quinta-feira, 29 de março de 2018

O Homem da Câmara de Filmar (Chelovek s Kino-apparatom) 1929

"Dziga Vertov começou a sua carreira com cinejornais, que retratavam a luta do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa (1918-21) e que eram exibidos nas vilas e aldeias, por onde passavam os "comboios revolucionários". Esta experiência ajudou-o a elaborar as suas ideias sobre a sétima arte, ideias essas que partilhava com um grupo de jovens cineastas que se auto-intitulavam "Kino-Glaz", isto é, olho do cinema. As princípios do grupo - a "honestidade" do documentário, quando comparado com filmes de ficção, e a "perfeição" do olhar cinematográfico, superior ao da visão humana - informam a obra mais extraordinária de Vertov: "O Homem da Câmara de Filmar". Neste filme, o realizador combina ideologia radical com estética recolucionária, daí resultando uma obra vertiginosa. Os dois componentes do cinema - a câmara e a montagem - surgem como parceiros iguais e sexuados. O operador de câmara masculino de Vertov - o seu irmão Mikhail Kaufman - registava a vida quotidiana da cidade moderna ou, como dizia Dziga, "captava a vida sem pensar", enquanto a editora feminina  - a sua esposa Elizaveta Svilova - cortava e colava as cenas filmadas e reinventava, deste modo, essa vida. Não houve técnica de montagem ou filmagem que não fosse explorada por Vertov, desde a câmara lenta e a animação, passando por zooms, zooms invertidos, ecrã dividido, paralítico, até às imagens múltiplas e desfocadas. Como resultado, o cineasta criou um manual de técnicas cinematográficas, assim como um hino ao Novo Estado soviético. 
A câmara dá inicio à sua actividade, à medida que a cidade vai acordando e capta os autocarros e eléctricos a saír dos seus hangares nocturnos, assim como as ruas que, a pouco e pouco, se vão enchendo. De seguida, segue os habitantes da cidade - que, a maior parte das vezes é Moscovo, muito embora tenha havido filmagens significativas em Kiev, Odessa, e Ialta - nas suas rotinas diárias de trabalho e lazer. Toda uma vida é condensada num dia, dado que a câmara espreita por entre as pernas de uma mulher para testemunhar o nascimento de um bebé, espia um grupo de crianças encantadas com um mágico de rua, persegue uma ambulância que transporta uma vítima de acidente. Os novos rituais substituem os antigos, uma vez que os casais casam, se separam e se divorciam no registo civil, em vez de o fazerem na igreja.   Vertov materializa assim, através de imagens, os principios marxistas, graças a uma montagem brilhante que descreve a mecanização do trabalho manual e enaltece a velocidade, a efeciência e até a alegria do labor realizado em linha de montagem."   
Texto de Josephine Woll

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quarta-feira, 28 de março de 2018

A Casa da Praça Trubnaya (Dom na Trubnoy) 1928

A acção passa-se em Moscovo no auge da Nova Política Económica. O pequeno burguês vive uma vida agitada na famosa Praça Trubnaya. Um dos inquilinos, Mr. Golikov (Vladimir Fogel), dono de um salão de cabeleireiro, procura uma empregada que seja modesta, trabalhadora e não sindicalizada. Uma rapariga que parece ser a indicada para o lugar é uma camponesa de alcunha Paranya, nome completo Praskovya Pitunova (Vera Maretskaya). Mas depressa chega a notícia que Praskovya Pitunova foi eleita deputada pelo sindicato das empregadas domésticas.
O argumento escrito por Bella Zorich estava há muito tempo nos estúdios Mezhrabpom-Rus sem ser levado ao cinema. Tinha sido escrito para Sergei Komarov, mas depois de discussão ficou decidido que seria Boris Barnet a adaptar o filme. Zorich queria que a história da nova Cinderella, Paranya Pitunova, fosse suposto mostrar o slogan "todo o cozinheiro deve aprender a governar o Estado" era interpretado de má forma por todos os filistinos. No entanto, quando Barnet começou a trabalhar no filme, começou logo a modificar o argumento, que passou por uma infinidade de autores, como Viktor Shklovsky, Nikolai Erdman, Anatoli Marienhof, Vadim Shershenevich. O produto final acabou por perder muito do seu tom satírico.
O resultado seria um esboço de carácter observador, essencialmente amoroso, de uma comunidade que parece nunca parar para recuperar o fôlego. A Casa na Praça Trubnaya mistura sátira perceptiva (incluindo algumas farpas anti-democráticas bem colocadas) com surpresas cinematográficas (do surrealismo ao stop-motion) e burlescas de outros estilos soviéticos (Eisenstein e as suas multidões, e Vertov).  

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segunda-feira, 26 de março de 2018

A Montanha do Tesouro (Zvenigora) 1928

Nikolai Nademsky (Earth), é o avô de Timoshka (Semyon Svashenko), a quem alerta sobre um tesouro enterrado nas montanhas, e o jovem irá passar o resto da sua vida a tentar encontrá-lo. 
"Zvenigora" (1928) é descrito pelo próprio realizador, Aleksandr Dovzhenko, como um "poema cinematográfico", uma representação surreal e politicamente tingida da industrialização da Rússia soviética dos anos 20, destruindo a existência pacífica do povo das estepes da Ucrânia. Desconsiderando o estilo tradicional para uma direcção vanguardista sem precedentes, este conto de um velho tentando preservar um tesouro escondido na montanha, é um filme profundamente lírico carregado com a beleza natural da terra de Dovzhenko, com uma mensagem politicamente muito subtil. Ao ver o filme, o lendário realizador soviético resumiu a experiência de uma forma bela, comentando: "À medida que as luzes se acenderam sentimos que tínhamos acabado de assistir a um evento memorável no desenvolvimento do cinema. 
Apesar de estar ancorado num lendário conto sobre a busca de um tesouro enterrado na montanha de Zvenigora, o filme prossegue por séculos de história ucraniana e folclore, através de uma série de saltos inesperados entre períodos de tempo e histórias. Uma mistura  visualmente estimulante do mítico e do moderno, chegando (finalmente) a uma ode à industrialização.

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domingo, 25 de março de 2018

The Eleventh Year (Odinnadtsatyy) 1928

Este documentário mostra o trabalho duro na produção industrial para fortalecer a economia da União Soviética e transformar o seu país numa potência mundial.
Despedido do estúdio Sovkino depois de "A Sixth Part of the World", Vertov, o seu director de fotografia e irmão Mikhail Kaufman, e a sua esposa-assistente Elizaveta Svilova eram em breve contratados por uma produtora ucraniana. O primeiro trabalho deste trio foi um documentário para celebrar o décimo aniversário da Revolução de Outubro. Mais ou menos com os mesmos objectivos de "Stride, Soviet!" e "A Sixth Part of the World", mas o tema político de "The Eleventh Year" era bem mais ortodoxo e claro, e a fotografia e montagem eram bem mais ousadas e complexas. Aos olhos de um artista de esquerda dos anos 20 dez anos de socialismo constituíam uma experiência social radical e, como tal, mereciam uma apresentação radicalmente experimental.
"The Eleventh Year" era o projecto mais importante das três produções ucranianas de Vertov, mas também era o menos discutido. A inacessibilidade era talvez a causa deste acontecimento. Para além disto, "The Eleventh Year", por toda a complexidade da sua montagem, tem uma mensagem agitacional, beneficiando da propaganda do estado soviético perante a industrialização e a electrificação.

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sexta-feira, 23 de março de 2018

Miss Mend (Miss Mend) 1926

A personagem do título, Miss Mend (Natalia Glan), é uma jovem solteira e trabalhadora que cria o seu sobrinho sozinha. Ela é o tipo de mulher corajosa capaz de entrar numa briga para fazer a coisa certa, mas passa o tempo à espera dos seus amigos e admiradores homens. Eles são Barnet, um repórter (interpretado pelo co-realizador Boris Barnet), o fotógrafo Vogel (Vladimir Fogel) e o cómico e corpolento Tom Hopkins (Igor Ilyinsky). Juntos vão salvar o mundo de uma mente criminosa chamada Chiche (Sergei Komarov), que deseja largar uma bactéria para terminar com a humanidade.
A sensibilidade cómica do realizador e actor Boris Barnet a ser exibida neste serial de 1926, que ele próprio co-dirigiu com Fedor Ozep. Respondendo à popularidade dos filmes norte-americanos da era bolchevique, adaptam um romance americano passado na Rússia, e transformam-no numa das primeiras referências do cinema russo.
"Miss Mend" é uma pequena curiosidade de um breve período do cinema soviético em que os seus realizadores eram encorajados a adoptar técnicas americanas de filmagem para promover as causas soviéticas. O resultado é uma mistura de dois estilos muito diferentes. Os filmes russos destacavam-se pela caracterização de personagens muito detalhados, os americanos de sucesso (na altura e agora), muitas vezes eram sobre o espectáculo e o melodrama. "Miss Mend" depressa mostra que aprendeu com os seriais de aventuras americanos, dando ao público comédia e acção. 

Parte 1
Parte 2
Parte 3
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quarta-feira, 21 de março de 2018

Bed and Sofa (Tretya meshchanskaya) 1927

Um casal tem um pequeno apartamento em Moscovo. Quando um velho amigo do marido chega à cidade, não consegue encontrar sitio onde ficar hospedado. Kolia, o marido, convida o amigo para ficar em casa deles. Enquanto o marido viaja em negócios, a esposa sensual Liuda e o atraente amigo, Volodia apaixonam-se e têm um caso. Depois de uma indignação inicial o marido acalma, e envolvem-se os três num "menage-a-trois" até que a esposa engravida. Os dois homens tentam pensar no que fazer, mas Liuda é suficientemente forte para tomar as suas decisões. 
Esta atrevida farsa russa é uma fascinante curiosidade, atípica em relação ao cinema de propaganda da altura, e bem à frente do seu tempo no tratamento a sexo e género. Os três intérpretes principais têm grandes interpretações, com destaque para Lyudmila Semyonova num papel feminino altamente progressista para a altura. O filme também beneficia de um trabalho de câmara inventivo, produzindo uma visão realista da década de 20 em Moscovo e dos seus habitantes. 
Era o quarto filme de Abram Room, e ganhou fama por ter sido banido (e elogiado) nos dois continentes. Tal como outros dos primeiros realizadores do cinema soviético, chegou a esta área depois de um caminho sinuoso. Era um médico especializado em psiquiatria e neurologia, que serviu como oficial do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa, que se deu depois das revoluções de 1917. Originalmente da Lituânia, Room decidiu ficar em Moscovo depois da desmobilização e começou a trabalhar no Teatro da Revolução.  

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segunda-feira, 19 de março de 2018

A Sexta Parte do Mundo (Shestaya Chast Mira) 1926

A montagem deste documentário de Vertov é uma ode para a vasta região da União Soviética, e todas as diferentes culturas contidas nela. Como todos os filmes de Vertov, este é um documentário que não possui narrativa, e é composto por uma série de imagens cuidadosamente montadas para criar significado.
O título refere-se à quantidade de terra que é ocupada pela União Soviética recém formada, e a função do filme seria para comemorar e unificar a diversidade contida na multidão de culturas. Foi encomendado à agência comercial do governo soviético uma espécie de anúncio para a URSS ser exibida internacionalmente. Vertov aproveitou a oportunidade para transformar o filme numa espécie de poema, ilustrando as suas idéias sobre o poder do cinema.
Enquanto o filme recebia algumas críticas pelo seu exagerado uso de legendagem poética, outros elogiaram não só a sua abordagem inventiva ao ritmo entre o seu texto lírico e as imagens, mas também pela criação de uma sinfonia de cinema por parte de Vertov, cuja montagem extraordinariamente ousada e complexa ligava imagens de todos os lados dos territórios. Para Vertov "já era mais do que um filme, era o próximo nível depois do próprio conceito do cinema". A sua forma e conteúdo ideológico eram revolucionários, "A Sexta Parte do Mundo" foi também para alguns críticos a completa victória dos factos sobre a fábrica de sonho de Hollywood.

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domingo, 18 de março de 2018

O Couraçado Potemkine (Bronenosets Potemkin) 1925

É difícil igualar a fama da segunda longa-metragem de Sergei Einsenstein, que se tornou fonte de conflitos ideológicos entre o Leste e o Ocidente, a Esquerda e a Direita, assim como uma película de visão obrigatória para todos os cinéfilos do planeta. Décadas de censura e apoio militante, ensaios incontáveis que analisam a sua estrutura, simbolismo, origens e efeitos; milhares de citações visuais - tudo isto contribui para escurecer a história por detrás do filme. Potemkine pode ser pouco exacto a nivel histórico, mas a sua visão lendária sobre a opressão e a revolta, a acção individual e colectiva, e também a sua ambição artística de trabalhar em simultâneo com corpos, luz, objectos triviais, símbolos, rostos, movimento e formas geométricas transformaram-no numa mina cinematográfica única. Como verdadeiro artista de grande ecrã, Eisenstein conseguiu criar um mito tão comovente como magnífico. 
No entanto, é preciso não esquecer que esta sensibilidade estética estava imbuída de um significado político: o desejo de uma "mudança do mundo, empreendida por homens voluntariosos", mudança essa que fazia parte dos sonhos do início do século XX e que era conhecida pelo nome "revolução". Mas mesmos que não estejamos cientes do que a revolução significou, ou melhor, mesmo que não conheçamos com precisão os seus resultados, é evidente que a força de uma aventura épica sopra no ecrã e fá-lo mover, sempre que se assiste a Potemkine. Seja qual for o nome que lhe atribuamos, esta aventura é o único impulso que conduz o povo de Odessa à liberdade, os marinheiros do couraçado epónimo à luta contra a fome e a humilhação, e o próprio cineasta à invenção de novas formas e ritmos fílmicos.   
Demasiadas vezes, os espectadores assistem apenas a excertos de "O Couraçado Potemkine" ou a algumas das suas cenas e sequências mais famosas. Ficarão decerto surpreendidos ao experenciar a força que emana desta película, quando é vista na sua totalidade, ou seja, quando é tratada como uma história comovente e dramática, e não como uma caixa de esmolas inestimável de onde se retiram, de vez em quando, peças individuais.
Este modo renovado e inocente de aceder ao filme devolverá a todos aqueles ícones que se nos tornaram familiares a sua pregnância inicial: o carrinho de bebé que cai nos degraus; o rosto de um marinheiro morto sob uma tenda no fim do cais; os vermes na carne; os óculos do poder político, militar e religioso que, cego, espera no vazio. Antes que a interpretação ideológica o transforme, o leão de pedra ganhe vida, rugindo com fúria e energia, torna-se uma metáfora do próprio filme. Ele simboliza a concepção ousada  do cinema que Potemkine transporta e, tal como a película, desprende-se do seu estatuto monumental e surge, uma vez mais, vivo e fresco, sempre que um novo espectador o contempla. 
Texto de Jean-Michel Frodon

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sexta-feira, 16 de março de 2018

Kino-Pravda No. 21 (Kino-Pravda no. 21 - Leninskaia Kino-pravda. Kinopoema o Lenine) 1925

Kino-Pravda foi uma série de documentários feito por Dziga Vertov, Elizaveta Svilova e Mikhail Kaufman. Para além dos filmes em si próprios, como obras cinematográficas, podemos dizer que Kino-Pravda foi um conceito inventado por Vertov para a captação da realidade pelo meio do cinema. Do ponto de vista da estética do cinema, portanto, Vertov, com este conceito de Cinema-verdade (Kino-Pravda) e um outro conceito também importante para sua contribuição à linguagem cinematográfica, o de Cine-olho (Kino-Glaz), recusa tanto a simples e mecanicista reprodução mimética da aparência imediata, quanto as sugestões simbolistas de Eisenstein. Os seus filmes eram baseados no princípio da filmagem concreta da realidade quotidiana, com mínimas interferências de quem observa esta realidade e num método de montagem em que se recusava toda forma de construção artificial da ligação entre os planos filmados que desse novos sentidos à realidade concreta filmada.
"Lenin Kino-Pravda" era um episódio especial, mais longo do que o habitual, no qual Vertov salta com audácia e facilidade entre bobines, para para ilustrar o caminho sob a liderança de Lenine, o declínio da saúde do estadista, e o ano decorrido depois da sua morte. Uma sequência notável que representa a doença de Lenine, pode ser vista como um "tour de force" de Vertov e Alexander Rodchenko. Noutra uma caricatura animada mostra o rosto de um capitalista a mudar de feições para o desespero. Como ele vês cada vez mais pessoas, junta-se ao Partido Comunista depois da morte de Lenine. 
Intertitles em inglês.

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quinta-feira, 15 de março de 2018

Stride, Soviet! (Shagay, Sovet!) 1926

Comissionado pelo governo soviético de Moscovo como documentário e filme de informação para os cidadãos de Moscovo antes das eleições municipais, o filme é um quadro da vida soviética e realizações do governo no período logo posterior à guerra civil de 1917-21.
O que começara por ser um projecto da União Soviética para um filme promocional, que mostrava todas as coisas boas que o governo fizera para a sua cidade, foi transformado por Dziga Vertov em algo completamente diferente: um filme experimental, um filme emocional, qualquer coisa, excepto algo que ajudasse o governo a ser eleito. No final, o governo recusava a reconhecer "Stride, Soviet!", que foi boicotado por muitos cinemas que anteriormente pretendias mostrar o filme. Pode-se por aqui imaginar o do que as autoridades imaginaram de um filme que acabara de ser patrocionado por eles. 
"Stride, Soviet!", juntamente com o seu antecessor "Kinoglaz" eram vistos como filmes de não ficção bastante avançados, orientados para a divulgação do governo comunista. Se "Kinoglaz" era uma abordagem radicalmente diferente de "educar" os olhos dos espectadores, "Stride, Soviet!" era um enorme soco no estômago. O primeiro introduzia temas como a a cocaína, o vício do alcool, empresas privadas, as crianças da rua, e o segundo apresentava a prostituição. 
A concepção de Vertov do homem soviético não podia ser pensada fora do alcance da visão cinematográfica. Por outro lado, o espectador iluminado torna-se um elemento essencial da nova sociedade. com a sua vida quotidiana revolucionada, assim como os seus valores e formas de comportamento. Tal como a maioria dos filmes mudos de Vertov, "Stride, Soviet!" é uma obra prima definitiva na integração mútua da política e da estética, uma pedra angular de um cinema soviético recentemente concebido ideologicamente. 

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quarta-feira, 14 de março de 2018

A Greve (Stachka) 1925

Numa região fabril russa, durante o regime czarista, há grande inquietação entre os planeadores de uma greve, com a gestão a trazer espiões e agentes externos ao movimento. Quando um trabalhador se enforca depois de ser erradamente acusado de roubar, os outros trabalhadores entram em greve. No início, há excitação nas suas casas, e nos lugares públicos, enquanto eles desenvolvem as suas demandas comunitariamente. Depois, à medida que a greve se desenvolve e as suas demandas são rejeitadas, a fome aumenta, provocando uma aflição doméstica e cívica. Provocadores recrutados pelos patrões, e em conluio com os policias e os bombeiros, trazem problemas para os trabalhadores. Os espiões fazem o seu trabalho sujo, e os militares chegam para liquidar os grevistas.
Nos anos vinte, Eisenstein tornou-se famoso pelo uso da montagem, cortes rápidos, e contrapontos abstractos, estranhos à acção brutal, garantiram-lhe um respeito duradouro. A sequência do matadouro intercalada com o abate de trabalhadores inocentes em greve, ainda é ousada e desagradável nos dias que correm. Com o uso de motivações magníficas, interlúdios poéticos, ângulos expressionistas incríveis, composições construtivas, e sequências de multi-ângulos, "A Greve" é um dos mais dinâmicos filmes filmados e montados na época do cinema mudo.
Sergei M. Eisenstein tinha apenas 26 anos quando dirigiu este seu primeiro filme, que é considerado uma das maiores estreias na história do cinema. Eisenstein tinha outra coisa em mente. Ele queria fazer um filme revolucionário sério para o povo. Felizmente, é uma obra tão energética e feroz, que nenhuma quantidade de propaganda pode oprimir o seu poder. Este também seria uma espécie de aquecimento para o seu filme seguinte, "O Couraçado Potemkine", onde Eisenstein desenvolveu todas as suas ferramentas, e as empregou da melhor forma. Independentemente disso, "A Greve" é muito mais do que um pouco de história. É a própria história viva.
Este filme já tinha sido incluido no ciclo "Consciência de Classe e Luta", mas tinha de ser repetido neste. 

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segunda-feira, 12 de março de 2018

Cinema Olho (Kinoglaz) 1924

 Este documentário promovia as alegrias da vida numa vila soviética, e centrava-se em volta das actividades dos jovens pioneiros. Estas crianças estavam constantemente ocupadas, colando cartazes de propaganda em paredes, distribuíam panfletos de mão em mão, para incentivarem as pessoas a comprarem da cooperativa, como oposição ao sector público, promovendo os seus aliados e ajudando os pobres.
Para um filme projectado para mostrar os aspectos positivos da Revolução, "Kino-Eye" é desarmantemente franco sobre a pobreza e a corrupção na sociedade russa dos anos 20. A quinta bobine do filme é um catálogo de doenças sociais: mercado negro, viciados em cocaína desabrigados dormindo nas ruas, e presos que se arrastam à volta de um hospital psiquiátrico estatal.  Mas este material muito grave e deprimente é muito bem compensado pela excelente montagem de "Kino-Eye".
 "Kino-Eye" é o primeiro documentário de longa-duração de Dziga Vertov, e é feito, não de "found footage", como era então habitual no realizador, mas sim de shots filmados de propósito. A estratégica foi anunciada num jornal pouco antes da estreia do filme: "o Kino-Eye é composto por uma câmara de filmar e duas ou três pessoas, partiram numa viagem para o "campo dos pioneiros", través dos pátios dos camponeses, através dos campos, através dos mercados e favelas da cidade, com uma ambulância para um moribundo, olhando para todos os pequenos cantos da vida social. Olhou e filmou vida, que não foi alterada pela sua presença, não suavizou nada, porque ninguém sentiu a sua presença."

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domingo, 11 de março de 2018

Dziga Vertov e a Avant-Garde Soviética

Dziga Vertov foi o primeiro a considerar o filme, não como uma performance teatral ou um documento histórico, uma como um artefacto independente. Segundo as suas palavras: "Eu sou o olho do Cinema. Sou um olho mecânico. Sou uma máquina a mostrar-vos o mundo de uma forma que só eu posso ver", declarou ele num dos seus primeiros manifestos.
Para Vertov, a eficácia da impressão do filme no espectador não está relacionada com os actores que interpretam uma história divertida em frente à câmara, ou a câmara a ser colocada num lugar específico, por exemplo, numa reunião em que Lenine devia falar. O efeito primário é causado pela interacção de shots completos, shots médios e close-ups, pelo ritmo em que os shots alternam, e como a velocidade e o slow motion são usados. Mesmo ao filmar eventos oficiais Vertov fê-lo a partir de pontos inesperados e ângulos com uma câmara escondida: de um carro em movimento, de um tubo numa fábrica, das rodas de um comboio.
Este ciclo que iremos seguir aqui nas próximas três semanas, foi preparado e apresentado em Março de 2008, faz agora 10 anos, no Harvard Film Institute, por Yuri Tsivian, um dos mais famosos estudiosos do cinema soviético. Colocando o trabalho de Vertov ao lado dos seus contemporâneos, tem por objectivo mostrar os diferentes estilos e abordagens que contribuíram para um dos períodos mais ricos e significativos da história do cinema. Serão exibidos aqui os 15 filmes da mostra de Yuri Tsivian.
 Para vos ajudar na introdução do ciclo, aqui fica um dos livros da autoria de Yuri Tsivian, chamado "Early Russian Cinema and Its Cultural Reception". Aqui. E fiquem com imagens de um tributo a Dziga Vertov.



Boa semana e bons filmes.

sexta-feira, 9 de março de 2018

A Noite da Metamorfose (Izbavitelj) 1976

Um pobre escritor descobre que uma espécie de ratos se uniu para substituir os seres humanos por duplos da sua espécie, numa história que faz lembrar a peça de Eugene Ionesco, Rhinoceros, ou a conspiração oculta das plantas em The Invasion of the Body Snatchers.
A história desta película é baseada num livro do escritor soviético Alexander Greene.Obra-prima do cinema Jugoslavo. Existe uma atmosfera de medo e paranóia na sociedade onde ninguém consegue saber quem é humano e quem é o homem-rato permanentemente substituindo um humano.A conspiração de ratos sedentos de poder chega a todas as partes da sociedade para que realmente não se possa confiar em ninguém. O actor Ivica Vidovic faz um óptimo trabalho como Ivan Gajski – um escritor faminto (Vidovic desempenhou muitas vezes artistas incompreendidos) que procura um lugar para dormir no prédio abandonado do banco central e, de seguida, descobre tudo sobre os planos dos ratos e começa a agir contra eles. “Izbavitelj” é, obviamente, influenciado pelo “Invasion of the Body Snatchers”, mas na realidade parece-se mais com “They Live”, de John Carpenter. A diferença é que “They Live” é uma crítica mordaz ao consumismo e “Izbavitelj” é uma crítica ao totalitarismo.
A grande particularidade desde filme, quase desconhecido, é que ganhou a primeira edição do Fantasporto, em 1982, e logo num ano que tinha adversários de peso, como “Arrebato”, de Iván Zulueta ou “Eraserhead” de David Lynch.É muito difícil de ser visto.
Esta versão foi gravada de um canal de televisão, e tem legendas em inglês.

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quarta-feira, 7 de março de 2018

Memórias de uma Sobrevivente (Memoirs of a Survivor) 1981

"D" é uma cronista de uma sociedade mergulhada no caos, que olha para os gangues da cidade e as ruas cheias de lixo de dentro da fortaleza do seu apartamento. Impedida por sonhos e por ansiedades de saír, encontra um mundo alternativo depois de atravessar a parede do seu quarto, tal como Alice atravessou o espelho. Agora está na Inglaterra vitoriana, no seio de uma família, talvez precursora da decadência que há-de vir. Vai navegando entre os dois lados da sua dupla vida, observando sempre, mas nunca participando.
Os livros brilhantes de Doris Lessing raramente foram objecto de grandes filmes. Este trabalho interpretado por Julie Christie foi uma das raras adaptações para cinema da autora, e contava com a realização e argumento de  David Gladwell, um montador que realizou apenas duas longas metragens, ficando mais conhecido pela montagem de dois filmes de Lindsay Anderson ("If..." e "O Lucky Man", duas obras da Nova Vaga do cinema Inglês). Gladwell está mais preocupado em relatar a obscuridade semi-autobiográfica do texto de Lessing, mas as preocupações sociais profundas e o grande desempenho de Christie tornam lamentável que mais do trabalho de Lessing não tenha sido filmado.
Foi um dos grandes vencedores do primeiro festival do Fantasporto, vencendo o prémio da audiência, realização (ex-aqueo com Piotr Szulkin), com Christie a levar ainda para casa o prémio de Melhor Actriz. 
É um filme bastante raro, não tem legendas nem em inglês.

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terça-feira, 6 de março de 2018

Brevemente, no M2TM: Os ciclos mais aguardados do ano




Já agora, fica a sugestão:
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O Mal de Hamburgo (Die Hamburger Krankheit) 1979

A Alemanha é assombrada por uma praga misteriosa e mortal. Em Hamburgo, um grupo de pessoas um grupo de pessoas parte numa odisseia pelo país através da país para procurar sobreviventes, e alguém que os passa ajudar. A jornada evolui para uma viagem até às montanhas da Baviera, cujo idílio, no entanto, é uma falácia.
Superficialmente parece mais um filme excêntrico pós-apocalíptico europeu, onde a causa final é menos importante do que a rápida deterioração da sociedade. Um punhado de sobreviventes salta de aventura para aventura, encontrando pelo caminho todo o tipo de pessoas enlouquecendo, numa espécie de viagem frenética. Mas o que torna este filme mais do que uma obra excêntrica é o próprio Fernando Arrabal, actor, realizador argumentista, e escritor, autor do argumento de "Fando e Lis" de Alejandro Jodorowsky, numa interpretação verdadeiramente demente, como um sobrevivente muito vigoroso, numa cadeira de rodas, numa atitude muito malvada, bem como várias facetas satíricas numa cultura alemã petrificada, a morrer por causa de um vírus estranho, que reverte as pessoas para a posição primária.
Realizado por Peter Fleischmann, um dos rostos da nova geração de cineastas alemães, e autor do muito falado "Cenas de Caça na Baixa Baviera", tem aqui o filme que o revelava para o resto da Europa.  Fleischmann tinha ganho o prémio de melhor realizador no Mystfest, um festival de cinema fantástico italiano, de onde saíu outra obra exibida no primeiro Fantasporto, "Arrebato". Uma nota também para a banda sonora da autoria de Jean-Michel Jarre, numa das suas primeiras criações para cinema. 
Legendas em inglês.

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domingo, 4 de março de 2018

O Império das Formigas (Empire of the Ants) 1977

Algumas formigas têm contacto acidental com material radioativo e tornam-se gigantes e assassinas. Uma agressiva empresária do ramo imobiliário que planeia drenar uma zona pantanosa, para levantar um condomínio residencial exclusivo, visita com os seus potenciais clientes o lugar das obras, com objetivo de fechar negócios. Aluga um iate de um experiente capitão do rio, e passeia com os seus convidados. Quando se apercebem que um desastre radioativo, causou uma mutação nas formigas, que em breve lapso de tempo, alcançam o tamanho de um ser humano e evoluíram tanto, que dominam telepaticamente a população do local mais próximo.
Bert I. Gordon adapta vagamente uma curta história de H.G. Wells. Gordon tinha uma ligeira obsessão para fazer filmes de ficção cientifica sobre insectos mutantes gigantes (veja-se "Beggining of the End" e "Earth vs. The Spider"). Produzido por Samuel Z. Arkoff  e pelos estúdios American International Pictures, e Joan Collins como estrela de serviço, nascia mais uma produção sobre insectos gigantes. 
Ficção científica de série B, muito pouco interessante, que se não foi o pior filme deste ano do Fantasporto, esteve lá perto.

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sábado, 3 de março de 2018

Arrebato (Arrebato) 1979

José Sirgado (Eusebio Poncela) é um realizador de filmes de terror, preste a terminar o seu último filme de vampiros. Quando chega a casa encontra duas coisas à sua espera: a sua ex-namorada Ana (Cecilia Roth) deitada inconsciente em cima da cama, e um pacote enviado por Pedro (Will More). Pedro é um jovem estranho, primo de uma ex-namorada (Marta Fernández Muro), obcecado com a sua câmara Super 8, gravando coisas aparentemente aleatórias, em intervalos cronometrados. Pedro enviou a José uma bobine de filme e uma cassete, e agora os três irão passar uma noite turbulenta. 
Nascido em 1943, Ivan Zulueta estabeleceu-se como um dos mais promissores jovens realizadores de Espanha, depois de um punhado de curtas metragens realizadas nas décadas de 60 e 70. "Arrebato" veio uma década depois da estreia do realizador, uma paródia aos musicais chamada "Un, dos, tres... al Escondite Inglés" (1970). Entre estas duas longas metragens, Zulueta viajou várias vezes a Marrocos, um local que o inspirou bastante e o levou a fazer uma série de curtas metragens. Viajava sempre acompanhado por uma câmara de Super 8, e foi nesta base que surgiu a idéia para "Arrebato". 
Depois de uma produção acidentada, e uma estreia muito modesta o filme acabaria por alcançar um estatuto de culto, que foi aumentando de ano para ano. Problemas de saúde afastaram o realizador de conseguir fazer outro filme, dedicando-se apenas a fazer cartazes para os filmes dos seu amigo Pedro Almodovar. Como o filme era muito falado, e poucas vezes visto, foi crescendo a sua fama de filme maldito, experiência cinematográfica única, e um nome incontornável na filmografia espanhola. 
Em boa hora o Fantasporto o exibiu, sendo um dos filmes mais falados neste primeiro ano. Ganharia três prémios nesta primeira edição: argumento, melhor actor (Eusebio Poncela), e o prémio da crítica.

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quinta-feira, 1 de março de 2018

No Céu Tudo é Perfeito (Eraserhead) 1977

"Produto notável de mais de cinco anos de filmagens intermitentes e de montagem pós-produção, "Eraserhead" foi a primeira longa-metragem de Lynch, depois de várias curtas prometedoras mas raramente vistas. Uma popular "fita de meia noite" e um filme de culto, este "sonho de coisas sombrias e perturbadoras", segundo a descrição do próprio Lynch, assegurou ao cineasta uma base de admiradores apaixonados e antecipou as extraordinárias imagens de "O Homem Elefante" (1980), "Dune" (1984) e "Coração Selvagem" (1990), bom como as bizarras narrativas distorcidas de "Twin Peaks", "Estrada Perdida" e "Mulholland Drive" (2001).
Com a sua intriga estranha, cenário de desolação pós-industrial e imagística a preto e branco, que parece extraída do subconsciente de um neurótico introvertido, "No Céu Tudo é Perfeito" atraiu comparações com as mises en scène expressionistas de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919) a decadência urbana futurista de "Metrópolis" (1926) e a paisagem de sonho absurda / surrealista de "Un Chien Andalou" (1929) - e todas elas com alguma justificação, embora muitos comentadores comecem as suas discussões acerca desta obra, notando que a pergunta "Sobre o que é este filme?" é mal colocada, senão irrelevante, tratam tipicamente de argumentar que, mesmo com as suas idiossincracias, é um filme de narrativa com diálogo, um protagonista, e uma linha de história mais ou menos linear.
O último argumento não é fácil de provar pelo resumo de uma intriga convencional. "No Céu Tudo é Perfeito" abre com um homem de aspecto estranho (Jack Fish) puxando alavancas nas profundidades dum planeta, enquanto para fora da boca do nosso flutuante "herói", Henry Spencer (Jack Nance), surge uma criatura tipo verme, talvez a simbolizar concepção e nascimento. Ao chegar ao seu esquálido bloco de apartamentos, localizado no centro de uma erma paisagem urbana, um vizinho informa-o que a sua namorada Mary o quer para jantar em casa dos seus pais. Durante uma refeição, entre outros pratos, há uma galinha-miniatura que deita sangue e mexe as pernas para cima e para baixo quando ele lhe espeta um garfo. Henry fica a saber que é pai de um bebé permaturo ainda internado no hospital. Mary vai lá com Henry, mas vem-se embora pouco depois, quando o choro constante do bebé defeituoso e aparentemente quadriplégico a mantêm acordada toda a noite.
 O bebé, que parece um cruzamento de um réptil com um feto de vitelo, torna-se cada vez mais repulsivo e flagelado pela doença. Depois de fantasiar sobre uma mulher loura (Laurel Near), com bochechas de esquilo, que canta num palco e pisa vermes umbilicais dentro do seu radiador, e passando uma noite com a sua sedutora vizinha (Judith Anna Roberts), Henry imagina a sua própria cabeça a saltar - para ser substituída pela do filho - e de seguida levada para uma fábrica onde será convertida em borrachas para pontas de lápis. 
Nenhum simples resumo da intriga, por mais exacto que seja, pode lograr transmitir o tom deste filme único e desafiante. A sensação de mal-estar, até de horror, que resultam de o ver e que continuam a aumentar de intensidade a cada novo visionamento são simplesmente inesquecíveis." Texto de SjS

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