The Small Black Room (cujo título em português é O Seu Pior Inimigo) é um filme singular na carreira de Michael Powell e Emeric Pressburger. Representa o regresso ao passado, tanto em termos formais como temáticos. Depois da notável trilogia de filmes de alto orçamento (A Matter of Life and Death, Black Narcissus e Red Shoes) de pendor filosófico e coloridos, agora regressamos a um cenário quase espartano, não só pelo preto e branco, mas principalmente pela escassez de meios envolvidos. É isso que torna The Small Black Room num objecto desconcertante, como se os The Archers quisessem mandar ao mundo uma mensagem de que para eles não havia fórmulas de sucesso, nem estavam presos ao ditames comerciais.
Trata-se de uma adaptação de um livro de Nigel Balchin, romancista e dramaturgo inglês escrito em 1943, numa altura em que o destino da II Guerra Mundial ainda era incerto. Mas, tal como acontecia em Canterbury Tales, a guerra é um pano de fundo presente, embora distante. Não há cenários militares, nem referências explícitas aos alemães. No centro da acção encontra-se um cientista a trabalhar na investigação militar secreta britânica. O filme vai-se repartindo entre a sua actividade científica e a sua vida pessoal e essa articulação parece ser o momento menos conseguido de todo o filme. É a única surpresa negativa: habituados à consistência e ao brilhantismo dos argumentos de Emeric Pressburger, estranhamos esta dicotomia na personagem de Sammy Rice. Enquanto cientista é uma espécie de génio dócil, que aceita de forma pacífica os ditames dos seus directores, enredados em vaidade, mediocridade, intriguismo e burocracia. Em casa é um homem dependente do álcool, sobretudo whisky, que destrata a namorada e que sente complexos de inferioridade por ter um perna artificial que lhe provoca imensas dores. O problema é que a articulação entre as duas facetas da personalidade é, a meu ver, demasiado superficial, ou seja falta-lhe espessura. O que salva o filme são os aspectos puramente formais e algumas cenas antológicas. A fotografia e a direcção de actores são, como de costume, notáveis, assim como todos os restantes aspectos cinematográficos. O desempenho de David Farrar é brilhante. Há quem considere este como o auge da sua carreira de actor e, seguramente não é por sua responsabilidade que a personagem que encarna é mais conseguida. Aliás, a ele se devem os tais dois momentos antológicos do filme e que, só por si, justificam o seu visionamento. O primeiro, quando sozinho em casa, começa a ter alucinações face à privação do álcool e ao que ele julga ser, o abandono da sua namorada, finalmente persuadida a largá-lo por força das suas insistentes e masoquistas sugestões: a segunda, já perto do final, quando o cientista vai despoletar a bomba alemã de uma tecnologia totalmente desconhecida. Os realizadores optaram por planos em cima do rosto do actor, ganhando partido da sua imensa capacidade expressiva. Há aqui muitos aspectos de um thriller hitchcokiano, com a criação de um suspense crescente, quase até ao limite do insuportável. Aliás, aqui não é seguro dizer quem é que influenciou quem, uma vez que se trata de cineastas contemporâneos.
Serão estes predicados suficientes para fazer de The Small Black Room, um bom filme? Sem dúvida! Mas quando pensamos em títulos anteriores e nalguns posteriores, imediatamente percebemos que este não é um dos seus melhores.
* texto de Jorge Saraiva
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