sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Fauno das Montanhas (O Fauno das Montanhas) 1926

O naturalista Mr. Garton hospeda-se num hotel do Funchal, a passar parte do Inverno, com a filha. Ao visitarem o Rabaçal, Genny - romântica e de pródiga fantasia - imagina que um túnel de setecentos metros debaixo da montanha é a entrada para o inferno, vendo o guarda das casas de abrigo como um fauno...
Juntamente com os filmes de Reinaldo Ferreira e de Bárbara Virgínia (mas também com A Dança dos Paroxismos, de Brum do Canto, até mesmo em aspectos formais e nalgumas ideias), este é um filme curiosíssimo e revela um olhar absolutamente “insular” para um mundo estranho que não conseguimos vislumbrar em mais nenhum realizador deste período. Fortemente marcado pelo fantástico e pelo onírico, “aspectos que se tornariam raros no cinema português”
O Fauno das Montanhas consegue ainda recriar um ambiente de sensualidade misteriosa e, por isso mesmo, perturbante, a partir de uma incursão fantástica no imaginário de uma jovem visionária. Com a “moral” do Estado Novo (uma espécie de Legião da Decência institucionalizada) o corpo passa a ser zona perigosa ou interdita e vai perder-se esta abordagem mais directa e ousada da sensualidade, que encontra precedentes em filmes como Os Lobos (1923), de Rino Lupo.
Uma producção da Empresa Cinegráfica Atlântida, fundada por
Manuel Luis Vieira em 1925, no Funchal, onde nasceu em 1885, numa aventura pessoal que se assumiu marginal face às estruturas de produção do seu tempo e passou pela transformação do estúdio de fotografia que possuía em estúdio de cinema. Trata-se de um filme que tira partido, por um lado, da qualidade fotográfica de Manuel Luis Vieira e, por outro, da paisagem da ilha da Madeira onde foi concebido e rodado.
O Fauno das Montanhas foi submetido à Censura em Lisboa, em Maio de 1929. As sombras negras da tragédia subsequente, bem como os preconceitos, serão esconjurados pelo supremo afecto. A Calúnia estreou no Teatro Circo, no Funchal, sendo depois apresentado em Lisboa, no Eden.
Filme português raríssimo.

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O Cavalo de Ferro (The Iron Horse) 1924



Abrindo com uma dedicatória a Abraham Lincoln e culminando com o casamento simbólico em 1869 dos caminhos de ferro Central Pacific e Union Pacific, The Iron Horse foi o primeiro épico oficial de John Ford, bem como o seu primeiro grande sucesso. Tal como D.W. Griffith, Ford usa a figura de Lincoln (interpretado por Charles Edward Bull) como um elo entre a ficção narrativa do filme e o seu contexto histórico. Com a tenra idade de 30 anos, Ford já tinha dirigido cerca de 50 filmes (a maioria dos quais eram curtas), mas foi o seu envolvimento nesta obra, um dos seus primeiros blockbusters, que lhe deu influência em Hollywood e o colocou no caminho para se tornar um dos, se não o mais famoso e célebre dos realizadores americanos. 
O filme retrata a construção da ferrovia transcontinental através de um romance fantasioso envolvendo um jovem (o lendário galã George O'Brien), o seu amor por uma namorada de infância (Madge Bellamy), que está noiva do engenheiro-chefe do projecto (Cyril Chadwick), e os esforços de um barão (Fred Kohler, Sr.) que pretende sabotar os caminhos de ferro que irão ter que passar pelo sua propriedade. A mecânica do argumento parece forçada, mas as interpretações são geralmente contidas pelos padrões do cinema mudo.
Embora o seu estilo seja aqui menos característico do que nos seus filmes posteriores, alguns anos mais tarde, definitivamente tem as suas recompensas. As cenas de multidão e de outros elementos panorâmicos são impressionantes. Uma sequência num bar leva a uma luta, que é maravilhosamente encenada e com muito humor. Ainda encontramos algum humor irlandês, representado por Francis Powers e J. Farrell McDonald, interpretando uma dupla de soldados bêbados.
alguns estereótipos raciais que acontecem sobretudo com a ortografia fonética, mas as várias nacionalidades que trabalham em conjunto no terreno são apresentadas para se dar bem no final.
O projecto da Fox foi a resposta ao filme The Covered Wagon (1923), da Paramount, que foi um enorme sucesso de bilheteria. Quando as filmagens começaram, nem Ford nem a Fox imaginaram que o projeto ficaria tão grandioso. Seguindo o exemplo da Paramount, na altura das filmagens de The Covered Wagon, a Fox mandou John Ford e a sua equipa para exteriores no México, depois para o Novo México, Nevada e Arizona -- e no Momument Valley, que se tornou o cenário preferido de Ford alguns anos mais tarde, como veremos num ciclo do próximo mês. Foram gastos US $ 250.000,00 na sua produção, obtendo-se um total de mais de US$2.000.000,00. 
Intertitles em inglês.
 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Carro Fantasma (Körkarlen) 1921



Para todos os efeitos, até ao final da década de 1920 não havia tal coisa como um filme de terror. Claro, havia filmes que tinham elementos de horror, e já desde a versão de Frankenstein da Companhia Edison, em 1910, houve adaptações cinematográficas de romances góticos populares. Mesmo D.W. Griffith já se tinha envolvido por este território, no melodrama The Avenging Conscience (1914), que pedia emprestado alguns elementos do enredo de numerosos poemas de Edgar Allen Poe, e contava com uma das sequências de maior pesadelo no cinema mudo. Filmes como este, no entanto, eram melhor descritos como proto-filmes de terror, uma espécie de passo intermediário necessário antes do pleno florescimento do género no final da época do mudo, e início dos anos 1930. 
Não surpreendentemente, alguns dos filmes mais importantes do proto-horror vieram da Europa, que já tinha centenas de anos de história, mitos e folclores nos quais se inspirar, bem como nos recentes horrores da Primeira Guerra Mundial. Na Alemanha, vários cineastas basearam-se no Expressionismo para criar a sua própria linguagem psicologicamente sintonizada e altamente estilizada do proto-horror com filmes como Nosferatu, de FW Murnau (1922), uma adaptação não autorizada de Drácula de Bram Stoker, e Robert Weine em O Gabinete do Dr. Caligari (1919), filmes de um ciclo que já passou por aqui. No entanto, alguns dos filmes do proto-terror mais interessantes e provocadores surgiram na Escandinávia, uma região cujos auteurs do cinema mudo exibiam uma propensão natural para o visual assustador e elegante, tons melancólicos e uma obsessão com a morte, o sobrenatural, e a vida após a morte.
Proeminente entre estes filmes estava o magistral The Phantom Carriage (Körkarlen), de Victor Sjöström, um filme que é, provavelmente, melhor descrito como um melodrama espiritual. Baseado no livro de 1912 da escritora vencedora do Prémio Nobel, Selma Lagerlöf, que foi inspirada em vários contos do folclore europeu, "O Carro Fantasma" usa o sobrenatural como pano de fundo para uma parábola comovente sobre a tristeza, a culpa e a redenção. O personagem central é David Holm (interpretado por Sjöström, que muitas vezes era protagonista dos seus próprios filmes, e este foi o caso), um homem complexo que é, simultaneamente, simpático e desprezível. Embora possa ser charmoso e violento, também é egoísta e cruel, com os demónios internos alimentados pelo alcoolismo e uma amargura em relação à vida, que se torna uma profecia constantemente auto-realizável. Depois de ter sido abandonado pela esposa irritada e amendrontada (Hilda Borgström), passa a véspera de um Ano Novo a dormir embriagado num abrigo do Exército da Salvação, onde um jovem voluntário chamado Edit (Astrid Holm) mostra-se determinado a ajudá-lo.
Considerando o romance de Lagerlöf, o argumento de Sjöström não segue a ordem cronológica da história, mas sim, apenas em flashbacks que se revelam gradualmente as várias relações e ligações entre os personagens. Sjöström resiste a demonizar David, e em vez disso retrata-o como estando preso num ciclo vicioso, de ser vítima e vitimador.
Sjöström também constrói o passado do condutor da Morte (o Körkarlen do título original sueco) via Gustafsson (Tor Weijden), um amigo bêbado de David que lhe conta sobre o seu medo de morrer na véspera do Ano Novo, por causa da sua crença de que a última pessoa que morre no final do ano deve passar o ano seguinte na "afterlife" a conduzir a carruagem da morte agarrando as almas dos defuntos. Sjöström transmite esta ocupação sobrenatural e sombria com o uso elegante e impressionante de exposições múltiplas que tornam o motorista e o seu carro um pouco transparentes, para que assumam uma presença fantasmagórica que se move pelo mundo dos vivos, literalmente agarrando as almas dos recentemente falecidos. Sjöström baseia-se em imagens folclóricas para ter o rosto do motorista, em grande parte obscurecido por uma capa com capuz e tê-lo a transportar uma foice sem nenhuma finalidade funcional, excepto para associá-lo a centenas de anos de tradição do Grim Reaper. A técnica usada para criar a ilusão fantasmagórica é um dos mais antigos efeitos especiais do cinema, que remonta aos filmes do final do século 19 de Georges Méliès.
Ao contrário de tantos filmes de terror dos tempos correntes, Körkarlen tem um peso espiritual que adiciona uma verdadeira profundidade à sua imagem de terrível. Ajuda bastante que o filme seja tão bem fotografado pelo veterano Júlio Jaenzon, que emprega extraordinariamente bem o contraste e a escuridão em formas que evocam as comparações com o expressionismo, mas que sentimos serem totalmente naturais. Sjöström mantém-nos conectados com os personagens através de longos close-ups, evocando algumas imagens verdadeiramente inquietantes que são simultaneamente belas e perturbadoras. No entanto, apesar de toda esta bizarrice, o filme finalmente afirma-se não sobre o vazio da morte, mas sim sobre a importância da vida.

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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Fantômas - A Saga Completa (Fantômas) 1913


Louis Feuillade trabalhou no grande estúdio francês Gaumont, fazendo dezenas e dezenas de filmes, de todos os diferentes tipos. Fez comédias, filmes históricos, filmes "realistas", e até mesmo uma série de filmes com crianças, intitulada "Bout de Zan." Mas fora as suas 700 ou mais obras, a sua reputação baseia-se principalmente nas longas séries de crime, incluindo Les Vampires (1915), Judex (1916), Tih Minh (1918), e, em primeiro lugar, Fantômas, de cinco horas e meia (1913). Estes filmes notáveis ​​foram os primeiros a empregar filmagens no exterior, e a usar um argumento intrelaçado, que durava vários episódios. Também aperfeiçoaram o uso e a manutenção do suspense; D.W. Griffith tinha aprendido a criar emoções com a sua transversalidade, mas Feuillade desacelerou este processo e estendeu-o para uma experiência mais rica e mais profunda. As suas técnicas viriam a ser trespassadas para Fritz Lang, Alfred Hitchcock, entre muitos outros.
Baseado no romance de Marcel Allain e Pierre Souvestre, Fantômas foi lançado como cinco filmes separados, com cerca de uma hora de duração cada, embora um deles tivesse 90 minutos e outros pouco mais de 54 minutos. Foi restaurado em 1998. Faltam algumas cenas, e algumas informações estão ausentes nas intertitles. Como era o primeiro serial sobre o mundo do crime de Feuillade, também era o mais primitovo, contando com cenários muito rudimentares. Mas Feuillade era muito sofisticado na sua narrativa, e usava blocos básicos de construção admirável. Para algo que agora tem 100 anos, é um filme fantástico, e extremamente divertido. 
O filme também é notável pelo facto de que a sua personagem principal, Fantômas (René Navarre), é pura e simplesmente um vilão. Não tem outra motivação que não seja o mal e a ganância. Não tem família, nem consciência, e nem redenção. O filme apenas nos maravilha com a sua estranha habilidade em fazer o mal. Uma obra que nunca poderia ser feita hoje, com o nosso "polícia moral", a exigir que todos os criminosos terem que encontrar a redenção ou a morte. 
Os dois próximos personagens são o inspector de polícia Juve (Edmund Breon) e o jornalista Fandor (Georges Melchior), que são bons amigos e trabalham incansavelmente em conjunto para derrubar o vilão. Várias tramas paralelas incluem Fantômas a enganar e chantagear Lady Beltham (Renée Carl), assassinando um artista e usando as suas impressões digitais para cometer mais crimes, e roubar a identidade de um poderoso juiz.

Episódio 1
Episódio 2
Episódio 3
Episódio 4
Episódio 5 
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domingo, 26 de maio de 2013

Pérolas do My One Thousand Movies

Fica por aqui o ciclo de Zhang Yimou. Os próximos dias serão de descanso, e servirão para que eu possa organizar o novo ciclo, que irá para o ar durante todo o mês de Junho.
Faz meio ano neste mês de Junho que o My One Thousand Movies foi apagado pelo google, por razões que já conhecem, depois de por lá terem passado mais de três mil filmes, todos eles debaixo de um contexto muito especial. Para recordar o MOTM resolvi fazer durante o mês de Junho um ciclo especial, com 50 dos filmes mais marcantes desse blog. Aos leitores mais antigos por certo que muitos destes filmes já vos passaram pela vista, mas há sempre uma oportunidade de redescoberta. Pelo menos os textos serão todos novos. Para os novos seguidores, o mês será de total descoberta.
Não vai ser um "best of", nem nada que se pareça, mas vamos ter uma selecção de 50 dos filmes que mais prazer tive a partilhar. Desde o cinema mudo, a Samuel Fuller, esta selecção irá ser apresentada por ordem cronológica. Até sábado, espero que gostem.



A Maldição da Flor Dourada (Man Cheng Jin Dai Huang Jin Jia) 2006



No seu novo filme, "Curse of the Golden Flower", Zhang Yimou, aparentemente, tentou misturar os seus dois géneros preferidos num épico de fazer a terra tremer, mas tal como o medicamento que desempenha um papel de destaque no desenvolvimento da história, a combinação é tóxica.
Ocorrendo durante a vanguarda da Dinastia Song, "Curse of the Golden Flower" narra-nos o conto de Shakespeare de uma família imperial presa numa teia de intrigas. O Imperador (Chow Yun Fat) está a envenenar lentamente a Imperatriz (Gong Li), por razões desconhecidas, a Imperatriz está apaixonada pelo seu enteado, o príncipe Wan (Liu Ye); Wan está apaixonado pela humilde serva (Li Man) encarregada de adicionar o ingrediente venenoso para a sua madrasta, o filho do meio, Jai (Jay Chou), concordou em juntar-se à Imperatriz para conspirar contra o seu pai, e o filho mais novo (Qin Junjie) parece ser um tolo ignorante que simplesmente olha para outro lado.
Como muitas pessoas já se tinham apercebido desde "Hero", estas tramas labirínticas passadas no milénio anterior são críticas alegóricas da ordem política contemporânea da China. O retrato de rebeliões contra o regime antigo podiam passar pelos censores do Partido Comunista como estando em conformidade com os ditames progressistas do comunismo, enquanto o seu fracasso final serve para desencorajar qualquer um que pensa sobre as rebeliões de hoje. São uma forma bastante segura de retratar o conflito político na tela: a ordem é sempre restaurada, e o caos espreita constantemente em segundo plano para alertar sobre as consequências desastrosas da doença. Por causa das suas limitações, existe um limite para os sentimentos políticos que podem ser expressos num filme tomando essa forma, mas Curse of the Golden Flower empurra o género quase tão longe quanto ele poderia ir. No entanto, Curse of the Golden Flower, conscientemente ou não, transmite uma verdade essencial sobre as políticas modernas chinesas. Apesar da crescente insatisfação com o regime, expressa no aumento do número de protestos e manifestações a cada ano, as massas permanecem amplamente politicamente inativas, um testemunho da sua despolitização sob Deng Xiaoping.
Ao contrário de "Hero" e "House of Flying Daggers", que com suas sequências de artes marciais elegantemente coreografadas eram semelhantes ao ballet, este filme com os seus ricos visuais e uma trama melodramática é mais como uma ópera sem as arias. Mesmo assim, tem algumas cenas de combate - como um duelo entre o Imperador e Jai, e um par de batalhas espectaculares na segunda metade, com o exército acrobático dos guerreiros do Imperador encapuzados que descem das altas montanhas.
   
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sábado, 25 de maio de 2013

O Segredo dos Punhais Voadores (Shi Mian Mai Fu) 2004


Depois do sucesso de "Hero", visualmente deslumbrante e aclamado pela crítica, só se podiam esperar grandes coisas para vir da mente do argumentista-realizador Zhang Yimou, depois de elevar a fasquia dos filmes de kung fu que procuravam a aceitação generalizada nos cinemas dos Estados Unidos, e um pouco por todo o mundo . "House of Flying Daggers" não decepciona quem espera paisagens de tirar o fôlego, figurinos fantásticos, lutas muito bem coreografadas, e uma sumptuosa fotografia, porque a esse respeito, tem quase tudo o tinha sido o filme anterior. Também é uma obra mais acessível, com uma storyline mais simples (embora haja algumas reviravoltas interessantes), bem como menos ênfase na arte e na história que formou parte da história de "Herói", que deixou muitos espectadores um pouco perplexos sobre ao que exatamente estava a acontecer.
A história passa-se nos últimos dias da dinastia Tang, onde dois "policias" que trabalham para o imperador, Jin (Takechi Kaneshiro) e Leo (Andy Lau), desfrutam da visita a um bordel local. Eles são apresentados a Mei (Zhang Ziyi), uma mulher cega, mas bonita, que desperta o interesse com as suas habilidades para dançar, bem como a sua afinidade com as artes marciais. Eles suspeitam que ela é membra da facção rebelde de oposição ao imperador, o evasivo Clã dos Punhais Voadores , e assim elaboram um plano para descobrir o seu paradeiro, bem como quem é o líder deste grupo de bandidos. Sendo ambos bastante mulherengos, o plano passa por libertar Mei, e esperar que ela os leve até aos rebeldes...
Se apenas a ênfase no visual do filme pudesse transcender o desenvolvimento das personagens, talvez possamos ter uma obra de arte nas nossas mãos. Por toda a sua magnificência, a história e as caracterizações nunca são capazes de combinar com a riqueza da fotografia, assim como já havia acontecido em Hero, e ficamos mais com um sentimento de admiração pelo artesanato do filme do que para os elementos da própria história. Yimou é um artesão mestre quando se trata de evidenciar a acção e o humor, mas gasta muita energia nos sinos e assobios, negligenciando a humanidade que devia estar no centro desta história de amor. Mesmo assim, é um filme deslumbrante.

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Herói (Ying Xiong) 2002



Ao longo da sua carreira internacional de 15 anos, o chinês Zhang Yimou tem explorado a tensão do cruzamento entre biografias individuais e da história nacional. O mais completo da chamada "Quinta Geração" de cineastas - a primeira turma do Beijing Institute of Film depois da revolução cultural da década de 1970 - os filmes de Zhang têm sido muitas vezes críticos contra as desigualdades sociais na China, ora examinando o papel da classe e do patriarcado na era pré-comunista (Esposas e Concubinas, 1991) ou dramatizando o tumulto da Revolução Cultural (To Live, 1994). Em todos os seus filmes, no entanto, Zhang prefere a humanidade em vez da história, mas a última é muitas vezes a força inexorável pesando sobre a primeira.
O filme seguinte de Zhang, "Herói", é um épico wuxia (kung fu), e representa uma viragem na sua carreira. Por um lado, é um trabalho mais descaradamente comercial de Zhang, depois de uma dúzia de filmes de arte. Apesar de ser um dos filmes mais caros da história chinesa, também é um dos de maior sucesso de sempre no país.
Também é a sua primeira incursão no cinema de género, sem dúvida inspirado no grande sucesso de "O Tigre e o Dragão", de Ang Lee (2000). Enquanto que os dois filmes compartilham o elenco principal e diversos membros da equipa de produção, "Hero" é o primeiro filme de Zhang onde o elemento "humano" é menos significativo, enterrado sob uma produção estilizada.

"Hero" é passado no início da história "moderna" da China, no século II AC, durante o reinado de Qin Shi Huang (Daoming Chen), o primeiro imperador da dinastia da China. As facções de Qin esmagam os seus rivais. Não surpreendentemente, ele era muito odiado e atraía inúmeros assassinos dos estados subjugados. Um gerreiro misterioso, Wu Ming (Jet Li), o seu nome literalmente traduzido quer dizer "sem nome", chega ao palácio real, entregando as armas de três assassinos: Sky (Donnie Yen), Broken Sword (Tony Leung), e Flying Snow (Maggie Cheung). Sentado diante de Qin na sua sala do trono, Wu começa a contar como  adquiriu as três armas, e a maior parte do filme é composto por esses flashbacks. Zhang admite descaradamente ter copiado a estrutura de Rashômon de Akira Kurosawa (1950), ao passo que tal repetição presta-se aos planos artísticos do filme.
Zhang esconde algumas imperfeições sob o brilho de uma reconhecidamente impressionante beleza visual. O diretor de fotografia australiano Christopher Doyle, que trabalhou com Wong Kar Wai em vários filmes e também em "O Tigre e o Dragão", captura a expansiva majestade dos desertos coloridos de Zhao, bem como os detalhes minuciosos de um quadro de pintura. Zhang também salpica baldes de cor em Hero, saturando cada frame.
O retrato de Qin em "Herói" é mais simpático do que a história nos conta (ele era tão despótico que uma revolta camponesa terminou a sua dinastia apenas um ano depois da sua morte). Não está claro qual o propósito de tal revisionismo, a não ser para exaltar (ou talvez mistificar) as origens de um destino manifesto chinês. Numa altura em que o fervor nacionalista unilateral é a fonte de instabilidade considerável no mundo, Hero aparece para justificar a guerra sob a bandeira da paz. 

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Caminho para Casa (Wo De Fu Qin Mu Qin) 1999


"O Caminho Para Casa", é um hino à beleza. Especificamente, a beleza do amor, à paisagem chinesa, e à actriz Zhang Ziyi, embora não necessariamente nesta ordem. Aqueles adversos ao sentimentalismo ou a imagens bonitas vão querer evitar este filme.
Zhang Yimou recebeu algumas críticas pela sua aparente mudança de rumo nos seus dois últimos filmes (Nenhum a Menos e The Road Home) . Em contraste com as leves mensagens anti-autoritárias, mas poderosas dos seus filmes anteriores, The Road Home (e, até certo ponto, Nenhum a Menos) fornece uma visão decididamente mais ensolarada da vida rural, com ênfase nas pessoas simples e nas suas vontades e desejos . 
A história em si também é muito menos complicada do que nos filmes anteriores de Zhang. Um homem de meia-idade, regressa à sua aldeia natal para ajudar a sepultar o seu pai, um professor respeitado e marido dedicado. À medida que o homem e a sua mãe preparam o funeral, ele lembra-se de como os seus pais se conheceram , "uma história recitada por todos na cidade".
O pai, Luo Changyu (interpretado por Zheng Hao), era um jovem de 20 anos de idade, que tinha crescido na cidade, mas é enviado para a aldeia rural de Sanhetun, como o primeiro professor da escola. Lá, ele chama a atenção da rapariga mais bonita da aldeia, Zhao Di (a radiante Zhang Ziyi). Embora seja um pouco impróprio, a jovem começa a perseguir o professor lisonjeado-o: ora indo buscar água quando ele está a ver, preparando a sua comida, e mais importante, casualmente sentado à beira da estrada onde ele passa todos os dias. O rapaz logo logo lhe começa a retribuir a atenção...

Embora já saibamos como a história irá acabar (os dois foram casados ​​por mais de 40 anos), ainda há algo poderoso neste conto de amor, e as cenas finais do filme, da longa marcha fúnebre, é um maravilhoso testemunho do respeito e do carinho que se pode ganhar na vida. Zhang Yimou mencionou a sua admiração pelo realizador iraniano Abbas Kiarostami, e na cena de abertura do filme, um ponto de vista rodado do interior de um carro enquanto dirige por uma estrada de montanha sinuosa, é-lhe uma homenagem maravilhosa. Mas é apenas isso, além das interpretações naturalistas de alguns dos actores não-profissionais, "The Road Home" tem pouco mais em comum com os filmes de Kiarostami.
Ganhou o Leão de Prata em Berlim, entre outros prémios em diversos festivais.


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Nenhum a Menos (Yi Ge Dou bu Neng Shao) 1999



Wei (Wei Minzhi), uma jovem de treze anos de idade, é enviada para assumir o comando de uma turma de crianças em idade escolar, enquanto o seu instrutor, o professor Gao (Gao Enman), atende a um assunto familiar. Em troca, Wei irá receber uma pequena quantidade de dinheiro, que lhe faz falta. Wei ainda nem terminou a sua própria escolaridade, e é pouco mais velha do que algumas das crianças que irá ensinar, e com poucas idéias de como terá de proceder para fazê-lo.
Zhang (Zhang Huike), um rapaz de olhos negros e um sorriso malandro, é um dos alunos da classe. Quando um dia não aparece na escola, Wei descobre que foi enviado à cidade para trabalhar para a sua família. Um mandato do governo afirma que todas as crianças devem receber educação e Wei prometeu ao professor Gao que haveria de ter o mesmo número de crianças na sala de aula quando este voltasse. Wei parte então para a cidade, para trazer Zhang de volta, a todo custo...
O argumento escrito por Shi Xiangsheng é uma história que não depende muito do enredo, mas sim das acções dos seus personagens. Muitos deles são pobres devido ao ambiente em que vivem, e a passar por dificuldades financeiras, enquanto Zhang que é uma espécie de conspirador, até que, de repente, se encontra a implorar por comida na cidade. A maioria da narrativa do filme é dirigida pela determinação de Wei para não deixar que o seu professor fique mal visto, e ajudar a ensinar estas crianças, apesar dos seus limites educacionais. Ao entrar em Beijing, ela irá encontrar pessoas que, relutantemente, irão ajudá-la, mas também eles precisam de dinheiro e outras coisas fundamentais.
O argumento também é uma exploração sobre o sistema educacional nas aldeias remotas da China, onde os recursos são escassos e o dinheiro é muito pouco. Era preciso garantir que cada pedaço de giz usado nas aulas não fosse desperdiçado ou ficavam metidos em trabalhos. Há um elemento de comentário social que Xiangsheng quer enfatizar, mas não o quer fazer de uma forma pesada. Em vez disso, Xiangsheng usa esse comentário para sublinhar o drama, que é mais sobre esta jovem tentando trazer um pobre rapaz para casa. 
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza.

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Tríade de Xangai (Yao a Yao Yao Dao Waipo Qiao) 1995



Nesta história de gangsters passada na década de 1930, Tang Shuisheng, um jovem de 14 anos, chega a Xangai vindo do interior, para trabalhar para o chefe da tríade. O tio do jovem mostra-lhe como cuidar de Xiao Jinbao (Gong Li), a amante do chefe que canta no seu clube. Com espanto e de olhos arregalados, Shuisheng observa a opulência do seu patrão, o narcisismo e a petulância da amante, e a traição de Song, o protegido do chefe. Quando o gang foge para uma ilha para evitar a vingança de um gang rival, Shuisheng fica ainda mais chocado quando vê a vida de pessoas inocentes serem levadas pelo patrão e os seus homens.
Zhang Yimou, que já tinha demonstrado a sua mestria visual através de uma ampla gama de géneros cinematográficos, estendeu o seu portfólio para as convenções do film noir, com este obscuro Shanghai Triad. O filme anterior de Zhang, "Viver", era uma expressão marcante da luta existencialista e tinha atraído bastantes prémios no exterior, mas a sua recepção interna colocou-o em letígio com o governo chinês. O filme representava a miséria imposta a pessoas comuns por autocrátas, e campanhas perturbadoras do governo chinês levaram as autoridades a proibir que ele fosse mostrado na China, e também proibir temporariamente Zhang de fazer cinema. Assim, com este "Shanghai Triad", Zhang mudou-se para águas mais seguras, fazendo um filme de gangsters supostamente convencional, passado na década de 30, antes da tomada ao poder dos comunistas.
Isto poderia levar a que ele produzisse um comum thriller escapista, mas com os seus toques especiais, que ele dá ao seus filmes, qualquer coisa que Zhang faça, haverá sempre a tentação de considerar questões maiores. Então, "Shanghai Triad" tem a sua parcela de temas interessantes que estão por trás dos eventos retratados. A história segue as experiências ao longo de oito dias de um jovem de quatorze anos de idade, que foi enviado para a cidade grande para trabalhar para um gangster. Na China, especialmente no período da guerra das tríades no início do século 20, quando instituições de segurança estavam em grande parte ausentes, as relações de confiança eram essenciais, e o membro de um clã era a ligação de maior confiança. A atmosfera paranóica de desconfiança naqueles dias era ainda mais elevada no submundo, executada pelos grandes grupos, ou "tríades", por isso a lealdade do clã era fundamental. O foque do filme é inteiramente através da perspectiva de Shuisheng, de modo a que o espectador veja e aprenda tudo sobre o que está a acontecer. Mas a estrutura narrativa passa por três fases que são, respectivamente, dominadas pela atenção a cada um dos três personagens principais: o rapaz, a namorada do chefe, e o chefe da tríade...
Há alguns temas de interesse em Shanghai Triad, além daqueles da traição e vingança. Os primeiros filmes de Zhang Yimou tinham mostrado muitas vezes protagonistas que lutavam para existir dentro de um ambiente social que se fazia sentir - ou um meio social imposto às pessoas por costumes antiquados ou pelas políticas autocráticas imprudentes de oficiais comunistas. Como consequência, muitos especialistas viram Zhang como um crítico social, um rótulo a que ele resistiu. Mas esta perspectiva geral de Zhang é mais vista como representando uma perspectiva existencialista mais pessoal do indivíduo, tentando fazer o seu caminho num mundo difícil - e, portanto, não a partir de uma perspectiva abertamente crítica sobre as estruturas sociais. Aqui, em "Shanghai Triad", também, vemos uma situação semelhante - um ambiente sufocante. Só que desta vez o ambiente opressivo é o cruel submundo do submundo, onde a empatia é vista como um sinal de fraqueza.
Não é dos melhores filmes de Yimou, mas ainda assim interessante.

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terça-feira, 21 de maio de 2013

Viver (Huozhe) 1994


Passado ao longo de quatro décadas de turbulência política chinesa, "Viver" segue a vida de um casal, Fugui e Jiazhen (Ge You e Gong Li), e os seus filhos, enquanto lutam para sobreviver e encontrar o seu lugar dentro do caos da revolução chinesa. Através de reviravoltas bizarras, perdas trágicas e profunda esperança, Fugui e a  perseverança da sua família procuram encontrar no amor uma razão para viver.
 É um facto bem conhecido que Houzhe (Viver) foi proibido na China durante o seu lançamento e o realizador, Zhang Yimou, foi ele próprio banido durante dois anos. O olhar crítico do filme sobre as políticas do regime comunista não fazem dele uma obra típica de propaganda anti-comunista. O comunismo é o cerne da estrutura narrativa. Não se pode assistir a um único frame do filme sem se perceber o rosto de Mao, a propaganda do Partido Comunista, e até mesmo a cor vermelha que está presente em todas as cenas de Houzhe. No entanto, em vez de tomar uma abordagem retrospectiva dos seus personagens, por exemplo olhando-os para baixo, Zhang concentra-se nas suas vidas, motivações, enfim, permite-nos olhar para as suas almas. Fugui e Jiazhen inicialmente seguem os comunistas não tanto por causa de uma crença incondicional na sua retórica e política, mas porque lhes prometeram uma vida melhor.
Gong Li, a musa de Zhang, encarna o pragmatismo que muitos chineses tiveram, uma vez que os comunistas tomaram o poder. A sua personagem, Jiazhen, compreende, melhor até do que o marido, que a lealdade cega para qualquer partido é um sinal de arrogância. Isto é visto por ela claramente, enquanto todas as outras pessoas ao seu redor, a maioria homens, são tão cegos para o fazer, a ideologia é minada através da prática humana. No filme vemos o rosto de Gong passar de doce e amável para o de uma avó maternal de cabelos grisalhos, ela não perdeu nada da sua beleza, mas a sabedoria da experiência ensinou-lhe a não esperar muito desta vida.
Poucos filmes se aproximam do nível de honestidade alcançado por "Viver". Esta é uma história cujo tema central subjacente é expresso no título: através de todas as lutas, dificuldades e momentos de rara magia e alegria, os personagens continuam com as suas vidas. Como Jiazhen aponta, não importa o quanto sombrias as circunstâncias se apresentam, a única opção é ir em frente.
Ganhou vários prémios em Cannes, inclusivé o grande prémio do Juri.

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