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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Vampiro (Vampyr) 1932

Um jovem viajante chamado Allan Gray (Julian West) estuda sobre a evolução do mal e dos vampiros dos séculos passados. Por causa da sua obsessão com aparições sobrenaturais visita uma antiga pousada e encontra diversas evidências de que ali existem vampiros. O problema é que depois de muito estudar sobre este assunto, para Allan já quase não existe mais diferença entre o real e o irreal.
As sombras são inerentemente assustadoras. Ao tomar a forma de quem elas assustam, não têm presença ou substância, então são reais e irreais. De certa forma elas são a ausência encarnada do que existe ignorando a presença da luz, então elas são mais definidas pelo que não são, do que pelo que são. Não há vida para elas, mas frequentemente sinalizam a presença de algo vivo, e é por isso que uma sombra que se move independentemente da sua fonte é talvez o objecto mais estranho imaginável. Esta ideia parece ser a base de "Vampyr", de Carl Theodor Dreyer, um filme de terror magistralmente evocativo e inquietante, que não conseguiu encontrar o público que merecia no início dos anos 30, pelo seu tom desafiador e a sua estrutura heterodoxa que era ameaçada pela abordagem mais convencional ao género de Tod Browning, em "Drácula" (1931).
A ironia é que Dreyer tinha em mente um "filme comercial", mas a sua sensibilidade artística e tendências espirituais asseguravam que o filme seria tudo menos isso. Na altura em que este filme foi feito o "filme de terror" ainda estava no seu estado inicial, uma categoria mal definida que incluía apenas alguns filmes, mas isso mudaria com a série de filmes de terror da Universal que estavam a ser produzidos. Na verdade, o filme de vampiros como o conhecemos, antes do filme de Dreyer, tinha aparecido apenas uma vez na tela, no expressionista "Nosferatu"(1922), de Murnau. A versão de Browning superaria a de Dreyer nas salas, e portanto o antecederia na imaginação popular.
Embora os créditos afirmem que "Vampyr" seja baseado em "In a Glass Darkly", uma colecção de cinco contos do escritor irlandês Sheridan Le Fanu, ele é influenciado apenas por duas destas histórias, a mais notável “Carmilla,” um conto sobre uma vampira que se alimenta de belas vítimas femininas. Dreyer e o seu argumentista Christen Jul parecem também ter ido buscar muito à fonte do livro de Bram Stoker de 1897, "Drácula", bem como de todo o tipo de contos populares e histórias ocultas, que dão ao filme um ambiente autêntico e orgânico, que nos faz sentir em tempos antigos, apesar de ser feito no mundo moderno da altura.

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terça-feira, 18 de setembro de 2018

A Palavra (Ordet) 1955

Agosto de 1925, numa quinta Dinamarquesa. O patriarca viúvo Borgen, que é bastante proeminente na comunidade, tem três filhos: Mikkel, um agnóstico de bom coração, cuja esposa está grávida; Johannes, que acredita que é Jesus; e Anders, jovem, e apaixonado pela filha do alfaiate Peter Peterson, que pertence a um movimento religioso rival. Apesar das diferenças entre os dois, Borgen tenta chegar a um acordo com Peterson, que permanece inflexível. Só deixa a filha casar com o rapaz se o pai deste aderir à sua religião.
O realizador dinamarquês Carl Theodor Dreyer está creditado como tendo realizado dois dos maiores filmes da história do cinema, e ambos estão ligados ao mesmo tema, a religião, mais propriamente, o poder da fé. O primeiro era "La Passion de Jeanne D'Arc" (1928), uma espantosa representação do julgamernto e execução de Joana D'Arc, considerado por muitos como o maior de todos os filmes mudos.O segundo era este "Ordet", já realizado na parte final da sua carreira, baseado numa peça do pastor dinamarquês Kaj Munk (que foi executado pelos Nazis por recusar honrar Hitler acima de Cristo). Indiscutivelmente uma obra prima, "Ordet" não é apenas um pedaço de cinema soberbamente composto, como também um trabalho que consome o seu espectador, de uma forma que só as grandes peças de arte conseguem fazer, oferecendo uma experiência que não nos pode deixar imunes. Seja qual for a nossa religião ou crenças religiosas, é um filme que alcança o nosso íntimo e nos faz pensar profundamente sobre a natureza e os valores da existência humana.
O cinema de Dreyer é conhecido pela sua rigorosa simplicidade, cenários austeros, número limitado de shots, e fotografia minimalista. Este filme também beneficia do facto de ter uma grande história. É sobre fé, religião, vida e morte, ciência versus fé, e quaisqueres outras discussões e perspectivas diferentes das coisas que este filme traz. A esse respeito, parece ser mais um filme de Ingmar Bergman do que de Carl T. Dreyer. Ambos os realizadores, no entanto, sempre mostraram algumas semelhanças entre os seus filmes, e os seus temas, estilo e personagens. É obviamente baseado numa peça de teatro, que pode observar-se pela forma como o filme está contado e a história é contada.
Filme escolhido pela Sandra Bettencourt. 

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Dia de Cólera (Vredens Dag) 1943



No início do século 17 a Dinamarca é atravessada pelo medo da bruxaria. Uma velha mulher pede a Anne, a jovem esposa de um pastor, para a esconder, mas ela é capturada, torturada e queimada por alegadamente praticar bruxaria. Quando o filho do pastor, Martin, regressa a casa, fica fascinado pela beleza da madrasta, e acabam por se apaixonar os dois. O amor de Anne por Martin torna-se tão intenso que chega a desejar que o marido morra...
O realizador Carl Theodor Dreyer é conhecido pelo ambiente austero dos seus filmes, e pela sua abordagem de assuntos como a fé e o sofrimento humano. Uma década depois do seu famoso filme, "Vampyr",  ele fez um filme que é celebrado por muitos como a sua verdadeira obra-prima, o seu trabalho mais representativo do Dreyer homem, e do Dreyer cineasta. Passado durante o período da caça ás bruxas no século 17, Dreyer mostra-nos uma comunidade atormentada pelo medo. Por um lado, medo de serem acusados de bruxaria e serem brutalmente assassinados pela comunidade, por outro lado, medo de serem tentados pelo diabo, e serem atirados para o inferno por toda a eternidade. O filme foi feito durante a ocupação Nazi da Dinamarca, durante a Segunda Guerra Mundial, e é difícil não ver os paralelismos destas duas realidades.
"Vredens Dag" faz parte de uma trilogia com "The Passion of Joan of Arc (1928) e Ordet (1955). O que os três filmes têm em comum é uma crença no espírito humano para suportar qualquer calamidade, através ou em vez da religião. "Vredens Dag" é o mais obscuro dos três, o mais pessimista, mas Dreyer ainda consegue transmitir que o sofrimento mortal é transitório e que o sentimento humano é eterno e vai triunfar no fim. Os três filmes mostram a religião de um modo muito irónico, talvez subversivo. O subtexto escondido, é que a religião é um grande mal para a humanidade, ao passo que a fé é a sua grande salvação. As consequências da aderência cega à religião estão bem aparentes neste filme. Por contraste, Dreyer retrata a verdadeira fé com o mais nobre dos sentimentos: a vontade de transcender o "agora" e o "aqui", libertando todo o caos e o tumulto das vidas na terra.

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domingo, 2 de junho de 2013

A Paixão de Joana d'Arc (La passion de Jeanne d'Arc) 1928


Universalmente reconhecido como uma verdadeira obra-prima do cinema, "La passion de Jeanne d'Arc" de Carl Theodor Dreyer continua a fascinar e a seduzir, oferecendo uma experiência visual e emocional unica que o torna um dos filmes mais marcantes de todos os tempos. Composições inquietantes do filme e a sua poderosa representação da transcendência da alma humana diferencia-o de qualquer outra obra cinematográfica e tornam-na numa das peças mais expressivas e compassivas da arte do cinema. Há uma humanidade sublime neste filme que é angustiante em toda a sua intensidade e também na limpeza espiritual. Ninguém que o vê pode ficar indiferente. 
Carl Dreyer tinha feito oito filmes anteriormente, a maioria dos quais na sua Dinamarca natal, mas outros também na Suécia, Alemanha e Noruega. Foi o sucesso de um seu filme de 1925, "Master of the House", que levou a empresa com sede em Paris, Société Générale a oferecer-lhe um contrato de longo prazo. A especialidade deste estúdio era de dramas históricos luxuosos e a Dreyer foi oferecido a escolha de três temas: Marie-Antoinette, Catherine de Medici ou Joana d'Arc. Ele escolheu a última opção, supostamente por sorteio. Dreyer ficou agradecido ao grande orçamento que lhe foi dado, mas rejeitou o argumento. Em vez disso, escreveu o seu próprio guião, depois de meses de uma investigação cuidadosa, usando a transcrição do julgamento de Joan como uma fonte para o diálogo das intertitles.
Dreyer levou 18 meses a completar o filme, o seu projecto mais ambicioso e inovador. O seu perfeccionismo implacável valeu-lhe a reputação de ser um tirano e, inevitavelmente, colocou-o em conflito com os seus chefes na Société Générale. Embora o filme recebesse críticas muito favoráveis ​​quando foi lançado, apenas recuperou uma fração do seu custo de produção, e a Société Générale tentou rescindir o contrato com Dreyer. O realizador reagiu mal, processando o estúdio (com sucesso) e, de seguida, criando a sua própria produtora, com o apoio do aristocrata rico Nicolas von Gunzburg. O que poderia ter sido o início de uma carreira cinematográfica monumental em França iria terminar em breve com outro sombrio fracasso comercial, Vampyr. 
A sorte de "La Passion de Jeanne d'Arc" foi ainda mais polémica que a do homem que o criou. Foi um filme surpreendentemente original para a época, muito diferente de qualquer outro que já tinha sido feito na era do cinema mudo. No entanto, o tratamento de Dreyer a este tema foi também altamente controverso. O filme foi proibido no Reino Unido pelo sentimento anti-Inglês percebida e recebida a hostilidade das forças da direita em França, que viam o retrato da Igreja como um sacrilégio. Não muito tempo depois da sua primeira, e comercialmente desastrosa, release, o negativo original do filme foi destruído num incêndio. Dreyer então construíu uma segunda versão, que também foi perdida num incêndio. Nos anos seguintes, várias cópias mal tratadas do filme estavam em circulação, levando alguns críticos a questionar os méritos artísticos da chamada obra-prima de Dreyer. Então, em 1981, milagrosamente, uma cópia quase intocada da primeira versão do filme foi encontrada por acaso num armário do zelador de um hospital psiquiátrico norueguês. Esta ressurreição improvável silenciou os cépticos e confirmou imediatamente a posição do filme como uma das grandes obras-primas do cinema.
A reputação de "La Passion de Jeanne d'Arc" repousa sobre duas das suas facetas mais marcantes - o modo como o filme é composto, quase todo em close-ups, e uma interpetação central imponente da actriz que interpreta Joana, Maria Falconetti (também conhecida como Renée Jeanne Falconetti). Há um génio indefinível na interpretação da Joana de Falconetti, que fez dela um ícone duradouro de cinema, o que é ainda mais surpreendente quando verficamos que esta foi a sua única aparição à frente da tela como protagonista.
Na altura em que fez o filme, Falconetti era uma actriz do teatro bem conhecida que tinha interpretado papéis menores em apenas dois filmes. Dreyer originalmente queria uma actriz francesa estabelecida, mas logo descobriu que nenhuma estrela parecia voluntariamente querer entrar num filme sem maquilhagem e com a cabeça rapada à frente da câmera (os dois principais requisitos do papel). Dreyer descobriu Falconetti quando a viu numa produção teatral da comédia escandalosa "La Garçonne". Falconetti tinha exatamente as qualidades que o realizador procurava, a capacidade de transmitir um imenso sofrimento interior por detrás de uma máscara de serenidade.
 

Maria Falconetti achou a experiência de trabalhar com Dreyer como extremamente árdua. Num esforço de autenticidade, o realizador teria sistematicamente privado-a de dormir e de se alimentar, e muitas vezes obrigou-a a passar horas ajoelhada no chão de pedra. Isto pode explicar porque Falconetti nunca mais viria a aparecer num filme (embora se acredite que Dreyer tenha planeado fazer um segundo filme com ela). Ela regressou aos palcos e teve uma carreira de enorme sucesso. Na década de 1930, Falconetti sofreu uma reversão súbita cruel da sua fortuna, e foi à falêcia. Durante a Segunda Guerra Mundial, fugiu para a Suíça, e depois estabeleceu-se em Buenos Aires. Aqui, ela esbanjou o que restava da sua fortuna num estilo de vida luxuoso e o vício do jogo compulsivo. Antes da sua morte, em 1946, ela sobrevivia a dar aulas de dicção aos argentinos, de língua francesa. O grande regresso que ela tinha a esperança de fazer nunca se materializou - um final triste para uma actriz que já tinha dado o que era amplamente considerado o maior desempenho no cinema, de todos os tempos.

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