sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Cronicamente Inviável (Cronicamente Inviável) 2000

"Um Brasil caótico e hipócrita é o retrato pintado por Sérgio Bianchi em “Cronicamente inviável”. Um Brasil nojento em que ninguém se salva de sua culpa, onde as relações de opressor e oprimido estão expostas a toda prova tendo como ponto de interseção o restaurante de Luiz (Cecil Thiré). 
 Seis personagens centralizam o filme. Luiz é um homem refinado que acredita na civilidade e nas boas maneiras como forma de se resolverem os problemas. Amanda (Dira Paes) é a gerente de seu restaurante, uma mulher de origem pobre que incorpora a ética e os costumes burgueses. Adam (Dan Stulbach) é um sulista descendente de poloneses que vai trabalhar como garçom no restaurante. Maria Alice (Betty Goffman) é uma mulher de classe média alta que se compadece com as injustiças sociais. Seu marido Carlos (Daniel Dantas) é um economista que acredita na racionalidade e no pragmatismo do capitalismo. Por fim, Alfredo (Umberto Magnani) é um pesquisador que viaja pelo Brasil procurando compreender e refletir as relações de dominação e opressão. 
 O que mais gostaria de chamar a atenção com relação ao filme são as reflexões em off dos personagens recheado de diversas frases e idéias mais facilmente encontradas em livros do que ditas em cinema. “A felicidade é uma perfeita forma de dominação autoritária” reflete Alfredo ao analisar o torpor da população baiana que, mesmo se submetendo à intensa exploração de sua força de trabalho, comandada por uma burguesia que combina o velho coronelismo com a neotecnocracia, é “dominada” por uma boa caixa de som que toque o hit do momento. Contudo, essa indústria cultural será seccionada por classe. Existe a micareta com o trio elétrico, desfrutado por turistas estrangeiros e pela juventude abastada do Sudeste e a “pipoca”, lugar em que milhares de festeiros se espremem e se acotovelam com o intuito de também “curtir” o som e ainda apanham da Polícia e dos seguranças contratados para protegerem a propriedade territorial privada."
Podem ler mais aqui.
Filme escolhido pelo Otacilio Ramos Jr.

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1 comentário:

Robson Antonio Novaes de Seixas disse...

Um estupendo trabalho do diretor Sérgio Bianchi, certamente, o melhor de sua carreira. Como se sabe, Bianchi trabalha constantemente com temas sociais, mas aqui, numa produção de baixo orçamento, ele tocou numa ferida que costuma ficar oculta, e a apresenta de forma dura e crua, ou seja, real. O roteiro, desenvolvido por ele junto com Gustavo Steinberg e Beatriz Bracher, é de um brilhantismo tremendo, e está repleto de diálogos críticos-irônicos, e muito pertinentes ao cronicamente inviável Brasil, como "a felicidade é a perfeita forma de dominação autoritária". Nada fica impune ao olhar crítico e reflexivo do diretor: a repressão policial com os índios na Bahia, o desmatamento em Rondônia, as queimadas no Mato Grosso, a miséria em São Paulo, a violência no Rio de Janeiro, a reforma agrária em Santa Catarina. E para fazer contraste a toda miséria, há os personagens classe média alta, que se encontram num luxuoso restaurante de São Paulo, e destilam suas hipocrisias (alguns deles, inclusive, estão envolvidos com a ilegalidade). Este é um filme em que não tem como ficar indiferente, é daqueles que se assiste e se pensa nele por muito tempo. Tudo é narrado como se fosse uma crônica, tal como o título demonstra, e em estilo documental. O elenco afinado apenas ajuda, com destaques para Umberto Magnani como o sociólogo/narrador, Dira Paes como a gerente do restaurante, e Dan Filip Stulbach, que rouba a cena como o imigrane polonês, cujas falas são as mais hilárias de todo o filme. E a audácia de Bianchi não para por aqui, já que ele persiste na exemplificação do convívio entre o dominador e o dominado, num cenário em que o mais forte sempre leva a vantagem (uma entre as várias cenas chocantes é aquela em que uma "madame" atropela um garoto de rua, e não lhe presta socorro!). Evidentemente, com um ponto de vista mais do que pessimista sobre o Brasil, a conclusão surpreende e perturba ao deixar claro que nenhum personagem da história tem salvação. Ainda assim, na cena final, há uma fala de uma moradora de rua para o seu filho, que deixa no ar a sensação de esperança, mesmo sendo ela amarga e ilusória. Enfim, um filme obrigatório, brilhante, daqueles que merecem uma mesa redonda para debate. Simplesmente, imperdível.