segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Traffic - Ninguém Sai Ileso (Traffic) 2000


Traffic marcou o inicio deste milénio pelo culminar da arte excessivamente realista e calculadamente experimental do seu realizador Steven Soderbergh, mas sobretudo pelo grande tema que serviu de base a um mosaico narrativo e plástico tão fragmentado como decorativo: o vai e vem dos cartéis de droga entre o México e os Estados Unidos da América e todos os estonteantes reflexos mínimos e globais. Grandes estrelas a mostrarem os bons sentimentos da causa, o choque estético a ser infligido no choque político, a Questão a estilhaçar-se para todos os lados. Mas o mais tocante, que alguns viram na época (para lá do óscar) e que hoje vale toda a odisseia só para ele, é o polícia de Benicio Del Toro, um anjo puro a flutuar no miolo do degredo, todo porco e fulminado pela consciência, fechando o filme num céu estrelado que é dos mais reconfortantes pós-Frank Capra. À sua personagem foram oferecidas todas as mansões da luxúria e todos os castelos para fazer o que tem – sempre e simplesmente – de ser feito e ele apenas pediu um campo de jogos para os meninos que ele foi antes das escolhas graves. No final caímos sem paraquedas num Paraíso Perdido que ganhou a sua intocabilidade mítica e, a la Capra ou a la Walsh, a perfeição arrancada a todos os custos; ou, a la Nick Ray, escondidos para vivermos felizes. Del Toro é ali o ser mais sozinho do mundo e quem tudo ilumina, numa luminância visual e sonora que lapidou noutro milagre a sua pureza ao excesso. De repente, um milagre que sempre se adivinhou mas nunca se acreditou no silêncio cadente do rasto de um corpo e de uma alma unas. 
E o mais belo pedaço de filme sobre a infância. Dores de crescimento. Eternos regressos. Ausência de tempo.
* texto de José Oliveira

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