segunda-feira, 17 de julho de 2023

O Noivo, a Actriz e o Proxeneta (Der Bräutigam, die Komödiantin und der Zuhälter) 1968

São menos de vinte e três minutos que marcam uma rara incursão de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet numa história de amor. Na mesma curta metragem surgem condensados a adaptação da peça de Ferdinand Brückner, Krankheit der Jugend de 1928, misturada com três poemas do poeta espanhol do século XVI Juan de la Cruz e com passagens musicais do Ascension Oratório de Bach.
Apesar da sua curta duração é um dos filmes mais complexos da dupla e o primeiro em que se sente a mistura, frequentemente surpreendente, mas nunca aleatória, de referências artísticas muitos diversificadas. Basicamente é composto por três partes distintas: numa primeira parte, sem palavras, acompanhamos um longo travelling nocturno sobre as ruas de Munique e os seus bairros de prostituição; a segunda é filmada num longo take de 11 minutos dentro de uma única divisão de uma casa e onde se sucedem os diálogos e as personagens a uma velocidade vertiginosa, quase numa mínima representação teatral em que as diversas cenas são separadas por breves momentos em que o ecrã fica negro; e uma terceira parte mais rápida e fluida que corresponde ao casamento da actriz e ao desenrolar da cena final que conduz ao assassinato do proxeneta. Nas palavras do próprio Straub, O Noivo, a Actriz e o Proxeneta é um olhar sobre a decadência da civilização ocidental. A complexa estrutura narrativa não ofusca um argumento particularmente simples: uma mulher mantida na prostituição de rua que só enriquece um proxeneta sem escrúpulos, apaixona-se por um homem e através do casamento entre ambos, vê a hipótese de abandonar o tipo de vida que já não quer manter. O proxeneta tenta retaliar e impedir que os seus lucros desapareçam e acaba por ser baleado na parte final do filme. Mas, mais importante do que uma sinopse do argumento, interessa particularmente a forma como o mesmo é apresentado e que já acima foi referido e as ilações que dele podem ser extraídas. Não é exagerado dizer-se que todos os filmes de Straub e Huillet, independentemente do seu conteúdo, devem ser submetidos a uma leitura política radical, aliás de acordo com as convicções ideológicas dos cineastas. A situação de aviltamento a que a mulher é sujeita forçada a prostituir-se e a ser explorada por um proxeneta, é uma metáfora óbvia à degradação do sistema económico capitalista e às situações de humilhação e desigualdade a que os mais pobres são sujeitos; mas o facto da mulher ser capaz de encontrar uma forma de se libertar, é uma metáfora sem ambiguidades à destruição do próprio sistema e à possibilidade da construção de um mundo novo, tal como a mulher foi capaz de o fazer na sua vida particular. Este acto de libertação prolonga de forma coerente o filme anterior, Não Reconciliados e o seu subtítulo: Ou Só A Violência Ajuda Onde A Violência Reina. A revolução é a única forma de pôr fim à decadência da civilização ocidental. O que é notável, é que a obra posterior de Straub e Huillet demonstrou que não estamos perante um revolucionarismo circunstancial do final da década de 60 e das chamas provocadas pelo Maio de 68. A obra posterior espalhada por várias décadas, demonstra que a opção ideológica e estética nunca foi renegada. 
Realizado no mesmo ano que Crónica de Ana Magdalena Bach, O Noivo, a Actriz e o Proxeneta não é um filme menor apesar da sua curta duração.  Hanna Schygulla e Rainer Werner Fassbinder, ainda longe do protagonismo que alcançariam posteriormente no cinema alemão, são dois dos actores constantes do elenco, naquele que segundo o texto da Cinemateca é o mais comovente de todos os filmes de Straub e Huillet.
Legendas em inglês.
Texto de Jorge Saraiva.

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