segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Direito do Mais Forte à Liberdade (Faustrecht der Freiheit) 1975

"Aparentemente, O Direito do Mais Forte À Liberdade ( Faustrecht der Freiheit) é um filme sobre desavenças e desamores entre homossexuais. Franz Bieberkopf é um homossexual proveniente da classe operária rude e inculto que vive obcecado com a lotaria. Todas as suas hipóteses de poder abandonar o seu estatuto, estão depositadas na possibilidade de um golpe de sorte que lhe permitam uma rápida ascensão social. Quando a sorte lhe sorri, Franz procura relacionamentos entre a comunidade homossexual da burguesia, confortado pela sua súbita riqueza. Conhece então Eugen, burguês com mais poses de aristocrata do que propriamente dinheiro e rapidamente se tornam namorados.
O que aparentemente parece ser um filme sobre afectos na comunidade homossexual, torna-se numa alegoria sobre as relações entre os sentimentos e o dinheiro. Cedo se percebe que o objectivo de Eugen e dos seus amigos, é depenarem completamente Franz. Para isso, simulam um afecto que verdadeiramente nunca têm por este intruso proletário, sem qualquer requinte de boa educação. Usam-no enquanto precisam dele, abandonam-no quando ele não tem qualquer utilidade. Nesse sentido, a homossexualidade não passa de um pano de fundo onde o verdadeiro antagonismo se revela com particular crueza e amargura: a irreconciliável diferença de classes entre os dois protagonistas. Nada os aproxima, tudo os separa. Franz será sempre um jovem rude de gostos simples e modos proletários. A sua súbita ascensão social é fruto do acaso. A sua riqueza em nenhum momento lhe permite aceder a um meio, a que jamais sonharia penetrar, acaso a sorte não lhe tivesse permitido ganhar a lotaria. E a cada momento, Fassbinder (que no filme é também o principal protagonista) vai-nos revelando cruelmente esta verdade desencantada. Por isso, sendo o mais político de todos os filmes do cineasta alemão, é também o mais amargurado. Se o amor é mais frio do que a morte, seguramente que o dinheiro é bem mais forte do que o amor.
 Jean Renoir tinha revelado no seu filme A Grande Ilusão que mesmo em guerra há oposições mais fortes do que inimigos que se combatem. Há essa guerra entre classes, entre visões do mundo distintas, modos diferentes, vidas diferentes, estatutos diferentes, morais diferentes. Para Fassbinder, também é isso que é verdadeiramente importante. Só que ao contrário da retórica marxista, aqui não há amanhãs que cantam. Franz em nenhum momento se vai afirmar como herói proletário. Nunca vai ter consciência de classe. Por isso não há nenhuma revolução que o redima. Apenas a crueza da desilusão quando todos os sonhos são ruínas e a certeza de que a morte acaba por ser o melhor bálsamo."
Texto escrito pelo Jorge Saraiva exclusivamente para este ciclo.

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1 comentário:

julia disse...

Acho que não é por acaso, nem que poderia qualquer cenário servir de pano de fundo a esta tragédia. O fato da escolha ter sido o mundo homossexual é que há um elemento mais forte até que o dinheiro, o narcisismo exacerbado entre os gays de classe alta. O pobre Franz é o único que ama, os outros desfilam seus belos sexos, sua belas roupas, seus belos costumes, suas belas artes e para isso precisam do dinheiro dele. O tema em si, da delapidação de uma riqueza de um amante sobre o outro é bem comum no cinema, mas esta versão do Fassbinder entra outra vez na frieza do amor, agora não por cobiça, mas por narcisismo.