sexta-feira, 14 de abril de 2017

Sonha Meu Amor (Sleep, My Love) 1948

Sonha Meu Amor (Sleep My Love) é a mais deliberada incursão de Douglas Sirk no filme noir até à data. Trata-se da adaptação do romance de Leo Rosten feita pelo próprio e por St. Clair McKelway e conta com Claudette Colbert, então uma estrela confirmada em Hollywood (já com 45 anos), no papel de protagonista principal.
A primeira sensação que se tem ao ver este filme, é que Sirk parece claramente influenciado pelos filmes de suspense que constituíam uma grande parte do melhor cinema americano da época. Em particular a «presença» de Alfred Hitchcock parece evidente, particularmente de A casa Encantada (Spellbound). Essa influência torna-se evidente ao destacar as questões da memória que eram centrais no filme de Hitchcock e que aqui desempenham igualmente um papel relevante, assim como a catalogação da personagem na lista de doentes do foro psicológico a precisar de tratamento. Uma mulher de Nova Iorque acorda num comboio para Boston, sem saber porque é que está ali, nem ter nenhuma recordação do seu passado recente e dos motivos que a levaram a fazer essa viagem. Não se trata de uma amnésia total, como acontece com o protagonista de Spellbound, mas apenas das últimas horas. Depois, há aqui toda a habitual trama de mistério que envolve este tipo de filmes, onde as coisas são sempre diferentes do que inicialmente parecem. Há todas as voltas e reviravoltas que levam o espectador a mudar constantemente o sua posição afectiva perante as personagens. Estamos perante um triângulo amoroso que não aparece de forma declarada: no centro está uma mulher que não é feliz no seu casamento e que atribui as causas do seu infortúnio à misteriosa doença que a psiquiatria não consegue curar; do outro, temos um marido, aparentemente dedicado, que se diz vítima dos ataques de loucura da esposa, mas que por amor se sacrifica e que permanece apaixonado; finalmente temos o intruso que se apaixona pela mulher e que desconfia das causas da doença da mulher que ama e tenta deslindar o caso. Conseguimos rapidamente perceber que o suspense se resolve com uma relativa rapidez, quando ficam claras que as boas intenções do marido são falsas e que por trás da sua aparente solicitude, está uma tentativa de levar a mulher a cometer suicídio ou a morrer de causas aparentemente naturais. E, sempre tomando Hitchcock como ponto de referência, este parece-me ser o calcanhar de Aquiles de Sleep My Love. Hitchcock consegue manter o suspense praticamente até à ultima cena, com desfechos imprevisíveis, frequentemente encontrando um sentido lógico próprio que contraria o que parecia previamente estipulado. Este filme de Sirk resolve o mistério demasiado depressa. Muito antes do final sabemos quem é culpado e quem é inocente e toda a sua parte final é mais de acção do que de mistério. O desmascaramento da avidez do marido pelo dinheiro da esposa e a atitude do falso psiquiatra com ele conluiado, surgem demasiado cedo. Talvez tenha sido esse aspecto que levou um crítico da época a afirmar que o filme é melhor pelas atmosferas criadas do que pelo próprio argumento, o que me parece ser inteiramente justo. Há pormenores de realização absolutamente deliciosos que trazem a marca inconfundível de Douglas Sirk: os espelhos, as janelas e as portas, o contraste entre claro e escuro, as expressões faciais das personagens. 
Não é dos melhores filmes de Sirk nem é dos filmes noir que a história recordará como um dos seus mais emblemáticos. Mas não deixa de ser um Sirk que se vê com muito agrado.
* Texto do Jorge Saraiva.

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