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domingo, 27 de março de 2022

Um Tiro às Escuras (A Shot in the Dark) 1964

Em Paris, na mansão de Benjamin Ballon (George Sanders), um conhecido milionário, um crime é cometido e por engano é mandado o Inspetor Jacques Clouseau (Peter Sellers), o mais atrapalhado dos detetives franceses. Enquanto as investigações avançam, novas mortes acontecem e as evidências sugerem que a culpada é Maria Gambrelli (Elke Sommer), uma empregada que trabalha na mansão de Ballon. Entretanto, Clouseau tem certeza da inocência dela e está disposto a investigar (mas sempre de uma forma pouco convencional) o caso, para descobrir quem é o culpado ou culpados das mortes.
Segundo filme na série de "The Pink Panther", e talvez o seu melhor. Novamente realizado por Blake Edwards, com muitas coisas positivas neste filme: desde a banda sonora de Henry Mancini, o brilhante trabalho de Peter Sellers, e muitas piadas bem montadas. Apenas a confiança excessiva na palhaçada fácil impedem o filme de se elevar para outro nível  no território da comédia. O elenco de apoio também é perfeito, com Elke Sommer, George Sanders, e Herbert Lom. 
William Peter Blatty, o argumentista de "O Exorcista", colaborou no argumento, tendo escrito algumas comédias, sobretudo para Blake Edwards, antes de se dedicar ao seu enorme sucesso.


quinta-feira, 25 de março de 2021

Cidade nas Trevas (While the City Sleeps) 1956

A morte do magnata dos média, Amos Kyne, está a causar uma luta pelo poder entre os seus executivos. Entretanto, as mulheres de Nova Iorque tornam-se presa de um serial killer. O repórter Edward Mobley está na eminência de enfrentar uma missão quase impossível: capturar o assassino, para impedir que o império do magnata não caia nas mãos erradas, e salvar o seu romântico relacionamento.
Depois de duas décadas a fazer filmes nos Estados Unidos, Fritz Lang estava prestes a regressar ao seu país natal. A década de 50 era uma década difícil na produção cinematográfica. A televisão era um grande rival, e as oportunidades para Lang já não eram as mesmas, e eram mais espaçadas e por outro lado Lang tinha ganho a reputação de ser cruel com os actores. Em "While the City Sleeps" teve direito a um elenco de luxo, com alguns dos nomes mais conhecidos de Hollywood: Dana Andrews, Rhonda Fleming, George Sanders, Howard Duff, Thomas Mitchell, Vincent Price, e Ida Lupino, num papel mais secundário, uma vez mais contracenando com o seu marido. 
"While the City Sleeps" traz-nos um retrato cínico do império dos média, mais interessado em vendas do que no serviço público, que continua a ser um assunto corrente até aos dias de hoje, mesmo que as mudanças radicais na tecnologia de disseminação de informação tenha mudado de uma forma tão acentuada. Seria uma despedida em grande para Lang.


domingo, 26 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Cidade nas Trevas”, de Fritz Lang

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo sexto convidado é o realizador, actor e encenador Jorge Silva Melo, que escolheu Cidade nas Trevas de Fritz Lang, dizendo-nos que “precisamos de uma imprensa livre, precisamos de si, não podemos viver nesta corrupção, neste mundo sem luz. Para Lang tudo era tremendo - e ameaçador o final que parece feliz. Temos de ouvir Puccini logo a seguir: nessun dorma!

Sinopse: Outro dos filmes favoritos de Lang. Adaptação de um romance de Charles Einstein que, por sua vez, teve como uma das inspiração o filme de Lang "Man Hunt". Lang retoma o tema do assassino "compulsivo" que desenvolvera em M, mas coloca-o no centro da disputa pela direcção de um jornal por um grupo de candidatos.

No seu Dicionário do Cinema, Jacques Lourcelles diz-nos que é o “penúltimo filme americano de Lang. Um dos pontos mais altos da sua carreira; na nossa opinião, o seu melhor filme. Baseado num romance, mas sobretudo baseado em relatos de notícias variadas recortadas de jornais e que ele tinha o hábito – mantido até ao fim da sua vida, embora já não trabalhasse mais - de coleccionar, Lang escreveu o guião minuciosamente com Casey Robinson e será um dos mais sofisticados da sua carreira. A preparação não menos minuciosa da rodagem e que permitiu manter, sendo o orçamento do filme bastante razoável, os intérpretes prestigiosos reunidos no conjunto (George Sanders, Ida Lupino, Thomas Mitchell, Rhonda Fleming, etc) só quatro ou cinco dias cada um, quando temos a impressão de os ver presentes ao longo de toda a intriga. (Só a Dana Andrews foi concedido um número de dias ligeiramente superior.) A ambição do filme é imensa, a perfeição do seu estilo, cujos elementos desdenham dar nas vistas, sóbria e eficaz. Lang quer dar a ver um panorama bastante vasto da sociedade americana, fundada aos seus olhos na competição e no crime. Como a competição e o crime se tornaram indissoluvelmente ligados, é este o seu tema, a partir do qual surgem as características do seu estilo, obedecendo todas a uma estética da necessidade que nenhum outro cineasta levou tão longe. Criador solitário e exigente, Lang não está totalmente à parte da corrente americana mais inovadora. While the City Sleeps integra e até interioriza de alguma maneira a revolução trazida no ano anterior ao relato policial por Kiss Me Deadly. Doravante já não há bons nem maus nos enredos. A ferocidade da competição trouxe todas as personalidades ao mesmo nível, o grau zero da moral e da consideração pelos outros. Se examinarmos à lupa (é o que faz o filme) o comportamento de cada uma das personagens envolvidas na acção, vemos ou que eles não têm ideia nenhuma do que lhes poderia servir de moral, ou então – e ainda é pior – que eles sacrificam à sua ambição quaisquer escrúpulos que pudessem ter, comportamento considerado como normal na sociedade em que estão inseridas. A partir daí, o criminoso que os jornalistas procuram com tanto ardor para conseguir um cargo torna-se não só a sua presa, mas também o seu reflexo. Às vezes é mais digno de piedade do que eles. Lang leva aqui a um grau de perfeição absoluta a sua arte das ligações necessárias ou mesmo fatais entre as sequências. Seja por um elemento de diálogo, por um elemento visual, por uma personagem ou pelo efeito de uma causa dramática específica, as sequências encadeiam-se umas às outras a um ritmo e a uma progressão lógica que parece obedecer a alguma fatalidade, que na verdade não é senão a consequência das acções cruzadas de cada um dos protagonistas ocupados em suplantar, a usar ou a destruir o próximo – grande teia de aranha onde por fim todos se encontram presos. Requinte supremo da mise en scène: aquelas divisórias de vidro que, dentro dos escritórios do jornal, separam as personagens permitindo-as verem-se umas às outras e dão à história a possibilidade de executar várias sequências frontais, ligadas numa interacção permanente. Este entrelaçado magistral é visto na luz soberba de uma chapa metálica rasgada a bisturi. Depois de muitos avatares e metamorfoses, redesenhados através da experiência e do estilo de um cineasta meticuloso e genial, o microcosmos expressionista reaparece aqui – talvez pela última vez – lavado de todas as suas histórias, dotado de uma pureza expressiva cuja abstracção e concentração fascinam. É um pequeno pedaço de inferno onde as criaturas estão ocupadas, achando-se livres e activas, sob o olhar de um cineasta que não procura outra coisa senão ver bem e dar bem a ver a realidade, mas mantendo o ponto de vista de Sirius sobre todas as coisas.”

Amanhã, a escolha de Mieriën Coppens.

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terça-feira, 23 de abril de 2019

O Juramento dos Quatro (Four Men and a Prayer) 1938


Na Índia, o coronel Loring Leigh (C. Aubrey Smith) é acusado de emitir uma ordem que levou um esquadrão de homens à morte. É considerado culpado e demitido. Já em Inglaterra reúne os seus quatro filhos em volta dele para iniciar uma investigação para provar a sua inocência. Antes que possam iniciar a investigação Leigh é misteriosamente baleado e todos os seus documentos roubados, e embora o médico legista tenha considerado um suicídio os quatro filhos espalham-se pelos quatro cantos do mundo para apanharem o culpado. 
John Ford dirige este pequeno thriller de mistério atípico adaptado do romance de David Garth, com um argumento escrito por Richard Sherman, Sonya Levien e Walter Ferris. A história é melhor apresentada do que o filme merecia por um elenco encantador, onde se destacam já alguns nomes de peso. Os quatro irmãos são Richard Greene, George Sanders, David Niven, e William Henry, coadjuvados por Loretta Young, como namorada de Richard Greene. Não faltam ainda nomes de peso nos secundários, como C. Aubrey Smith, Alan Hale, e John Carradine. Carradine era já uma presença habitual nos filmes de Ford, participando aqui pela quarta vez num filme seu. Era habitual vê-lo em papéis de índole duvidosa, e a colaboração entre os dois estender-se-ía por mais uma série de filmes até Ford partir para a guerra.
Ford não estava particularmente intertessado em fazer este tipo de filme político, mas tinha um contrato com a Fox que o obrigava, mas mesmo assim conseguiu dar o melhor de si num conjunto de cenas que lhe eram queridas, como a calorosa reunião entre o pai e os quatro filhos. O filme, ao braquear o imperialismo britânico e as atrocidades cometidas pelo comercio mundial de armas, inclui uma declaração política muito questionável.

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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Rebecca (Rebecca) 1940

É surpreendente que, apesar da sua longa e frutífera carreira e das várias nomeações recebidas, Hitchcock só tenha ganho o Óscar de Melhor Filme com a sua primeira película americana: "Rebecca". Talvez este facto seja indicativo do poder e influência do produtor David O. Selznick que, acabado de sair do sucesso de "E Tudo o Vento Levou" (1939), não deixou de passar a oportunidade de trabalhar com o realizador britânico nesta história gótica de fantasmas da autoria de Daphne Du Maurier.
Graças a um orçamento generoso, Hitchcock pôde transformar a mansão de Manderley numa personagem da película, gesto que mais tarde inspiraria Welles na sua concepção de Xanadu, em "O Mundo a Seus Pés". O palacete à beira-mar é o cenário nebuloso ideal para os amores atormentados de Joan Fontaine e Laurence Olivier. Este dá vida a um viúvo rico que corteja a inocente Fontaine e com ela casa após um romance meteórico. A protagonista nunca acredita na sorte que teve ao encontrar um homem tão atencioso, mas, à medida que a sua relação amorosa se aprofunda, vê-se assombrada pelo fantasma de Rebecca, a antiga e falecida esposa de Olivier. Serão as assombrações fruto de uma imaginação fértil e paranóia ou obra de uma força nefanda? E que relação existe entre estes acontecimentos estranhos e a senhora Danvers (Judith Anderson), a governanta sinistra que parece não dar paz a uma Fontaine à beira de um ataque de nervos?
"Rebecca" marcou a chegada auspiciosa de Hitchcock aos Estados Unidos e, na cerimónia dos Óscares de 1940, conseguiu mesmo derrotar a última obra britânica do realizador: Correspondente de Guerra. Quase todos os traços artísticos do cineasta estão presentes em "Rebecca" no seu esplendor: a omnipresença de um passado obscuro e misterioso que constantemente se intromete no romance malfadado dos protagonistas, as suspeitas à flor da pele e, como seria de esperar, a presença espectral e ameaçadora da desonestidade e traição. Faltam a "Rebecca" os gracejos espirituosos e o humor caracteristicos de Hitchcock. Todavia, esta ausência de leveza deve-se à natureza melancólica e gótica do romance de Du Maurier. Os segredos de Manderley empurram a ingénua Fontaine para o abismo da demência e Hitchcock diverte-se, intensificando gradualmente a tensão da película até à sua conclusão assombrosa."
 * Texto de Joshua Klein
Filme escolhido pelo Pedro Afonso. 

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terça-feira, 11 de abril de 2017

Oito Desaparecidas (Lured) 1947

Oito Desaparecidas (Lured) marca de uma forma declarada a entrada de Sirk no filme noir, numa espécie de thriller com laivos de Hitchcock. Retoma a colaboração entre o realizador e George Sanders que se iniciara em Escândalo em Paris, o seu filme anterior. 
O filme é um remake de Pieges de Robert Siodmak, realizado em França em 1939. Como não tive oportunidade de o ver, não tenho possibilidades de fazer comparações. No caso vertente de Lured, trata-se de mais uma obra subestimada de Douglas Sirk, um pouco como sucedeu à maioria das suas realizações da década de 40, ofuscadas pelos melodramas dos anos seguintes e que se tornariam nos seus filmes mais populares e conhecidos. Mas foi exactamente o sucesso desses melodramas que abriu portas para o interesse pelos seus filmes anteriores, tanto da sua fase alemã, como dos seus primórdios em Hollywood que foi recuperada para este ciclo. Lured é um desses casos. Referi Hitchcock e o paralelismo com alguns dos seus filmes mais famosos desse período e a comparação não me parece descabida, tanto no conteúdo, como em alguns aspectos formais. Em Londres somos introduzidos a um serial killer, uma espécie de nova versão de Jack o Estripador, aqui com requintes poéticos que remetem para a obsessão pela morte de Charles Baudelaire. Há igualmente todo o processo para a polícia desvendar o possível criminoso, com todos os ingredientes comuns neste tipo de filmes: mistério, um desenvolvimento do argumento que nos leva a caminhar numa determinada direcção, para depois percebermos que as pistas são falsas e dão-nos abertura para percebermos quem de facto é o verdadeiro responsável. Hitchcock é imbatível neste tipo de filmes, mas Sirk não lhe fica muito atrás. O filme é ágil e desenvolto, com um ritmo muito vivo e sem quebras, prendendo de imediato a atenção do espectador. Mais na década 40 do que na seguinte, Sirk não ficou preso a um único tipo de filmes, movimentando-se com versatilidade por diferentes géneros. A direcção de actores é, como de costume, excelente, com a particularidade do papel principal pertencer a uma mulher, no caso, Lucille Ball. A cena mais interessante do filme, no entanto, deve-se à presença do mítico Boris Karloff, o célebre actor britânico de filmes de terror, sobretudo conhecido pelos seus papéis em filmes como Frankenstein, Scarface ou The Lost Patrol. Embora aqui tenha apenas um pequeno papel e numa lateralização ao contexto geral do argumento, temos um Karloff ao nível do que o conhecemos em muitas das personagens que encarnou: estranho, alucinado e completamente distante da realidade. 
Lured teve reacções mistas na altura da sua saída. Recentemente foi alvo de uma edição em blu-ray num pack que inclui o anterior Escândalo em Paris. Alguns críticos consideraram-no o menos interessante dos dois, referindo o mimetismo face à versão original. Não sei
se partilho essa opinião, uma vez que gosto muito de ambos. Sem ser uma obra prima, merece um visionamento atento, sobretudo para se descobrir outra faceta do realizador, normalmente menos conhecida. 
*texto de Jorge Saraiva.

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segunda-feira, 10 de abril de 2017

Escândalo em Paris (A Scandal in Paris) 1946

Embora se trate um argumento original, Escândalo em Paris baseia-se livremente nas memórias de François- Eugène Vidocq, um homem com um percurso extraordinário do período do bonapartismo. É um Sirk vintage, embora muito diferente dos melodramas que o tornaram famoso na década seguinte. 
Filmado num preto e branco impecável, a característica principal de Escândalo em Paris é que se trata de uma comédia. Claro que há substanciais diferenças relativamente aos seus filmes mais famosos, mas há igualmente importantes linhas de continuidade que não devem ser menosprezadas. Em primeiro lugar, a capacidade de escrever ou encontrar argumentos escorreitos e elegantes; a extrema atenção a todos os pormenores, numa reconstituição histórica sem falhas: um trabalho de direcção de actores muito bom; e, finalmente, é que os filmes de Sirk nunca são tão inocentes como à partida podem parecer. Nesta comédia que evoca o boulevard francês, embora seja falada em inglês e inserida na sua produção de Hollywood, a ligeireza do tema, as reviravoltas das personagens, o tom bem humorado da narrativa na primeira pessoa, não pode ofuscar que há um ladrão que usa nomes falsos e que para poder melhor dar o seu golpe final, se transforma em inspector da polícia. Das masmorras onde o filme começa, transforma-se num cidadão incorrupto, acima de qualquer suspeita. Esta ascensão meteórica revela de uma forma corrosiva e satírica a vulnerabilidade da polícia, que acolhe no seu seio, um dos mais procurados ladrões. Ridiculariza a ineficiência da polícia, enquanto que elogia a habilidade dos ladrões. Basta ter astúcia e ser eloquente. E embora a localização precisa nos reenvie para o final do século XVIII, seguramente as generalizações para outras épocas e lugares, não só são possíveis, como totalmente legítimas. Provavelmente um Sirk posterior não teria redimido a personagem central, levando-o ao arrependimento. Prosseguiria a farsa até ao final. Mas isto é pura especulação. E depois há George Sanders, um actor que nem sempre conseguiu ter papéis adequados ao seu grande talento, que aqui tem um dos seus melhores desempenhos, enquanto sedutor irresistível, de ar cândido e voz doce, como se fosse uma espécies de Casanova. Há música de Hans Eisler (que colaborou com Fritz Lang e Brecht, por exemplo) e também uma subtil paródia a Marlene Dietrich na cena do cabaré. 
Esta comédia tem um toque de malícia que remete de forma directa para o seu compatriota Ernst Lubitsch. Para alguns poderá não ser (e não é) uma das obras primas que Sirk assinou, sobretudo na década seguinte, mas é um dos filmes favoritos do próprio realizador. Resgata igualmente a sua primeira fase nos Estados Unidos, geralmente menos conhecida do que os seus grandes clássicos dos anos cinquenta e que normalmente é considerada como menor. É evidente que nenhum «sirkiano» o vai querer perder.
*Texto de Jorge Saraiva.

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sábado, 8 de abril de 2017

Tempestade de Verão (Summer Storm) 1944

Tempestade de Verão (Summer Storm) adapta uma novela de Anton Tchekov de 1884, com argumento de Rowland Leigh. É o seu segundo filme feito nos EUA, após a Loucura de Hitler (1943) e a sua primeira incursão séria no melodrama que o viria a tornar famoso, sobretudo durante a década seguinte 
Para quem está familiarizado sobretudo com a obra de Sirk da década seguinte, estranha de imediato a ausência daquilo que viria a ser uma marca distintiva da sua herança cinematográfica: a cor. Mas, de resto, está lá quase tudo que faria dele um dos cineastas mais originais de toda a história do cinema; os amores transviados, as reviravoltas inesperadas da vida, a ascensão e a decadência, a perversidade das personagens e, sobretudo, a dimensão trágica da vida. O argumento é relativamente complexo, seguramente devido ao texto original de Tchekov, por vezes assemelhando-se a certas tramas de Hitchcock, pelo rumo inesperado das decisões de certas personagens. Não é de imediato compreensível a razão porque o argumento resolve situar o filme em 1919, dois anos depois da Revolução de Outubro, quando o romance original foi escrito em 1884. Até, porque havendo uma passagem quase final que relata a miséria em que caiu uma das personagens centrais oriunda da aristocracia após a revolução, o filme nunca ganha contornos políticos. O que é verdadeiramente surpreendente relativamente aos seus filmes posteriores, é a perversidade da personagem central, desempenhada por uma mulher oriunda de meios sociais baixos e que usa a sua grande beleza como um trampolim para poder ascender socialmente. Olga surge como o exemplo da mulher sem escrúpulos que troca o amor pelo dinheiro, sendo vista como o exemplo acabado de alguém determinado a não olhar a meios para alcançar os seus fins, enredando-se em jogos de sedução opaca e dupla. Esse sentido de sedução perversa é a chave para a análise do filme e para o estabelecimento de comparações com a sua obra posterior. Embora não haja uma espécie de maniqueísmo de género nos filmes de Sirk, todo o enredo se desenvolve para tomar partido pelas personagens masculinas: Volsky, o aristocrata de meia idade, levemente cabotino, habituado a ser obedecido, mas que se perde de amores e passa a ser manipulado por uma rapariga do povo; e o jovem juiz Fedor com casamento apalavrado e que o desfaz num ápice, para poder entregar-se à sua nova paixão. Neste triângulo instável em que as personagens masculinas são amigas, mas desconhecem os sentimentos que cada uma nutre pela mesma mulher, reside a razão que faz deste filme uma obra absolutamente notável. Sirk dirige com mestria George Sanders, Edward Everett Norton e, sobretudo Linda Darnell, uma actriz muito talentosa e que se tinha perdido em filmes menores e que normalmente estava associada a personagens inocentes e puras. 
O filme foi o primeiro grande sucesso de bilheteira para Sirk, o que não deixa de ser um facto assinalável, para quem estava a dar os primeiros passos na sua carreira americana. A crítica da época foi também bastante favorável. Posteriormente, sobretudo após a sua recente edição em dvd em cópia restaurada, as opiniões têm-se dividido entre os que a consideram um filme relativamente menor no conjunto da sua obra e aqueles que vêem em Tempestade de Verão, um primeiro e firme sinal da sua grandeza posterior. Pessoalmente, inclino-me mais para esta segunda posição. O sentido trágico da vida está aqui bem presente e essa é uma das melhores dádivas que o cinema nos pode dar.
*Texto de Jorge Saraiva

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quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Pirata Negro (The Black Swan) 1942



Quando o famoso Pirata Henry Morgan (Laid Cragar) é nomeado governador da Jamaica, tenta chegar a acordo com os piratas da região, mas acaba por encontrar alguma resistência em alguns. Entretanto, Jamie Waring (Tyrone Power), um dos seus homens de confiança, apaixona-se pela filha do antigo governador, Margaret (Maureen O'Hara), que o despreza.
Se "The Sea Hawk" era o filme modelo para o velho bom swashbuckler, "The Black Swan" é o seu lascivo irmão mais novo. Interpretado por Tyrone Power, o principal rival de Errol Flynn para os papéis de galã nos filmes de capa e espada, do final dos anos 30, e anos 40, que aqui tem mais uma das suas muitas colaborações com Henry King, "The Black Swan" é mais um filme essencial para esta saga da pirataria. King, um pioneiro do cinema, e um realizador muito pensativo, deixou de lado os pormenores, e reduziu a uma fachada o modelo da dupla Curtiz/Flynn. O tema mais descaradamente retratado, por vezes sugestivamente, mas recorrente nos filmes de Flynn, a dança da sedução perigosa, entre o perigoso bandido e a primeira dama, como é Olivia de Havilland, é aqui transmutado a uma fantasia. Tal como Duelo ao Sol (1948), "The Black Swan" é, no seu caminho tortuoso e sujo, um dos filmes mais bizarros a saír dos grandes estúdios de Hollywood na década de 40. Enquanto "The Sea Hawk" apanhou boleia dos filmes de guerra para navegar por esses ventos, "The Black Swan" era inteiramente uma rejeição da relação contemporânea, excepto talvez na sua celebração agressiva da masculinidade do guerreiro.
Alguns dos filmes que ajudaram a inventar o que mais tarde seria chamado de "estética camp" (e "The Black Swan" certamente que era um deles, ao lado de "Cobra Woman", de Robert Siodmark, e os melodramas de Bette Davis e Joan Crawford), deitaram para fora ansiedades frenéticas, que por vezes podiam ser comparadas com o film noir.
A grande razão pela qual este filme tem tanto entretimento, é pela mistura de humor com acção. Isso muito deve à escolha de Thomas Mitchell como parceiro de Power. De gloriosas lutas de espadas, a canhões explodindo navios, é um dos filmes de mais entretimento das gloriosas aventuras de piratas.

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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Viagem em Itália (Viaggio in Italia) 1954



"Viagem a Itália" é um retrato de um casamento em crise. Alex e Katherine Joyce vivem num deserto emocional, em que constantemente sentem a necessidade de pessoas. A certo ponto, Katherine (Ingrid Bergman) diz: "Esta é a primeira vez que realmente estivemos sozinhos desde que nos conhecemos" e logo depois procura o consolo nos outros. 
No início, a nossa simpatia está com ela porque Alex (George Sanders) parece frio, arrogante, cínico e sarcástico e só fica animado quando está com mais alguém por perto. Percebe-se que ele claramente não é um homem dado a auto-crítica. Aos poucos, percebemos que ele, tal como Katherine, está preso por uma incapacidade de emocionar-se. Por sua vez, cada um deles fica com ciúmes quando o outro socializa, porque ainda se amam, mas são incapazes de transmitir isso.
A história passa-se durante uma semana passada por Alex e Katherine em Itália, tentando vender uma casa que pertencia ao tio de Alex. O choque cultural é palpável e ainda tenta impor os seus próprios valores no seu entorno. Alex é inquieto, à procura de aventura no silêncio; Katherine, por outro lado, preenche o tempo visitando uma série de sítios arqueológicos e arquitectónicos napolitanos, que dão ao realizador Roberto Rossellini uma oportunidade gloriosa para filmar Nápoles e os seus arredores.Rossellini habilmente impõe-nos o passado, ou historicamente (o museu, a escavação arqueológica , o Vesúvio), ou figurativamente (o ex-amante de Katherine, Charles), ao lado de imagens de mães grávidas e mulheres empurrando carrinhos de bébés, para mostrar que a história, o passado, os mortos, todos têm valor aqui no presente e, de alguma forma impacto sobre ela. Ele parece preocupado, não apenas mostrando uma crise interna em destaque, mas também revelando o ciclo da vida em si, desde o nascimento até à morte, desde o ventre ao túmulo. 
O filme abre com um movimento frenético, a varrer, implacável. Uma câmera na mão o sentido de Joyce a correr contra um futuro desconhecido. O filme termina com um bloqueio. O casal a ser arrastado para uma multidão de italianos, celebrando uma festa, onde se chegou a um impasse no meio da actividade frenética. Finalmente, eles são atirados ​​juntos, cara a cara, no meio de algo que é culturalmente estranho para eles, e é só então é que eles podem despir o seu cinismo, a indiferença e o medo, e declaram o amor um pelo outro.
Durante a rodagem do filme Rossellini exerceu controle absoluto, impedido as estrelas de preparar as suas interpretações, ou decorar o argumento. Sanders, um profissional consumado, escreveu no seu diário que odiava esta maneira de trabalhar e Bergman, que já estava a acostumar-se a isso, nunca estava confortável com a improvisação. Além disso, o casamento com Rossellini estava a começar a deteriorar-se.
No entanto, as consequências de proibir o elenco de ensaiar é que o realizador conseguiu tirar duas interpretações totalmente convinventes das suas duas estrelas, pois sentem-se confusas e desorientadas, e melhor habitam a pele dos personagens problemáticos, alienados e desajeitados que retratam. Uma vez que o filme segue tão de perto o casal, é vital que nós sentimos este sentimento de alienação e desespero. Silêncios e apartes - Katherine muitas vezes expressa os pensamentos em voz alta, tentando se convencer de que odeia Alex porque ele parece indiferente para com ela - tudo isto contribui para a tensão, e contribuir para a nossa simpatia para com a fragilidade das suas emoções e o desespero da situação.
Em 1953, quando saíu, foi muito castigado, com terríveis críticas e resultados de bilheteria deploráveis. No entanto, tem vindo a ser considerado como uma obra-prima, uma das principais obras do cinema moderno, uma vez que acaba com as convenções da narrativa "tradicional" de Hollywood e dá preferência a um argumento sinuoso, proporcionando espaço para respirar idéias maiores, como reflexões sobre a natureza da existência e do passado histórico e emocional, com impacto sobre o presente.

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