domingo, 31 de maio de 2015

Brevemente...


"Anos Setenta, Esses Esquecidos..." - Cerca de 50 filmes da década de 70, mais ou menos ignorados, que irão ser recordados no M2TM, durante o mês de Agosto.

Os Monstros de Babaloo (Os Monstros de Babaloo) 1971



 "Quando você pensa em família qual a primeira idéia que lhe vem à cabeça? Amor? União? Laços eternos? Natal?
“Os Monstros de Babaloo” de 1970, escrito, produzido e dirigido por Elyseu Visconti pode abrir os seus olhos para esta instituição sagrada. Esse é sem dúvida alguma o melhor filme sobre família que já vi.
Os monstros do título são as pessoas que habitam Babaloo, ilha mítica onde há uma mansão erguida com o dinheiro de Badu, o pai. Num primeiro momento o filme parece ser uma mera fantasia absurda saída da cabeça de um cineasta no final dos anos 60, mas basta você olhar mais atentamente e perceber que nada do que se vê é tão fantasioso quanto parece.
Evandro não escolheu atores atraentes para viver os papéis principais, ele preferiu uma atriz gorda, feia, passionalmente exagera e egoísta para viver a mãe. O pai é feio, banguela e egoísta. O irmão parece um macaco mendigo, visivelmente louco com algum retardo e egoísta. E tem ainda a irmã mais velha (Helena Ignez) essa é diferente, ela é linda, um pitéuzinho, loira, engraçada, inteligente e egoísta também. Em Babaloo todos são representações visuais autênticas de nós mesmos.
Mas porque todo mundo nessa casa é tão medonho menos a irmã? Oras, o filme é narrado por ela, tudo se passa através do ponto de vista desta garota, ela sempre está por cima da carne seca, além de ser linda ela é a única que se dá bem no final. Se o filme fosse narrado por outro membro da família a história teria outro desenlace.
Elyseu Visconti filmou na total ausência de moralismo a natureza egoísta que está intrínseca em nós. O cara estava livre! É lindo de ver. Inspirador. Para ele o único fator que une a família é o dinheiro e o espaço para morar, quando esses cogitam desaparecer também desaparece o interesse de permanecer juntos.
Um exemplo. Badu é muito rico, por isso tem todos a sua volta. Tanto ele quanto sua mulher têm casos extraconjugais, mas isso em momento algum parece ser um problema enquanto ainda há dinheiro. A partir do momento em que a grana acaba a traição é motivo de brigas e até morte.
Cada ser humano vive o seu universo independente da família. Evandro coloca seus personagens neste ambiente apenas para nos mostrar que a família não passa de uma ilusão e que há de se quebrar o signo marcado do PAI, da MÃE e do IRMÃO para viver melhor e sem culpa. Tanto o pai, como a mãe e o irmão são como qualquer outra pessoa existente no mundo.
Claro que há pelo menos um momento de coexistência pacífica e harmônica entre essas pessoas, onde todos se conciliam; estão todos dentro do carro passeando e cantando o Hino da Copa de 70 , “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...” Puro engodo!"
Wilson, daqui.

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Sem Essa, Aranha (Sem Essa, Aranha) 1970



“Já fiz tudo que um branco podia fazer”, confessa o personagem principal de Sem essa Aranha. Depois de colocar os paulistas em transe, desencadeando uma nova onda de esquizofrenia paraindustrial entre cinéfilos e seguidores mais radicais — sem falar dos fãs de vanguarda e dos diluidores de carteirinha —, Rogério Sganzerla vem ao Rio mostrar que é realmente o melhor de todos. Os três filmes dirigidos para a produtora Belair — a nossa Atlântida udigrúdi —, no primeiro semestre de 1970, precisam ser revistos. Da Boca do Lixo paulista para o Beco da Fome carioca, Rogério Sganzerla chegou tocando o terror:“sempre tive a impressão que o diabo ia com a nossa cara!”. Sem essa Aranha foi o último filme da série carioca — e não deve nada às produções paulistas do diretor. O cineasta teve que sair do país às pressas, com as latas na mão. Os negativos foram levados a Paris e revelados no laboratório da Éclair. A associação entre Sganzerla e o ator Jorge Loredo é um dos maiores achados do cinema brasileiro. O personagem Zé Bonitinho — tipo criado por Loredo para a TV, caricatura genial do cafajeste local, cafona e colonizado, o galã fracassado que no fim das contas se dá bem, resumindo: o picareta — se mistura tão bem com o Aranha do filme que parece até uma invenção do próprio Rogério.
Números musicais com Moreira da Silva e Luiz Gonzaga, stripteases, um pacto com o demônio, artistas de circo, masturbação e morte completam essa eletrizante chanchada psicodélica, apresentada em quinze planos-seqüência de tirar o fôlego e enquadrados com estilo pela câmera-na-mão de Edson Santos. Estilhaços de Joyce, Rimbaud e — principal-mente — Oswald de Andrade ex plodem na tela:“reconheço e identifico o homem recalcado do Brasil, produto do clima, da economia escrava e da moral desumana que faz milhões de onanistas desesperados e de pe-derastas”. Um raio X do Rio e da tragicomédia brasileira.“O cinema não me interessa, mas a profecia”, dizia Rogério Sganzerla em 1968. Remier Lion

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sábado, 30 de maio de 2015

Copacabana Mon Amour ( Copacabana Mon Amour) 1970



A vida de alguns habitantes de Copacabana. Sônia Silk, uma prostituta (também conhecida como Miss Prado), é irmã de Vidimar, apaixonado pelo patrão, o Dr. Grilo. O patrão engravidou a irmã de Sónia, que perdeu o seu próprio filho ainda adolescente, e agora sonha cantar na Rádio Nacional. Sónia vê espíritos possuírem seres e objectos, e procura ajuda com o pai-de-santo Joãozinho da Goméia.
Produzido por Sganzerla e Júlio Bressane, como uma das seis obras primas feitas com um micro budget para a produtora Belair, num período record de 4 meses, no início da década de 70. Bressane e Sganzerla dirigiram a actriz Helena Ignez três vezes cada, nestes seis filmes, onde ela era o foco principal. A produtora Belair consistia em apenas 3 pessoas, Sganzerla, a sua esposa Ignez e o ex-marido desta, Bressane. Antes do casamento com Bressane, Ignez tinha sido casada com Glauber Rocha, de quem tinha um filho, e, de quem Sganzerla era muitas vezes crítico, visando-o como porta voz do cinema novo, respnsável por colocar uma metodologia de arte europeia no cinema brasileiro. Tanto Sganzerla como Bressane celebravam José Mojica Marins como um mestre, algo que também já o fazia Rocha, que o considerava o maior cineasta do mundo. A ditadura levou a uma dissolução forçada da Belair, obrigando os seus três intervenientes a emigrarem para a Europa.
Em 1970 a intersecção implícita entre o Tropicalismo e o Cinema Marginal era explícita. A banda sonora de Gilberto filme serve como um contraponto necessário para a visão escura e pós-godardiana de Sganzerla. O argumento, com a sua estrutura mínima recorrente, e elipses abstractas também se contrapõem às imagens oníricas coloridas do filme. É difícil de bater a presença de Ignez, desafiadoramente marchando através de uma Copacabana lotada, em praias solarengas no seu micro fato vermelho, e saltos altos. Ela é mais uma vez a mulher de todos, agora literalmente, viajando numa paisagem atemporal, como Alice no País das Maravilhas...a partir de encontros lésbicos encantadoramente inocentes, ou batalhas metafísicas sobre a vaidade ou ganância. Sganzerla pinta o Brasil contemporâneo como um inferno industrial, teimosamente ignorando o passado, que borbulha por todos os lugares, incorporados no corpo de uma prostituta envelhecida.
Sganzerla parece ser o cineasta mais profundo e poderoso a trabalhar em São Paulo, e a estética trash da Boca do Lixo mais ao seu estilo do que do Rio. Longe do Boca, Sganzerla é menos específico, mais abstrato e filosófico. "Copacabana Mon Amor" era um filme-chave para um realizador esquecido, que acabou por perder contacto com a realidade que teve como objectivo apresentar, em toda a sua verdade crua.

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Caveira, My Friend (Caveira, My Friend) 1970



"Filme-irmão eclipsado de Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, Caveira My Friend não deveria estar esquecido assim. Ambos relatos de geração, centrados em torno de um clima apreensivo e torturante onde o futuro não revela muitas certezas, os dois filmes mostram jovens soltos no mundo, circulando de pedaço em pedaço, inquietos, mas antes de tudo curtindo.
Os personagens de Caveira My Friend, como os de muitos dos filmes udigrudi, vivem apenas no presente, sem passado ou futuro, sem ressentimentos anteriores ou anseios posteriores a guiarem suas ações. É esse todo o barato da "transa", de todos os tipos de experiências (sexo, drogas, rock'n'roll) que funcionaram e desencadearam modos de viver & filmar vigorosos, explosivos. O filme de Álvaro Guimarães tem algo que pode ser dito de muitos poucos filmes brasileiros, já que a maioria dos cineastas só consegue filmar depois dos 30, ou, mesmo jovem, envelhece cedo: aquilo que os americanos chamam teen angst, "agonia juvenil" - uma inquietação que aparentemente nada na vivência cotidiana pode dar conta. Pois bem: desde os roubos que fazem Caveirinha e seus comparsas até a música primorosa dos Novos Baianos - atenção para a participação como atriz de Baby Consuelo - o filme está repleto desse sentimento.
A grande sacação de Caveira My Friend é resolver essa inquietação, essa agonia não no ponto de vista da narrativa e dos encontros que são feitos (como em Meteorango Kid), mas justamente no modo como o filme é apresentado: esquetes ou esboços, fragmentação e falta de relação entre si das seqüências... Mas aquilo que se tornou uma espécie de "marca registrada" do cinema marginal - a recusa de uma história certinha, com começo, meio e fim e trazendo alguma mensagem - é trabalhado de outra forma em Caveira. Se Orgia e Meteorango Kid evoluíam por acumulação e progressão, se A Sagrada Família apostava na radicalidade da experimentação pela experimentação, o filme de Álvaro Guimarães parece enveredar, conscientemente ou não, pela crônica documentária, pelas "atualidades" não mais dos grandes acontecimentos, mas dos minúsculos gestos de um grupo de amigos.
Nesse sentido, Caveira My Friend estaria para o cinema marginal como o Cinema Novo de Joaquim Pedro de Andrade estaria para a sua geração: um registro documentário dos costumes e do modo de vida de uma geração. Mas Caveira não parece nem com um documentário nem com uma ficção. Ele parece com aqueles filmes menosprezados porque feito apenas para consumo próprio, os filmes de família. Só que não se trata de um papai filmando o aniversário do filhinho ou um fim de semana no zoológico, mas um amigo entre os demais tentando captar um sentimento. Se o filme acaba se revelando um tanto irregular ao final da projeção, no entanto não se pode negar que a tarefa principal de seu realizador foi realizada: ele conseguiu captar o que queria, mesmo que quisesse apenas filmar entre amigos. E resulta um diagnóstico: as crianças vão bem, obrigado." Ruy Gardnier

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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico (Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico) 1969



Bahia, final dos anos 60. Um jovem estudante chamado Lula (Antônio Luiz Martins) passa o tempo a protestar na universidade, mas sem nenhuma orientação política, a vaguear pelas ruas, a fumar erva, a tentar ser actor e a fazer sexo. Ele é Meteorango Kid, o anti-herói inter-galáctico, e atravessa o labirinto do quotidiano através das suas fantasias e delírios, deixando atrás de si um rasto de inconformismo e um convite à rebelião.
Por altura do final dos anos 60, o cinema brasileiro estava dividido entre duas vagas, a do "Cinema Novo" e a do "Cinema Marginal". "Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico", realizado por um jovem de 21 anos, chamado André Luiz Oliveira, situava-se algures a meio entre estas duas vagas, com Oliveira a fazer parte de um terceiro grupo de realizador, que faziam filmes experimentais baseados no popular. Com o Brasil voltado para uma ditadura militar, Lula representava a nova geração, confusa (como o demonstra a câmara a girar aleatoriamente), sem identidade, "nem marxista nem leninista", fumando droga, não tentando ser um mártir mas tentando encontrar o seu lugar. Mas existe sempre uma rejeição a estes dois movimentos do cinema brasileiro, sobretudo quando, no seu quarto, Lula olha para a câmera e diz: "Não". 
Há uma homenagem ao "tropicalismo", que nasceu na Bahía, por exemplo, com a foto e o discurso de Caetano Veloso num festival, e na banda sonora de Moraes Moreira e Galvão. Estruturado em fragmentos e sem um fio condutor resistente,  "Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico" é uma bela manifestação de rebeldia, bem referente ao período em que foi realizado.

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terça-feira, 26 de maio de 2015

O Anjo Nasceu (O Anjo Nasceu) 1969



"Santamaria (Carvana) e Urtiga (Gonçalves) são dois marginais perigosos que, fugindo da polícia, invadem uma casa da classe média carioca, matando um homem e transformando a empregada e a dona de casa (Bengell) em reféns. Santamaria, que se encontra ferido na perna, acredita na chegada de um anjo e é mais violento, acreditando que sua violência o redimirá perante o anjo. Urtiga lhe segue como um cão fiel. Juntos, acabam matando as duas mulheres. Matam a seguir um homem para roubar um carro e também a mulher que presenciou o assassinato, após uma sessão de torturas. Santamaria indaga sobre o futuro de Urtiga após sua morte, mas esse se recusa em acreditar que o amigo irá morrer. Juntos fogem estrada à fora, com Santamaria urrando de dor.
Realizado após Matou a Família e Foi ao Cinema, o filme apresenta o mesmo interesse em sua estilização da violência e numa secundarização da narrativa diante de uma proposta de poética visual. Nesse sentido, se encontra repleto de flashforwards, apresentando muitas das cenas de violência que virão posteriormente em seus primeiros planos e introduz uma seqüência de um casamento que não possui qualquer motivação diegética. Ainda assim é bem mais conciso que Matou a Família, centrando-se apenas no drama dos dois marginais. Uma aparente segunda incursão extra-diegética, com imagens do homem pousando na lua e se comunicando com o presidente americano, acaba se revelando imagens que os marginais assistem e comentam debochadamente ao lado de suas reféns. Ao apresentar a invasão do espaço burguês a partir do ponto de vista dos marginais, o filme se aproxima de Armadilha do Destino, de Polanski e se distancia de Horas de Desespero, que apresenta a visão clássica do terror de uma família de classe média típica americana igualmente reféns em sua própria casa. Porém, se compartilha com o filme de Polanski de uma certa simpatia pela anarquia dos marginais, contamina sua própria estrutura com essa mesma anarquia, enquanto o filme de Polanski segue uma narrativa bem mais convencional. Existe uma tênue presença de um caráter homo-erótico na relação dos dois marginais, que se concretiza somente em uma seqüência em que Urtiga abraça o corpo do companheiro. Ao contrário dos filmes anteriores do cineasta não há menção velada ou aberta ao momento político de repressão da ditadura militar. Seu radicalismo, que acabaria na década seguinte resultando em projetos excessivamente herméticos ou auto-condescedentes, aqui já se encontra pronunciado na seqüência final, com um plano fixo de cerca de 8 minutos da estrada onde os bandidos fugiram." Por Cid Vasconcelos.

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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Matou a Família e foi ao Cinema (Matou a Família e foi ao Cinema) 1969



Um filme muito inovativo, onde o protagonista depois de fazer o que está escrito no título (matar a família e ir ao cinema), assiste a quatro curtas metragens com argumentos variados, incluindo um sobre violação. Ao mesmo tempo algo de violento acontece quando duas jovens se apercebem que estão apaixonadas uma pela outra.
O filme parece querer fazer uma crítica severa (mas indirecta) aos jornais sensacionalistas, (o título do filme é retirado das manchetes de um jornal destes), banalizando a violência e a exploração sexual. Uma das possíveis explicações para o argumento é criticar os torturadores que mataram estudantes, mas acabaram por ir para casa em paz.
Apesar de ser uma clara homenagem ao cinema francês, nomeadamente a Nouvelle Vague, Bressane consegue criar algo único, que ilustrava os problemas na estrutura social brasileira, no final dos anos 60. Estes problemas não eram exclusivos do Brasil, e provavelmente irão ressurgir em todas as sociedades, devido a falhas inerentes à condição humana, e a miopia de cada membro da humanidade. É através destas subtis homenagens visuais que entendemos que estamos a lidar com um filme que vive de mensagens escondidas. É um filme que é uma carta de amor filmada, e uma reflexão cuidadosa sobre o poder dos média.
Apesar do poder da força policial que está em campo para servir o status quo, Bressane usa o filme mais como um grito de guerra. Capta um lugar, um tempo, e uma atitude política, e ao fazer isso pinta um retrato claro daquilo que sente, compelido ao que ele sente necessidade de se rebelar. São coisas difíceis de se articular, um profundo sentimento de que algo está errado, com as condições sociais onde as coisas estão aparentemente bem, mas em "Matou a Família e foi ao Cinema", Bressane consegue fazer isso, exactamente.
Segunda longa-metragem de Júlio Bressane.

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domingo, 24 de maio de 2015

A Mulher de Todos (A Mulher de Todos) 1969



Ávida por visitar a exótica Ilha dos Prazeres, a ninfomaníaca Ângela Carne e Osso convida o amante para a viagem. Desconfiado, o marido contrata um detetive particular que acaba por descobrir o plano e apaixonar-se pela jovem. Desconcertado diante do flagrante, o empresário prepara uma terrível vingança.

"Fica difícil pensar que alguém, algum dia, pudesse fazer algum filme mais ácido-cáustico-venenoso que O Bandido da Luz Vermelha, seja no Brasil, seja no mundo. Talvez só o autor do próprio que pudesse tentar repetir o feito. Dessa feita que nasce A Mulher de Todos, filme que só não é mais improvável que seu diretor.
Essa excepcional obra-prima nascida da Boca do Lixo, da pornochanchada, dos quadrinhos e do fundo do lixo da cultura de massa tem como pano de fundo a história pra lá de maluca de Ângela Carne e Osso, que é nada mais nada menos que Helena Ignez no auge do tipo de atuação que ela mesma criou na época do Bandido quando interpretava Janete Jane – mas a prostituta rancorosa não tem nada a ver e não chega nem perto desse literal mulherão, que o tempo todo é explosiva, debochada, sensual, perigosa, maluca, imprevisível … O tipo de fúria libidinosa que só Sganzerla mesmo saberia domar de forma decente.
Sem estrutura definida e cheio de personagens tão malucos/bizarros quanto a protagonista – tipo um doutor nazista fã de quadrinhos (feito pelo Jô Soares!) e um toureiro aveadado que só se ferra na mão de Ângela – e com personagens mais declamando frases inacreditáveis de tão impensáveis do que dialogando propriamente, a estética que Sganzerla imprime a cada plano é algo incrível, filmando com a profundidade e noção de quadro de Orson Welles interiores dignos dos filmes mais toscos da era dourada do nosso cinema de sacanagem, uns exteriores anárquicos, e uma movimentação ininterrupta de dar dor de cabeça, o filme só confirma o que muita gente já sabe: os filmes de Rogério estão entre os mais originais da cinematografia mundial.
Esse filme, particurlarmente, é um verdadeiro teco na cara tanto dos falsos moralistas quanto dos pseudoliberais, e uma verdadeira saraivada de deboche e sarcasmo impensável na época da ditadura, e mais impensável ainda agora, quando mesmo com um bom aqui e outro bom ali, está tudo muito comportadinho para se pensar em fazer filme tão experimental em forma e conteúdo assim dentro do cinema de ficção.
E se o mundo fosse um lugar decente, Sganzerla seria tão importante quanto Ford, Welles e Godard. Falei mesmo. São poucos os que pegam a cultura de massa ruim, e com isso fazem uma obra-prima pra lá de rebuscada e refinada, e melhor ainda, na base do esculacho e da gozação." Por Bernardo Brum. Daqui.

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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Hitler IIIº Mundo (Hitler IIIº Mundo) 1968



A figura de um Hitler futurista vai parar a um país do Terceiro Mundo, e depara-se com uma realidade em convulsão. Nesse local imperam atrocidades, como a perseguição política a comunistas e a tortura; autoritarismos e messianismos. Os habitantes convivem entre miséria, degradação urbana, espetacularização e banalização da estranheza humana.

"Mas o que parece ter sido uma poderosa fonte de "A mulher de todos" é o "Rito do amor selvagem", espetáculo teatral montado na segunda metade dos anos por José Agrippino de Paula, autor de um dos melhores filmes do cinema marginal, "Hitler Terceiro Mundo", com Jô Soares no elenco. Uma imensa bola ocupava o centro do palco. É com uma imensa bola semelhante que se abre "A mulher de todos". Plirtz, interpretado por Jô Soares, de uniforme nazista, esfrega-se nessa bola, o que voltará a fazer no final; sua esposa diz que balões e dinheiro são a vida de Plirtz. José Agrippino interpreta o 'zulu anárquico' no filme e, numa da inserções digamos extradiegéticas, vemos dançando, ao lado de Sganzerla, Helena Ignez, José Agrippino e Maria Esther Stokler, esposa de Agrippino, co-diretora e figurinista do 'Rito do amor selvagem'. Stênio Garcia, que interpreta o primeiro amante de Ângela, também tinha vários papéis no O rito, que incluía entre seus personagens diversos nazistas, inclusive Borman. O texto de José Agrippino sobre o espetáculo lembra vários elementos expressivos da Mulher de todos, quando fala, por exemplo, das 'redundâncias infinitas' do diálogo, ou explica que 'o espetáculo foi dividido em duas unidades que formam a estrutura livre que formam a estrutura livre: a cena e a interrupção. Chamo de cena as unidades de cenário, personagem e situação; e de interrupção a uma ação vinda do exterior que perturba, confunde, destrói e desintegra a cena'. Nessa relação cena/interrupção talvez ecoe a relação enredo/cenas extradiegéticas de que falei acima".
O voo dos anos – Bressane, Sganzerla - Estudo sobre a criação cinematográfica
Jean-Claude Bernardet, editora brasiliense


"A forma de trazer os alimentos à boca, quando se aproxima do animalesco, nos remete a um outro traço da imagem do abjeto constituído pela representação de seres humanos com características animais. O animalesco aparece, então, como imagem da degradação ou da violência. Em 'Hitler Terceiro Mundo', filme de José Agrippino de Paula, a animalidade humana é representada nos dois sentidos. O filme se inicia com uma série de sons guturais de animais selvagens. Jô Soares, no papel de um singular samurai, joga folhas velhas de legumes aos favelados que reagem como animais sendo alimentados; algumas cenas depois, seres animalescos, lembrando macacos, dançam em volta de um corpo torturado; no final do filme ainda o samurai, de frente para uma televisão, leva um pedaço de carne à boca e o balança convulsivamente, soltando grunhidos. Também neste sentido, são marcantes as cenas de 'Bang Bang', em que um homem se barbeia com uma máscara de macaco, indo a seguir fazer amor, de forma animalesca, com uma moça estendia numa cama".
Cinema Marginal (1968/1973) A Representação em seu limite 
Fernão Ramos editora brasiliense / Embrafilme 

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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Viagem ao Fim do Mundo (Viagem ao Fim do Mundo) 1968



Enquanto aguarda a chamada para o embarque do seu avião, um rapaz procura na banca de jornais uma leitura para a viagem. Descobre uma edição de bolso das "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Embarca e junta-se a uma equipa de futebol, duas freiras, uma modelo de publicidade que se senta ao seu lado, e um homem de meia-idade visivelmente nervoso.
"Fernando Cony Campos defendia a originalidade na criação artística. Concebia-a em termos de proposta, perspectiva, ponto de vista, estilo, meios e o que mais pudesse ajudar a formar uma visão distintiva. Uma vez surgidas personalidades como Jean-Luc Godard ou Glauber Rocha, cumpria ao cineasta procurar um caminho alternativo ao daqueles, ainda que ficasse aquém da possível genialidade de um ou outro. Só essa proposição já nos permitiria aproximá-lo da sensibilidade experimental que explodiria no final dos anos 60. Os pontos de contato ultrapassam, porém, a mera comunhão de princípios. Embora tenha sido em grande parte fruto de uma produção precária, demorada e cheia de contratempos, Viagem ao fim do mundo já trazia no bojo de seu projeto original os elementos que o distinguiriam como um dos precursores imediatos do Udigrúdi. Em particular, a sobreposição de vários níveis de enunciação e a de várias formas de linguagem contemporânea destróem paulatinamente a idéia de uma narrativa, mesmo de uma narrativa sofisticada como a dos cinemanovistas. Além disso, se o universo ideológico do filme ainda o insere no conjunto do Cinema Novo, há uma recusa à condenação pura e simples de meios (ou mídias) porque egressos da cultura de massa. A contracultura pode ser alienada, mas é expressiva em seus constituintes e sobretudo indicativa de um estado de coisas. O desencanto político convive com o caos da transformação inevitável. Não por acaso, a obra se instaura a partir do encontro casual de um pocket book de Memórias póstumas de Brás Cubas em uma banca de revistas e prossegue incorporando fascismo, consumo, misticismo, pobreza... e, de forma pioneira e emblemática, o Tropicalismo (a trilha está povoada de clássicos do movimento como “Alegria, alegria”, “Soy loco por ti America” e “Tropicália”).
A certa altura, ouve-se uma possível autodefinição da obra:“O maior defeito deste filme és tu, espectador.Tu tens pressa de envelhecer. E o filme anda devagar. Tu amas a narração direta e nutrida. O estilo regular e fluente. E este filme e o meu estilo são como ciprestes que viram à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, murmuram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem. E caem”.
Texto de Hernani Heffner, daqui.

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quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Estranho Mundo do Zé do Caixão (O Estranho Mundo do Zé do Caixão) 1968



Uma antologia de três histórias contadas pelo Zé do Caixão. Em "O Fabricante de Bonecas", marginais invadem a casa de um velho e descobrem o segredo da confecção das suas bonecas. Em "Tara", um vendedor de balões fantasia uma paixão doentia por uma jovem que segue obsessivamente pelas ruas. Em "Ideologia", o excêntrico Professor Oãxiac Odez tenta provar a um rival que o instinto prevalece sobre a razão, usando métodos nada ortodoxos.
Realizado por José Mojica Marins, que vinha de dois sucessos importantes e quase consecutivos, "Á Meia Noite Levarei Sua Alma" e "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver", e abraça de vez toda a estética marginal. Em plena década de sessenta, quando o Brasil passava por uma ditadura militar, Mojica realizou este filme macabro, recheado de violência explícita, gore, nudez feminina, abordando temas tão extremistas como canibalismo, necrofilia, violação, tortura, ou sadismo. Mojica aposta no cinema de género da Boca do Lixo de São Paulo, dando um encontrão nos padrões do cinema brasileiro feitos até então.
"O Estranho Mundo do Zé do Caixão" é provavelmente um dos filmes mais niilistas dos anos sessenta. Superficialmente pode parecer muito banal, mas consegue ser muito mais corajoso e escuro do que a maioria dos filmes do género. E seria a partir daqui que Mojica se tornaria num realizador de culto entre o género fantástico, ao lado de nomes como Fulci, Jean Rollin ou Jess Franco, todos eles Europeus.
O cinema de Mojica foi uma forte influência para todo o cinema marginal brasileiro, mas neste ciclo só veremos este filme dele.

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terça-feira, 19 de maio de 2015

O Bandido da Luz Vermelha (O Bandido da Luz Vermelha) 1968



São Paulo, década de 60. Jorge (Paulo Vilaça) é um assaltante de casas, a polícia chama-o do "bandido da luz vermelha", por usar sempre uma luz vermelha para entrar nas casas. Engana a polícia ao utilizar técnicas muito peculiares de assaltos. Viola as vítimas, tem longos diálogos com elas e e protagoniza fugas ousadas, para depois gastar o fruto do roubo de maneira extravagante. Tem uma paixão chamada Janete Jane (Helena Ignez), envolve-se com outros assaltantes, um polícia corrupto, e acaba por ser traído.
Filme de estreia de Rogério Sganzerla, anuncia a sua divergência do cinema novo logo na cena de abertura. Na banda sonora são sobrepostas dobragens de um homem e uma mulher, a sobrepor frases como "guerra total na Boca do Lixo", descrevendo o filme como um western sobre o terceiro mundo. O resultado é uma inundação de informação que tanto pode dissuadir como cativar o espectador. Se este decidir ser arrastado para o mundo do Bandido da Luz Vermelha, e as suas corajosas façanhas na Boca do Lixo em São Paulo, com a sua atmosfera vibrante, descobre-se uma miscelânea de géneros (do western ao film noir), cheia de imagens e sons que fazem uma interessante crítica ao estado do país no final da década de sessenta.
O filme não consegue esconder as suas influências, incluindo um dos heróis de Sganzerla, Orson Welles. Alucinante e feito com uma montagem muito rápida, "O Bandido da Luz Vermelha" é um manifesto do próprio Sganzerla, uma educação cinematográfica sentimental, do cinema e da sociedade, na sua forma mais delirante possível.
O filme é baseado em factos reais, nos crimes do famoso assaltante João Acácio Pereira da Costa.

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segunda-feira, 18 de maio de 2015

A Margem (A Margem) 1967



Influenciado por acontecimentos reais, publicados em jornais populares, o filme aborda o dia a dia das populações pobres que vivem nas margens do rio Tietê: prostitutas, chulos, deficientes mentais, aleijados, homens desesperados que aguardam a barca do Inferno.  Vamos encontrando o mais variado número de estranhas personagens: uma jovem que teve de recorrer à prostituição; uma prostituta negra que circula vestida de noiva; um homem que aparenta destoar do resto da população, por usar um terno e uma gravata que o sufocam constantemente.
Historicamente é um filme muito importante na história do cinema brasileiro. Num universo alternativo, "A Margem" seria considerado um filme tão importante para história do "Avant- Garde" como "Meshes in the Afternoon", mas na verdade, e durante muitos anos, este filme foi visto por muito poucas pessoas tendo mesmo inspirado muitas das que o viram, e dessas, algumas fizeram parte deste falado cinema marginal. 
O realizador,  Ozualdo Ribeiro Candeias, não era um cinéfilo, ganhou experiência como camionista, entre outras variadas profissões, e dizia-se que tinha ido buscar influências a grandes filmes brasileiros, como "Limite", mas veio depois a saber-se que ele só o viu muitos anos depois de realizar este "A Margem". O que Ozualdo sabia era sobre São Paulo, a cidade que o viu crescer.
"A Margem" é poucas vezes lembrado pelas qualidades técnicas evidentes, mas sim por ter sido colocado como o precursor do cinema marginal brasileiro. Estreou apenas em duas salas, na altura do seu lançamento, numa altura em que o cinema brasileiro tinha pouca expressão, acabando o filme por ficar em exibição apenas uma semana. A crítica, mesmo a mais conservadora, não resistiu ao filme, e deixou-lhe bastantes elogios, comparando-o com "Terra em Transe", de Glauber Rocha. Nascia assim o culto de volta do "cinema marginal brasileiro", que nos anos seguintes, atingiria uma importância bastante assinalável dentro do cinema daquele país.
Uma nota de destaque, Ozualdo Ribeiro Candeias fez este filme quase todo do seu bolso.

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Cinema Marginal Brasileiro

O Cinema Marginal brasileiro é um cinema experimental diferente de todos os outros. Sua gênese se dá na Boca do Lixo, região central de São Paulo, próxima a estação de trem e onde as distribuidoras instalaram seus escritórios para facilitar a distribuição de filmes pelo interior do estado. Por conta disso é lá também que os produtores de cinema comercial local se instalam e é nas margens desta indústria, num espaço sempre tênue entre o comercial e o experimental que a parte paulista dos realizadores se posiciona. É um cinema experimental que toma como modelo José Mojica Marins, o popular Zé do Caixão e renega o cinema novo, que entravam então no seu terceiro momento com produções maiores que uniam o desejo totalizante com ambições popularescas que para os jovens cineastas revelam uma capitulação estética e politica.

Os marginais retomam o cinema americano do gênio Orson Welles, mas também do ainda então subestimado Howard Hawks (em Bang Bang, Andrea Tonnaci refilma a caçada aos rinocerantes de Hatari! com direito até a trilha de Henry Mancini). Absorvem os mestres japoneses tanto do cinema novo como Shohei Imamura, como do comercial como Tomu Ochida. Elegem como mentor intelectual do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade e sua crença na antropofagia, de que é possível deglutir o invasor estrangeiro e a partir dai produzir algo bárbaro e nosso.

O Cinema Marginal Brasileiro seguira sempre com estas duas direções contraditórias. Ozualdo Candeias, realiza em sequencia um filme como A Margem com seu olhar duro sobre os excluídos paulistanos e depois um faroeste, igualmente duro é bom dizer, como Meu Nome é Tonho. Rogério Sganzerla obtém grande sucesso com seus dois primeiros longas O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher de Todos e investe todos os seus ganhos na experiência radical da Belair no qual ele e Julio Bressane realizam sete longas radicais em poucas semanas. Filmes como O Pornografo, parodia neonoir de João Callegaro, convivem lado a lado com alegorias como Orgia, o Homem que Deu Cria, de João Silverio Trevisan interditada pela censura e só exibido nos cinemas décadas depois.

Existe sempre a crença de que é preciso buscar novas formas para deglutir a vida brasileiro do fim dos anos 60, começo dos 70, período no qual o milagre econico andou lado a lado com aumento da repressão do regime militar. Haverão filmes sobre a juventude (Meteorango Kid, Herói Intergaláctico), sobre a violência do campo (A Herança), sobre figuras excluídas em desespero (O Anjo Nasceu), sobre cinema (Bang Bang) e também como o cinema desagua na vida (O Vampiro da Cinemateca). Haverá sobretudo um frescor constante, um desejo de invenção e de encontrar algo que o cinema brasileiro ainda não deu conta que une todos estes filmes.

* Texto gentilmente cedido pelo Filipe Furtado, do blog Anotações de um Cinéfilo

Nas próximas três semanas vamos mergulhar neste movimento, e conhecer cerca de 20 dos seus filmes mais marcantes. O ciclo já teve uma pequena introdução, com o filme "Bang Bang", de Andrea Tonacci, que pode ver aqui



sábado, 16 de maio de 2015

Parada (Parade) 1974



O público reúne-se num grande salão de circo (apesar do cenário ainda estar a ser montado na altura que eles chegam), e são recebidos por Tati, o Mestre de Cerimónias). Com as performances a sucederem-se uma após outra, a linha entre público e performer começa a quebrar...
No seu último filme, Jacques Tati leva a câmera para o circo, onde o próprio realizador serve como mestre de cerimónias. Embora inclua muitos espectáculos, incluindo palhaços, malabaristas, acrobatas, contorcionistas, e muito mais, "Parade" também incide sobre os espectadores, tornando este trabalho despojado um testemunho para a comunhão entre as audiências e o entretimento. Criado para a televisão sueca, com o lendário director de fotografia de Ingmar Bergman, Gunnar Fischer, na fotografia do filme, "Parade" marca um tocante final de uma carreira brilhante, que lembra as origens do realizador, como mímico e actor de teatro.
 
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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Sim, Sr. Hulot (Trafic) 1971



Monsieur Hulot é um designer de carros da pequena e modesta fábrica Altra, que quer apresentar seu novo modelo em uma feira de automóveis em Amsterdam. Pega a estrada com o novíssimo carro e, certamente, incidentes dos mais malucos aparecerão para desespero dele e alegria da gente.
Jacques Tati ainda entrou num quarto filme com a mítica personagem Monsieur Hulot, que mesmo os fãs mais fervorosos do actor/realizador são obrigados a admitir que é um filme claramente menor do que aqueles que o precederam, e por isso mesmo raramente é falado ou discutido. O estatuto menor de "Trafic" deve-se em parte aos compromissos artísticos forçados em "Playtime", obra em que Tati tinha investido muito, e perdeu quase todo o seu dinheiro. "Playtime" não fora imediatamente apreciado pelo público, ou respeitado pela crítica, e o fracasso nas bilheteiras forçou a que este novo filme acabasse por não ser feito segundo os seus próprios termos. Curiosamente, "Trafic" era suposto ter sido a feito a quatro mãos, entre Tati e o realizador holandês Bert Haanstra, mas este acabaria por saír cedo do projecto, por o francês ser uma pessoa difícil de lidar.
"Trafic", tal como o próprio nome sugere, é sobre a obsessão da sociedade moderna pelos carros. Desde há muito que os carros são objecto de fascínio nos filmes de Tati, basta lembrar de como a personagem do Monsieur Hulot nos é introduzida pela primeira vez, em "As Férias do Sr. Hulot", a bordo do seu velho calhambeque, a caír aos bocados, e "Playtime" termina com um bonito ballet de carros a circularem em torno de círculo de tráfico. Assim, o objecto de "Trafic" encaixa-se como a progressão natural dos três primeiros filmes de Hulot. Mais uma vez a personagem de Tati aparece no centro da acção, aparecendo em mais cenas do que em todos os filmes anteriores, e falando mais do que em todos os três filmes combinados (embora raramente se entenda o que ele está a falar).
Embora "Trafic" tenha sido uma decepção, tendo em conta os filmes anteriores do realizador, tem momentos suficientes de inspiração e de boa vontade, que fazem com que merecesse mais do que a fraca recepção que teve na altura do seu lançamento, e, sobretudo, a ignorância que lhe deram.

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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Play Time - Vida Moderna (Playtime) 1967



Monsieur Hulot tem de se encontrar com um oficial americano em Paris, mas perde-se no labirinto de arquitectura moderna que é preenchida com os mais recentes aparelhos técnicos. Preso entre a invasão de turistas, Hulot deambula por Paris com um grupo de turistas norte-americanos, causando a confusão habitual por onde passa.
Uma década em produção, até à altura o filme francês mais caro de sempre, e, por conseguinte, uma obra-prima cinematográfica, que acabaria por arruinar Tati por ter sido um fracasso nas bilheteiras, tanto em França como no exterior, além de ter desapontado os críticos (da altura). Tati viria a realizar mais dois filmes, Trafic (1971) e Parade (1974), mas nenhum deles chegaria perto das simples mas profundas observações da vida humana do mundo moderno cada vez mais alienado, que está presente em "Playtime".
Claro que é impossível ver-se "Playtime" sem se ter visto os dois filmes anteriores de Tati, "As Férias do Senhor Hulot", que introduzia ao público o quase silencioso palhaço Monsieur Hulot, e "O Meu Tio", que usava Hulot como uma personagem periférica no estudo de dois mundos concorrentes, o velho e o novo. Tati e o seu alter ego cinematográfico foram-se firmemente enraizando no velho mundo, simbolizado pela classe trabalhadora da vizinhança de Hulot.
"Playtime" é um herdeiro directo de "Mon Oncle", com a diferença de que não há mais uma competição directa entre os dois mundos. O velho perdeu, e o espectro da modernização prevaleceu. Os únicos vislumbres do velho mundo que podemos encontrar aqui, são, literalmente, reflexões sombrias em portas de vidro e janelas. O resto da cidade foi englobado pelo progresso, e desenvolveu-se para algo diferente, mas surpreendentemente reconhecível.
Claro que a Paris deste filme nunca existiu realmente. Construída quase inteiramente em cenários de estúdio bastante caros, a Paris que vemos é uma projecção, imaginação de Tati do pior resultado possível da modernização. Para Tati, isto significou a eliminação de tudo o que era maravilhoso sobre a humanidade, e isso estava bem presente no filme, na transposição das pessoas que não fazem nada mais do que ocupar espaço.

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O Meu Tio (Mon Oncle) 1958



Jacques Tati , o realizador, encarna neste filme a figura de Monsieur Hulot , numa figura terna e cómica que em vários momentos nos recorda Charlot , embora com características ligeiramente diferentes. Monsieur Hulot é um homem simples, sem grandes pretenções , que vive a sua vida, é amigo do seu amigo e de quem encontrar, mas é extremamente trapalhão, e num modo quase infantil, foge das tentativas de "socialização" da sua irmã e do cunhado Monsieur e Madame Arpel ) que procuram torná-lo "responsável" através de uma casamento e de um emprego nas empresas de "tubagem" onde o Monsieur Arpel é responsável.
No meio deles, existe Gerald Arpel , filho de Monsieur e Madame Arpel , um miúdo regila e brincalhão, que contrasta com o ambiente moderno e de design que vê em sua casa, preferindo a companhia simples do seu tio, e a cumplice com os amigos que criou no bairro tradicional de Monsieur Halot .
"Mon Oncle " é um filme de 1958, mas que permanece tremendamente actual nos dias de hoje. Representando um período pós-guerra em França, fala-nos da orientação para ambientes "futuristas", retratando a evolução do design em contraste com os ambientes tradicionais vividos num bairro normal francês. Para além disso, mostra-nos a valorização exacerbada pelas classes média-alta a esses valores, em detrimento de valores de maior proximidade com o outro.
O maior fascínio da obra de Jacques Tati é a linguagem simples sobre assuntos bastantes complexos. Num argumento onde os diálogos são quase inexistentes (aliás, Monsieur Hulot só diz uma única frase durante todo o filme), Tati consegue retratar um ambiente de cinema mudo, onde o riso surge expontaneamente em resposta às acções das personagens, mas consegue também concentrar a nossa atenção para todos os aspectos não verbais, que acabam por servir como metáforas das questões que Tati levanta. Como se costuma referir em alguns livros de guionismo, "se puderes retratar uma ideia, uma emoção ou conceito através das acções das personagens fá-lo, não utilizando diálogos para isso". Tati consegue fazer isso de forma magistral, criando-me curiosidade para descobrir a sua restante obra.
Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Prémio Especial do Júri em Cannes em 1958, "Mon Oncle" é um filme terno, consciente e extramente inteligente que temos a oportunidade ver (ou rever) novamente na grande tela. Para quem tiver a oportunidade, é uma aposta de que não se arrepende, ideal para quem quer sentir novamente o gosto de uma comédia honesta e actual. Por Nuno Cargaleiro.

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terça-feira, 12 de maio de 2015

As Férias do Sr. Hulot (Les vacances de Monsieur Hulot) 1953



Monsieur Hulot vai de férias para um resort à beira-mar, mas os acidentes e os mal-entendidos seguem-no onde quer que ele vá. A paz e tranquilidade dos hóspedes do hotel não duram muito tempo com Hulot por perto, e embora as suas intenções sejam sempre boas, acabam sempre catastróficamente.
"Les vacances de Monsieur Hulot" pertence a uma classe rara de filmes. É um desses filmes que evocam um humor tão quente, vibrante, que há algo de mágico imbuído nas suas quase duas horas de duração. É um filme sobre as férias, que partilha um ritmo descontraído, idílico com o público, sem nunca chegar a exagerado. Até mesmo nos momentos em que o filme deveria ser angustiante, há uma calma que nos obriga a aliviar o stress ou a ansiedade. Uma das melhores sequências do filme é-nos introduzida nos momentos iniciais: um cão a dormir a sesta no meio da estrada. O motorista do carro de turistas toca a buzina, e o cão olha lentamente para cima, antes de saír do meio do caminho. Momentos depois o cão volta para o local onde estava a dormir, no meio do caminho. Mr. Hulot (Jacques Tati), chega logo depois, e nem o som terrível do motor do seu veículo motiva o cão a saír da frente. O cão permanece completamente indiferente, pelo mundo ao seu redor. 
"Les Vacances de Monsieur Hulot" provoca-nos um sentimento semelhante, de completo e absoluto relaxamento. O elemento mais potente a produzir este efeito é a utilização da musica. “Quel temps fait-il à Paris”, de Alain Roman, é um música lenta, repetida ao longo do filme. Esta repetição provoca um profunda sensação de familiaridade, à medida que o filme se desenvolve. A personagem principal também faz parte do núcleo central do filme. Monsieur Hulot é o epítome de um cavalheiro, educado e atencioso. Apesar de ser realmente agradável é também é muito infantil no seu comportamento. Isto leva-o a sobrestimar as suas próprias habilidades ao se aproximar de um problema, ou confundir algo inócuo com um problema que ele próprio deva tentar resolver. 
Em 1956 foi nomeado para o Óscar de Melhor Argumento, apesar de quase não ter diálogos.

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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Há Festa na Aldeia (Jour de Fête) 1949



Numa pequena aldeia do centro de França é dia de festa: os feirantes chegam à praça com as suas roulotes, carroças, carros, cestas, carrocéis, lotarias, fanfarras. Instala-se um cinema ambulante. É ocasião para os aldeões descobrirem um documentário sobre as proezas dos correios na América. Ridicularizado por toda a aldeia, François, o carteiro, decide aprender a executar o seu trabalho “à americana”.
Sabemos agora no gigante que Jacques Tati se tornou, e é particularmente divertido ler as críticas que a imprensa americana fez na altura, em particular a Variety: "A história, que é do mais simples, mostra uma aldeia francesa num dia de férias. Não há praticamente nenhum argumento. O elenco de apoio é de muito pouca importância em comparação com Tati, que faz de carteiro da aldeia. A música de Jean Yatove é adequada, e a realização, a técnica e o tempo estão todos bem. Mas a única coisa que conta no filme são as palhaçadas de Tati, praticamente sem diálogos".
É claro que o crítico que escreveu esta revisão tinha poucos pontos de referência, para lidar com o tipo de cinema único de Tati, que reviveu a era de ouro das comédia do cinema mudo, ligando-as a um sentido de narrativa que viria a definir o emergente cinema de arte europeu, particularmente a Nouvelle Vague, que ainda estava a uma distância enorme de 10 anos, mas que aqui começava a encontrar raízes.
Como a crítica da Variety sugere, ali em cima, Tati é a estrela do filme, e as suas palhaçadas com o ar desajeitado, produzem algumas das melhores gargalhadas em muito tempo. Com o seu típico bigode, e o uniforme mal ajustado, principalmente as calças, que são largas e dobradas nas suas grandes botas. É divertido apenas olhar para ele, e tal como faria com outra personagem Monsieur Hulot, magicamente combina inépcia com dignidade, criando uma uma personagem que não podemos deixar de amar, mesmo quando ele cria caos onde quer que vá. "Caos" até é uma palavra um pouco forte, já que a sua falta de jeito constante normalmente resulta em pouco mais do que alguns inconvenientes, e acidentes menores, tal como quando ele resolve ajudar a levantar a bandeira no centro na cidade. O humor é principalmente físico, e a graça de Tati combina o timing de Keaton, a ousadia de Harold Lloyd, e o sentimentalismo de Chaplin. Embora esta fosse a sua primeira longa-metragem (aos 40 anos), já vinha a praticar números musicais desde o inicio dos anos 30, altura em que apareceu pela primeira vez numa curta: "Oscar, Champion de Tennis" (1932).
Tati, sempre um perfeccionista, passaria anos a mexer no filme, acrescentando novas cenas, lançando uma versão a cores. Muitas das suas adições foram em grande parte desnecessárias, já que a versão original, a preto e branco, continua a ser uma alegria de ser assistida. Esta aqui presente no post é a cores, a partir de um restauro feito em 1995. Actualmente é a versão mais conhecida.

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Escola de Carteiros (L'école des Facteurs) 1947



Jacques Tati interpreta um carteiro rural que, juntamente com dois companheiros, estão sob a instrução de um tirano mal humorado. Os três carteiros têm de reduzir o tempo que demoram a dar a sua volta, um round que, completamente absurdo, termina com a entrega de correio num avião para entregas no exterior. Eles têm de reduzir o tempo de 2 horas e 50 minutos para 2 horas e 25. É esta espécie de raciocínio pseudo-científico que vai ser minado pelo comportamento anárquico de Tati.
Curta metragem realizada por Jacques Tati em 1947, L'École des Facteurs é um filme sobre a vida de carteiro numa área rural, e funciona como protótipo para a sua primeira longa-metragem, "Jour de Fête", realizada dois anos depois. Apesar da sua curta duração, serviu para Tati tirar alguns brilhantes gags visuais, e rotinas, antes de desenvolver o seu famoso filme pouco tempo depois. É um filme mudo com palavras, apresentado numa duração que os grandes mestres do cinema mudo, como Chaplin ou Keaton teriam compreendido.

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domingo, 10 de maio de 2015

Jacques Tati

Apesar de trabalhar exclusivamente durante a era do som, Jacques Tati foi sem dúvida o último dos grandes comediantes mudos. A sua personagem de assinatura, Monsieur Hulot, ocasionalmente murmura uma palavra ou duas, mas há sempre muita conversa de fundo nos seus filmes, que são famosos pelas suas ricas bandas sonoras, complexas, e meticulosamente construidas na pós-produção. Ao mesmo tempo, o seu estilo de slapstick tem muito mais em comum com nomes como Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Harold Lloyd, do que com os próprios realizadores da sua geração.
Depois de interpretar um punhado de comédias, dirigidas por outros realizadores, durante a década de 30 (incluindo René Clément), Tati esteve em acção durante a Segunda Guerra Mundial, estabelecendo então um número de sucesso nos cabarets de Paris. Porque Clément não estava disponível para dirigir uma curta a partir de um argumento seu sobre uma escola para carteiros, Tati assumiu ele próprio o comando. Dois anos depois, “L’école Des Facteurs” serviu de base para a primeira longa metragem do futuro realizador, Jour De Fête (1949). Enquanto Tati desempenha o papel mais significativo - do carteiro de uma pequena vila, que vê um documentário sobre métodos de correio americanos, e se torna obcecado em aumentar a produção - o filme, passado durante e depois do dia da feira na terra, funciona mais como um retrato afectuoso de uma pequena comunidade, frequentemente levada a excessos. Este filme estabelecia Tati como tendo um talento especial para a repetição criativa, e para a comédia.
Ao longo desta semana vamos ficar a conhecer a curtíssima carreira de Tati. Curta, mas gloriosa.

Segunda: "L'école des facteurs" (1947) + "Jour de Fête" (1949)

Terça: "Les vacances de Monsieur Hulot" (1953)

Quarta: "Mon Oncle" (1958)

Quinta: "Playtime" (1967)

Sexta: "Trafic" (1971) + Parade (1974)

Uma boa semana para todos. Espero que o ciclo seja do vosso agrado.


sexta-feira, 8 de maio de 2015

Um Perigo em Cada Curva (The Wrecking Crew) 1968



Matt Helm (Dean Martin) recebe da sua agência secreta ICE a missão de capturar um conde diabólico chamado Contini (Nigel Green), que anda a tentar destruir a economia mundial roubando um bilhão de dólares em barras de ouro. Viaja para a Dinamarca onde conhece Freya Carlson (Sharon Tate), uma linda a atrapalhada funcionária de uma agência de turismo dinamarquesa, que lhe serve de guia. Uma dupla de cúmplices do Conde Contini, a sedutora Linda Karensky (Elke Sommer) e a asiática Yu-Rang (Nancy Kwan) tentam, cada uma, destruir os planos de Helm.
Este seria o quarto e último filme da série Matt Helm, uma paródia aos filmes de espionagem, muito em voga nos anos 60, especialmente por causa da série "007" e interpretada por Dean Martin no papel do herói do filme. A série começou em 1966, com "The Silencers", seguido de "The Murderers Row", que saíu mais tarde, nesse mesmo ano. Este seria o melhor filme da série com Ann Margaret no papel da "Helm girl", e Karl Malden como vilão. Ainda houve um terceiro, chamado "The Ambushers", lançado no ano seguinte.
O que safa este quarto filme é excelente elenco, com Elke Sommer a apresentar um contraponto perfeito para os olhares lascivos de Martin, e uma boa interpretação como vilã. Em contraste, Sharon Tate dá uma dose perfeita de "sex appeal" no papel da desastrada ajudante de espião (uma "Helm girl", que tem o mesmo significado que uma "Bond Girl"). Tate a demonstrar potencial suficiente como comediante.
O filme devia ter uma continuação, chamada "The Ravagers", anunciada nos créditos finais, num filme que iria ter bastantes artes marciais, onde Sharon Tate voltaria ao mesmo papel, e Bruce Lee teria um papel importante. Mas a personagem principal já estava demasiado explorada nos filmes anteriores, e começava a haver saturação por parte do público. Por outro lado, a equipa de produção ficaria chocada com o assassinato de Tate no ano seguinte, e acabariam por desistir de produzir um quinto filme. Este filme também marcaria a primeira aparição no cinema de Chuck Norris.

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quinta-feira, 7 de maio de 2015

Por Favor, Não Me Morda o Pescoço (The Fearless Vampire Killers) 1967



Um idoso investigador de morcegos, o professor Abronsius, e o seu assistente, Alfred, vão a uma isolada aldeia na Transilvânia à procura de vampiros. Alfred apaixona-se pela jovem filha do dono da estalagem, Sarah (Sharon Tate). No entanto, ela está debaixo de olho do misterioso conde Von Krolock, que vive num castelo assustador fora da aldeia...
"Na árvore genealógica dos filmes de vampiros, "Por Favor, Não Me Morda o Pescoço" é um marco de subtileza e humor — Roman Polanski revisitava a tradição de Drácula e propunha uma parábola sobre a pureza e o mal.
Desde a produção independente ("Só os Amantes Sobrevivem") até aos grandes estúdios ("Drácula: a História Desconhecida"), é um facto que o tema dos vampiros voltou a estar na moda, com resultados necessariamente diversos. Vale a pena lembrar, por isso, que a reconversão da tradição cinematográfica de Drácula e afins teve um momento exemplar na comédia de Roman Polanski, "Por Favor, Não Me Morda o Pescoço".
 É verdade: trata-se de uma sofisticada comédia, centrada na aventura do Prof. Abronsius (Jack MacGowran), acompnhado pelo seu fiel e não muito destemido criado Alfred (interpretado pelo próprio Polanski). Ao chegarem ao domínio do Conde von Krolock (Ferdy Mayne), na Transilvânia, eles vão confrontar-se com um universo em que a pureza do sangue não é coisa fácil de preservar...
Foi a primeira e brilhante incursão de Polanski na produção de Hollywood, depois de dois títulos rodados em terras britânicas: "Repulsa" (1965) e "O Beco" (1966). A deliciosa parábola sobre o ideal de pureza e o confronto com o mal ficou também associada à memória trágica de sua mulher, Sharon Tate, presença de destaque no elenco, que viria a ser assassinada cerca de dois anos mais tarde. Para a história cinéfila, "Por Favor, Não Me Morda o Pescoço" persiste como um exemplo modelar de um cinema capaz de brincar com o seu próprio património mitológico." João Lopes

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quarta-feira, 6 de maio de 2015

O Vale das Bonecas (Valley of the Dolls) 1967



Anne Welles (Barbara Parkins), uma brilhante e impetuosa estudante, acabada de se graduar na universidade, deixa a pequena cidade onde vive e parte para a Broadway, onde espera encontrar um trabalho emocionante e homens sofisticados. Durante as suas desaventuras em Manhattan, e, depois, em Hollywood, partilha experiências com outras duas jovens aspirantes: Jennifer North (Sharon Tate), uma mulher escultural, que quer ser aceite como um ser humano mas é tratada como um objecto sexual por todos os homens que conhece, e Neely O'Hara (Patty Duke), uma jovem actriz talentosa, acusada de usar meios ilícitos por uma estrela de cinema mais velha, Helen Lawson (interpretada por Susan Hayward) para alcançar o topo.
"Valley of the Dolls" é um melodrama intenso (e clássico de culto), baseado num best seller de Jacqueline Susann, sobre o lado negro da fama. Bebidas alcoólicas e o uso de drogas é um tema central, embora o filme ilustre claramente o quão destrutivo o vício é. A sexualidade adulta também é um tema central (sexo, pornografia, aborto, são todos temas centrais da história) e alguma linguagem adulta é utilizada (não esquecer que estávamos num filme de 1967).
Por ter sido feito em 1967, o realizador não pode ir tão longe como Russ Meyer foi na espécie de sequela que lançou anos depois, "Beyond the Valley of the Dolls", o que resultava numa espécie de ousadia tímida, onde, por exemplo, os homossexuais eram chamados de "bichas", mas os diálogos não podiam ter "son of a bitch". Os cenários do filme, embora fosse uma grande produção, parecem de uma produção barata e duvidosa.
Apesar de ter recebido criticas bastante más foi um dos maiores sucessos de bilheteira do ano, colocando a actriz Sharon Tate definitivamente no mapa. Sharon Tate até conseguiu uma nomeação para o Globo de Ouro de Best Promising Newcomer, mas tinha como rival Katherine Ross em "The Graduate". A realização estava a cargo do canadiano Mark Robson, que se tinha notabilizado pelos filmes de terror da RKO, nos anos 40.

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terça-feira, 5 de maio de 2015

Não Faças Ondas (Don't Make Waves) 1967



Carlo Cofield (Tony Curtis) é um vendedor de piscinas de Nova York em férias na costa oeste, que vai em busca de uma bela mulher que arruinou o seu carro (Claudia Cardinale) e envolve-se com as figuras das praias da Califórnia, entre elas uma linda pára-quedista e ginasta, Malibu (Sharon Tate) e um campeão de fisioculturismo, Harry Hollard (David Draper, então Mr. Universo).
Este foi o último filme do britânico Alexander Mackendrick (realizador de filmes como "The Man in the White Suit" ou "The Ladykillers") antes de trocar a produção de filmes por professor de cinema no California Institute of the Arts. É um filme agradável, sátira sobre o modo de vida nas praias da Califórnia. É baseado no livro "Muscle Beach" de Ira Wallace, que também escreve o fraco argumento a meias com George Kingo e Maurice Richlin. Acaba por ser um filme decepcionante, já que se esperava muito mais de Mackendrick, mas a cena climax da casa de Malibu a deslizar por um penhasco abaixo, dá a esta farsa comédia física suficiente para salvar o filme.
Sharon Tate é Malibu, uma loira atlética sempre de bikini, por quem o personagem principal se apaixona. Seria o primeiro filme de Tate a ser lançado nos Estados Unidos, e seria alvo de uma campanha publicitária monstruosa, com fotos em tamanho real da actriz a serem distribuídas por todos os cinemas, e expostas nas salas de entrada. O filme acabaria por ser arrasado pela crítica, mas mesmo assim Tony Curtis gostou porque teve participação na bilheteira. 

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segunda-feira, 4 de maio de 2015

O Olho do Diabo (Eye of the Devil) 1966



O marquês Philippe de Montfaucon (David Niven) é chamado de volta para o seu castelo de Bellenac, por causa de outra estação seca. Ele pede que a esposa e os filhos permaneçam em Londres, mas eles ainda vão logo depois dele. A sua esposa, Catherine de Montfaucon (Deborah Kerr) descobre que o seu marido anda a agir misteriosamente e que os seus funcionários andam a seguir os rituais pagãos antigos, que exigem a vida do marquês para salvar as colheitas.
O efeito de se assistir a "Eye of the Devil" é menos interessante do que as histórias que surgiram sobre ele. O filme sofreu nas mãos dos censores, e rumores sobre o poder oculto das imagens que foram cortadas cresceram em torno dele, embora infundadas, mas depois de Sharon Tate ter sido assassinada três anos depois, houve aqueles que quiseram fazer uma ligação entre os fictícios acontecimentos sobre a magia negra, e os horrores da vida real, da família Manson, principalmente porque o marido da actriz, Roman Polanski, também tinha feito um filme sobre adoradores do diabo, na mesma altura: "Rosemary´s Baby". Mas, na verdade, "Eye of the Devil" não suporta o peso desses rumores. Era apenas um filme de mistério e horror, feito para um público inglês. Daí que também tenha passado um pouco ao lado no território americano.
Curiosamente, embora haja algumas semelhanças entre este e o anterior terror clássico de Deborah Kerr, "Os Inocentes", ela não tinha sido a primeira escolha para o papel, que estava destinado para Kim Novak. Mas por várias razões acabaria por ir parar a Kerr. Mas enquanto no anterior filme de suspense sobrenatural a preto e branco era extremamente eficaz, aqui reduz-se a um desculpa esfarrapada durante hora e meia para assustar o público.
A fotografia atmosférica de Erwin Hillier funciona muito bem, causando um ambiente opressivo. e o elenco contém algumas estrelas interessantes da época: Donald Pleasence, Edward Mulhare, Flora Robson, David Hemmings, entre outros. Foi o primeiro papel importante de Sharon Tate, escolhida pelo produtor Martin Ransohoff que a considerava a sua grande descoberta.

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domingo, 3 de maio de 2015

Sharon Tate

Sharon Tate nasceu a 24 de Janeiro de 1943, em Dallas.Teve alguns papéis relevantes, que a levaram ao sucesso no pequeno ecrã, particularmente na série "The Beverly Hillbillies", e também pequenos papéis em filmes de Hollywood, incluindo "The Americanization of Emily (1964) e "The Sandpiper" (1965). O seu papel no filme "Eye of the Devil", de 1965, foi relevante por dois motivos: primeiro porque foi o seu primeiro papel de destaque num filme importante, e foi pouco depois de participar nele, que conheceu o realizador Roman Polanski, que eventualmente se tornaria o seu marido.
Graças a ter conhecido Polanski entrou na sua comédia de terror "The Fearless Vampire Killers", acabando por casar com ele no início de 1968.  !967 foi um ano muito importante para ela. O filme "Valley of the Dolls", baseado num romance de Jacqueline Susann, onde ela contracenava com Patty Duke e Susan Hayward tornava-se num grande sucesso de bilheteira, e logo de seguida participa em mais dois filmes com papéis importantes, "Don´t Make Waves", ao lado de Tony Curtis e "Wrecking Crew" com Dean Martin.
Em 1968, Polanski e Tate eram um dos casais mais mediáticos de Hollywood. Ele graças a "Rosemary´s Baby", acabadinho de saír, ela ainda por "The Valley of the Dolls", e, claro, pela sua beleza.
Depois de completar as filmagens do seu derradeiro filme, em Itália, em 1969, Tate regressou a Los Angeles, onde, junto com o marido, tinha alugado uma casa em Cielo Drive, Benedict Canyon. Polanski ficou em Inglaterra, na casa do casal, a trabalhar no seu filme mais recente. A 9 de Agosto, com 26 anos de idade e oito meses de gravidez, Sharon Tate foi brutalmente assassinada, com os seus três convidados e um amigo do zelador da casa, por um grupo de pessoas que mais tarde foi revelado ser parte da "família Manson", um culto assassino, impulsionado pelas fantasias apocalípticas do seu líder louco, "Charles Manson".
Manson, e quatro dos seus seguidores, foram condenados por estes crimes (e outros dois), e sentenciados à pena de morte em 1971. Depois da pena de morte ter sido temporariamente abolida em 1972, a sua pena foi reduzida para prisão perpétua.
Além da sua beleza, era também uma actriz talentosa, e mesmo por causa disso, esta semana vamos aqui recordar a sua curta carreira. Espero que gostem.

Segunda: "Eye of the Devil" (1966), de J. Lee Thompson

Terça: "Don´t Make Waves" (1967), de Alexander Mackendrick

Quarta: "Valley of the Dolls" (1967), de Mark Robson

Quinta: "The Fearless Vampire Killers" (1967), de Roman Polanski

Sexta: "The Wrecking Crew" (1968), de Phil Karlson


1900 (Novecento) 1976



Passado em Itália, o filme segue as vidas e interacções de dois rapazes/homens, um de origem camponesa (Gérard Depardieu), e o outro filho de um rico proprietário (Robert de Niro). O drama estende-se de 1900 a 1945, e foca-se principalmente na ascensão do fascismo, e eventual reacção dos camponeses por apoiar o comunismo, e como estes eventos moldam o destino das duas personagens principais.
Depois do sucesso do drama erótico controverso "O Último Tango em Paris", Bernardo Bertolucci finalmente teve a hipótese de fazer um filme sobre a épica história de Itália do século 20. Contando a história de camponeses e donos de terras, e as suas vidas paralelas ao longo dos anos da turbulência política, na perspectiva de dois homens diferentes. O resultado seria um filme épico, que explorava a inocência do homem na sua descoberta do sexo e da política, ao longo do século vinte.
Enquanto o filme é um drama passado nos primeiros 45 anos da Itália no século 20, é também um revisionismo histórico sobre a pobreza em no país, e a ascenção do Socialismo e Comunismo, e como o Fascismo começou. Ainda assim, o núcleo do filme centra-se nos personagens Olmo e Alfredo, e as suas vidas. Como é um filme contado em 45 anos, com a última cena a ter lugar em 1976, é contado numa escala épica, em quatro partes e dois actos. Era suposto haver um terceiro acto, passado nos anos posteriores a 1945, mas o realizador acabaria por desistir, por achar que o filme já era suficientemente longo.
O filme começa com dois jovens a explorarem inocentemente a sua sexualidade, e os seus pénis. Dois jovens não muito diferentes, mas com origens opostas, cujos ensinamentos irão marcar o desenvolvimento dos seus carácteres. Olmo apesar de ser pobre tem uma vida doméstica feliz, e torna-se um revolucionário a tentar fazer as coisas correctas pelo seu povo. Alfredo, tenta entender as alegrias da vida, apesar de não ter muito para tal, já que vida de rico nem sempre é sinónimo de felicidade. Torna-se numa pessoa fria. Ainda mais fria do que o foram o seu próprio pai, e o avô. Os dois tentam fazer a sua própria perspectiva da vida juntos, mas não o podem devido à sua educação. Principalmente por causa das situações políticas das suas vidas.
Bertolucci era ajudado por uma grande equipa de produção, que incluía banda sonora de Morricone, fotografia de Storaro, num orçamento chorudo de 9 milhões de dólares, que era muito para a altura. Apesar da sua importância histórica, acabaria por ser um flop financeiro. Mas claro, um flop bem vindo.

Parte 1
Parte 2
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sábado, 2 de maio de 2015

O Sal da Terra (Salt of the Earth) 1954



""how shall I begin my story that has no beginning? My name is Esperanza, Esperanza Quintero. I am a miner's wife. This is our home. The house is not ours. But the flowers... the flowers are ours. This is my village. When I was a child, it was called San Marcos. The Anglos changed the name to Zinc Town. Zinc Town, New Mexico, U.S.A. Our roots go deep in this place, deeper than the pines, deeper than the mine shaft....""
Começa assim "Salt of the Earth", baseado num acontecimento real, sobre a luta dos mineiros mexicanos pela igualdade com os mineiros americanos. No final, a maior vitória para os trabalhadores e as suas famílias,  é a percepção de que o preconceito e o pobre tratamento são condições que nem sempre são impostas por forças externas.
"Salt of the Earth" é talvez um dos filmes mais controversos de todos os tempos. Normalmente um filme com tal reputação seria de esperar que transgredisse propriedades sociais no que diz respeito ao sexo e à violência. Contudo, não é este o caso, já que o filme debruça-se sobre uma greve de mineiros. "Salt of the Earth" foi o filme que mais sofreu durante a caça ás bruxas McCarthistas, que se passou durante os primeiros anos da década de 50. Sem querer condenar as atitudes políticas da época, é facil de compreender porque é que este filme foi uma das mais importantes peças de agitação que se possa imaginar.
O que faz o filme ser uma obra esquerdista tão fascinante e poderosa é o duplo foco no coração do filme. Não apenas contra os políticos americanos dominantes na altura, que suspeitavam contra tudo o que fosse socialista, mas também por se envolver com questões relativas aos direitos das mulher, que, literalmente, nunca tinham sido documentado em filme antes. A reformulação da esfera doméstica da comunidade mineira, com a demonstração de práticas discriminatórias a serem confrontadas e ultrapassadas, funcionam como um microcosmos na exposição das questões políticas mais amplas em jogo, dentro da américa.
A estrela do filme é a actriz mexicana Rosaura Revueltas, mas de notar que este tem apenas cinco actores profissionais no seu elenco. Além de ser a principal voz narrativa do filme, é também o ponto de contacto humano e empatia, com o público. A sua força de carácter e coragem trazem para a comunidade um maior sentido de igualdade social e solidariedade. Considerando que Ramon e os outros homens da comunidade se deixam intimidar pela autoridade, tornando-se presas cada vez mais fáceis para as tácticas de divisão e fura-greves, quando Esperanza e as outras mulheres da comunidade apresentam uma frente organizada mais atraente e teimosamente resistente.
"Salt of the Earth" foi também um filme gravemente maltratado, para além das dificuldades que colocaram na lista negra de Hollywood Herbert J. Biberman (o realizador), Paul Jarrico (o produtor), e Michael Wilson (o argumentista), sofreu muito durante a sua produção, com constantes boicotes durante a sua rodagem. Tanto Biberman como Jarrico mal trabalharam em Hollywood depois destes acontecimentos, e Revueltas foi deportada para o México ainda durante a rodagem do filme. Apenas Wilson continuou a trabalhar, tendo conquistado mais um Óscar, por "A Ponte Sobre o Rio Kwai", em 1957.

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