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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

António, Um Rapaz de Lisboa (António, Um Rapaz de Lisboa) 2002

Um rapaz em Lisboa, nesta Lisboa em obras. As paragens de autocarro, as entrevistas para emprego, os cafés sujos, o metro de uma noite, os centros comerciais de bairro, as lojas de fotocópias, os arrumadores de automóveis, os hospitais, um encontro à chuva, as creches onde se colocam os filhos, a dura ressaca, o Corte Inglês, as cervejarias onde se mata o tempo.
"Em 1995 foi um espectáculo estreado nos Encontros ACARTE que fez história no Teatro Português. Cinco anos volvidos, o filme abre, também ele, novas portas para o cinema português. Imersão no quotidiano, crónica deste tempo de uma certa gente jovem, pobre gente que sem rumo sobrevive e que o filme olha com energia e desencanto, escrito em diálogos rápidos que decantam um linguarejar quotidiano, filmado em elaborados planos-sequência que esmeram o virtuosismo do conjunto, "António, Um Rapaz de Lisboa" é obra a colocar, finalmente, Jorge Silva Melo no quadro dianteiro da cinematografia europeia. Vale a pena notar a excelência e a diversidade de registo dos actores, magicamente coesos - com Lia Gama em destaque, se é permitido dar tribuna a alguém no seio de um elenco tão vasto e onde se encontram praticamente todos os jovens actores que valem a pena nestes dias (e alguns outros, de diversas gerações e tocados pela excelência, como Glicínia Quartin, Maria João Abreu, Teresa Roby, ou Carlos Gonçalves). Vale a pena aplaudir o complicadíssimo trabalho de câmara - Rui Poças é o responsável. Vale a pena constatar o imenso calor humano que exala desta fita e a paleta de emoções que produz. Há momentos de puro êxtase - o doravante célebre plano de Sylvie Rocha na montra, com chuva e Donizzetti. "António, Um Rapaz de Lisboa" é um acontecimento cinematográfico maior a fechar os anos 90." Texto do Expresso, 19-01-2002
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sexta-feira, 16 de maio de 2014

Coitado do Jorge (Coitado do Jorge) 1993

 Poderia dizer-se que Jorge é um homem feliz. Chega a casa ao fim de um dia com muitos incêndios, como todos os outros. À noite vai encontrar-se com um industrial japonês para abandonar o seu lugar de professor e voltar a trabalhar como químico. Mas, ao regressar, encontra alguém em casa. Alguém que não conhece. A partir daí tudo vai ser diferente...
Texto de Jorge Leitão Ramos para o Expresso 21-01-1998:
"Coitado do Jorge" é o filme português que vai ficar com o pulsar interior dos anos do cavaquismo. É uma história de burgueses confortáveis num mundo onde está tudo a arder. Fisicamente, por fora, e vivencialmente, por dentro. É um filme por cujos poros sai um odor de desgosto, como se qualquer coisa de essencial se tivesse desagregado e os viventes não tivessem dado por isso. O protagonista (Jorge/Jerzy Radziwilowicz) está a fazer 36 anos e o seu mundo está convulso. Até que descobre um ladrãozeco (Ernesto/Manuel Wiborg) dentro de casa e se torna de interesse por ele, por esse mundo que lhe é exterior. Descobrimos, devagar, que a estabilidade é uma coisa frágil. Silva Melo não se limita a colocar os incêndios por toda a parte nesse principio de Verão em que aquela realidade está cercada, mas eles nem se inquietam. São os sentimentos que começam a aparecer crispados (há gritos, choros, feridas, desavenças, no fundo da imagem e na banda de som); são os valores sociais que começam a evidenciar-se ausentes; é um viver para coisa nenhuma que emerge.
Mas, na fascinação pelo outro lado, pelo mundo proletário (o termo não é nada rigoroso, usemo-lo para abreviar razões), a descoberta da sua vitalidade (carnal, sensual, antes de tudo) não oferece contrapartida, alternativa real. "Coitado do Jorge" é também um filme sobre o fim do marxismo enquanto perspectiva futurizando uma qualquer redenção. Mas não o é enquanto constatação de uma mecânica social fundada na luta de classes. De facto, o percurso que acaba por envolver Jorge e Ernesto não tem o mesmo fim para ambos. Porque um tem as saídas seguras, enquanto o outro navega à vista.
 Filmado em 1992, apresentado em 1993 nos Festivais de Taormina e de Dunquerque, onde ganhou os prémios de melhor realizador e melhor actor (Manuel Wiborg), exibido nas quartas jornadas de cinema português de Rouen, em Janeiro de 1994, "Coitado do Jorge" é um filme que, até 1997, não foi exibido em Portugal, nem sequer na Cinemateca, por vontade expressa de Jorge de Silva Melo, entretanto em litígio judicial com a Inforfilmes, de Acácio de Almeida, a empresa produtora. A sua distribuição chegou a ser anunciada pela Atalanta, nunca tendo vindo a efectivar-se. Eis senão quando o filme aparece surpreendentemente no mercado videográfico (em Dezembro de 1997) no que é mais uma originalidade no interior do cinema português que, pelos vistos, se pode dar ao luxo de prescindir de uma carreira nas salas de um filme que não é exactamente um objecto descartável, quer o olhemos pelo prisma da dimensão da sua produção (é uma co-produção luso-franco-espanhola) quer o olhemos pelo seu valor estético. "

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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Agosto (Agosto) 1988



Enquanto Portugal continua envolvido na Guerra em África, Carlos, um violoncelista, passa as férias de Verão na praia com um casal amigo, Alda e Dário. O mundo parece-lhes distante, o que os leva, aos três, a experimentar os ritos da amizade e solidão.
"Agosto" é o oposto das chamadas fitas de Verão, como as paixões que lá se contam estão nos antípodas dos amores de praia. No ramo subtil e luminoso de Rohmer, nasceu um fruto pesado e escuro de Antonioni - contudo, é manifesto que este trabalho não vive da receita mas da intuição do autor que nas imagens se traduz pela procura do vibrátil como substituto do latente.
A excelente fotografia de Acácio de Almeida dá textura a esta aposta. Ela é quase mimética da ofuscação de Carlos, voyeur hipersensível que se deixa encadear pelas projecções da sua própria solidão. Na base do triângulo passional, a relação de Dario e Alda, tão vulgar que o torpor pode parecer um poço de mistério.
Se há pecado a censurar a Jorge Silva Melo, será talvez o excesso de requinte com que sacrifica a caótica expressão da vitalidade das suas personagens - todas elas "jovens" - em favor da cruel ambiguidade dos afectos - embora as margens do enredo se tinjam com as cores fortes do sangue, do sexo e da loucura e, para além dessas, se erga o cerco fantasmático de um fascismo e de uma guerra.
A tensão e a tristeza na maneira de abordar a amizade masculina - trata-se de um abeiramento porque a mulher funciona como amortecedor da tal queda em si que Camus descreveu - faz deste filme um caso raro de contenção e despudor. E, como quem não quer a coisa, Silva MeIo coloca-nos nos braços a questão de uma força anímica e inconsciente poder reger melhor a vida do que o diabo a pinta. Na balança, que é aqui o signo solar, pesa-se o estéril e o fértil.
Pedro Hestnes desempenha um dos seus papéis mais memoráveis, e Pedro Costa é assistente de realização, um ano antes de fazer "O Sangue".

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