A Vida Não Pára (There`s Always Tomorrow) baseia-se numa novela de Ursula Parrot, e adaptada ao cinema por Bernard C. Schoenfeld. Já tinha havido uma primeira versão realizada por Edward Sloman em 1934. Curiosamente, tratando-se de um melodrama e no auge dos seus filmes coloridos, Douglas Sirk regressa ao preto e branco. O filme marca também o reencontro entre o realizador e a actriz Barbara Stanwyck depois de dois anos antes esta ter participado em All I Desire.
There`s Always Tomorrow é um dos filmes de Sirk susceptível de se prestar a um maior número de interpretações. Não por nenhum tipo de hermetismo particular, mas devido à sua ambiguidade. Enquanto o produtor Ross Hunter considerava o filme como uma história de amor, Sirk achava-o uma história de probabilidades. O que aconteceria se tivesse menos 20 anos e pudesse ter seguido um caminho diferente? Na base da sua interpretação centra-se a figura de Clifford Groves, um homem de negócios bem sucedido e com uma vida familiar aparentemente estável, casado e com três filhos. Apesar da tranquilidade da sua vida, a sua insatisfação cresce à medida que percebe que a sua esposa se acostumou a uma vida rotineira e sem sobressaltos, concentrada exclusivamente na sua vida doméstica e na educação dos filhos e que transfere para estes, o afecto que anteriormente dedicava ao seu marido. O aparecimento inesperado de uma antiga namorada de há 20 anos vem transformar a sua vida morna. O melhor do filme consiste na relação que se vai estabelecendo entre os dois. Numa primeira fase, ele mostra-se relutante enquanto ela insiste nas memórias comuns, antes de se radicar em Nova Iorque onde se tornou uma estilista de sucesso. A partir de um encontro fortuito numa estância de férias, as intenções de ambos começam a inverter-se: ele aproxima-se de forma directamente proporcional ao descontentamento com a sua vida familiar, enquanto ela tende a afastar-se com receio de alterar a sua vida e, sobretudo, de levar à separação da família. É aqui que o filme resvala para um certo moralismo conservador, típico no cinema e na sociedade americanas dos anos 50, mas que os melodramas de Sirk quase sempre procuraram evitar. Perante a crescente desconfiança e hostilidade dos filhos, ela vai renunciar ao seu antigo amor e afastar-se. Ele vai insistir até aos limites, mas perante a irredutibilidade dela acaba por se resignar. Assim, há um casamento que é salvo pela existência de uma família, como é muito bem expresso no diálogo de despedida entre ambos: «há 20 anos fugi para não enfrentar a realidade; agora fujo porque já sei encarar a realidade». Esta é a ambiguidade de There`s Always Tomorrow. Nenhum deles fica feliz, mas ambos acham que é a solução melhor: o sacrifício em nome de valores mais elevados. Ela voltará para a sua vida bem sucedida, mas solitária em Nova Iorque; ele ficará em Los Angeles sublimando na sua empresa de produção de brinquedos, as frustrações do desconsolo da sua vida familiar. Para a nossa sociedade, onde este tipo de renúncias já não existe e em que as pessoas decidem as suas vidas em função da sua própria felicidade, este tipo de valores e de práticas é estranha. Daí o filme resvalar para um certo moralismo conservador a que já me referi.
Parece que Sirk projectava um final bastante mais amargo do que aquele que o filme nos trouxe. Mais uma vez foi forçado a conformar-se a uma certa felicidade resignada por parte do protagonista principal. Não sendo dos meus melodramas favoritos do cineasta alemão, merece, ainda assim, um visionamento atento, até pela detecção das ambiguidades que revela.
* Texto de Jorge Saraiva.
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