tempo histórico mais especiais que os
seus antepassados. Mas não somos seres de excepção, apenas vivemos agora e não
antes. A história de toda a sociedade até aqui – pelo menos desde a invenção da
escrita – é a história da luta de classes, e assim continua a ser. Homem livre
e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, isto é, opressores e oprimidos,
estiveram ininterruptamente em conflito, transformando no confronto a sociedade
até a revolucionarem, e dessa nova ordem social germinaram novas classes
sociais, chegando a humanidade até ao modo de produção social que hoje vivemos.
Quer gostemos ou não de aceitar a ideia, o nosso tempo não é uma excepção histórica
e continua a ser constituído por diferentes classes sociais e em mútua oposição.
A nossa época, a época da burguesia,
classe que – outrora progressista - ao tornar-se predominante fez desaparecer o
velho feudalismo, pariu das suas entranhas o seu próprio coveiro: o
proletariado. Esta nova classe social que se confronta naturalmente com o seu
criador, quando se tornar ela própria na classe predominante, será a obreira da
futura sociedade humana, feita à sua imagem e semelhança.
Contudo, a nossa sociedade, mantida
sob o poder predominante da agora conservadora burguesia, tem uma necessidade
fundamental: o lucro. Dessa sua suprema busca pela maximização das taxas de
lucro, algo profundamente conservador contamina quase tudo o que existe, o
Cinema incluído. Não é por acaso que os filmes que mais frequentemente passam
nas TVs e salas de cinema são os que são. O entretenimento pelo entretenimento
predomina. A superficialidade segura o status quo. A arte e tudo aquilo que
obriga a reflexão soa-nos imediatamente a algo diferente e precioso.
O My Two Thousand Movies é uma
criação da sociedade burguesa, só possível graças à frenética evolução da
técnica que o capitalismo permitiu à humanidade, nomeadamente as novas
tecnologias relativamente à reprodução da arte e a sua distribuição, mas é
também, e sobretudo, parte do coveiro desta sociedade que lhe permitiu poder
existir e um suave cheiro a novo mundo. Pois o M2TM é, pela difusão da memória
cinematográfica que promove, parte daquilo que consideramos e sentimos como
diferente e precioso.
No confronto entre a burguesia e o
proletariado, refina-se tanto a opressão como a resistência, os trabalhadores
aprendem, matura-se a luta. O M2TM com este ciclo, querendo ou não, tenha ou
não consciência disso, é resultado dessa mesma maturação e toma partido claro
pelo proletariado, ou não fosse essa a classe social do Chico, da minha, e da
esmagadora maioria dos seus fãs. Ou não fosse esse o partido que se toma
aquando da reflexão e maturação feita a partir da vida, nomeadamente com a
fruição de uma arte tão completa como é a dos filmes, e que o M2TM nos
proporciona. Este ciclo - Consciência de Classe e Luta - que terá lugar nos
próximos dias, festejando o 25 de Abril e o 1º de Maio, é o corolário de tudo
isto.
A luta pela distribuição e fruição
da cultura no qual o M2TM participa e que o torna precioso, está directamente
ligado à luta proletária. Do outro lado da barricada a burguesia responde com a
capitalização das limitações ao acesso à arte. Toda a superstrutura, desde as
leis, a polícia, os média, que hoje estando maioritariamente na mão da classe
dominante, pelo capital monopolista, levantam de forma mais ou menos aberta uma
caçada a quem ameace a capitalização do acesso às artes e, exemplo disso, foi o
apagão ao M1TM. É assim a luta de classes: tenhamos ou não consciência dela, ela
encontra-se directa ou indirectamente em todas as nossas pequenas e grandes
acções do dia-a-dia.
Pois é! O proletariado é a classe
progressista do nosso tempo histórico. É a classe social que tem na sua génese
o potencial de negar a sociedade da burguesia – o capitalismo – e construir o
futuro. Como sujeito histórico tem uma hercúlea luta pela frente contra a
burguesia. O choque é inerente a ambas, sem fuga possível. Ora, imaginem como
seria se tivéssemos todos consciência da posição e do papel histórico que temos
como proletários! Não foi por acaso que Bento de Jesus Caraça escreveu, entre
outros pontos, que um homem culto é aquele que «tem consciência da sua posição
no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence». O My Two Thousand
Movies não podia festejar melhor o 25 de Abril e o Primeiro de Maio, desafiando
desta forma os seus fãs a reflectir por via cinematográfica a sua condição e
posição no cosmos, em particular, na sociedade em que vivemos.
O desafio começa amanhã: Ciclo
Consciência de Classe e Luta!
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