Desejo de Mulher (All I Desire) é o último dos filmes a preto e branco de Douglas Sirk, com excepção de Tarnished Angels, mas, neste caso, por vontade expressa do realizador. Baseia-se no romance Stopover de Carol Brink que tinha sido editado em 1951. Embora não seja considerado como um dos grandes melodramas do cineasta alemão (muito provavelmente pela ausência de cor), deve ser incluído entre os filmes do género.
Trata-se de uma obra sobre pecado, expiação e redenção, passada numa pequena cidade do Wisconsin no início do século passado. Uma mulher, casada e com três filhos, comete adultério e o peso das críticas e dos falatórios de uma pequena cidade, levam-na a abandoná-la (bem como à sua família) e a tentar a sua sorte como actriz de teatro em Nova Iorque. A sua carreira é errática, uma vez que depois de ter ganho um grande prestígio se encontra agora em situação preclitante. Recebe então uma carta de uma das suas filhas para ir assistir a uma representação escolar em que é a principal protagonista, na sua cidade natal. Não resistindo ao convite, regressa dez anos depois de ter partido. O seu regresso deve ser entendido como uma espécie de expiação. Movida pelos remorsos, a actriz vai ser colocada perante dilemas sobre a sua decisão tomada dez anos antes. Mais uma vez, a metamorfose das personagens ao longo do filme desempenha um papel absolutamente crucial. Aparecendo de surpresa vai provocar reacções desencontradas no seio familiar. A filha que quer ser actriz e a criada recebem-na de forma calorosa; o filho mais novo, que mal a conhece, olha-a com estranheza; o marido abandonado e traído e a filha mais velha recebem-na de forma fria e hostil. Este jogo de aproximação, muitas vezes inconsciente, entre os familiares é o aspecto mais sedutor e comovente de All I Desire. Desenrolando-se de forma extremamente concisa, evitando deambulações que desviem o foco da questão principal, toda redenção é um processo tortuoso e contraditório. É aí que Sirk enfatiza as questões da moral dominante e da hipocrisia. Enquanto toda a sociedade aplaude aquela que julgam tratar-se de uma grande estrela do teatro e sentem orgulho por serem sua conterrânea, ao mesmo tempo criticam o seu comportamento anterior e o adiamento da sua partida. Quando a ocasião se proporciona, aí estão eles prontos a reprovar e a condenar. Mas a redenção passa pela paulatina modificação de sentimentos e vontades. Mais do que arrependida, a actriz sente um profundo desejo de regresso às origens, à vida e à família que perdeu. E esse sentimento estende-se à própria família, designadamente à personagem do marido, que o vai a querer enfrentar de forma decidida a possível reprovação social de que vai ser alvo. Barbara Stanwyck, que foi uma das grandes divas do cinema de Hollywood nas décadas anteriores aparece aqui mais madura a ter um desempenho absolutamente notável.
All I Desire não é considerado como dos melhores filmes de Sirk. Talvez os que assim consideram tenham razão. Não tenho a certeza. Do que eu não tenho dúvidas é de que se trata de um filme profundamente comovente. Um daqueles que nos faz chegar as lágrimas olhos, não por lamechice, mas por pura emoção. E se este é um filme menor quando comparado com outros filmes do realizador, abençoado seja quem faz destes filmes menores...
* Texto de Jorge Saraiva.
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