terça-feira, 30 de setembro de 2014

As Duas Feras (Bringing Up Baby) 1938



David Huxle (Cary Grant), arqueólogo, espera por um osso de que precisa para a sua colecção no museu. Para seu azar conhece Susan Vance (Katharine Hepburn) e acaba por se envolver numa série de contratempos com ela e um leopardo, Baby. A herdeira algo desmiolada apaixona-se pelo distraído professor e tudo faz para lhe chamar a atenção.
Cary Grant e Catherine Hepburn juntos pela segunda vez no cinema, agora pelas mãos de Howard Hawks, na screwball comedy "Bringing Up Baby", depois de Sylvia Scarlett (1935). Apesar deste filme contar com um elenco maravilhoso, e a realização de um grande especialista em comédia, como era Hawks, esteve longe de ser um êxito de bilheteira. Com a guerra a aproximar-se na Europa, e a Depressão longe de estar ultrapassada nos Estados Unidos, o público da altura precisava de ver filmes que lhe oferecesse algum escapismo. Não era o caso de "Bringing Up Baby", que apesar de uma história totalmente absurda, os personagens eram intelectuais, e os diálogos foram considerados demasiado fantasiosos para o público mainstream da época.
Insucessos à parte, ao lado de "It Happened One Night" (1934), "Bringing Up Baby" é talvez a screwball comedy mais memorável de todas. Tal como os outros filmes do género, era uma obra distintamente americana, e distintamente sobre a classe alta. Tem lugar num mundo suburbano de campos de golfe, hotéis caros, museus e grandes casas com lotes de terra. O "slapstick" enquadrado nestes cenários assume um significado completamente diferente, do que se tivesse sido enquandrado num ambiente mais hostil e pobre, que caracterizava a depressão mundial da época. Em vez de uma crítica social, como eram o caso dos filmes de Chaplin, as screwball comedies eram filmes de puro escapismo. Pessoas com problemas monetários procuravam os cinemas para se alhear dos problemas da sociedade, e o que é que dava mais vontade de rir do que rir das pessoas com melhores condições de vida?
Grande parte da diversão do filme está em ouvir os diálogos, graças ao excelente argumento de Dudley Nichols e Hagar Wilde. O tom e o ritmo das brigas dos dois protagonistas, com um Grant bronco e uma Hepburn a entender tudo mal o que ele diz, é uma própria forma de arte, e a comédia física é apenas a cereja no topo do bolo.
 
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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Com a Verdade Me Enganas (The Awful Truth) 1937



Antes do seu divórcio se tornar definitivo, Jerry e Lucy Warriner fazem o melhor possível para arruinar os planos do seu ex-par para se voltarem a casar, Jerry com a socialité Barbara Vance, Lucy com o magnata do petróleo Daniel Leeson. Durante os 90 dias antes do divórcio ficar consumado os dois passam o tempo a criar pretextos para se encontrarem, e ao mesmo tempo fazendo o possível para prejudicar os planos do outro em relação a novos pretendentes.
The Awful Truth é um filme sobre portas abertas, mas também sobre portas fechadas. Isto parece algo estranho de se dizer sobre uma comédia dos anos 30, cuja premissa é o divórcio pendente de um casal que suspeita da infidelidade um do outro, mas também é uma metáfora maravilhosa para o foco do filme, sobre as trocas de relações e opções de desenvolvimento que se fecham.
Esta elegante comédia do realizador/produtor Leo McCarey é um campo de batalha espiritual de desventuras conjugais, falta de correspondência e diálogo ágil, com sequências físicas de slapstick, representação improvisada, e antagonismo na representação hilariante entre as suas duas estrelas - Cary Grant and Irene Dunne. Foi o primeiro filme que reuniu estas duas estrelas juntas - Grant e Dunne Voltaram a reunir-se na screwball My Favorite Wife (1940) (também produzida por McCarey), e logo depois em  Penny Serenade (1941).  O filme também contava com um cão, fox terrier, chamado Mr. Smith, conhecido como Asta na série "The Thin Man", e que viria a aparecer depois em "Bringing Up Baby" para aproveitar a combinação de sucesso marido-esposa e cão.
O argumento foi baseado numa comédia da Broadway da autoria de Arthur Richman (1921), do mesmo nome, sobre o casamento e o divórcio. Foi filmada duas vezes para o cinema, em 1925 como filme mudo, e com Agnes Ayres e Warner Baxter, e depois em 1929 já como sonoro, com Ina Claire e Henry Daniel. Foi nomeado para seis Óscares, tendo ganho o de melhor realizador para Leo McCarey.

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domingo, 28 de setembro de 2014

Screwball Comedies

"There’s a pitch in baseball called a screwball, which was perfected by a pitcher named Carl Hubbell back in the 1930s. It’s a pitch with a particular spin that sort of flutters and drops, goes in different directions, and behaves in very unexpected ways… Screwball comedy was unconventional, went in different directions, and behaved in unexpected ways… ”
Andrew Bergman,“We're in the Money: Depression America and Its Films”

O crítico de cinema James Agee descreveu a essência da comédia de Laurel e Hardy como algo onde duas pessoas estão a carregar uma piano sobre uma ponte suspensa e estreita nos Alpes, e a meio caminho encontram um Gorila. Isto pode ser mais do que a essência de Laurel e Hardy. Pode ser a essência de toda a comédia americana. É louca, sem lógica, impossível, e hilariante. Também é bastante abundante, com variações infinitas nos quadradinhos, abertas a situações inesperadas, e fundamentadas principalmente no perigo.
Screwball (desequilibrada, irregular, irracional, não-convencional) foi uma palavra que se tornou popular na década de 30. Era aplicada a filmes onde tudo era uma justaposição: educados e mal-educados, ricos e pobres, inteligentes e estúpidos, honestos e desonestos, e acima de tudo, masculinos e femininos. Quando duas pessoas se apaixonam, eles simplesmente não se rendem aos sentimentos, batalham contra eles. Mentem um ao outro, muitas vezes assumindo personagens diferentes, utilizando truques contra o outro, até finalmente, depois de não terem mais argumentos, caírem nos braços um do outro. Era uma comédia fossilizada, física, e muitas vezes dolorosa, mas utilizando o mais alto nível de inteligência e sofisticação, confiando inteiramente em argumentos elegantes e inventivos.

Nascida no início dos anos 30, durante os anos mais negros da depressão, a screwball tornou-se uma variação muito popular da comédia romântica. Embora os personagens principais geralmente estivessem reconciliados com os valores básicos da sociedade, no final, a maioria destes filmes,  eram irreverentes contra os ricos, a vida na cidade pequena, o governo, ou a instituição que era o casamento. Entre as idéias que esses filmes foram passando, estavam a que o casamento pode ser divertido, que os homens e as mulheres tinham os mesmos direitos, e que, ser brilhante não era uma desvantagem para a mulher.
Entre o início dos anos 30, e meados dos anos 40, foram feitas bem mais de 200 screwball comedies, quase todas dedicadas à celebração do  excêntrico, comportamentos e atitudes não convencionais, e que a vida podia ser divertida, apesar da guerra e de uma economia suja.

Escolhi para esta semana cinco das melhores scewball comedies (não necessariamente as melhores), embora tendo deixado de fora os filmes dos irmãos Marx, que vão ter um ciclo em nome próprio, brevemente. Espero que gostem.

Segunda: The Awful Truth (1937), de Leo McCarey

Terça: Bringing Up Baby (1938), de Howard Hawks

Quarta: The Shop Around the Corner (1940), de Ernst Lubitsch

Quinta: The Philadelphia Story (1940), George Cukor

Sexta: Arsenic and Old Lace (1944), de Frank Capra


sábado, 27 de setembro de 2014

A Eternidade e Um Dia (Mia Aioniotita Kai Mia Mera) 1998



Alexandre vai dar entrada no hospital: "Quando as dores se tornarem insuportáveis", tinha-lhe dito o médico. Entretanto arruma a casa. Prepara-se para deixar a velha casa à beira-mar onde sempre viveu. Encontra as cartas de Anna, a sua mulher, morta há muito, e apercebe-se do quanto ela o amava. Um amor que na altura ele tinha como garantido. As recordações começam a voltar como a maré-cheia.
Poucos realizadores polarizam uma opinião tão continental, como o autor grego Theo Angelopoulos, um mestre reconhecido na Europa, mas cujo trabalho é de alguma forma diminuído quando se atravessa o Atlântico, onde os críticos tendem a ofender o seu ritmo lento, embora portentoso. "Eternity And A Day" ganhou a Palma de Ouro em Cannes, no ano de 1998, e logo por unanimidade, depois de vários anos a rondar este tão desejado prémio, mas uma vez mais a sua recepção na américa foi morna, onde os críticos usaram levianamente o nome do filme, de forma depreciativa. 
Num papel primeiramente imaginado para Marcello Mastroianni, Bruno Ganz interpreta o substituto do realizador, um autor referenciado que descobre que tem uma doença terminal, e passa os seus últimos dias vagueando pelo interior da Grécia, observando o mundo com uma visão poética, que lembra o anjo de Ganz em "Wings of Desire". Desejando resolver os seus sentimentos sobre a sua vida pessoal e história nacional, ele revisita uma tarde à beira-mar amarga, com a sua já falecida esposa (Isabelle Renauld), e encontra um poeta do século XVIII, cuja obra inacabada ele pretende completar. Esta viagem metafísica, que é inequivocamente semelhante à de  Victor Sjöström em "Morangos Silvestres", é interrompida por um jovem refugiado albânes (Achileas Skevis), que ele resgata do mercado negro.
Theo Angelopoulos cria uma atmosfera incrivelmente assombrosa, uma fusão de realidade, nostalgia e sonho. Cria uma metáfora visual para o isolamento da alma. Além disso, as imagens recorrentes de edifícios abandonados, fugas repetidas de albaneses através da fronteira, e o poema inacabado, refletem o arrependimento de Alexandre sobre as suas próprias acções. Figurativamente Alexandre também está no exílio - desejando recriar um passado irrecuperável - incapaz de voltar para casa.

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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Olhar de Ulisses (To Vlemma Tou Odyssea) 1995



Theo Angelopoulos tem um estilo visual muito sedutor, que consiste em takes longos e muito poucos diálogos, não muito diferente de Bela Tarr, mas onde Tarr usa lama, chuva, e pequenos episódios apresentados em takes longos, os filmes de Angelopoulos têm um estilo visual muito mais limpo, menos episódico, e os takes longos são em muito menor número, e mais espalhados pelo filme.
Quando um filme não é episódico, por outras palavras, quando existe um macro-plot em vez de muitos mini-plots, a narrativa global vale melhor o tempo do espectador. No caso de "O Olhar de Ulisses", um realizador sem nome (que na realidade se chama A.), viaja através das Balcãs para localizar as bobines de três filmes dos primeiros realizadores daquela zona, os irmãos Manakis. Os irmãos Manakis trabalhavam no início do século vinte, e os seus primeiros trabalhos, e de acordo com este filme que reescreve a história por causa do drama, tal como alguns bons filmes também o fizeram, estão algures nas Balcãs, esperando ser descobertos. Porque não foram objecto de maior interesse pelos diferentes arquivos filmicos das Balcãs? O filme não explica.
A., interpretado por Harvey Keitel, é o realizador que cresceu nas Balcãs, que fala grego, mas que passou a maior parte da sua vida nos Estados Unidos, produzindo filmes que muitos gregos, por alguma razão, abominam. Ele ouve falar das bobines perdidas, e decide partir em viagem para descobrir o rasto da origem do cinema nas Balcãs.
No processo, viaja através da Grécia, Albânia, Bulgária, Sérvia, e Bósnia Herzegovina. O título do filme sugere uma dimensão "Odisseia" para a viagem, mas isso é uma ilusão. A certa altura ele transporta uma mulher vestida de preto para o outro lado do rio, onde encontram os primeiros sinais de destruição na antiga Jugoslávia, numa cena que evoca o episódio de Hades, mas a metáfora é ténue, e um pouco confusa.
O filme é muito interessante a identificar as Balcãs, e há muitas cenas em que o passado se confunde com o presente, com os personagens a mudarem e a parecerem figuras do passado. O filme caminha para uma espécie de realismo mágico, contendo cenas filmadas de um modo que mal são notadas, incluindo um take no inicio do filme onde uma audiência assiste ao último filme de A., cativada, em pé e à chuva.
Concorrendo em Cannes no ano de 1995, acabou por perder a Palma de Ouro para "Underground", de Kusturica. Desapontado pela derrota acabou por chocar uma plateia em silêncio, com as palavras: "Se é isto que têm para mim, eu não tenho nada a dizer". Mas o filme ainda ganharia o FIPRESCI Prize, e o Grande Prémio do Júri, que é uma espécie de segundo lugar.

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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Passo Suspenso da Cegonha (To Meteoro Vima Tou Pelargou) 1991



Alexandre, um repórter, é destacado para fazer a cobertura televisiva da situação dos refugiados albaneses, turcos e curdos numa cidade fronteiriça. De entre estes, o repórter repara num velho homem que julga ser um importante político grego desaparecido misteriosamente há alguns anos atrás. De volta a Atenas, Alexandre pede á viúva do político que o acompanhe no regresso á cidade para o ajudar na identificação do homem. A partir daqui, dá-se início a uma seca e lenta reflexão sobre a desumanidade das fronteiras…
"Angelopoulos filma aqui uma espécie de desespero radical, de quem perdeu todas as ilusões diante de um final de século em que o mundo aparenta optimismo mas, na realidade, se encontra privado de todas as esperanças. A euforia demoliberal que atravessa o Ocidente, com o fim dos regimes ditatoriais da América Latina e África (mas outros nascem...), com o fim da divisão da Europa em dois blocos antagónicos, com a aparente «conversão» universal às virtudes de um único sistema económico e político, é orquestrada com fanfarras de unanimismo, como se o livre comércio e o parlamentarismo burguês fossem um ideal planetário e avançássemos para o melhor dos mundos possíveis. Mas não é assim, porque a História não pára, nem as contradições sociais e étnicas, nem os movimentos da Terra. E descobrimos, perplexos (?!), novas dobras de dor e sofrimento, pulsões que se julgavam erradicadas, intrincados nós no caminho da espécie humana. Com uma angústia porventura mais densa do que antes: é que as utopias morreram - e morreram a sangrar de vergonha...
O Passo Suspenso da Cegonha é um filme que respira essa angústia, esse vazio desesperado de horizontes, possíveis ou miríficos. Na sua imediata aparência fala de uma questão pontual, o problema dos refugiados à beira das fronteiras inultrapassáveis, divididos pelo absurdo de uma linha no solo, um risco na paisagem. Mas nas suas entranhas é algo muito mais vasto que palpita. É a suspensão da acção, a impotência de mudar, a resignação ao cinzento. É a descrença na política como fonte de alteração das coisas, é o alheamento. Se o personagem central de O Passo Suspenso da Cegonha abandonou tudo é porque só pode acreditar numa coisa pequena, palpável, directa: a partilha franciscana do sofrimento com os deserdados. Tudo o mais colapsou.
Muito bonito é que o desespero tenha notações que remetem também para a memória do cinema. Que outra leitura para a presença de Marcello Mastroianni e de Jeanne Moreau, num casal estraçalhado pelo vazio, senão uma reminiscência que poderá conduzir - em fim de caminho - a A Noite de Antonioni? Reminiscência que passa pelo que esses dois actores foram neste século em que os vimos envelhecendo connosco, à medida que o cinema europeu perdia a fé em si mesmo e perdia a cumplicidade do público. Não são eles, também, náufragos de qualquer coisa que o andar dos dias afundou?
Angelopoulos é o primeiro cineasta a captar algo que anda por aí a corroer-nos. Fá-lo no seu jeito calmo, um pouco formal, hierático, varrendo a paisagem a voos de plano-sequência, mais os silêncios que as falas, mais o tempo que a acção. Estaremos dispostos a deixarmo-nos possuir por este ritmo contrário ao frenesim com que o cinema costuma, hoje, agitar-nos? Estaremos disponíveis para um discurso que é tudo menos exaltante? Se o estivermos - mas O Passo Suspenso da Cegonha caminha contra-a-corrente - por certo que não receberemos «entertainment» e fogo de artifício, evasão e divertimento. Só seremos confrontados com o que não queremos ver. Mas desde quando o cinema serve apenas para fugir de casa, do quotidiano e dos calados medos?"
Jorge Leitão Ramos, Expresso, 17/4/92

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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Paisagem na Neblina (Topio Stin Omichli) 1988



Road Movie sobre duas crianças, Voula e Alexandre, à procura do pai, que é suposto viver na Alemanha. Uma obsessão pela figura materna do pai vai levá-los a cruzar as fronteiras entre a infância e a adolescência.
"Landscape in the Mist" é uma fábula comovente, lírica e alegórica da luta humana pela identidade. Ao visitar a família itinerante de actores de "O Thiasos", Theo Angelopoulos expõe no intransigente, mas cíclico processo da vida como a ponte comum, e universal da experiência humana: a imagem de um cavalo a morrer na neve (que lembra Robert Bresson em "Au Hasard Balthazar") justaposta com uma festa de casamento, a partida de Orestis do seio familiar para se juntar ao exército, a estranha imagem de uma mão gigante em estátua que emerge do mar que metaforicamente relaciona o legado cultural da civilização grega antiga com a Grécia contemporânea. Tal como a mão esculpida, simbólica, as crianças também estão incompletas - separadas do seu lar, sendo-lhes negada uma relação com o seu pai. E tal como os artistas viajantes, as crianças embarcam numa viagem sem fim para a qual não há regresso. No entanto, na sua luta para ultrapassar as barreiras criadas artificialmente (um tema também explorado por Andrei Tarkovsky), que as separa do seu indescritível pai alemão, as crianças encontram o seu próprio caminho para a reconciliação pessoal.
Na assombrosa e surreal cena final, as crianças abraçam uma ligação substituta à sua história ancestral - um ícone universal que une toda a humanidade em direcção a um objectivo comum de sobrevivência e continuidade - um símbolo duradouro da natureza e da vida.
Ganhou vários prémios no festival de Veneza de 1988.  

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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A Viagem dos Artistas (O Thiasos) 1975

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Um grupo de actores de teatro viaja pela Grécia para interpretar o conto erótico do Golfo. Com esta obra de 230 minutos Theodoros Angelopoulos dirige a sua terceira longa-metragem que tenta resumir em vinhetas episódicas alguns dos momentos mais importantes da história da Grécia no século 20. A ascenção do nazismo, a ocupação, a presença dos ingleses, a ascenção do governo de esquerda, etc.  É um filme muito político, que quer ser a representação, de um tempo em particular. Um pouco como "Amarcord", de Federico Fellini, o filme de Angelopoulos não tem uma narrativa distinta, o sentimento quase documental do filme traz um ponto de vista bastante genuíno, no sentido histórico, aos eventos retratados.
As sequências são muitas vezes mostradas num único take longo e com uma câmera fixa, enquanto outras cenas são muito mais complexas, e a câmera continua a filmar depois de a acção terminar na tela. Isto dá tempo ao espectador para digerir todos os elementos que foram apresentados. A mise en scène de Angelopoulos inspirou muitos cineastas contemporâneos e foi muito elogiada na comunidade cinéfila. Martin Scorsese,  um respeitável cinéfilo, e grande realizador foi um dos seus muitos admiradores. Scorsese afirmou que a visão de Angelopoulos era única, e que as suas sequências cuidadosamente compostas ofereciam um cinema hipnótico, e profundamente emocional.
Angelopoulos cria um retrato duro, sombrio e profundamente trágico da dissolução da alma, enquadra os personagens na perspectiva da câmera distante, e reflete a sua própria insignificância nos papéis relutantes como testemunhas periféricas à turbulência do país. As expressões sem motivos destes personagens são similares à expressões mudas dos actores nos filmes de Robert Bresson, não são só personagens devastados, como as aldeias do campo grego são desoladas, mas também a carga emocional da violência não tem fim. A letra repetida de uma balada ecoa pelo desespero e melancolia das personagens do filme: "Tu vais voltar, não importa quantos anos passem, tu vais voltar, cheio de remorsos, para pedir perdão, uma noite em vergonha tu vais voltar". É uma elegia que lamenta a perda de um grande amor, e solenemente aguarda o regresso de uma alma quebrada, apesar dos estragos do tempo.
Ganhou o FIPRESCI Prize no festival de Cannes de 1975.

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domingo, 21 de setembro de 2014

Theo Angelopoulos

O realizador grego Theo Angelopoulos era um poeta épico do cinema, criando alegorias da história grega do século 20, e da sua política. Ele redefiniu várias técnicas de filmar, como os takes longos, nas quais ele era um mestre. O seu estilo, magistral e imponente, exige alguma atenção do espectador para que melhor possa ser compreendido. Angelopoulos explicou: "Os shots de sequência oferecem muito mais liberdade às pessoas. Ao recusar cortar no meio, eu convido o espectador a analisar melhor a imagem que lhe mostro, e focarem-se nos elementos que considero serem mais importantes".
Angelopoulos nasceu em Atenas, onde estudou Direito. Depois do serviço militar foi estudar para Paris, para a Sorbonne,  mas depressa deixou esta universidade para estudar na escola de cinema de  IDHEC (agora conhecida como La Fémis). De volta à Grécia, trabalhou como crítico de cinema no diário de esquerda Allagi, que foi fechado pela junta que assumiu o poder em 1967. O "regime dos coronéis" que esteve no poder nos sete anos seguintes ficou gravado na sua consciência, e tornou-se assunto - abertamente ou subtilmente - ao longo de toda a sua obra.
O seu estilo elíptico vem da atmosfera restritiva da época durante a qual ele fez o seu primeiro filme: Reconstruction (1970). Era um filme sobre um emigrante grego que regressa da Alemanha, e é assassinado pela sua esposa e o seu amante. Ficou imediatamente claro que o realizador estava muito menos interessado no crime do que nas implicações ideológicas, individuais e colectivas do inquérito do homicídio.
É dos cineastas mais acarinhados do público mais cinéfilo, mas permanece como um ilustre desconhecido para o público em geral. Por isso mesmo, esta semana vamos ver cinco dos seus melhores filmes. Espero que gostem.

Segunda: O Thiasos - A Viagem dos Artistas (1975)

Terça: Landscape in the Mist (1988)

Quarta: O Passo Suspenso da Cegonha (1991)

Quinta: O Olhar de Ulisses (1995)

Sexta: A Eternidade e Um Dia (1998)


sábado, 20 de setembro de 2014

O Diabo, Provavelmente (Le Diable Probablement) 1977



Charles deriva através da política, religião e psicanálise, rejeitando todas.Quando percebe a profundidade do seu desgosto, com o declínio físico e moral da sociedade onde vive, decide que o suicídio é a única opção...
"Para não fugir à regra, Le Diable, Probablement, penúltimo filme de Bresson, foi um desastre comercial e pouco tempo e por pouca gente foi visto nos cinemas em que se exibiu. A crítica - dum modo geral - não diferiu do juízo do público. O filme foi considerado um espectacular “falhanço” do grande cineasta, arrastado pelo seu “reaccionarismo” e por certa senilidade a traçar um retrato apocalíptico da juventude dos anos 70, que pecaria por total desconhecimento de causa, total superficialidade e total pessimismo. Na sua resenha crítica, um jornal como o Nouvel Observateur classificava o filme entre as obras “a evitar”.
De um modo geral, os detractores não perdoaram a Bresson ter pegado na juventude, no sexo, na droga, no esquerdismo, na ecologia, na psicanálise, etc., e ter mandado tudo isso literal e provavelmente ao Diabo. A evocação de tal “personalidade”, se era, nos anos 70 bem vinda em certo tipo de filmes mais ou menos “terrorizantes” (desde Rosemary’s Baby aos vários Exorcist) é certamente incómoda quando - como é o caso - nenhum intuito sensacionalista se descortina, nem há qualquer intenção de pôr à prova os nervos do espectador. O Diabo não é neste filme uma presença de guignol e vem citado apenas num curto e ocasional diálogo (se é que em Bresson algo há que seja e não seja ocasional) travado num autocarro: (“Qui nous manoeuvre en douce? Le Diable, probablemente”). A pergunta e a resposta surgem na boca de “passageiros” dum autocarro, cuja intervenção no filme a elas se resume. Mas, proferido o nome, o autocarro trava bruscamente, devido a algo que acontece e que o espectador nunca chega a saber o que foi. Ficamos sempre no domínio das probabilidades já que, desde o título, Bresson nunca é afirmativo sobre as razões de que acontece ao grupo de jovens que são objecto do seu filme. Essa continuada ambiguidade, essa continuada probabilidade parecem ter desnorteado particularmente público e crítica que experimentaram crescente dificuldade (e mal estar) perante a fragmentação deste filme, não ordenado em torno de uma coerência psicológica ou dramática.
 No entanto, tais características são constantes da obra de Bresson. Le Diable, Probablement nada mais faz que levá-las ao seu ponto extremo, sobre um argumento que, como em Pickpocket e Au Hasard Balthazar, é, pela terceira vez na sua obra, inteiramente da sua autoria. Mas é precisamente porque esse ponto é muito extremo que público e alguns comentadores terão sentido tantas dificuldades, tanto mais que desta vez não tinham o ponto de apoio exterior de uma obra literária conhecida (como foi o caso em filmes anteriores).
Não será exagerado dizer-se que Le Diable é um filme construído em elipse. Entre os muitos exemplos, cito apenas a sequência em que Valentin mata Charles, precedida pelo passeio destes (sequência que é quase o contraponto da fuga de Fontaine e Jost no famoso Un Condamné à Mort s’est Échappé). Charles diz a Valentin (em off) “Pensei que num momento destes teria ideias sublimes”. Silêncio de Valentin, que a câmara continua a seguir. Depois, Charles pára, a câmara vai junto dele (com essa espantosa mobilidade imperceptível que é segredo do realizador) e diz: “Nunca hás-de saber no que eu estou a pensar ...”. Ouve-se o tiro e Charles cai. De facto Valentin “nunca há-de saber” (como o espectador), porque ele próprio impediu a revelação, e, como bem notou Serge Daney, tomou a frase à letra: “Charles morreu por ter sido tomado à letra”. A revelação final que permitiria o “belo fim”, ou a “inteligência” da história, é retirada pelo gesto de morte, que introduz a máxima elipse, ou o máximo vazio. Tudo o que Charles pudesse dizer não interessa, porque, na estética bressoniana, a palavra - o discurso - é lugar de teatralidade ou de drama, e, como tal, insignificante. Os discursos (dos dirigentes políticos, da sessão na Igreja, do ecologista Michel, do psicanalista) só revelam o total esvaziamento, são sempre o lugar privilegiado da não-comunicação. Se Charles escolheu Valentin “para o gesto antigo, à romana” é precisamente porque este último é o único que não fala. O que se exprime, exprime-se por gestos e ruídos. Jamais por discursos organizados. A comunicação de Charles com Valentin processa-se através destes: a droga que é dada, a música que ouvem em conjunto (Monteverdi) na sequência capital da segunda visita à igreja. Quando Charles se decide a falar (na assombrosa sequência com o psicanalista a que Bresson, muito sabido em mitos, deu o nome nada inocente e nibelunguiano de Dr. Mime) fá-lo recorrer à leitura de um magazine, debitando lugares comuns. Ao contrário do grupo de cineastas ecologistas que fabricam, na obscuridade e de lâmpadas na mão, o comentário para o filme que fazem (numa das sequências mais inquietantes e revolucionárias desta obra), Bresson sabe que a palavra (ou esse género de palavra) está a mais e só anula o significado que finalmente importa: o que advém de sons e imagens articuladas na sua desarticulação (ou desarticulados na sua articulação). Donde, a importância que crescentemente confere à banda sonora e que nesta obra atinge, porventura, o seu máximo de riqueza e densidade.
Em Le Diable, os vários elementos visuais e sonoros, constantes em toda a filmografia de Bresson (escadas, elevadores, gradeamentos, automóveis, ruído de motores, de portas que se fecham, de objectos mecânicos, etc.) aprisionam os personagens no vácuo em torno do qual todo o filme é construído. Por isso, a câmara se demora nos espaços deixados vazios pela saída das pessoas, por isso estas são enquadradas pelo meio do corpo, numa permanente desarticulação e fragmentação, que retira qualquer estabilidade à presença física e sempre proíbe a fruição do corpo (“corpo interdito”, como se diz no Lancelot du Lac).
Le Diable, como toda a obra de Bresson, é um filme de ruptura. Será entre as personagens, nos interstícios delas, que se transmite essa outra presença: a que o autor apenas provavelmente indica e cada qual é livre de interpretar como quiser.
Como escreveu Jorge de Sena “nada mais existe, nada mais tem importância / para quem viu a treva nos intervalos das coisas”.
Uma atenta visão da obra de Bresson mostrará que, sobretudo depois de Au Hasard Balthazar, para Bresson, também, “nada mais existe”. João Bernard da Costa.

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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O Espantalho (Scarecrow) 1973



Max é um ex-condenado que tem vindo a poupar dinheiro para abrir uma lavagem de carros em Pittsburgh. Lionel é um marinheiro que volta para casa para ver o filho que nasceu enquanto ele estava no mar. Juntos foram um par improvável, enquanto Max aprende um pouco como Lionel lida com o mundo: ele acha que os espantalhos não assustam as aves, mas sim diverte-os.
O road movie e a vasta paisagem social e demográfica, muitas vezes turbulenta, dos Estados Unidos, têm, ao longo dos anos sido motivo de inspiração para vários realizadores, argumentistas, e até mesmo actores. Dissidentes da contra-cultura, anti-heróis, famílias em conflito, solitários, viajaram pelos Estados Unidos de ponta a ponta, em viagens que os afectaram emocionalmente, qualquer que seja o seu destino. O final dos anos sessenta, e o inicio dos anos setenta, viram saír para a rua uma série considerável destes filmes, um período totalmente compreensível, dadas as transformações radicais da época. Alguns exemplos: Easy Rider, Two-Lane Blacktop, Five Easy Pieces, The Sugarland Express, Vanishing Point, The Last Detail, entre muitos outros.
Entre estes filmes, estava um de Jerry Schatzberg, acabadinho de dirigir um jovem Al Pacino em "The Panic in Needle Park" (1971), que deu ao público a sua própria visão com "Scarecrow", acabando por ganhar a Palma de Ouro, em 1973, ex-áqueo com "The Hireling", de Alan Bridges. Mais uma vez com Pacino, agora ao lado de Gene Hackman, é um filme que segue o caminho de dois homens que vivem à margem da sociedade. Dois andarilhos da classe trabalhadora, em vez de rebeldes da contra-cultura, um com uma enorme ingenuidade, energia e humor, o outro com uma dose de mau humor, nervosismo e cansaço do mundo, ambos em busca de algo, qualquer coisa, para dar sentido às suas vidas. Percorrendo um longo caminho da Califórnia para Pittsburgh, as suas personalidades opostas acabam por ter um efeito profundo sobre o outro, durante as suas experiências, ora brutais, ora cómicas.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O Cowboy da Meia Noite (Midnight Cowboy) 1969



Dustin Hoffman é Ratso Rizzo, um aldrabão desmazelado com grandes sonhos. John Voight é Joe Buck, um ingénuo e sedutor cowboy do Texas, convencido que é a salvação de muitas mulheres nova-iorquinas, solteiras e sedentas de amor. Vivendo à margem da sociedade, o destino acaba por juntar estas duas personagens neste poderoso e comovente filme.
"Midnight Cowboy" é várias coisas ao mesmo tempo: um astuto estudo de personagens, um buddy movies, uma comédia humana, e uma descrição honesta e directa do decadente mundo da prostituição masculina, em Nova Iorque. O que é mais surpreendente no filme, é a sua recusa em envelhecer. Ganhou o Óscar de Melhor Filme em 1969, mas visto mais de quarenta anos depois, nada parece ter diminuído o seu impacto. Continua a ser tão crú e potente como quando foi lançado pela primeira vez, com o rating X.
John Schlesinger, realizador inglês, fez "Midnight Cowboy" como a sua estreia americana, e como não era nativo de Nova Iorque, foi capaz de trazer um ponto de vista diferente, dos olhos de um estrangeiro, que redefinia a cidade, e a América. Schlesinger deixa o seu director de fotografia, Adam Holender, perder-se, por entre luzes de neon, gigantes arranha-céus, e uma variedade eclética de pessoas que a maioria dos americanos tomam como pessoas comuns. A câmera de Holender transforma a cidade num personagem do filme, como qualquer outra pessoa. Se Park Avenue é o local onde os sonhos são realizados, a 42nd Street é o local onde eles são desfeitos.
Foi o único filme, até hoje, que avaliado com o rating X, conseguiu ganhar o Óscar de Melhor Filme. Levou mais duas estatuetas para casa, de Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado (Waldo Salt). Valeu ainda nomeações para os actores Hoffman, Voight, e Sylvia Miles. Com dois actores nomeados para o prémio principal, o prémio acabaria por fugir para John Wayne, em "True Grit".

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terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Inimigo Público (Take the Money and Run) 1969



Um filme apresentado como um documentário sobre a vida de um criminoso incompetente e mesquinho, chamado Virgil Starkwell. Descreve a infância e a juventude de Virgil, os seus fracassos numa carreira musical, e a sua obsessão por assaltar bancos. O filme usa uma narração em voice over, e entrevistas com familiares amigos e conhecidos.
O primeiro verdadeiro filme dirigido por Woody Allen pode não ser um dos seus mais conhecidos, mas influenciou mais o seu direcionamento para a comédia do que qualquer outro. Imaginem sketchs dos Monty Phyton misturados com os mockumentários de Christopher Guest, com ambos os estilos a serem totalmente novos na altura do lançamento deste filme. Muito influenciado pelos irmãos Marx, e a comédia muda, o filme é basicamente um conjunto de sketchs, em que Allen e o seu consultor Ralph Rosenblum eventualmente conseguiram colocar alguma ordem. Uma mistura anárquica e autodepreciativa de cenas muitas vezes hilariantes, e alguns fracassos engraçados, que ao contrário do Woody mais recente, parodia, e utiliza a sua vasta riqueza sobre a história do cinema, em vez de, simplesmente copiar os filmes daquela época.
Cada cena perturba o sentido do documentário seriamente, criando um mal estar baseado na comédia. Por um lado é Woody Allen achar que qualquer coisa que vá contra a ilusão da verdade seja engraçada, mas ninguém chega ao fim do filme a pensar que o que acabaram de ver era realmente um documentário. Allen era um escritor de "comics" e argumentista de televisão nesta altura, e as suas piadas eram tão boas que não interessava se ele estava a tentar encontrar a sua rotina no standup. Uma comédia muito inteligente, a não perder.

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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

De Punhos Cerrados (I Pugni in Tasca) 1965



Uma família da província está no centro do filme de estreia de Marco Bellocchio, o mórbido "I Pugni in tasca", que é literalmente um filme doente. Temos várias doenças que alimentam os membros da família: a mãe é cega, os filhos sofrem de epilepsia, o mais novo também é deficiente mental - são encarnações físicas das suas enormes emoções.
O jovem protagonista, Alessandro, é-nos introduzido ao filme a saltar de uma árvore, literalmente caindo no frame, como se tivesse sido largado do ar. Alessandro é conhecido por vários nomes (Ale ou Sandrino), vive longe do mundo ao seu redor, não se encaixa na sua família ou sociedade, e a sua vida é marcada por um constante tumulto, normalmente da sua própria criação. Tem tendências homicidas, que ele vê como uma solução prática para os problemas familiares, além de se portar como uma bomba prestes a explodir.
O protagonista é Lou Castel, um actor já com uma longa e variada carreira, mas um desconhecido quando Marco Bellocchio o escolheu para o papel principal. Na sua juventude foi muitas vezes comparado a um jovem Marlon Brando, não só devido à sua calvície prematura,  mas também porque simultaneamente parece inofensivo e profundamente ameaçador.
O vazio da família é assumido pelo irmão mais velho, Augusto (Marino Masé), que é o mais convencionalmente normal da família. Frustrado com as responsabilidades que foram descarregadas sobre ele como irmão mais velho, depois da morte do pai, ele pretende casar-se com a namorada, e mudar-se para um apartamento na cidade.
Ao lado de "Antes da Revolução", de Bernardo Bertolucci, este filme marcava o início de uma nova era no cinema italiano, que era infinitamente mais política, e mais ousada, principalmente porque davam um pontapé no Neorealismo, que vinha a dominar o cinema italiano nos anos 40 e 50, com uma radical simplicidade, e um enorme humanismo. "I Pugni in Tasca" era um produto dos turbulentos anos sessenta, era em que a maioria dos países ocidentais foram sacudidos pela agitação política e divisões geracionais que se tornaram abismos intransponíveis. Lançado em 1965, a escassos três anos das revoltas estudantis de Maio de 68, o filme é atravessado por uma raiva reprimida, tal como o título sugere.
Existe algo sombriamente cómico sobre o filme. Bellocchio leva o assunto muito a sério, mas dá-lhe um tom um pouco absurdo que circula algures entre a comédia e o infortúnio. No entanto, o realizador nunca se afasta da tragédia pungente do filme, porque todos os membros da família se vêm uns aos outros como encargos, e portanto tentam sabotar a felicidade do outro. Eles são disfuncionais porque não conseguem ver nada de positivo uns nos outros, que reduz cada membro da família a um objecto, mais do que a uma pessoa.

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domingo, 14 de setembro de 2014

Losers

O cinema não é só feito de heróis, e de grande vitórias. Por vezes conta-nos histórias do outro lado da vida, o dos perdedores e das derrotas.
O próprio Cinema  já teve os seus dissabores no que diz respeito a este tema. O filme que talvez venha primeiro à memória no que diz respeito a perdedores, é "Heaven's Gate", de Michael Cimino, um épico monumental, para muitos especialistas um dos maiores filmes da história do cinema, mas que na altura da sua estreia foi massacrado pelo público e pela crítica. Lembro-me de "One From the Heart", projecto fabuloso de Francis F. Coppola, com uma história desgastante por trás da sua produção. Foi também mutilado na altura da sua estreia. De outro ponto de vista, temos obras como "A Côr Púrpura", de Steven Spielberg, nomeado para 11 Óscares, sem ter ganho qualquer um.
Vamos por agora esquecer os filmes perdedores, e vamos entrar no reino das personagens "losers". É um tema que daria pano para mangas, suficiente para um ciclo de mais de um mês de duração. Mas, como sempre, fizemos uma mini selecção de personagens losers, com 5 filmes, que irão ser mostrados ao longo da semana. Espero que gostem.

Segunda: I Pugni in Tasca (1965), de Marco Bellocchio

Terça: Take the Money and Run (1969), de Woody Allen

Quarta: Midnight Cowboy (1969), de John Schlesinger

Quinta: Scarecrow (1973), de Jerry Schatzberg

Sexta: Le Diable Probablement (1976), de Robert Bresson

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Os Paraquedistas (The Gypsy Moths) 1969



No fim de semana de 4 de Julho, três paraquedistas chegam a uma pequena cidade do Kansas para uma performance.  Ficam hospedados em casa da tia do mais novo membro do grupo, uma mulher com um casamento infeliz. Uma relação condenada nasce entre esta mulher e um dos paraquedistas, e a tensão cresce, para terminar num fantástico espectáculo de paraquedismo.
O desafio de John Frankenheimer em "The Gypsy Moths" é explicar que razões tem um paraquedista em saltar de um avião e deixar-se cair a direito sobre o chão. O realizador resolve este problema admiravelmente, e consegue dar uma explicação bastante razoável.
Burt Lancaster, Gene Hackman e Scott Wilson representam três pontos de vistas diferentes sobre o paraquedismo. Para Hackman é um negócio, para Wilson é um modo de fuga e aceitação, para Lancaster é algo mais pessoal. Sete paraquedistas amadores fizeram mais de 2000 saltos para criar o trabalho de duplos deste filme, e entre ventos e chuvas não cooperativos, foram obrigados a mudar de local de filmagens sete vezes, dentro do estado do Kansas. Scott Wilson foi chamado a substituir um John Philip Law lesionado, que foi a primeira escolha para o papel de jovem temerário. Gene Hackman era ainda um actor relativamente desconhecido, e ainda assim conseguiu roubar a maior parte das cenas a Burt Lancaster, um actor já muito experiente.
Frankenheimer consegue fazer um excelente uso de exteriores do Centro-Oeste americano, e o resultado final acaba por ser agradável, sobretudo para os fãs do paraquedismo.

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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Homem de Kiev (The Fixer) 1968



Passado na Rússia Czarista, na viragem do século 19 para o século 20, e baseado numa história real de um camponês russo judeu, Yakov Bog, que foi preso injustamente pelo crime mais improvável - o ritual assassinato de uma criança em Kiev. Seguimos os detalhes implacáveis da vida do camponês na prisão, e vemo-lo ganhar em dignidade as tentativas para humilhá-lo, e fazê-lo confessar o crime que não cometeu.
Muitos dos filmes de Frankenheimer lidam com a luta pela justiça social, e pela compaixão humana, e este é definitivamente um filme que cai nessa categoria. Em "The Fixer", Frankenheimer e o argumentista  Dalton Trumbo não perdem tempo para nos atirar com discursos dizendo-nos o que está a acontecer e o que isso quer dizer. A vítima (interpretada com grande sensibilidade por Alan Bates), não é apenas uma figura cristã, como também não se cansa de dizer que o é.
A experiência de Frankenheimer a dirigir muitas das peças da idade de ouro da televisão, como "Playhouse 90", demonstram perfeitamente que ele pode dominar close-ups e melhorar o diálogo. Poucos filmes americanos podem ser corajosos o suficiente para falar de idéias sem ter sempre que recorrer à acção. Já sabemos que Frankenheimer é um especialista em acção, basta lembrar "The Train", ou um filme posterior chamado "Ronin", mas aqui temos de dar-lhe créditos por abraçar um campo diferente, com um enorme sentido de introspecção.
A atmosfera claustrofóbica da prisão é tão intensa que a cena final é uma das mais interessantes da carreira do realizador. Os créditos também vão para Trumbo, por ter criado um herói que não é inteiramente perfeito. Yakov Bok não só traíu a sua herança, trabalhando para os anti-semitas, mas também, como sabemos depois, está de relações cortadas com a sua família.
Um destaque especial para os actores. Alan Bates conseguiu aqui a sua única nomeação para o Óscar de melhor actor, e, no papel de advogado, Dirk Bogarde também está muito bem. Hoje em dia é um filme muito esquecido no tempo, apenas teve uma edição muito rara em DVD.

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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Grande Prémio (Grand Prix) 1966



O piloto americano do Grand Prix Pete Aron, é despedido pela sua equipa, a Jordan-BRM depois de um acidente no Mónaco, que lesiona gravemente o seu colega de equipa, Scott Stoddard. Enquanto Stoddard luta para recuperar, Aron começa a correr para a equipa japonesa da Yamura, e envolve-se romanticamente com a ex-mulher de Stoddard.
Colocar um antigo realizador de televisão ao vivo a cargo de uma produção multi-câmeras sobre Formula 1 podia parecer um pouco arriscado, mas na realidade John Frankenheimer era a escolha ideal para este trabalho. Frankenheimer já tinha uma grande experiência a trabalhar com várias câmeras ao mesmo tempo, cumprindo prazos rígidos, e uma experiência a filmar ao primeiro take - tudo obrigatório para qualquer gestor de uma equipa no mundo de caos da televisão ao vivo. Adicionar a isto um talento especial para trabalhar com actores de múltiplas gerações, e um sentido visual maravilhoso, e temos, talvez, o único realizador que poderia equilibrar acção, drama, egos, e ao mesmo tempo tempo equilibrar com o seu gosto pessoal por carros rápidos.
Desde muito novo que Frankenheimer adorava carros, e havia poucos filmes que conseguiam capturar a beleza das máquinas em movimento, os detalhes fetichistas das entranhas de um carro de corrida, e o poder do perigo e da velocidade. Talvez aqui o filmes mais forte seja "Le Mans", de Lee H. Katzin, com um design minimalista (virtualmente sem diálogo), mas "Grand Prix" aproxima-se mais das emoções das corridas, do que qualquer outro filme.
As montagens sonoras são excelentes, os técnicos de som capturaram o barulho dos motores, e as mudanças de som de cada veículo, em harmonia com uma sensação de docu-drama, algumas sequências de corrida são acompanhadas com música. Ganhou três Óscares de Hollywood, Som, Montagem, e Efeitos Sonoros.
 
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Uma Segunda Vida (Seconds) 1966



"Seconds" é um filme estranho, perturbador, que se preocupa com um desejo primordial: a fantasia de começar de novo, receber uma segunda chance para fazer o que se quer na vida, assumindo uma nova identidade. No entanto, o filme apenas lentamente vai revelando qual é o seu verdadeiro objectivo.
O filme começa com o veterano John Randolph (que tinha sido colocado na lista negra do MaCarthismo na década anterior), como Arthur Hamilton, um banqueiro de sucesso que foi vivendo afastado tanto da sua esposa ((Frances Reid), como do mundo que ele criou para si próprio, que é feito com confortos materiais (uma casa grande, um carro grande), que ele sempre quis. Aborrecido e frustrado com a sua vida, e impotente para fazer alguma coisa contra isso, aceita um convite de um estranho grupo, chamado "The Company”, para ser literalmente renascido: a sua morte vai ser simulada, a sua cara vai ser reconstruída com uma radical operação plástica, e ele vai ser colocado num novo local, com uma nova identidade, e terá uma nova hipótese de viver.
Uma nova vida começa: o rosto de Arthur é reconstruido cirurgicamente (a personagem agora é interpretada por Rock Hudson), o seu nome alterado para Antiochus “Tony” Wilson, e assume a rica posição social de um artista a viver em Malibu. Conhece uma bela mulher, e tenta viver uma vida selvagem e despreocupada, mas começa a sentir saudades da sua anterior esposa...
O que parece mais perturbador sobre "Seconds", é a completa negação da felicidade potencial para o protagonista: independentemente de onde ele esteja, nada combina consigo, o que faz dele um problema para a sua própria existência. O filme nunca nos dá uma razão para a infelicidade deste homem, mas também nos encoraja a assumir que ele é apenas um personagem trágico, e está condenado a ser um homem infeliz.
"Seconds" foi visto como uma mudança significativa na carreira de Rock Hudson, que na década de 60 estava em trajetória descendente, depois de em meados dos anos 50 ter participado, com sucesso, em melodramas de Douglas Sirk ("All That Heaven Allows" e "Written on the Wind"), e um número de comédias românticas com Doris Day, entre o final dos anos 50 e inicio dos anos 60 (a mais famosa "Pillow Talk"). Tal como a personagem interpretada por si, este era um renascimento para o actor Rock Hudson.
No entanto, o que realmente nos agarra em "Seconds" é o estilo visual, único, criado por Frankenheimer e o director de fotografia, James Wong Howe, cuja carreira cinematográfica já vinha desde os anos 20. Filmado em tons gritantes de preto e cinza, é um filme altamente subjectivo, utilizando truques muito bem elaborados, para nos mostrar a subjectividade de Arthur/Tony, e questionar tudo o que possa parecer objectivo. A natureza visual do filme, está presente desde os creditos de abertura, com uma sequência preparada por Saul Bass, que fez muitos dos famosos créditos iniciais de Hitchcock, incluindo "Vertigo" e "Psycho".

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

O Prisioneiro de Alcatraz (Birdman of Alcatraz) 1962



Originalmente sentenciado a 12 anos de prisão, depois de ter morto um homem no Alasca, em 1909, Stroud (Burt Lancaster) perde a sua liberdade condicional depois de se envolver num esfaqueamento na prisão e é depois condenado à morte na prisão de Leavenworth depois de ter assassinado um polícia que não deixou a sua mãe Elizabeth (Thelma Ritter), visitá-lo. Stroud tem uma relação obsessiva com a sua mãe, que faz uma visita ao Presidente Woodrow Wilson e convence-o a comutar a sentença de Stroud para prisão perpétua. O director da prisão, Harvey Shoemaker (Karl Malden), pretende manter Stroud o resto da vida na solitária. Mas Stroud vai arranjar uma motivação para a sua vida...
No mesmo anos em que lançou o seu grandioso e nervoso épico "Manchurian Candidate", Frankenheimer lançou mais um êxito com o biopic sobre o famoso Birdman of Alcatraz. Baseado no livro de Thomas Gaddis, o filme conta a história de Robert Stroud, um condenado por duplo assassinato, cujas cinco décadas de aprisionamento, ironicamente, proporcionou-lhe tempo para revelar o seu enorme génio. De acordo com o argumento de Guy Trosper, a educação de Stroud terminou depois da terceira classe, mas na prisão ele capacidade para adquirir muitos conhecimentos. É uma grande falha do argumento, que apesar dos 149 minutos de filme, esta informação só chega até nós através do diálogo expositivo. A sua fascinação pelos pássaros chega quase por acidente, e rapidamente se torna a obra da sua vida, mas ainda bem que o filme se afasta dos processos e contextos pelo qual este hobby se anuncia como uma espécie de chamado.
A história contada no filme, é muito simpática para Stroud (não obstante os vislumbres do seu narcisismo, e uma relação doentia com a mãe). Burt Lancaster faz um grande trabalho retratando o jovem rebelde (pronto para reagir violentamente se alguém disser mal da sua mãe), que se assume como porta-voz contra a reforma do sistema prisional. O seu papel foi de tal forma grande, que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Hollywood. Mas este é um filme de actores, e não vive só da prestação de Lancaster. Igualmente nomeados ao Óscar estiveram Telly Savalas e Thelma Ritter, ficando injustamente de fora Karl Malden, brilhante no papel do autoritário director da prisão. O verdadeiro Stroud conta-se que era pouco popular, tanto entre os guardas prisionais, como entre os colegas prisioneiros, e utilizou equipamento científico para fazer cervejas caseiras.

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domingo, 7 de setembro de 2014

John Frankenheimer

Junto com Sidney Lumet, John Frankenheimer foi um dos grandes realizadores e emergir e a ser influenciado pela estética da televisão ao vivo, uma vaga popular que surgiu brevemente, em força, no final dos anos 50, para se tornar obsoleto no inicio da década de 60. A sua fama posterior e a sua repetida nostalgia pela televisão ao vivo, fizeram dele um dos expoentes máximos desta forma.
A filmografia de Frankenheimer durante a década de 60 foi tão abundante, e tão repleta de interligações temáticas, que era necessário dedicar-lhe um ciclo. Nesta década fez a sua famosa trilogia sobre a paranoia (The Manchurian Candidate, Seven Days in May, Seconds), uma trilogia de acção (The Train, Grand Prix, The Horsemen), filmes que se centravam à volta de conflitos psicológicos entre homens num contexto de combate ou desporto. Ainda houve uma chamada trilogia rural (All Fall Down, The Gypsy Moths, I Walk the Line), que privilegiava a atmosfera do interior americano, em vez do enredo ou do suspense. Isto sem esquecer o enorme filme que é "Birdman of Alcatraz".
As referências de Frankenheimer para obras de Wyler ou Welles, ligam-no ao classicismo do final da era de estúdio de Hollywood,  e antecipava o estilo e o conceito da American New Wave que estava a surgir. Os seus filmes dos anos 60 a meio do profissionalismo de Anthony Mann ou Budd Boetticher, e a violência de Francis Ford Coppola ou Willem Friedkin nos anos 70, e uma ponte entre o emocionalismo impulsivo de Elia Kazan ou Nicholas Ray, e o humanismo de Altman ou Cassavetes. Frankenheimer tem um lugar reservado na história do cinema, como uma figura de transição entre duas épocas importantíssimas.
O ideal seria incluir neste ciclo todos os 11 filmes que ele realizou nesta década, mas tinha de escolher apenas 5, e fi-lo de modo a que pudessem entender melhor a sua importância.
Sendo assim, aqui fica a programação desta semana:

Segunda: Birdman of Alcatraz (1962)

Terça: Seconds (1966)

Quarta: Grand Prix (1966)

Quinta: The Fixer (1968)

Sexta: The Gypsy Moths (1969)


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Terror Gótico: mais alguns filmes

Ter reduzido este belo movimento de cinema de terror gótico italiano a 5 filmes, foi um pouco injusto. Como tinha por aqui alguns filmes, que dificilmente utilizarei noutros ciclos, resolvi fazer uma postagem extra com algumas destas obras. Espero que gostem.

 - L'Amante del Vampiro (1960, Renato Polselli) - Link Imdb (legendado em inglês)
- I Tre Volti Della Paura (1963, Mário Bava) - Link Imdb
- La Vergine di Norimberga (1963, Antonio Margheriti) - Link Imdb
- Sfida al Diavolo (1963, Giuseppi Veggezzi) - Link Imdb
- Lo Spettro (1963, Riccardo Freda) - Link Imdb (dobrado em inglês, sem legendas)
- Danza Macabra (1964, Sergio Corbucci e Antonio Margheriti) - Link Imdb
- 5 Tombe Per Un Medium (1965, Massimo Pupillo) - Link Imdb
- Amanti d'Oltretomba (1965, Mario Caiano) - Link Imdb
- La Notte dei Diavoli (1972, Giorgio Ferroni) - Link Imdb (legendado em inglês)
- Lisa e il Diavolo (1973, Mário Bava) - Link Imdb

Bom fim de semana.

Operação Medo (Operazione Paura) 1966



O Dr. Eswai é chamado pelo Inspector Kruger a uma pequena aldeia para fazer uma autópsia a uma mulher que morreu debaixo de estranhas circunstâncias. Apesar da ajuda de Ruth, a bruxa da aldeia, Kruger é assassinado, e é revelado que a mulher morta, assim como outras vítimas, foram assassinadas pelo fantasma de Melissa, uma jovem que, alimentada pelo ódio do luto da mãe, vinga-se sobre todos os habitantes da aldeia. Com a ajuda da enfermeira Mónica, o Dr. Eswai vai ter de descobrir qual é a verdade.
A primeira sequência de "Operação Medo", é tão poderosa e visceral como o nome do filme pode sugerir. O filme começa abruptamente, a meio de uma cena, com uma mulher a fugir de um grande castelo, e a gritar "Não! Não!".Ela corre para a câmera, que alterna entre close-ups para fazer sobressair o terror nos seus olhos, e shots de longa distância que a mostram a fugir horrorizada. Uma sequência fascinante, e aterrorizante, que promete um grande filme de terror psicológico. Poucas vezes durante o filme Mario Bava alcança o impacto destas primeiras cenas, e embora o filme, na realidade, tenha falta de sustos, ganha na atmosfera que consegue criar, e na deslumbrante fotografia, sempre da autoria de Mário Bava, com a ajuda de Antonio Rinaldi, colaborar de Bava em vários filmes.
É um filme que divide muito os fãs do realizador. Alguns consideram-no o seu melhor trabalho, enquanto para outros foi uma desilusão. E é fácil perceber porquê. É uma obra sedutoramente misteriosa, com uma história de fantasmas no seu núcleo, mas superficialmente é mais do que um exercício de estilo, com muita substância, e muitas cenas marcantes. Todos os problemas desaparecem no final do filme, quando Bava faz uma montagem rápida de frissons, com a terrível verdade à vista, e a realidade contextual do filme finalmente a encaixar-se. É um dos melhores filmes desta vaga de terror gótico, provavelmente o meu preferido. 

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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Chicote e o Corpo (La Frusta e il Corpo) 1963



Kurt Menliff é um nobre do século XIX, cruel e sádico, que regressa ao seu castelo à beira-mar plantado, depois de passar alguns anos fora. Entra logo em conflito com o seu pai inválido, um Conde, assim como com o seu irmão mais novo, Christian, que agora é casado com a prima, e ex-amante de Kurt, Nevenka. Quando na noite seguinte Kurt é encontrado morto no seu quarto, toda a gente é suspeita, e tudo fica mais complicado quando Nevenka começa a ver o fantasma de Kurt (real ou imaginário?), que assombra o Castelo, supostamente para se vingar do seu assassino.
Mário Bava é considerado por muitos como o Padrinho do terror Italiano. Um verdadeiro auteur, fez a fotografia da maioria dos filmes que realizou, e começou a escrever os próprios argumentos da década de sessenta em frente. Em 1963, já com alguns filmes no seu currículo, realizaria aquela que seria considerada uma obra prima do sadomasoquismo, e uma das mais importantes obras do terror gótico: "La Frusta e il Corpo", com o lendário Christopher Lee, e a bela desconhecida Daliah Lavi, que viria, mais tarde, a ser uma Bond Girl em Casino Royale, nos principais papéis.
Para quem procura filmes de terror gráficos, ou sangrentos, não é isso que vão aqui encontrar. Há muito pouco sangue, ou nudez, mas os temas sórdidos tratados entre as personagens (um triângulo amoroso com conotações incestuosas), e as chicoteadas são muito decadentes. O ritmo é lento, criando uma sensação de tensão e expectativa. Apesar de todos serem suspeitos neste filme, Bava está mais interessado em usar a sua marca registrada de cores sombrias, para estabelecer o clima e a atmosfera pretendidos. Brinca com o erotismo sádico, quando Kurt ataca a sua ex-amante com um chicote - e ela parece gostar. 
Um grande desapontamento foi porque a voz de Christopher Lee não foi usada, nem na versão italiana, nem na versão internacional. Esta versão aqui presente é a versão internacional.

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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Raptus - O Diabólico Dr. Hichcock (L'orribile segreto del Dr. Hichcock) 1962



O ano é de 1885, e o necrófilo Dr. Hitchcock gosta de drogar a sua esposa para jogos sexuais funerários. Um dia, administra-lhe uma dose maior, e acidentalmente mata-a. Vários anos depois volta a casar, e regressa à sua antiga casa. Ao descobrir que a sua amada primeira esposa ainda está viva, mas prematuramente envelhecida, ele planeia usar o sangue sangue da sua nova esposa para rejuvenescê-la...
"Raptus", o título alternativo de " L'Orribile segreto del dottor Hichcock", de Riccardo Freda, é certamente um filme que vai atraír os seguidores do cinema virado para o macabro. Os visuais atmosféricos desta obra prima de Riccardo Freda, de alienação sexual e necrofilia, é um capítulo sem precedentes no campo da Idade de Ouro do Terror Italiano, que agarrou a indústria romana de 1956 a 1966.
Com várias referências para as influências literárias de Ann Radcliffe e o século 19, "L'Orribile segreto del dottor Hichcock", é um catálogo de repressões vitorianas, referentes ao desejo e à morte, ao casamento e à sepultura. O perverso comportamento do nosso herói, o Dr Bernard Hichcock (Robert Flemyng), resulta na criação de objectos-fetiche de desejo e morte, de cada uma das suas mulheres. O argumento retira inteiramente o Dr Hichcock das convenções morais, tal como os críticos surrealistas observam, sem racionalização narrativa das suas acções. A sequência do funeral no filme levou o crítico Raymond Durgnat a comentar sobre o quanto eficaz uma boa iluminação pode ser, capaz de dar a um filme de terror uma poesia visual única no cinema. 
"L'Orribile segreto del dottor Hichcock" ficou completo em apenas 16 dias, em Abril de 1962. Freda, como famoso jogador, fez uma aposta de que poderia completar um filme de época em apenas 16 dias. A sexualidade submissa, e o misterioso subtexto foram em parte por causa do resultado de Freda em ler uma história de Ernesto Gastaldi, argumentando que não houve tempo em aprofundar as motivações dos personagens principais. O objecto de toda essa tensão sexual, é a raínha do gótico italiano, Barbara Steele. A sua reputação vem da série de filmes que ela representou na primeira metade da década de 60, quando Bava fez dela um ícone do fetichismo, em "La Maschera del Demonio"

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terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Moinho das Mulheres de Pedra (Il Mulino Delle Donne di Pietra) 1960



Hans chega a uma cidade perto de Amesterdão, para escrever uma história sobre um escultor recluso, o Professor Wahl, que vive num velho moinho numa ilha, que os locais chamam de Moinho das Mulheres de Pedra. Hans conhece a linda e sedutora filha do professor, e começa a apaixonar-se por ela, apesar de todo o seu amor por Liselotte. Lentamente ele vai ficar a saber das experiências que Wahl vem fazendo com o seu assistente, o Dr. Bohlen, e enquanto isso andam a desaparecer mulheres na cidade...
"Il Mulino Delle Donne Di Pietra", de Giorgio Ferroni, é um Eurochiller imponente, de ritmo lento, e que se baseia mais em nos elementos visuais, e uma forte atmosfera gótica, do que na tentativa de pregar sustos. Como consequência, pode não agradar a algum público, fã do cinema de terror. O mistério por trás do carrossel, e da estranha morte de Elfie, e da sua ressureição, é revelado muito cedo, e o facto de ser preciso quase uma hora para a audiência apanhar o filme, pode não ser muito positivo. Felizmente, o filme consegue manter-se interessante até chegarmos lá. As cenas que conduzem à grande revelação, e ao ardente climax, embora por vezes letárgico, fazem avançar a história.
A personagem central neste filme, tal como a personagem principal de "Black Sunday", é uma mulher que se transforma num monstro, tal como uma vítima dos seus próprios desejos. Scilla Gabel é uma morena de beleza incomum, e tal como Barbara Steele personifica as forças negras de uma forma muito poética. A sua interpretação é tão hipnótica que fazem do filme uma joia da coroa entre todo o cinema italiano de terror.
Georgio Ferroni dirigiu esta elegante obra prima do terror, embora a maior parte do seu trabalho nesta altura fosse no território do "pepelum". Mais tarde, ele ainda viria a realizar outra grande obra do cinema gótico, já no seu final, chamada "La Notte dei Diavoli". 

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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O Vampiro (I Vampiri) 1957



Paris é assolada por um assassino que rapta jovens mulheres, drena-as de todo o seu sangue, e as atira para o rio Sena.O intrépido repórter Pierre Lantin (Dario Michaelis) está determinado a desvendar esta onda de crimes, e descobrir o assassino que a imprensa apelidou de "o vampiro". Enquanto tenta desvendar o caso, Pierre é alvo do afecto da bela Giselle, sobrinha da duquesa Du Grand. Apesar de toda a beleza de Giselle, Lantin sente uma repulsa por ela. O que haverá de estranho nesta figura?
"I Vampiri" é um filme marcante na história do cinema, de várias formas: em primeiro lugar, é o filme que deu inicio ao cinema terror italiano moderno, bem como o inicio virtual da carreira de Mário Bava como realizador (era o director de fotografia, mas tomou conta da realização quando o realizador Riccardo Freda saíu). E é provavelmente, uma das poucas vezes (ou pelo menos, das primeiras), que um repórter de jornal questiona seriamente a ética da sua profissão.
A história de "I Vampiri" é terrivelmente prosaica para um filme de Bava: mas nas suas mãos, até mesmo o prosaico se torna uma maravilha expressionista. O filme é percorrido por imagens surpreendentes, incluindo a sequência do funeral, e o assassinato muito "noirish" do viciado em drogas.Também antecipa imagens que prenunciam o trabalho posterior de Bava (particularmente a sua obra-prima, "Black Sunday"), como a entrada escondida atrás da lareira, abrindo para um grande salão da Duquesa du Grand.
Bava também conseguiu criar alguns excelentes efeitos especiais, como a transformação de Giselle, que não foi apenas realizada sem computadores, como também foi feita sem cortes. A ausência de computadores produz um efeito muito realista, mas mesmo assim, "I Vampiri" não consegue alcançar a qualidade de alguns filmes posteriores de Bava, dentro deste ciclo de cinema de terror gótico.

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