terça-feira, 21 de abril de 2015

Os Camaradas (I Compagni) 1963



O cenário é uma fábrica têxtil em Turim, no final do século XIX. Cerca de 500 trabalhadores suportam turnos de 14 horas, debaixo de situações extremas, desde o calor, poeira, o perigo de sofrer um acidente de trabalho, e são mal pagos. Um dos trabalhadores fica com a mão mutilada por uma máquina, situação que serve de impulso para que os outros, pelo menos, pensem mudar as condições de trabalho. Talvez graças à sorte ou ao destino, um professor e socialista chamado Sinigaglia (Marcello Mastroianni) está de passagem pela cidade (em fuga de crimes políticos), e oferece uma ajuda na organização dos trabalhadores. Segue-se uma greve, que se arrasta por várias semanas, testando a vontade dos trabalhadores...
Esta sinopse faz o filme parecer mais um melodrama sobre as más condições das classes trabalhadoras. Na realidade, é muito mais do que isso, e o que o faz ser tão brilhante e surpreendente é a forma como é apresentado, tornando-o também numa obra de entretimento. Além da tragédia, também há um pouco de romance, comédia, farsa, comentário social. O argumento e o trabalho de realização fazem um trabalho magistral, ao desenvolver várias personagens em vários sub-plots numa história bastante multidimensional. A maioria dos filmes politicamente orientados são polémicos, o que por vezes os distancia do grande público. "I Compagni" é tão envolvente, tão animado, tão cheio de personagens vibrantes, que o aspecto da mensagem da história funciona a um nível quase sublimar.
Mario Monicelli (mais conhecido no território da comédia) e o produtor Franco Cristaldi tiveram de ir até à Jugoslávia para encontrar uma fábrica em pleno funcionamento, com as suas dezenas de teares movidos por um motor a vapor, e activados por eixos de transmissão. O edifício da fábrica parece um acidente prestes a acontecer. Com figurinos e cenários tão rigorosamente preparados e um look típico do século XIX a ser muito bem mantido, desde os quartos baratos alugados pelo trabalhadores, aos restaurantes chiques onde Niobe encontra os seus clientes.
Refira-se que o filme foi nomeado para o Óscar de Melhor Argumento Original, em 1965.

E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:



As greves surgem e propagam-se onde surgem e se propagam grandes fábricas. E mesmo nos países desindustrializados, como Portugal, as greves são mais frequentes no locais onde há maiores concentrações de trabalhadores.

Como explicar este fenómeno? De facto o capitalismo conduz necessariamente ao choque entre os operários e os patrões, e onde a produção se torna grande produção a luta desenvolve-se necessariamente para a luta grevista.

Como e por que motivo isso ocorre? Expliquemos mais detalhadamente.

O capitalismo é um sistema de sociedade em que os meios de produção (terra, fábricas, instrumentos de trabalho, etc.) são propriedade de um pequeno grupo de pessoas – agrários e capitalistas -, enquanto a grande massa do povo não possui nenhum ou quase nenhum meio de produção. Os capitalistas empregam os trabalhadores e obrigam-nos a produzir determinado produto ou serviço que vendem no mercado. Em troca os trabalhadores recebem apenas parte do valor que produziram – é o salário. A outra parte da riqueza produzida por eles, que sobra da venda do produto vendido, fica na mão do patrão. É desta parcela alienada do trabalho dos trabalhadores que resulta o “Deus” da nossa sociedade: o lucro. Todos sabemos que quanto menos um patrão pagar de salários, maior é o seu lucro. Quanto maior for o salário dos trabalhadores, melhores condições de vida estes usufruem para si e para os seus filhos. É um mundo de liberdades: o capitalista é livre de procurar o trabalhador que queira, e por isso procura o mais barato; o trabalhador é livre de vender a sua força de trabalho ao patrão que queira, e por isso procura o que lhe pague mais. Portanto, o operário está sempre a regatear com o patrão, luta com ele por causa do salário.

Contudo, pode um operário, ou qualquer outro tipo de trabalhador, travar esta luta sozinho? Por motivos que não cabe a este post desenvolver, o capitalismo torna cada vez maior a massa de seres humanos caídos em ruina. O desenvolvimento técnico não é colocado em prol da sociedade em geral, mas em prol da classe dominante que a tudo submete em nome do lucro. Por isso, o desenvolvimento técnico, e consequente aumento da produtividade, é causa de mais desemprego ao invés de proporcionar à massa trabalhadora mais tempo livre. Logo, um exército de desempregados cada vez maior e mais desesperados se predispõem a salários e condições cada vez mais degradantes.

A progressiva ruina do povo chega a um grau em que por todo o lado há sempre massas de desempregados, então o trabalhador isolado torna-se imponente perante o capitalista. Há sempre alguém com a necessidade de ocupar o seu lugar. Isolados, os trabalhadores tornam-se presa fácil. O capitalista adquire a possibilidade de esmagar completamente os trabalhadores, empurrá-los para condições de trabalho e sociais dignas do séc. XVIII, jornadas de trabalho sem limite de tempo, e de sol a sol, crianças de 8 anos a descer as minas, praças de jorna, falta de cuidados de saúde, fome…

O filme de hoje torna a resposta a esta situação evidente. O operário, vendo que sozinho cada um deles é completamente impotente, ameaçados de parecer sob jugo do capital, aprendem o valor da unidade e da greve. Os operários têm necessariamente de se defender em conjunto, organizar greves para impedir a queda dos salários ou fazê-los subir.

A princípio é frequente os operários não compreenderem muito bem o que significa, nem o que fazer numa greve. Apenas querem fazer sentir a sua indignação, sem consciência que têm o poder nas mãos, e um mundo a ganhar. A verdade dura e crua para a burguesia é esta: nenhumas riquezas trarão qualquer benefício aos capitalistas se estes não encontrarem trabalhadores dispostos a aplicar o seu trabalho aos instrumentos e materiais deles e a produzir novas riquezas. Quando a greve faz parar as máquinas, a construção das casas, o cultivo das terras, os caminhos-de-ferro e rodoviários, a importância e poder do trabalho fica à vista de todos. É então que o outrora dócil e calado operário, que nunca contradiz o patrão, proclama em voz alta as suas reivindicações e direitos, lembra aos patrões todos os tipos de perseguição de que foram alvos, e de punho fechado pensa em todos os seus colegas em greve e não apenas em si próprio.

Tal como o filme de hoje ensina, não há necessidade de hoje abdicarmos dos conhecimentos aprendidos pelos nossos antepassados em luta. É então que no filme um espectro de Tom Joad – ver post do filme anterior – surge, um professor enviado pelos “vermelhos” para ajudar a organizar a luta dos operários. Pois, sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Muito ajudou o saber deste experiente sindicalista vindo de fora, para elevar qualitativamente a acção grevista deste operário do filme. É que fazer uma greve não é nada fácil. Nada mais acrescentarei, o resto fica dito pelo próprio filme. E que filme! Uma verdadeira preciosidade.
por Bruno - Leitura Capital*


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