Numa região fabril russa, durante o regime czarista, há grande inquietação entre os planeadores de uma greve, com a gestão a trazer espiões e agentes externos ao movimento. Quando um trabalhador se enforca depois de ser erradamente acusado de roubar, os outros trabalhadores entram em greve. No início, há excitação nas suas casas, e nos lugares públicos, enquanto eles desenvolvem as suas demandas comunitariamente. Depois, à medida que a greve se desenvolve e as suas demandas são rejeitadas, a fome aumenta, provocando uma aflição doméstica e cívica. Provocadores recrutados pelos patrões, e em conluio com os policias e os bombeiros, trazem problemas para os trabalhadores. Os espiões fazem o seu trabalho sujo, e os militares chegam para liquidar os grevistas.
Nos anos vinte, Eisenstein tornou-se famoso pelo uso da montagem, cortes rápidos, e contrapontos abstractos, estranhos à acção brutal, garantiram-lhe um respeito duradouro. A sequência do matadouro intercalada com o abate de trabalhadores inocentes em greve, ainda é ousada e desagradável nos dias que correm. Com o uso de motivações magníficas, interlúdios poéticos, ângulos expressionistas incríveis, composições construtivas, e sequências de multi-ângulos, "A Greve" é um dos mais dinâmicos filmes filmados e montados na época do cinema mudo.
Sergei M. Eisenstein tinha apenas 26 anos quando dirigiu este seu primeiro filme, que é considerado uma das maiores estreias na história do cinema. Eisenstein tinha outra coisa em mente. Ele queria fazer um filme revolucionário sério para o povo. Felizmente, é uma obra tão energética e feroz, que nenhuma quantidade de propaganda pode oprimir o seu poder. Este também seria uma espécie de aquecimento para o seu filme seguinte, "O Couraçado Potemkine", onde Eisenstein desenvolveu todas as suas ferramentas, e as empregou da melhor forma. Independentemente disso, "A Greve" é muito mais do que um pouco de história. É a própria história viva.
E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:
“of all the arts, for us the cinema is the most important” - Lenin
Para vocês, o cinema é um espectáculo. Para mim, é quase um meio de compreender o mundo.” – Maiakovski, 1922
Não são de estranhar estas citações vindas de duas pessoas tão profundamente comprometidas com a ascensão do proletariado. Na Era da reprodutibilidade técnica da arte um filme podia ser largamente reproduzido e distribuído, chegando assim mais eficazmente às massas, também por num país onde a maioria dos trabalhadores era analfabeta serem mais facilmente compreendidos, e naturalmente o cinema foi tido desde então como uma ferramenta fundamental para se propagandear o ideal proletário.
A Greve é, de uma forma bem mais óbvia que nos filmes anteriores deste Ciclo, uma obra preocupada em ser útil e ter uma função social construtiva e poder ser fonte de reflexão e transformação da sociedade. Para os artistas comprometidos com a causa proletária a arte não deve nunca se resumir à arte pela arte, e Sergei Eisenstein procurou novas formas de expressão capazes de mobilizar as pessoas para a revolução em curso. Neste filme experimental relativamente a essas novas formas de expressão, nomeadamente na montagem, ele é coerente com essa postura progressista. Se noutros filmes do Ciclo a postura era quase documental da situação e da luta dos trabalhadores, Eisenstein vai além da descrição da realidade e propõe cinematograficamente uma análise e tática para acção dos trabalhadores. Em A Greve o foco está definitivamente em mobilizar.
Quando se fala de Eisenstein é ponto comum a referência ao seu contributo revolucionário quanto à montagem. Não vos sou capaz de dizer muito relativamente a isso, pouco sei de Cinema, mas como espectador tento absover o máximo daquilo que vejo e, como tal, digo-vos que assim que começamos a ver o filme, salta imediatamente à vista a rápida transição de imagens sem uma lógica e narrativa linear. Tão depressa se vê um conjunto de pessoas a correr como na imagem seguinte estão deitadas, sem se mostrar o que lhes aconteceu entre os dois momentos. Por que motivo se fez isso? Qualquer obra artística é em algum grau uma co-autoria entre o seu autor e o espectador, e este último é levado por Eisenstein a explicar e a completar mentalmente o hiato entre uma imagem e outra, mobilizando o espectador a uma participação activa no filme. O objectivo é claro: levar as massas à acção, a participarem na revolução.
Outro elemento importante, que eu saiba raro no cinema, mas também nas outras artes, é a de se ter um herói que não é um indivíduo, mas é um sujeito colectivo: a classe operária. Os restantes personagens colectivos, mesmo quando corporizados por um único indivíduo, não deixam de ser uma referência ao papel social de um grupo, como o gerente, o capataz, o espião ou o provocador.
Há também o recurso a várias metáforas visuais. O ser gordo, que era um luxo classe só ao alcance da burguesia ou da aristocracia czarista; a cena fantástica em que o patrão esmaga um limão, enquanto a polícia reprime os trabalhadores; a simultaneidade da paragem das máquinas com a paragem dos trabalhadores; e o curiosíssimo uso de animais, gatinhos :-) e outros na famosa cena do matadouro. Não avanço muito relativamente a essas metáforas para não fazer excesso de spoiler nem tirar a oportunidade a cada um de vós a interpretá-las à vossa maneira. Afinal, o objectivo de Eisenstein é exercitar o sentido crítico de cada um dos espectadores, para refinarem a análise da realidade, e levar cada um de nós para a acção política e transformação do mundo.
por Bruno - Leitura Capital*
Imdb
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