quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Violated Angels (Okasareta Hakui) 1967

"Já foi há algum tempo que Koji Wakamatsu deixou de fazer filmes (como este) em que a câmara assumia o olho guia e psicológico para debastar as mais recônditas intenções humanas. Desde há umas décadas para cá, ou melhor desde a saída, em 1972, desse tratado belicista e anarca Tenshi no kôkotsu (Ecstacy of the Angels) que o cinema de Wakamatsu se vai reduzindo cada vez mais àquilo que nunca foi, nunca quis ser nem mesmo quando tinha opurtunidade o era, ou seja, cinema erótico no sentido mais estricto do termo, ou seja lá o que isso fôr. O que ele fazia na altura era um cruzamento entre o abuso sexual, a vontade desmedida dos poderosos, digo , com uma mensagem sempre política e politizante, pois jamais se pode conceber neste cinema um espectador indiferente, que saia da sala da mesma forma como entrou. O que se pretendia era um cinema revolucionário, que instigasse à luta social, que defendia a mulher, o criminoso, o anarquista e o suicida, na medida em que urgia clarificar as suas razões. 
E é justamente o que Koji faz quando neste Violated Angels centra a narrativa na voz de um homicida que se infiltra numa clínica de enfermeiras, dando origem a um massacre sem precedentes. Baseada livremente numa história real, o intuito não é, certamente, enquadrar a narrativa num tempo, nem em elementos biográficos do próprio assassino. Tal como anteriormente em Taiji ga mitsuryosuru toki (The Embryo Hunts in Secret), de 1966 ou posteriormente no aqui já criticado Yuke, Yuke, Nidome no Shojo (Go, Go Second Time Virgin) de 1969 a essência passa exclusivamente na criação de uma simbólica oriunda de lugares estranhos, alienados, quotidianos na sua acepção mais básica, que fazem os personagens serem apenas joguetes nas mãos de uma mente que vê mais para além do seu estudo psicológico. A obra em si é psicológica, na medida que se desloca como um bloco para a compreensão total da existência. Quando o assassino irrompe da escuridão e entra no paraíso onde os anjos o convidam a entrar, e ele recusa apagando todos os restícios de sensualidade avulsa - rememorando a hecatombe em Go Go Second Time Virgin, onde os dois amantes platónicos matavam, em nome da sua mocidade, os espectros do trauma - o que está em causa não é (só) a interpretação fácil da degradação humana. Se em Koji Wakamatsu não existir esta visão: a da alegoria que se justifica a si mesma numa era que já não necessita de alegorias, todo o seu projecto caí e os seus filmes tornam-se incompreensiveis ou demasiado picuinhas. 
Na continuidade, porventura, de The Embryo Hunts in Secret, em que o psicopata anti-herói claustrofobizava no quarto a sua amante numa esteira em tudo semelhante aos rituais sadistas, para suprimir apenas o desejo edipiano que nutre pela sua mãe ignota, em Violated Angels o mesmo se passa. O anarca, serial-killer que, encontrando-se no meio dos anjos, pede às suas custas o Inferno, a radicalização do Mal como polaridade moral, enxerga, no meio da carnificina irreversível, a razão do seu estado romântico. O anjo que sobra, que olha ataraxicamente para o espectáculo desumano, é, afinal a redenção do imoralista à procura do sentido. O deleite e comprazimento de tal figura, passa por tratá-la como uma mãe perdida e que é encontrada no limite da procura. 
No meio do caos - e é no caos que todas estas obras de Wakamatsu, em suma, findam - o assassino sem rosto (porque o arrancou) encontra novamente a sua cara no regaço do derradeiro anjo, simultaneamente passando no ecrã que resgatou, agora, a cor, a face de uma criança sorrindo por sorrir, naquela inocência contemplativa do embrião que ainda não aprendeu a caçar em segredo."
* Texto de Miguel Patricio, daqui
Legendas em inglês.

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