Em 1920, os anarquistas italianos imigrantes Niccola Sacco (Riccardo Cucciolla) e Bartolomeo Vanzetti (Gian Maria Volonté), são condenados à morte, falsamente acusados de um roubo e de um assassinato. Na verdade, eles foram condenados por causa das suas convicções políticas, num dos julgamentos mais vergonhosos e hipócritas da história da humanidade. O filme é a história do julgamento.
Uma ronda de suspeitos do costume na américa dos anos 20, incluía comunistas, socialistas, e outros dissidentes políticos. Sacco e Vanzetti eram seguidores do anarquista Luigi Galleani que foi deportado por defender a violência, e cujos sócios eram suspeitos de vários atentados terroristas. Mais por causa desta associação do que propriamente evidências físicas, os dois foram presos e acusados dos crimes. A investigação policial foi uma anedota, e estava cheia de inconsistências, e desde cedo era visível que estava programada a culpa dos homens, a todo custo.
O que ninguém consegue explicar é porque é que Sacco e Vanzetti não receberam o apoio que a Constituição lhes prometeu. O calvário de ambos é um capítulo na história americana que engloba a revogação preliminar das liberdades civis garantidas a julgamento pelos mídia, e o destino do imigrante dissidente político a entrar em confronto com um todo poderoso sistema legal, dirigido por nativos que respondem apenas a eles próprios.
Sacco e Vanzetti (1971) apresenta-nos a dramatização deste eventos, num estilo quase documental e dá destaque ao extenso julgamento dos dois homems. Contando com uma realização de um desconhecido Giuliano Montaldo, concorreu no festival de Cannes de 1971, tendo conquistado o prémio de melhor actor (Riccardo Cucciolla).
E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:
A vida é um caldo de ilusões e prisões. Escreveu Brecht que “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. A ilusão de liberdade e prosperidade em terras estado-unidenses por muitos milhares de emigrados italianos no século passado, definharam rapidamente perante o choque com a realidade, mas Sacco e Vanzetti antes de emigrarem já eram anarquistas, um operário e um vendedor de peixe politizados, conscientes que a opressão burguesa existe onde quer que o capitalismo exista, seja em Itália ou nos States. Contudo havia ainda quem acreditasse nas instituições burguesas, incluindo na Justiça.
Sacco e Vanzetti, uma história apaixonante de dois anarquistas italianos confrontados com os limites da liberdade burguesa, que lutaram por uma sociedade sem exploração do homem pelo homem da melhor forma que sabiam. E foi esse o “crime” que ambos cometeram.
Julgados por um crime que não interessa à Lei se cometeram, ou não fosse uma característica do fascismo ter as leis escritas no papel como mera fachada formal, vai ficando gradualmente claro durante o desenrolar da narrativa a impostura e o lodo que é a justiça burguesa para homens do trabalho. É enquanto se desenvolve este definhamento de ilusões perante a Justiça, como se ela pudesse ser neutra e procurasse ser justa, que o filme ganha um cariz poético. Está a decidir-se a condenação à morte de dois homens apenas, ou a tentar-se algo mais?
Ennio Morricone e Joan Baez oferecem o melhor das suas longas carreiras à banda sonora deste filme e complementam a poesia do filme. Envolvem de beleza o tema que evidencio nesta obra: a neutralidade é um mito, nas Leis e nos tribunais inclusivamente.
Sacco e Vanzetti, uma história apaixonante de dois anarquistas italianos confrontados com os limites da liberdade burguesa, que lutaram por uma sociedade sem exploração do homem pelo homem da melhor forma que sabiam. E foi esse o “crime” que ambos cometeram.
Julgados por um crime que não interessa à Lei se cometeram, ou não fosse uma característica do fascismo ter as leis escritas no papel como mera fachada formal, vai ficando gradualmente claro durante o desenrolar da narrativa a impostura e o lodo que é a justiça burguesa para homens do trabalho. É enquanto se desenvolve este definhamento de ilusões perante a Justiça, como se ela pudesse ser neutra e procurasse ser justa, que o filme ganha um cariz poético. Está a decidir-se a condenação à morte de dois homens apenas, ou a tentar-se algo mais?
"If it had not been for these things, I might have lived out my life talking at street corners to scorning men. I might have died, unmarked, unknown, a failure. Now we are not a failure. This is our career and our triumph. Never in our full life could we hope to do such work for tolerance, for justice, for man's understanding of man as now we do by accident. Our words--our lives--our pains--nothing! The taking of our lives--lives of a good shoemaker and a poor fish-peddler--all! That last moment belongs to us--that agony is our triumph."A Lei não é igual para todos. Todos o sabem, inclusivamente aqueles que se iludem com a possibilidade de haver neutralidade. É um mito que persiste, mesmo quando quase todos os dias assistimos pela TV que a melhor forma de roubar impunemente é fazê-lo aos milhões e através da banca. Ao mesmo tempo, a condenação à prisão por se roubar comida para matar a fome inspira a arte há séculos, por exemplo, recordemos Jean Valjean em Os Miseráveis, de Victor Hugo, preso por roubar um pão. É a arte a reflectir a realidade, tal como faz o filme de Giuliano Montaldo que vamos hoje ver.
Bartolomeo Vanzetti
Ennio Morricone e Joan Baez oferecem o melhor das suas longas carreiras à banda sonora deste filme e complementam a poesia do filme. Envolvem de beleza o tema que evidencio nesta obra: a neutralidade é um mito, nas Leis e nos tribunais inclusivamente.
por Bruno - Leitura Capital*
3 comentários:
O Chico se mostra surpreso com o linchamento legalizado que Sacco e Vanzetti sofreram em tempos já distantes nos EUA.
Chocante mesmo é que algo bem parecido quase aconteceu no século atual, quando o escritor Cesare Battisti esteve seriamente ameaçado de extradição para a Itália, onde teria de cumprir pena de prisão perpétua em função de um julgamento de cartas marcadas que teve lugar no período de histeria contra os "ultras" subsequente ao assassinato de Aldo Moro.
Berlusconi queria a cabeça de Battisti para exibir como troféu e tudo fez para que a França revogasse a solene garantia de Mitterrand, que prometeu a liberdade aos fugitivos italianos que se comprometessem a não mais atuarem politicamente; depois, com a fuga de Battisti para a América do Sul, para que o Brasil o extraditasse, jogando no lixo sua tradição de abrigar perseguidos de todos os países.
Apesar das fortes pressões italianas e de a grande imprensa brasileira ter sido de parcialidade extrema, alguns veteranos homens de esquerda (entre os quais me incluo, pois era uma espécie de porta-voz informal do comitê de solidariedade, tendo redigido cerca de 250 diferentes textos que foram utilizados na batalhão de opinião) conseguimos sensibilizar os internautas e, a partir deles, influir sobre o poder, acabando por vencer o duelo de Davi contra Golias: depois de quatro tensas sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu autorizar a extradição por 5x4 mas, pelo mesmo placar, reconheceu que a última palavra deveria ser dada pelo chefe do governo.
O presidente Lula negou a extradição, mas os ministros alinhados com a posição italiana (os quais, ao longo de toda a tramitação do caso, alternaram-se nos papéis de presidente da Corte e relator do processo, atuando mais como lobbistas do que como juristas) ainda mantiveram Battisti preso por mais 5 meses, na esperança de derrubarem a decisão presidencial.
Foram derrotados por 6x3 e o STF mandou libertarem Battisti em junho de 2011, depois de 50 meses de prisão sem ter cometido crime em terras brasileiras.
Enfim, os pontos de contato entre os casos Sacco & Vanzetti e Battisti foram muitos, mas, felizmente, conseguimos mudar o desfecho.
Não fazia idéia. Obrigado pelo comentário, Celso. :)
Creio que o caso só repercutiu na Itália, no Brasil e na França (onde o Cesare Battisti se tornara um razoável escritor de novelas policiais - aliás, uma amiga e colega de ofício, a Fred Vargas, foi sua principal defensora no exterior, viajou várias vezes ao Brasil para apoiar sua causa e bancou todas as despesas com advogados).
Seria interessante se tais informações chegassem às redes sociais portuguesas, pois suponho que a grande imprensa daí, como a daqui, não tenha simpatia por revolucionários, mesmo os que já penduraram as chuteiras, como o Battisti.
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