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terça-feira, 4 de junho de 2019

Primavera Precoce (Shôshun) 1956

Ozu, o cineasta do quotidiano, da beleza da simplicidade, dos pequenos gestos e das suas compreensões, dos erros e da aprendizagem da vida. Ozu, o cineasta da sinceridade, porque o seu cinema é o mais sincero de todos, o mais leal à vida, à semântica da vida (o que quer que seja que isso signifique), coisa mundana, coisa que irrompe da realidade e das pequenas (grandes) questões da vida.
Ozu, o cineasta da serenidade, nada no cinema se compara a esta serenidade, ainda que toda ela se veja envolta pela azáfama da vida, pelos problemas da realidade, do dia-a-dia, ainda que em todos eles (os seus filmes) brote ou a tragédia ou a traição ou a velhice ou o desemprego ou qualquer outra coisa que advém do realismo e das suas contrariedades. Ozu, o cineasta do optimismo, da transcendência da vida e do seu valor, do humano, da dádiva que é uma vida. Ozu, o mestre japonês. 
Sôshun, filme do recomeço, dos erros e do perdão. Monumental. O filme em que Ozu faz dois movimentos de câmara, naquele corredor da empresa, sempre com destino à porta do escritório de Shoji, o filme em que mais do que nunca Ozu faz uma crítica social, em que o modo de vida do pós-guerra é posto em causa, o filme em que mais do que nunca Ozu se preocupa com as relações conjugais, aqui as dos funcionários, em como tudo isso traz o tédio, a insatisfação e a alienação dessas relações. Sôshun é o filme em que Ozu tira os jovens de casa, dá-lhes emprego e uma vida familiar autónoma, longe dos pais, o começo da sua família, é o filme em que a melancolia da separação dá lugar à melancolia social e laboral que afecta a conjugal/familiar, os erros daqueles jovens inexperientes que restaram da guerra, o recomeço e a remissão. A vida, nada mais que a vida. 
Texto de Álvaro Martins. Daqui

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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Dragnet Girl (Hijôsen no Onna) 1933

Tokiko é uma dactilógrafa que esta mais interessada em chamar a atenção do filho do chefe do que cumprir o seu dever. Isto porque o seu verdadeiro namorado é Joji, um boxeur que se tornou gangster, e vê nesta situação uma boa oportunidade para fazer dinheiro. Contudo, quando Kazuko, a inocente irmã de Hiroshi, um possível novo membro da quadrilha, pede a Joji para não aceitar o irmão, o gangster fica apaixonado pela jovem. Tokiko fica com ciúmes, e está determinada a reconquistar Joji, mas este já tomou a decisão de obter a redenção.
 "Dragnet Girl" é descrito como um dos filmes mudos mais populares e aclamados de Ozu, e é fácil perceber porquê. O filme está cheio de momentos maravilhosamente construidos, além de ser um dos seus filmes mais impressionantes visualmente, do período mudo. Faz um grande uso da profundidade de campo, enchendo o frame com as suas maravilhosas composições, acrescentando numerosas camadas por cada "shot". É a perfeita demonstração da força do filme, em adicionar dimensões visuais sem utilizar a tecnologia 3D, enigmática e desconfortável.
Tal como os outros filmes neste mini-ciclo, tem um núcleo moralista e sentimental, mas não se sente que seja encaminhado para este ponto, tal como os outros são. A mudança de foco dramático entre as personagens, embora contribuindo para uma história mais rica, pode fazer o filme mais difícil de se seguir, com o meio a ser um pouco lento. Ainda assim é o filme mais forte desta série.
Intertitles em português.

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quinta-feira, 12 de maio de 2016

That Night's Wife (Sono yo no Tsuma) 1930

Shuji (Tokihiko Okada) volta-se para o mundo do crime depois de não encontrar outra forma de pagar as contas da filha seriamente doente (Mitsuko Ichimura). Depois de um assalto alerta as autoridades da sua presença, mas deve esconder-se para a noite. Acontece que a filha está numa fase crítica da sua doença, e ele resolve arriscar e voltar para casa. O detective Kagawa (Togo Yamamoto) segue no seu rasto....
"Sono yo no Tsuma" é notavelmente diferente no sentido estético de obras como "Viagem a Tóquio", mas esta ênfase nas diferenças desvaloriza a progressão de Ozu como realizador durante os primeiros anos. Temos um filme que é o reflexo das preocupações sociais globais do cineasta. A maior diferença para os filmes posteriores, do seu período de ouro, é que essas preocupações são mais evidentes aqui, o que o torna em algo mais sentimental do que seria de esperar de Ozu.
O argumento é uma adaptação de Kogo Noda de um livro escrito pelo historiador Oscar Schisgall, mas podia ter passado pelas mãos de Ozu, principalmente por causa da natureza da consciência social. O ponto mais importante é que os personagens de Ozu evoluem cada vez mais em termos de classe social a cada novo filme. Nesta fase inicial da sua carreira os seus filmes podem ser categorizados como shomin-geki, porque temos sempre uma família da classe trabalhadora a lutar.
Foi o único filme de Ozu filmado inteiramente de noite, e um dos seus dois filmes que envolvia armas (o outro era o seu terceiro filme de gangsters, "Dragnet Girl"). Para prestar homenagem aos filmes americanos que o influenciaram Ozu coloca no apartamento do protagonista cartazes de filmes como "Broadway Babies" (1929) ou "Gentleman of the Press" (1929).
Intertitles em inglês.

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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Walk Cheerfully (Hogaraka ni Ayume) 1930

Koyama Kenji, apelidado de "the Knife" é um pequeno gangster, ajudado pelos seus comparsas Senko, Gunpei e a namorada Chieko. Um dia ele cruza com uma jovem chamada Yasue a sair de uma loja de jóias e corteja-a.Entretanto Chieko entrega Yasue nas garras do seu chefe Ono, mas Kenji resgata-a a resolve endireitar a sua vida. Os seus comparsas tentam trazê-lo de volta para o mundo do crime, e ele recusa. Só que não vai ser assim tão fácil livrar-se do seu passado...
Filme mudo de Yasujiro Ozu, foi considerado um filme de gangsters influenciado por "Underworld", de Josef  von Sternberg, embora seja preenchido com algumas situações de comédia e drama doméstico, o que o coloca mais no campo da comédia romântica, apesar da elevada velocidade a que ocorrem as situações. Tem gangsters vestidos com roupas ocidentais, percorrendo salões de bilhar e ringues de boxe, algo que não era muito comum num filme japonês desta altura, numa Tóquio em mudança, que rapidamente se vai tornando mais Ocidental, largando cada vez mais as tradições familiares ancestrais.
Ozu conta-nos esta aventura a partir da história de Hiroshi Shimizu, e argumento de Tadao Ikeda, que todos no Japão se devem comprometer se a mudança na sociedade urbanizada permanecer estável, deixando claro que isto tanto vale para os tradicionalistas como para os ocidentalistas. É um filme menor na carreira de Ozu, mas mesmo assim é muito interessante, sobretudo na forma como partilha elementos do film noir.
Intertitles em inglês.

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Yasujiro Ozu – The Gangster Films

Hoje em dia Yasujiro Ozu já não é um nome desconhecido para os países ocidentais, mas durante muito tempo, este que hoje é considerado o "mais japonês dos realizadores japoneses", foi ofuscado internacionalmente pelos épicos de Akira Kurosawa, cujo cinema era mais orientado para a acção.
Por contraste, Ozu era quase desconhecido fora do país até à década de cinquenta, altura em que lançou filmes sublimes como "Viagem a Tóquio", que eram impossíveis de passar despercebidos. O estilo de Ozu era calmo, contemplativo, e filmado com shots sem movimento, que acabaria por influenciar muitos realizadores na posterioridade.
Nos anos 30 Ozu não era assim. Antes do som chegar ao Japão (por volta de 1936), Ozu fazia filmes com ritmos furiosos. Durante este período ele fez três filmes de gangsters, que foram o mais próximo que se podia chegar dos filmes negros: "Walk Cheerfully",  "That Night’s Wife" (ambos de 1930) e "Dragnet Girl" (1933). Estes três filmes foram lançados em 2013 pelo British Film Institute, e deixaram o mundo boquiaberto, por serem exactamente o oposto ao que se conhecia do realizador. Em "Dragnet Girl", por exemplo, os actores vestem roupas ocidentais, falam na gíria habitual do submundo americano, as poses de durões são reminiscentes dos durões de Hollywood, como James Cagney e Edward G. Robinson, e parecem quase típicos filmes de gangsters americanos.
Todos estes filmes eram mudos, claro, embora haja partituras musicais compostas para cada um dos filmes por Ed Hughes, todas elas bastante eficazes na sua intenção e execução. Nos próximos dias faremos aqui uma pequena viagem por estes filmes, um pequeno ciclo dentro do ciclo do Film Noir Japonês, em que serão introduzidas estas três obras. Fiquem atentos, portanto.

 

- "Walk Cheerfully" (1930)

- "That Night’s Wife" (1930)

- "Dragnet Girl" (1933)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Bom Dia (Ohayo) 1957



Uma casa na vizinhança, pertencente a um jovem casal, possui um aparelho de TV. Todas as crianças do bairro se reúnem lá diariamente para assistir ao wrestling. O jovem casal veste o pijama todo o dia, ouve música jazz, tem cartazes de filmes de Hollywood (The Defiant Ones), nas suas paredes. Vivemos no Japão dos anos 50, e escusado será dizer que eles são os excluídos da sociedade.
Durante muitos anos os filmes de Yasujiro Ozu raramente eram vistos fora do Japão. A narrativa mínima, e o estilo idiossincrático assemelhavam-se a poucos filmes, e os distribuidores temiam que eles fossem "demasiado japoneses" para um público internacional. Durante os anos 50 e 60, o seu trabalho era centrado em volta do mesmo motivo: a tentativa de um pai envelhecido de casar a filha obediente, para que ela pudesse viver a sua própria vida. Alguém caracterizou este ponto de vista como "uma tristeza simpática". 
Mas com "Bom Dia", Ozu visitava os subúrbios e regressava uma pessoa mais alegre. Ele leva-nos para um lugar diferente, um novo Japão, mais brilhante, onde a cultura popular americana se infiltra na vida quotidiana do povo local. A história gira à volta dos altos e baixos da vida suburbana da classe média, num pequeno bairro onde as casas estão rodeadas por cercas brancas, e cheias de mobilia colorida e eletrodomésticos. Donas de casa saltando de casa em casa, trocando comida, bebida, bisbilhotices, por vezes cruéis. As crianças entram e saem da casa dos vizinhos, principalmente para verem TV. O senhor Hayashi não quer comprar uma televisão, porque segundo ele, esta já produziu "100 milhões de idiotas. Desesperadamente querendo uma, os seus filhos primeiro praticam uma resistência passiva, mas acabam por fazer uma greve de silêncio. 
Apesar de ser considerado um remake do filme mudo de Ozu, "Nasci, mas...", "Bom Dia" é muito parecido com as Sitcoms americanas do mesmo período. Está cheio de personagens de acção, Mr. Hayashi, o velho e distraído pai (interpretado por Chishu Ryu, quem é dito ser o alter ego de Ozu, presente na maioria dos seus filmes), vizinhos bisbilhoteiros, que causam grande dor para a senhora Hayashi, uma avó corajosa, que não se deixa intimidar nem por parentes nem por vendedores porta a porta. Mas o melhor de tudo são os vizinhos da Boémia.
A critica mais aguda de Ozu, vai directamente para a cultura japonesa. Embora a maior parte dos seus filmes sejam feitos em volta do diálogo banal e comum da vida diária, aqui ele critica a propensão do povo japonês pela vida sem sentido, pelas conversas para preencher o vazio. É o vazio das conversas dos adultos que revolta os jovens que todos dias assistem TV em casa dos vizinhos, e que os transforma em críticos sociais. Não querem crescer num mundo de rituais sem sentido, um mundo onde a conversa de dois jovens apaixonados não pode ir para além do estado do tempo. 
Os filmes de Ozu são meditativos e relaxantes. Revelam-se lentamente e obliquamente, através dos diálogos, de um trabalho de câmera mínimo. A câmera coloca-nos em contacto com os seus personagens, e quando começamos a entender as suas vidas somos convidados a tomar a nossa própria opinião.
Filme escolhido pelo Rui Alves de Sousa.

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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Viagem a Tóquio (Tôkyô Monogatari) 1953



Tokyo Story (Tokyo Monogatari) é o mais conhecido filme do cineasta japonês Yasujiro Ozu (foi classificado na Sight & Sound como um dos 10 melhores filmes já feitos nas listas de 1992 e 2002), embora a temática seja quase exactamente a mesma que os seus outros 53 filmes. Ozu foi o poeta cineasta da evolução da família japonesa, cada um dos seus filmes era de alguma forma sobre a vida familiar. Curiosamente, o próprio Ozu nunca se casou ou teve filhos, mas todos os seus filmes eram centrados em torno das actividades diárias dos pais, dos seus descendentes, e das lacunas frequentemente crescentes entre eles.
Tokyo Story é um conto simples e triste do abismo entre um casal de velhos e os seus filhos adultos. Quando o filme começa, os pais, Shukishi (Chishu Ryu) e Tomi (Chieko Higashiyama), que vivem numa pequena aldeia rural, estão a preparar-se para visitar os filhos crescidos, os quais residem na cidade de Tóquio. Estão cheios de expectativas, e, como vamos ficar a saber, já lá vai um longo tempo desde que eles viram os filhos ou os netos. No entanto, quando chegam a Tóquio, a visita de duas semanas não é marcada pela alegria e união, mas por expectativas repetidamente frustradas, sentimentos de culpa, e uma falta de comunicação genuína, tudo a ser mal disfarçado pela rotina familiar . Um dos motivos recorrentes de Tokyo Story é a forma como os membros da família não expressam abertamente os seus sentimentos, mas sim mascará-los sob uma fachada de conformidade e alegria.
De todos os filhos, a única que é verdadeiramente boa para Shukishi e Tomi é, ironicamente, a víuva de um filho falecido, Noriko (Setsuko Hara). Mesmo que ela não seja um parente de sangue, é a única que parece ser genuinamente feliz ao ver o casal de idosos, e trata-os com respeito e dignidade. Os outros filhos, especialmente que é médico e uma filha que dirige um salão de beleza, são moderadamente bem sucedidos na vida, mas têm pouca reverência pelos pais. Ozu mostra-nos isso repetidamente, descrevendo como a visita é um inconveniente na rotina de vida das crianças.
A simplicidade da narrativa de Tokyo Story, como em muitos dos filmes de Ozu, regozija-se nos meandros da banalidade quotidiana bem adaptada pelo estilo estético minimalista de Ozu. Há apenas um momento em todo o filme em que a câmera se move, de resto, Ozu mantém-se completamente parado, confiando nas suas composições cuidadosas e nos actores para manter a história em movimento. Esta é uma estética potencialmente perigosa, uma vez nas mãos de um realizador menor, que resultaria num filme estático e sem brilho. No entanto, nas mãos de Ozu, Tokyo Story constantemente rompe com o sentido da vida, apesar do facto de que muito pouco acontece no sentido narrativo convencional.

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