"O My Two Thousand Movies apresenta a todos os seus seguidores uma retrospectiva dos filmes de Michael Powell em nome individual e em parceria com Emeric Pressburger, uma das duplas de realizadores mais brilhante da história do cinema, conhecida pelo nome de The Archers. O ciclo englobará as suas obras mais significativas, designadamente as que foram realizadas entre o final da década de 30 e o início da década de 50.
Se há uma palavra que penso que pode exprimir o cinema de Powell e Pressburger, ela é, intransigência. A dupla nunca se mostrou muito disponível para fazer qualquer tipo de cedência aos ditames do mercado. Nos EUA, grande parte da produção da altura, tal como hoje, estava calibrada pelo sucesso comercial. ao que contrário do que acontecia na Europa. E se é certo que a Grã-Bretanha não faz parte dos EUA, grande parte da sua produção cinematográfica sempre foi feita a pensar no mercado americano.
Powell e Pressburger impuseram as suas próprias regras. Fundaram a produtora The Archers para manterem sempre o controlo criativo da sua obra. E conseguiram-no. Na generalidade, os seus filmes demonstram um extraordinário cuidado em todos os planos. Tematicamente os seus filmes são muito variados. Há uma preocupação deliberada em escolher as obras literárias das quais Emeric Pressburger foi capaz de fazer excelentes argumentos, normalmente fluidos, consistentes e extremamente inteligentes. Os seus filmes escapam às visões maniqueístas e revelam a complexidade das personagens. Durante o período da II Guerra Mundial incidiram sobre o conflito, mas quase sempre de forma singular: nunca houve particular interesse em filmar as cenas de acção militar, mas sim os envolvimentos psicológicos e sociais dela derivadas. Aos The Archers interessam as pessoas nas suas complexidades, nas suas indecisões e nos seus contextos. Por outro lado, sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial, os filmes abarcam uma pluralidade de temas que vão do melodrama ao registo antropológico, da fantasia à reflexão estética e religiosa, até ao thriller psicológico. A sua trilogia mais conhecida, A Matter of Life and Death, Black Narcissus e The Red Shoes, constitui, em si própria, um conjunto de filmes que suscitam uma profunda reflexão filosófica sobre o valor da vida e da morte, a fé e a vocação religiosa e a relação entre a criação artística e a vida comum, respectivamente.
Do ponto de vista formal, Powell e Pressburger estiveram sempre na vanguarda da criação artística. Ao virtuosismo do trabalho de câmara, com muitos planos inusitados para a época, alia-se uma extraordinária utilização da cor, muito antes de Douglas Sirk a ter «reinventado». A direcção de actores é soberba permitindo em tempos diferentes revelar ou confirmar novos talentos. Sem querer ser exaustivo recordaria nomes como Conrad Veidt, Anton Walbrook, David Farrar, Eric Portman, Deborah Kerr, Moira Shearer, Pamela Brown, Wendy Hiller, Sheila Sim ou Kim Hunter. O extremo cuidado com todos os pormenores estendeu-se ao trabalho de fotografia, particularmente Jack Cardiff ou Christopher Challis, a música, a edição, os locais de filmagem, os adereços e guarda roupa.
Vistos a esta distância (80 anos nos separam de The Edge of The World, o filme de Powell que inicia o ciclo) temos a sensação de intemporalidade. Quem ama o cinema sabe que o que distingue os filmes verdadeiramente essenciais daqueles que não passam da espuma dos dias, é um olhar retrospectivo sobre os mesmos. Os filmes de Powell e de Pressburger, tirando pequenos pormenores circunstanciais, poderiam ter sido feitos ontem. Tal como nas outras artes, o que verdadeiramente fica transcende o tempo."
É com esta introdução do Jorge Saraiva que iniciamos o ciclo Powell & Pressburger: A Retrospectiva, que irá para o ar aqui no My Two Twousand Movies durante as três próximas semanas, e que incluirá um total de 18 filmes. Alguns de Powell a solo, embora a maioria seja da dupla.
Espero que gostem. Bom fim de semana.
Sem comentários:
Enviar um comentário