domingo, 30 de setembro de 2018

O Nosso Caso: Livro 4 - O Bezerro de Ouro (2003)

Um ensaio acerca da cinematografia portuguesa do último quartel do século XX. Tomando como ponto de partida três filmes faróis do pós-Cinema Novo – a saber: "O Passado e o Presente", "Brandos Costumes" e "Jaime" – os autores empreenderam uma revisitação crítica das ficções da nossa cinematografia recente, buscando o que nela há de furiosamente português.
Cruzando o seu ponto de vista com o de alguns cineastas, críticos e cinéfilos, os autores interrogam-se acerca das imagens e sons de um cinema amado-odiado, produto de um país que, conforme muitos dizem, sofre de excesso de identidade. E fazem-no realizando o velho sonho de montar um filme composto de imagens rodadas por outros e o não menos antigo projecto de empreender um estudo sobre cinema constituído pelas próprias imagens que, graças à retórica da montagem, pretendem analisar.
"O Nosso Caso" divide-se em seis episódios - Génese, A Terra Prometida, Jonas, O Bezerro de Ouro, O Massacre dos Inocentes e Carne.
O episódio que temos aqui, é o quarto, de seu nome "O Bezerro de Ouro". Em terra de autores, confrontamo-nos amiúde com cineastas cuja excepcional bagagem cultural se reflecte em filmes recheados de citações. A importância do reconhecimento da crítica estrangeira na carreira dos cineastas não é decerto alheia a esta tendência para um metacinema…
Filme escolhido pelo Paulo Cunha.

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sábado, 29 de setembro de 2018

Derrida (Derrida) 2002

""É a isto que vocês chamam 'Cinéma Verité'? Tudo é falso. Ou quase tudo. Eu não sou assim. Nem me visto assim. Quando fico em casa todo o dia, ando de pijama e de roupão." O cinema-olho persegue Jacques Derrida, filósofo francês, 73 anos, de quem durante mais de 20 anos não se conheceu o rosto. "Tive sempre objecções ideológicas em relação à fotografia convencional do autor", disse um dia. Mas acedeu a ser filmado durante cinco anos para um documentário sobre si e o seu pensamento - "Derrida", de Amy Ziering Kofman e Kirby Dick
Derrida é um dos filósofos mais importantes do século XX, "pai" do desconstrucionismo, pensamento que influenciou a literatura, a filosofia e a ética contemporâneas. Nasceu em 1930, na Argélia, numa família de judeus. Aos 19 anos, mudou-se para Paris para estudar filosofia alemã (Husserl e Heidegger). Em 1956, ganhou uma bolsa de estudo em Harvard. Leccionou na Sorbonne, Paris, nos anos 60, e começou a publicar livros. É professor da Universidade da Califórnia desde 1986.
Com música original do compositor japonês Ryuichi Sakamoto, o documentário de Dick e Kofman acompanha Jacques Derrida de 1995 a 2000. Começaram por filmar conferências em universidades (Califórnia, África do Sul, Austrália) e, em 2000, voltaram a Paris para filmar a vida quotidiana do filósofo e propor-lhe uma reflexão sobre a experiência de ser filmado."
Texto de Adelino Gomes, no Público.
Legendas em inglês. O filme foi escolhido pelo Bruno Dias.

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Legendas em inglês
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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Book of Days (Book of Days) 1989

Meredith Monk tem sido uma anomalia durante grande parte da sua carreira de 27 anos, como compositora e como coreógrafa, criando danças que eram óperas, e óperas que eram danças, e peças de teatro míticas que eram danças e óperas. Para complicar mais as coisas, ela também é realizadora. Em "Book of Days" criou um filme que é essencialmente uma imagem em movimento.
"Book of Days" começa a cores, com trabalhadores do Século XX a explodirem uma parede de tijolos deixando um buraco que se abre para uma pequena cidade a preto e branco na Idade Média. Homens, mulheres e crianças deslizam sobre as suas tarefas diárias, parando para responder por vezes a perguntas anacrónicas de entrevistadores do Século XX.  
Os cristãos medievais estão vestidos de branco, os judeus em vestes negras, cada um marcado com um círculo amarelo. Ambos são atacados pela Praga, pela qual os Judeus são considerados culpados. Um jovem judia tem sonhos visionários que a levam a desenhar objectos crus identificáveis, como um carro, um avião, ou uma arma. "Book of Days" é um jogo visual muito bonito de  superfícies e texturas, desde tijolos a paredes ásperas e da inocência luminosa que ilumina o rosto da menina, até à inocência iluminada que ilumina a face da velha, interpretada pela própria Mrs. Monk. que ensina a jovem a abraçar as suas visões.
Filmado em Cordes, na França, "Book of Days" foi primorosamente fotografado por Jerry Pantzer, e apenas tem legendas para as partes que não são faladas em inglês.
Foi um filme escolhido pela Sónia Sousa.

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terça-feira, 25 de setembro de 2018

O Esplendor na Relva (Splendor in the Grass) 1961

"Desde as primeiras notas da intensa música de David Amram e da imagem inicial de Bud (o estreante Warren Beatty) e Deanie (Natalie Wood) a beijar-se num carro ao pé de uma tumultuosa catarata, "Esplendor na Relva" resume o encanto do melodrama de Hollywood no seu melhor. As paixões reprimidas pela sociedade (o lugar é Kansas, 1928), encontram uma expressão deslocada em cada explosão de côr, som e movimento gestual.
A repressão, no filme, está em toda a parte, uma força que tortura as personagens em direcções monstruosas e disfuncionais. Os homens são obrigados e ter sucesso e a ser machões, enquanto as mulheres têm de escolher entre a virgindade e comportamentos "de puta" - esse é o caso de Ginny, a irmã anti-convencional e "flapper" de Bud, indelevelmente encarnada por Barbara Loden.
O realizador Elia Kazan trabalhou no cruzamento da narrativa clássica, criada no estúdio, com as formas inovadoras e dinâmicas introduzidas pela representação segundo o Método e a Nova Vaga Francesa. Aqui, trabalhando com o dramaturgo William Inge, ele conseguiu uma síntese sublime das duas estratégicas. O filme faz uma análise lúcida e concentrada das contradições sociais determinadas por classe, riqueza, indústria, igreja e família. Ao mesmo tempo, "Esplendor na Relva" é uma película, na qual as personagens se definem como indivíduos autênticos, actuando e reagindo num registo muito longe dos clichés de Hollywood."
Texto de Adrian Martin.
Filme escolhido pela Cláudia Marques.

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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Lili (Lili) 1953

Lili Daurier (Leslie Caron) é uma jovem de dezasseis anos triste e solitária porque o pai morreu e a deixou sem outra família. Viaja para uma cidade costeira francesa para trabalhar com um velho amigo do seu pai, mas descobre que este também morreu. Acaba por ser resgatada por um grupo de teatro de marionetas e apaixona-se pelo mágico, só que este não a vê como um interesse romântico.
"Lili" (1953), de Charles Walters, é um filme doce e muito especial, filmado entre os dois extravagantes musicais realizados por Vincente Minnelli, com Leslie Caron como protagonista, "Um Americano em Paris" (1951) e "Gigi" (1958). Filmado num Technicolor brilhante e primitivo, "Lili" não é realmente um Musical, já que a única dançarina é a protagonista, e a única canção que é realmente cantada é “Hi Lili, Hi Lo,” uma melodia extremamente cativante de Bronislau Kaper, com uma letra bastante triste de Helen Deutsch, que também escreveu o argumento. Considerando que os outros filmes de Walters são geralmente divertimentos leves e agradáveis, a forte ressaca de melancolia que premeia todos os momentos em que Lili aparece, provavelmente vem do argumento de Deutsch.
Há apenas dois números musicais, mas quando os vemos fica óbvio porque o filme ainda é tão popular. Ambos são muito imaginativos, e ambos acontecem na cabeça de Lili, enquanto que ela sonha com diferentes cenários românticos. No primeiro vê-mo-la como uma empregada de mesa a dançar na plateia do espectáculo do mágico. A segunda é no final do filme, e temos Leslie Caron a dançar com as versões humanas do espectáculo de Paul, com cada uma a representar um pedaço da personalidade dele.
Grandes interpretações de Leslie Caron e de Mel Ferrer, e do resto do elenco que incluí Jean-Pierre Aumont, Zsa Zsa Gabor, entre outros. 
Filme escolhido pelo João Palhares. 

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domingo, 23 de setembro de 2018

O Tigre de Eschnapur (Der Tiger von Eschnapur) 1959

Um arquitecto viaja para a isolada cidade de Eschnapur para supervisionar um trabalho que está a ser feito no legado do marajá local. O arquitecto conhece e apaixona-se por uma dançarina do templo, que também parece corresponder ao amor dele, mas ela também é alvo da cobiça do marajá, que planeia casar-se com ela, apesar da feroz oposição dentro da sua própria corte.
Em1921 Fritz Lang esperava dirigir um argumento escrito a meias com a sua esposa de então, Thea von Harbou, sobre um arquitecto envolvido em aventuras e romances na Índia mais profunda e sombria, mas o produtor e cabeça de estúdio de então, Joe May, decidiu não só ele próprio dirigir o filme como escolher a sua esposa para protagonista. Esta oportunidade perdida ficou a fervilhar dentro de Lang, até que o produtor Artur Brauner lhe fez uma oferta para realizar uma nova versão já no final dos anos cinquenta, que também seria uma oportunidade de regresso ao seu país de origem. Lang aceitou, e mandou Werner Jorg Luddecke retrabalhar a história original que, tal como em 1921, seria dividido em 2 filmes, e mostrado como se um serial antigo se tratasse.
Lang não era novo para o cinema Pulp, em 1928 já tinha feito " Spionen" , a série do Dr. Mabuse envolve igualmente um vilão com uma fome doentia pela dominação sobre as pessoas. As duas partes desta aventura épica são projectadas para revisitar as aventuras exóticas dos brancos que ficaram emaranhados na política e no fruto proibido de culturas distantes.
A fotografia de Richard Angst é de grande qualidade, e tal como nos filmes de Mario Bava as cores são muito coloridas.
Filme escolhido pelo Carlos Trocado Ferreira.

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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Aventurera (Aventurera) 1950

Abandonada depois da sua mãe fugir com outro homem, e o seu pai se matar, Elena tenta fazer uma nova vida numa nova cidade. Acreditando que Lúcio é um amigo vai jantar com ele, mas este droga-lhe o champanhe e vende-a para Rosaura, que dirige um bordel num clube nocturno. Elena torna-se uma sensação como dançarina, mas ela pretende vingar-se contra todos que conspiraram contra ela.
No final da década de quarenta o México vivia um boom económico que deslocou a vida do campo para as cidades. Os filmes foram inevitavelmente afectados por essa tendência, com os realizadores mexicanos rapidamente responderam criando um novo género para trazer a cidade e as suas múltiplas tentações para as massas. Este género foi chamado de "cabaretera", uma mistura bizarra de música, melodrama e noir, com doses liberais de sexo (principalmente sadismo) e o que agora chamaríamos de "high camp", passados nas casas de prostitutas, bares baratos, e ruas escuras cheias de pecado. Cidades como Ciudad Juarez. Não que estes locais fossem sitios exclusivos da cabaretera, porque também havia um forte elemento do conflito de classes que também exigia elementos ricos contrastantes, tipicamente povoado por hipócritas, que estavam fora do alcance dos cantores e dançarinos que dominavam estes filmes.
O cabaretera tornou-se um marco no cinema mexicano do pós-guerra e rendeu muitas estrelas, mas nenhuma foi tão popular como Ninón Sevilla, uma dançarina cubana de rumba que se tornou um sucesso internacional com base em interpretações espirituosas em filmes com títulos tão desprezíveis como, "Victims of Sin",  "Sensuality", "I Don’t Deny My Past", e a inquestionável obra-prima do género, "Aventurera", de Alberto Gout. Sevilla não é uma beleza típica mas tem uma vivacidade feroz como dançarina e actriz, numa personalidade que combina de forma deslumbrante a inocência e a sensualidade.
"Aventurera" é um filme que surpreenderá os espectadores que associam os anos 40 com repressão e convencialismo. As atitudes do filme, particularmente em relação a Elena, têm um toque distintamente moderno, apesar de muitas armadilhas do período na forma de números musicais, dos cenários, e principalmente dos aspectos preventivos e redentores da história.
Legendas em inglês.
Filme escolhido pelo Vasco Baptista Marques.

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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Luís da Baviera (Ludwig) 1973

Histórica evocação de Ludwig, rei da Baviera, desde a sua coroação em 1864 até à sua morte em 1886, como um herói romântico. Fã de Richard Wagner, traído por ele, apaixonado pela sua prima, Elisabete da Áustria, abandonado por ela, atormentado pela sua homossexualidade, ele vai caminhando, passo a passo, para a loucura.
Luchino Visconti estava no topo no início dos anos setenta, com um dos seus maiores sucessos críticos e comerciais, "Morte em Veneza" (1971), desempenhando um papel importante no movimento art house da época, e oferecendo um forte contraste com a sua arte com o seu filme anterior, "Os Malditos", uma obra frequentemente censurada. Este último filme foi o primeiro veículo para o seu Muso e companheiro, o actor Helmut Berger, quem Visconti tinha descoberto e num casting para um pequeno papel para uma vurta chamada "La Strega Bruciata Viva", um episódio incluido na antologia "La Streghe". Com uma presença estranha e marcante, Berger, nascido na Áustria, ascendeu rapidamente no mundo do cinema europeu daquela época, com papéis marcantes em vários filmes, incluindo vários dos últimos filmes de Visconti, ou "Il Giardino dei Finzi Contini" de De Sica.
"Ludwig" era uma longa co-produção italo-franco-alemã, sobre o notável "mad king" da Bavária, cujo reinado foi marcado por muita turbulência, indulgência e bissexualidade. Tudo isto contribuiu para uma lenda que ainda perdura hoje. Berger interpreta o monarca atravessando décadas, e incluindo um colorido elenco que conta com Trevor Howard no papel de Richard Bach, Romy Schneider no papel da prima, ou Silvana Mangano. 
"Ludwig" foi um dos projectos mais ambiciosos de Visconti, a parte final da sua chamada "Trilogia Alemã", e da qual fazem parte também "Os Malditos" e "Morte em Veneza", que foram grandes sucessos internacionais, mas este "Ludwig" acabaria por ser dos filmes menos aclamados do realizador, do ponto de vista crítico e financeiro. 
Filme escolhido pelo Nuno Oliveira.

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terça-feira, 18 de setembro de 2018

A Palavra (Ordet) 1955

Agosto de 1925, numa quinta Dinamarquesa. O patriarca viúvo Borgen, que é bastante proeminente na comunidade, tem três filhos: Mikkel, um agnóstico de bom coração, cuja esposa está grávida; Johannes, que acredita que é Jesus; e Anders, jovem, e apaixonado pela filha do alfaiate Peter Peterson, que pertence a um movimento religioso rival. Apesar das diferenças entre os dois, Borgen tenta chegar a um acordo com Peterson, que permanece inflexível. Só deixa a filha casar com o rapaz se o pai deste aderir à sua religião.
O realizador dinamarquês Carl Theodor Dreyer está creditado como tendo realizado dois dos maiores filmes da história do cinema, e ambos estão ligados ao mesmo tema, a religião, mais propriamente, o poder da fé. O primeiro era "La Passion de Jeanne D'Arc" (1928), uma espantosa representação do julgamernto e execução de Joana D'Arc, considerado por muitos como o maior de todos os filmes mudos.O segundo era este "Ordet", já realizado na parte final da sua carreira, baseado numa peça do pastor dinamarquês Kaj Munk (que foi executado pelos Nazis por recusar honrar Hitler acima de Cristo). Indiscutivelmente uma obra prima, "Ordet" não é apenas um pedaço de cinema soberbamente composto, como também um trabalho que consome o seu espectador, de uma forma que só as grandes peças de arte conseguem fazer, oferecendo uma experiência que não nos pode deixar imunes. Seja qual for a nossa religião ou crenças religiosas, é um filme que alcança o nosso íntimo e nos faz pensar profundamente sobre a natureza e os valores da existência humana.
O cinema de Dreyer é conhecido pela sua rigorosa simplicidade, cenários austeros, número limitado de shots, e fotografia minimalista. Este filme também beneficia do facto de ter uma grande história. É sobre fé, religião, vida e morte, ciência versus fé, e quaisqueres outras discussões e perspectivas diferentes das coisas que este filme traz. A esse respeito, parece ser mais um filme de Ingmar Bergman do que de Carl T. Dreyer. Ambos os realizadores, no entanto, sempre mostraram algumas semelhanças entre os seus filmes, e os seus temas, estilo e personagens. É obviamente baseado numa peça de teatro, que pode observar-se pela forma como o filme está contado e a história é contada.
Filme escolhido pela Sandra Bettencourt. 

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sábado, 15 de setembro de 2018

A Teia de Aranha (The Spider Woman) 1944

Sherlock Holmes  toma conta de um caso que a imprensa apelidou de "pajama suicides". Homens que estão a ir para a cama na segurança dos seus próprios lares, com tudo aparentemente normal, e sem nada que o pudesse prever, cometem suicídio durante a noite. Holmes simula a sua própria morte com a esperança que isso lhe dê uma ajuda nas investigações, porque ele está convencido de que uma mulher, uma Moriarty do sexo feminino, como ele a gosta de chamar, está por detrás destas mortes. 
Sétimo de uma esplêndida série de 14 filmes que juntou Basil Rathbone e Nigel Bruce como Sherlock Holmes e o Dr. Watson, este filme de 1944 é um dos da série de maior entretenimento.Também é o mais próximo que o frachise conseguiu adaptar a história de Sir. Arthur Conan Doyle, “The Adventure of the Speckled Band”, um eterno favorito. Mas o filme vai buscar partes a várias histórias de Sherlock Holmes, e não apenas a esta mencionada em cima. Realizado por Roy William Neill, o realizador da maioria dos filmes desta série, e argumento de Bertram Millhauser, vamos encontrar um Sherlock Holmes já não mais como o detetive vitoriano de Arthur Conan Doyle, mas sim como um detective dos tempos modernos. 
Um dos elementos mais fortes deste filme, é que a vilã de serviço é muito mais do que um partido para os nossos heróis. Gale Sondergaard é uma Moriarty do sexo feminino como já referido em cima, com uma aparente rede de capangas, brilhando a grande altura. Era já uma actriz de créditos firmados, tendo vencido o Óscar de Melhor Actriz Secundária por Anthony Adverse (1936).
Filme escolhido pelo Ricardo Miguel Mendes.

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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Os Rapazes da Geral (Les Enfants du Paradis) 1945

"Desde a sua estreia triunfante numa França recém libertada, em 1945, "Les Enfants du Paradis" nunca deixou de ser considerado um dos maiores filmes franceses de todos os tempos. A obra é o pináculo do chamado "realismo poético" - muito embora "romantismo pessimista" fosse uma denominação mais adequada - e da parceria que aperfeiçoou esse género: a do argumentista Jacques Prévert e do realizador Marcel Carné. Juntos formaram uma dupla peculiar. Enquanto Prévert, um dos melhores poetas populares franceses do século passado, era sociável, emotivo e empenhado politicamente, Carné distinguia-se pela sua instrospecção e por um perfeccionismo frio e distante. No entanto, ao colaborarem, os dois artistas criaram magia no grande ecrã, magia essa que nenhum deles foi capaz de emular, depois de se terem separado. "Les Enfants du Paradis" foi o seu último grande êxito. 
A produção do filme durou dezoito meses e envolveu a construção dos maiores cenários da história do cinema gaulês: a fachada de uma rua de quatrocentos metros, que reproduzia detalhada e escrupulosamente o Boulevard du Crime, a zona parisiense dos teatros, na década de 30 e 40 do século XIX. Mesmo em tempo de abundância, semelhante empreendimento seria arrojado. Imagine-se agora em período de guerra e durante a ocupação alemã. Tratou-se de um feito sem dúvida heróico, dado que escasseavam, entre outras coisas, materiais, transporte e guarda-roupa. Os co-produtores italianos abandonaram o projecto, quando da capitulação de Itália, e o primeiro produtor francês fez o mesmo, quando começou a ser investigado pelos alemães. Um dos actores principais, apoiante Nazi confesso, fugiu para a Alemanha, após o dia D, e foi substituído à última hora. O cenógrafo Alexandre Trauner e o compositor Joseph Kosma, ambos judeus, foram obrigados a trabalhar clandestinamente, transmitindo as suas ideias ao cineasta, mediante o uso de intermediários.
Apesar de tantos sobressaltos, "Les Enfants du Paradis" é uma obra perfeita com toda a riqueza e complexidade de um grande romance novecentista. Nas cenas de multidão, passadas no buliço do boulevard, foram empregues 1500 figurantes que, numa profusão desordenada, enchem todos os cantos do ecrã com vida e pormenor. Muito embora a França estivesse ocupada, o filme não tem medo de exaltar o teatro Gaulês e de nos oferecer uma meditação, a vários níveis, sobre a natureza da representação, da fantasia e da máscara. Todos os diálogos são enfatizados e todas as acções são encenadas com mestria. Os três protagonistas masculinos dão vida a artistas: Lemaitre (Pierre Brasseur), o grande actor romântico, Debureau (Jean-Louis Barrault), o insigne mimo; e Lancenaire (Marcel Herrand), o dramaturgo falhado, que se transforma em dândi e mestre do crime. Essas três personagens existiram realmente, mas a mulher que amam, a grande horizontale Garance (o papel mais sublime de Arletty), é pura ficção. Não é um ser de carne e osso. É antes o ícone do eterno feminino, ilusório e infinitamente desejável.
Apesar das suas mais de três horas, "Les Enfants du Paradis" nunca parece ser demasiado longo. Para além de celebrar o teatro, enquanto arte popular do século XIX (função que o cinema preenche no século XX), o filme combina farsa, romance, melodrama e tragédia numa narrativa empolgante.Carné era, antes de mais, um director de actores soberbo, e a sua obra brinda-nos com um festim de desempenhos memoráveis, que se deixam acompanhar pelo humor, graça, paixão, e por uma atmosfera de trasitoriedade - a melancolia característica de toda a arte romântica."
Texto de PK. Legendas em inglês.
Filme escolhido pelo Luís Vintém.

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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Os Pescadores de Sargaços (Finis Terrae) 1929

 A história centra-se num pequeno grupo de homens que colhe algas na costa francesa, quando um deles fica com o polegar infectado. O título do filme é o antigo nome da região de Finistère, onde a história se passa, e que significa "Fim da Terra". É filmado em estilo de documentário, com actores não profissionais, e usando muitas vezes a câmara na mão. 
"“Finis Terrae” do Epstein rasga, rompe, abre todo o caminho que o cinema levará, rolará e pasmará e desbravará para sempre como tudo se desbrava na ferida do mundo como da ferida no dedo de Ambroise brotará toda a maldição que aquela garrafa partida lançará com ele até que a navalha perdida julgada roubada seja encontrada e tudo e todo e qualquer impossível seja tentado, como naquele momento final do “Tabu” do Murnau em que Matahi tudo luta e tudo e tanto nada para num esforço final e inglório alcançar o barco que lhe leva a sua amada, também aqui, “Finis Terrae” ou terra final de que mil metáforas possam ser feitas, em que, mais que a coragem e a firmeza em salvar Ambroise, se irrompe a ânsia e o propósito da remissão de Jean-Marie. E na maldição se mergulha, ainda que nos ritos e nos usos e costumes daquele povo se erga a grande (ou uma das grandes) objectividade de “Finis Terrae”, na comoção laboral que do orgulho e da destreza tudo virá como deles tudo ruirá para bem perto da morte caminhar, é da remissão que tudo e toda a alma de Ambroise se glorificará, fim do tormento nascido do engano, fim da escuridão e da solidão e da acção errante do homem, coisas que ao vento se dão para no vento voltarem como da névoa e da tempestade tudo brotará e toda a raça e destreza e vontade e determinação do homem em fazer e singrar a justeza das coisas e do mundo que do impossível tudo se ergue e tudo se faz tal qual o Matahi do Murnau fez..."
Filme escolhido, e texto, pelo Álvaro Martins.

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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O Mundo do Vício (Le Bas-Fonds) 1936

Um ladrão carismático faz amizade com um barão falido que vem morar para a zona do ladrão. Enquanto isso, o ladrão procura o amor de uma jovem mulher, que é mantida cativa emocionalmente pela família do seu senhorio. 
A meio da década de trinta Jean Renoir já estava totalmente comprometido pelos ideiais do Comunismo e, em comum como a maioria da população, via a ideologia Marxista-Leninista como solução para a França, tanto do ponto de vista tanto político como económico. Tendo demonstrado a sua simpatia pela ala esquerda em filmes como "La Vie est à Nous" (1936) ou "Le Crime de Monsieur Lange" (1936), Renoir mostrou todo o suporte por esta ala política no seu próximo filme, "Le Bas Fonds". Renoir descreveu o filme como "um poema realista sobre a perda da dignidade humana", um filme que retratava solidariedade entre os oprimidos, e opressão entre os ladrões da sociedade, jogadores, prostitutas e alcoólicos. Isto foi o mais próximo que Renoir alguma vez chegou ao realismo social, mesmo que o o optimismo do realizador diminuísse a desolação do assunto. 
"Le Bas-Fonds" era baseado num popular livro de 1902 chamado "Na Dne" do famoso escritor russo Maxim Gorky ( que foi posteriormente adaptado por Akira Kurosawa em "Donzoko" (1957)) Renoir foi facilmente persuadido a fazer o filme pelo produtor Alexandre Kamenka, tentado não só pela inclinação da obra pela ala esquerda, mas também para trabalhar com dois dos monstros mais sagrados do cinema francês da altura: Jean Gabin e Louis  Jouvet). Renoir tinha algumas reservas em relação ao livro, mas o seu argumentista adaptou tudo para os tempos modernos. 
Ganhou o prémio Louis Delluc, no seu primeiro ano.
Este é um filme escolhido pelo Alexis Skredkeiro.

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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

De Sábado Para Domingo (Ze Soboty na Nedeli) 1931

Mána é uma jovem secretária. Uma noite, ela e a sua colega de quarto acompanham dois ricos cavalheiros mais velhos para um jantar. Depois de um deles lhe oferecer dinheiro, ela apercebe-se das suas intenções, e foge do restaurante em estado de choque. Mais tarde, conhece um homem chamado Karel num café das proximidades. Passam a noite a vaguear pelas ruas chuvosas de Praga, e os dois rapidamente desenvolvem um sentimento forte um pelo outro.
Gustav Machaty começou no cinema mudo como actor, depois aprendeu a realizar em Hollywood como aprendiz de D.W. Griffith e Erich von Stroheim (foi, por exemplo, assistente de Stroheim em "Foolish Wives"). "De Sábado Para Domingo" é o seu primeiro filme falado, uma obra onde ele agarra a nova tecnologia de uma forma muito inventiva, e intensifica esta história da era da Depressão com um humor muito subtil. Apesar de não ser tão gráfico como o notável "Ecstasy" (1933), realizado por Machaty dois anos depois, este melodrama compacto adopta uma abordagem sofisticada ao amor, tratando o sexo com franqueza, e o romance com cepticismo. 
Se a história é invulgar, a narração é soberba. Os personagens são caracterizados com um forte senso de contexto social, e o filme é uma obra prima do cinema falado inicial. Três dos colaboradores do filme foram Jaroslav Jezek, um dos fundadores do jazz da Checoslováquia, o poeta surrealista Vítezslav Nezval, autor do argumento a partir de uma obra sua, e o realizador experimental Alexander Hammid. Sinal de que no período anterior à Guerra os autores de avant-garde checos tinham uma contribuição significativa nas produções mais mainstream. 
Filme escolhido pelo Luis Miguel Oliveira.

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domingo, 9 de setembro de 2018

O Salão de Música (Jalsaghar) 1958

O último representante de uma alta casta insiste em manter o padrão de vida dos seus antepassados, mesmo vivendo numa situação cada vez mais difícil. Uma das coisas da qual não abre mão é a enorme sala de música da sua mansão. O seu amor à música e os seus actos acabam por levar a sua família à ruína. Narra a decadência de um nobre (Roy) que representa a tradição e diante da subida do "status" seu vizinho, um prestador de serviços, convertido rapidamente num novo rico.
Para um realizador que já havia professado por várias vezes que a música era o seu primeiro amor, não seria de surpreender que o indiano Satyajit Ray tenha escolhido a música como tema obrigatório do seu terceiro filme, "Jalsaghar". Ray, que começou na publicidade antes de se dedicar à produção cinematográfica, já se tinha destacado com os seus dois primeiros filmes, a produção independente "Pather Panchali" (1955), e a sua sequela, "Aparajito" (1956), dois filmes que foram largamente aclamados, dois retratos da vida real que ganharam prémios em festivais internacionais, e ajudaram a redefinir o cinema indiano para o resto do mundo. No entanto, "Aparajito" tinha sido um fracasso comercial no país natal de Ray, e na busca de um tema que pudesse ter um maior apelo comercial, foi atraído por um conto muito adorado de 1937, da autoria de Tarashankar Banerjee, sobre o declínio de um Rajá no inicio do século 20, cujo amor pela música foi a sua queda. 
Ray e Banerjee tinham muito em comum: ambos eram naturais da região Oeste de Bengala, na Índia, e ambos concentravam o seu trabalho principalmente na vida das aldeias. Embora este filme fosse uma partida para ambos os artistas, trouxeram à história uma voz caracteristicamente humana e empática, principalmente transformando o que poderia ser uma simples condenação da aristocracia míope num retrato complexo e comovente do fracasso humano. Ray já se tinha estabelecido como um realizador indiano único, cujos dramas calmos e discretos eram o oposto aos típicos melodramas de Bollywood, e com este filme ele definiu a sua arte ao reimaginar o tradicional universo musical indiano. 
Filme escolhido pelo Carlos Natálio.

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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Número Dois (Numéro Deux) 1975

Uma família de três gerações é soberbamente interpretada por não profissionais que discutem, fazem amor, e gostam da música de Léo Ferré. A esposa (Sandrine Battistella) age como se fosse prisioneira na sua própria casa, enquanto o marido (Pierre Oudrey) vive aprisionado ao trabalho. O filho e a filha questionam o crescimento num país onde o governo é hostil em relação aos trabalhadores, com a filha principalmente interessada em perguntar à mãe sobre questões sexuais. Godard aparece como ele próprio, um intelectual questionador que traça paralelos assustadores entre as paisagens e as fábricas. 
De uma forma provocativa e segura, Godard questiona a realidade social dos tempos, e a forma como é vista por aqueles que sofrem as mais severas mudanças. Não chega a conclusões definitivas, mas abre uma porta para mais pensamentos sobre um mundo estranho, aceite pela maioria só porque é inacreditável. 
"Numéro Deux" marca a colaboração bem sucedida formada por Anne-Marie Miéville e Jean-Luc Godard. É um filme experimental examinando os efeitos do homem contra a máquina, e de uma família da classe trabalhadora francesa composta por pais, filhos e avós. O seu formato invulgar projecta na tela da TV imagens de diferentes proporções, e ecrãs divididos, que são sobrepostas numa imagem de 35 mm depois de ser filmado em vídeo. O argumento de Godard contra as crenças tradicionais, a ética do trabalho, alienação, e a sua posição abertamente controversa sobre o comportamento erótico, contrariando os defensores tradicionais dos valores familiares, empurra as suas fronteiras sexuais e a sua visão radical de que os tempos económicos difíceis aumentam a possibilidade de mais autoconsciência entre as massas. 
Apesar da natureza vanguardista do filme, é surpreendentemente lúcido, e um dos melhores e mais subversivos deste notável realizador.
Filme escolhido pelo Fernando Oriente.

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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Os Domingos de Cybele (Les Dimanches de Ville d'Avray) 1962

Depois de matar uma criança quando o seu avião caiu numa aldeia Vietnamita, Pierre sofre de stress e amnésia parcial. Regressa a França e vive como um vegetal até conhecer uma jovem que foi abandonada pelo pai colégio interno. Passando pelo seu pai, Pierre tenta encontrar-se com a jovem todos os Domingos para brincar com ela e talvez recuperar a sua memória. A amizade inocente, é mal interpretada por quase todos, até mesmo por pessoas que conhecem bem Pierre.
O tema de um adulto e uma criança a encontrarem uma ligação entre si não é um tema controverso, mas "Os Domingos de Cybéle" atravessou uma linha muito provocativa. Não faz nenhum comentário sobre a proximidade de uma rapariga de 12 anos e o seu problemático companheiro trintão, e os dois nunca cruzam a linha em nada sexual, mas há uma afeição física entre eles. São como dois jovens a brincar às casinhas, com a amizade deles a ser interpretada conforme é observada. O acto de assistir é o que nos convida Serge Bourguignon nos convida, e é ele que fabrica a linguagem visual para enfatizar o acto. 
Embora inicialmente tenha sido criticado por alguns críticos da Cahiers que posteriormente se tornaram cineastas, não deixa de ser uma obra prima humanista que ancora a sua narrativa no desespero do pós-guerra a uma estética predominantemente pós-neo-realista com reflexos do realismo mágico. A rejeição do filme pelos Cahiers provavelmente resultou de uma questão dupla: acharam o filme formalmente menos ousado, inovador e rigoroso do que outros filmes do que outros filmes que estavam a ser feitos ao mesmo tempo, por realizadores como Godard ou Chabrol, e ficaram indignados por o filme entrar no top do ano à frente de "Jules et Jim" de Truffaut, e "Vivre sa Vie" de Godard, tendo sido escolhido como representante Francês na corrida pelos Óscares, que posteriormente ganhou. 
Filme escolhido pelo João Chaves.

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sábado, 1 de setembro de 2018

O Cavalo de Turim (A Torinói ló) 2011

“O Cavalo de Turim” de Béla Tarr é o filme mais desolador que alguma vez eu vi. Assisti-lo pela primeira vez num quarto resguardado da luminosidade diurna, e subir de novo os estores após o fim da sessão causou vertigem e dor real no meu nervo ótico – o vermelho dos telhados, o amarelo das paredes dos prédios, o azul do céu cobáltico, o verde-escuro das árvores e da relva…foi o choque do espetro das cores que me assolou, tal como o choque da luz do bloco de partos deve assolar o recém-nascido que abandona o ventre negro da mãe.
Mais do que um exercício à nossa resiliência como espetadores de cinema, “O Cavalo de Turim” é uma janela impiedosa para o abismo, para o terror inominável que circunda a frágil existência humana. É como se o objetivo do filme fosse recriar essa experiência do episódio que lhe serve de premissa: a da quebra da sanidade de Friedrich Nietzche perante a cena de um cavalo a ser vergastado, quebra essa da qual o filósofo nunca mais recuperou durante a década posterior em que ainda viveu.
Apesar de ser uma explicação mitológica para a condição demente de que Nietzche padeceu (provavelmente ele já se encontrava tomado pela sífilis quando se abraçou ao pescoço do cavalo magoado a chorar copiosamente), não há que negar a força da sugestão do episódio, e a angústia que nos causa imaginar que indescritíveis conclusões se abateram sobre Nietzche nesse fatídico momento, que verdade terrível sobre o Cosmos desabou sobre ele, catalisada por uma simples visão de maus-tratos a um animal.
Nessa perspetiva, “O Cavalo de Turim” pode ser visto como um conto lovecraftiano reduzido ao seu esqueleto, desprovido de quaisquer materializações de horror cósmico para nos confrontar com o vácuo na sua informidade infinita. Um filme que nos transporta lentamente através da última convulsão da entropia, que nos faz observar os últimos estertores da existência antes de se dissolver no zero absoluto. 
Para os corajosos que não temem ser confrontados com a derradeira conclusão da 2ª Lei da Termodinâmica, “O Cavalo de Turim” é uma experiência obrigatória, ainda que potencialmente aterrorizante.
Filme escolhido pelo Sérgio Pelado, que também escreveu este texto.

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