A vida miserável de João Barbelas, um vagabundo sonhador, a quem os miúdos alcunham "Dom Roberto", por exibir fantoches. Conhece Maria, rapariga com passado triste, julgando inocentemente ter arranjado habitação para ambos. O amor, a alegria de viver... Porém, a felicidade é traiçoeira: João e Maria perdem a casa que nunca for a deles, mas conservam a esperança e a ternura, embora a fome continue a persegui-los.
"Na sua fragilidade, no seu isolacionismo, nas suas condições de produção, nas vagas heranças de que se reclama, na ruptura que pratica em relação ao estado das coisas no cinema português desse início dos anos 60, por tudo isto se não pode negar a Dom Roberto o carácter de augure do que viria a seguir, de João Baptista do Cinema Novo, que iria irromper com as dimensões de movimento cultural de uma geração. Quando este filme chega, o cinema português acabara de atravessar essa década de vileza que havia sido os anos 50. Aparece em pleno pântano, graças ao movimento cineclubista (de onde sai o essencial da organização da Cooperativa do Espectador que produz o filme) que era, recorde-se e sublinhe-se, o grande bastião da resistência cultural cinematográfica desses anos. Dom Roberto fez-se com a emanação dos cineclubes, como cinema pobre de meios, como atitude. Não admira nem o tom negro (tocado por um poético que os anos tornaram irremediavelmente bafiento - deixando o negro como coloração essencial), nem as cruzadas reminiscências neo-realistas, chaplinianas ou de um certo populismo do cinema português dos anos 40 (o pátio como comunidade boa e feliz), ainda menos espanta a mensagem de esperança (sem raiz, nem motivo, porque sim) que o encerra. Porque se há coisa que este filme queira é acreditar que o negro há-de gerar luz - mesmo que não saiba o processo de viragem.
A atitude de mudar não encontra um saber fazer técnico e estilistico que a transforme em cinema eficaz. Há pobreza de conteúdo, estereótipo nos personagens, a carpintaria fílmica é tosca e creio que os anos que passaram erodiram em larga escala Dom Roberto. Quase nada sobra senão Raúl Solnado, desarmado e tocante (o personagem de Glicínia Quartin deixou de ter qualquer ossatura), e essa estranha crença de que é possível construir um automóvel (um filme) à força de vontade. O Cinema Novo português anuncia-se como aquilo que tomo (arbitrariamente?) como metáfora: uma traquitana que é impossível funcionar e, porém, move-se.", por Jorge Leitão Ramos.
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