O Noivo Não Tem Quarto (mais um discutível aportuguesamento do título original No Room For Groom) é um decidido passo de Douglas Sirk no caminho da comédia que ainda não tinha surgido de forma explícita nas suas obras anteriores. Aliás o seu filme seguinte, Has Anybody Seen My Gal, lançado no mesmo ano, vai também na mesma direcção.
No Room For Groom é uma clássica comédia americana. Dois namorados casam em segredo em Las Vegas contra a vontade da mãe da noiva. Na noite de núpcias, o noivo, que só tinha essa noite disponível dado que estava a cumprir o serviço militar, contrai varicela e é hospitalizado sem poder consumar o casamento. Quando regressa à casa que herdou do seu pai, descobre que toda a família da sua mulher se instalou em sua casa e que a ambicionada privacidade é uma miragem. Durante grande parte do filme, não há grandes novidades relativamente aos cânones tradicionais das comédias mainstream de Hollywood: algumas personagens ingénuas (sobretudo o protagonista), outras indecisas (a noiva, dividida entre a mãe e o marido), outras oportunistas e dissimulados (a família e particularmente a mãe da noiva) e algumas gananciosas (o patrão da noiva). Abundam os segredos não revelados que geram situações equívocas e cómicas, com o noivo a procurar desesperadamente estar a sós com a sua mulher e a aparecer sempre qualquer coisa que entrava essa possibilidade. O que torna o filme em algo de particularmente interessante é a oposição entre o noivo e o patrão da noiva. Embora se trate da adaptação da novela My True Love de Darwin Teilhet, este tipo de oposição, consubstancia duas visões distintas do mundo, muito típica no universo de Sirk. De um lado está um jovem que ambiciona uma vida simples, onde o dinheiro não é importante e que quer preservar as tradições familiares e locais, através da manutenção da sua casa e do cultivo das vinhas da sua propriedade; do outro, o patrão da noiva, que construiu uma cimenteira que apesar de dar emprego a muitas pessoas (entre as quais a numerosa família da noiva), acha que o dinheiro pode comprar tudo, incluindo a dignidade das pessoas e até o próprio amor. Esta crítica a uma sociedade em que o dinheiro é a única coisa importante, mais do que uma denúncia do capitalismo, deve ser entendida como uma crítica moral, ao comportamento das pessoas, designadamente ao seu egoísmo e ao seu desprezo pelos valores mais importantes da vida. Ao ver No Room For Groom, senti-me inevitavelmente transportado para os filmes de Frank Capra, que, em muitos aspectos, influenciou directamente o próprio Sirk. Mr. Deeds Goes To Town (1936), Meet John Doe (1941), It`s A Wonderful Life (1946) e, sobretudo, American Madness (1932) representam um outro american way of life, bem diferente daquele que é construído pela ideia do self made man, cujos méritos são avaliados pelo grau de riqueza obtido. O filme de Sirk segue nessa linha: muito mais importante do que o dinheiro, é a defesa de um estilo de vida simples, onde predomina a sinceridade dos afectos e a proximidade das pessoas, numa via que mantenha as tradições da vivência comunitária. Esta visão ingénua, a contracorrente da ideologia dominante, é, sem dúvida o ponto mais forte do filme, tal como tinha sucedido com os filmes de Capra.
É evidente que No Room For Groom não se encontra entre os melhores filmes feitos por Douglas Sirk. Mas essa capacidade de fazer de uma simples comédia que poderia ser entendida como um exercício frívolo e superficial, num filme com uma mensagem implícita que nos faz reflectir. E isso salva-o da vulgaridade.
* Texto de Jorge Saraiva
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