sábado, 30 de maio de 2020

O Cinema Espanhol no Tempo de Franco

A comunicação de massas refere-se à distribuição de ideias por um grande numero de pessoas, e o cinema é uma das ferramentas de comunicação das massas mais importantes da nossa sociedade moderna. Os filmes têm uma forte influência no pensamento das pessoas, e podem criar uma nova tendência social ou política, capazes de mudar as ideias que temos. Desde o nascimento do cinema que esse poder tem sido usado em todo o mundo, e tal não foi diferente para o cinema espanhol.
A Espanha esteve debaixo do regime do ditador Francisco Franco durante quase 40 anos, o que levou ao cinema espanhol cair numa situação caótica, de censura e repressão. Mas, antes de avançarmos para o cinema espanhol em si, temos de recordar os eventos históricos, que ajudam a compreender a situação que se viveria no cinema durante os anos seguintes.
A perda de poder e território no início do séulo XX, em África e nas Américas, resultou em desconfiança e instabilidade na sociedade política espanhola. Em 1931 foram realizadas eleições, e os republicanos venceram as principais cidades, o que significou o fim da monarquia, e o rei, Alfonso XIII, teve de deixar o poder e o país. No entanto, o novo governo ficou com 4 grandes problemas principais: o pedido de independência da Catalunha e o País Basco, a hostilidade entre a Igreja Católica Romana e os Republicanos, a crise económica em curso, e o desemprego.
A classe trabalhadora perdia a fé na Republica, e os políticos não conseguiam resolver os problemas. Aumentava a raiva e o desconforto na sociedade, e os quatro grandes grupos (militares, industriais, proprietários de terras e a igreja Católica Romana retiravam o apoio aos republicanos.
Em 1932 o General José Sanjurjo realizava um golpe militar mal sucedido, e um novo partido da direita era fundado, o CEDA. A instabilidade do governo foi seguida de greves e motins, com o presidente Azana a renunciar, e a serem marcadas novas eleições em Novembro de 1933, que foram ganhas pelo CEDA. A primeira coisa feita por este partido foi reverter todas as mudanças feitas pelo partido de esquerda, uma abordagem que criou raiva entre estes, com outro partido a ser fundado, a Frente Popular.
Em 1934 a Frente Popular organizou uma greve de mineiros nas Astúrias, que foi parada pelo General Francisco Franco, usando o seu poder militar. Para evitar o caos, novas eleições foram marcadas, e a Frente Popular ficou no poder.
No entanto, os politicos da direita não ficaram satisfeitos com os resultados, e apoiaram uma ditadura militar. Os militares estavam prontos para assumir o comando do país, com Franco a ser o lider das forças militares na altura. A esquerda não podia fazer mais nada senão resistir, e a Guerra Civil começou em Julho de 1936, terminando em 1939, quando os republicanos perderam Madrid. Um dos conflitos mais devastadores da história da Espanha.

Durante a guerra o cinema foi usado como uma arma politica por ambos os lados. O objectivo era convencer a população a combater do seu lado contra o seu inimigo, e justificar as suas acções tomadas durante a guerra, com o documentário a ser o tipo de filme preferencial. A industria estabelecia-se em cidades republicanas como Barcelona e Madrid, e isso levou a direita a encontrar alternativas para produzir filmes, ou controlar o cinema que resultava na fundação do Departamento Nacional de Cinematografia, em 1937. No ano seguinte, por ordem ministerial (BOE 5/11/38), era criado o gabinete de censura cinematográfica. A sua principal função era observar, e se necessário censurar, os filmes que apresentavam propaganda social, política ou religiosa contrárias ao regime.
No final da guerra a vitória de Franco era altamente previsível. A maioria dos realizadores, produtores, actores, argumentistas republicanos não teve outra alternativa senão deixar o país. Emigravam para países como França, México ou Argentina, onde continuaram a trabalhar e produzir novos filmes. Foram anos em que o cinema Espanhol passava por uma intensa transição política, ética e filosófica. Segundo o jornal oficial do estado passava agora a haver censura de filmes e dobragem obrigatória para filmes estrangeiros, mas a censura de filmes já tinha começado com a guerra ainda a decorrer.
Os temas mais relevantes do novo regime eram a religião, as vitórias do lado nacionalista, dramas e comédias folclóricas. Franco pretendia “hispanizar” a cultura, voltar às raízes e usar o cinema para promovê-la. Durante esta primeira parte do ciclo, até inicio da década de 50, vamos ver uma série de filmes que transportam bem este estado. Depois, mais para a frente começaremos a ver filmes contestatários ao governo.

Vai ser um longo ciclo, com cerca de 50 filmes que certamente vos ajudarão a compreender melhor o que era o cinema espanhol. A partir de segunda-feira publicarei uma série de livros que vos ajudarão a compreender melhor o ciclo. Depois, os filmes. Até já.


Homenagem a Vicente Pinto Abreu

Descobri esta manhã que faleceu o DJ e Cinéfilo Vicente Pinto Abreu, um seguidor do M2TM com quem conversei algumas vezes pelo chat do Facebook, e a quem convidei para participar na rubrica "Quem Programa Sou Eu", que ele aceitou com todo o gosto.
Não resisto a deixar aqui a minha homenagem, com um dos seus DJ sets. Até um dia, Vicente.


Os Novos Monstros (I Nuovi Mostri) 1977

"Os Novos Monstros" é um filme em sketchs composto por 14 contos com uma característica em comum entre eles: são sobre circunstâncias da vida real onde, de alguma forma, os personagens principais assumem uma conduta perturbadora, transformando-se em monstros da vida real e como eles colocam os seus interesses acima de tudo.
Realizado quase 15 anos depois de "I Mostri" de Dino Risi, um dos melhores exemplos de comédias em sketchs saídos dos estúdios italianos, era uma espécie de sequela, onde Risi se vê reforçado de dois dos maiores realizadores da "commecia all'italiana": Mario Monicelli e Ettore Scola, além dos ilustres argumentistas Age e Scarpelli, e um elenco de luxo que incluía Vittorio Gassman, Alberto Sordi, Ugo Tognazzi e Ornella Muti, sendo por isso quase um best of deste género. 
Mais do que uma selecção, era quase uma despedida do género que vinha a ser tão popular quase há vinte anos. O último sketch (um funeral) é simbólico. Representa a morte da "commédia all'italiana" que ajudou a Itália durante muitos anos a ser o segundo país com mais produções cinematográficas no mundo. Terminamos também assim este ciclo. Espero que tenham gostado. 
Nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

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quinta-feira, 28 de maio de 2020

Feios, Porcos e Maus (Brutti, sporchi e cattivi) 1976

"Num bairro de lata em Roma vive a família de Giacinto. Uma vintena de pessoas entre filhos, filhas, noras, genros e netos para além da matrona da mulher e da mãe inválida e senil de cuja pensão a família se apropria todos os meses. Vivem apertados numa barraca miserável rodeados pelo lixo dos outros que vivem nos arranha-céus que os cercam. Giacinto dorme de arma na mão para proteger o seu tesouro, um milhão de liras que recebeu de indemnização por ter perdido um olho, e que muda constantemente de lugar, certo da cobiça da sua familia. O dia a dia desta amoral, feroz e incontrolável família entra em aceso conflito quando um dia Giacinto leva para a barraca uma divertida e gorda prostituta. 
Prémio Para a Melhor Realização no Festival de Cannes de 1976 "Feios, Porcos e Maus" confirmou Ettore Scola como um dos mais inspirados cineastas italianos dos nossos dias. Na verdade Scola é um dos mais nostálgicos continuadores da grande sátira social ao mesmo tempo que soube reinventar e evocar de forma notável toda a tradição poética, neo-realista e romanesca do cinema italiano. Debruçando-se sem paternalismos, análises sócio-políticas ou mesmo juízos morais, em "Feios, Porcos e Maus" Scola constrói uma sátira espantosa, hilariante, mordaz, sórdida, desconcertante e absolutamente amoral sobre o cruel e alucinante quotidiano de uma miserável família romana "das barracas". Uma crónica de sabor trágico-burlesco que reflete toda a miséria humana deste nosso "admirável Mundo novo" europeu, ocidental e rico através de uma farsa truculenta, de um humor irresistível e contagiante mas ao mesmo tempo de uma amargura e de um desencanto perturbadores. Uma grande realização de Scola que conta com uma portentosa interpretação de Nino Manfredi no protagonista, mais uma vez demonstrando ser um dos comediantes mais talentosos do cinema italiano. " Texto RTP

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Pasqualino das Sete Beldades (Pasqualino Settebellezze) 1975

Durante a Segunda Guerra Mundial Pasqualino Frafuso (Giancarlo Giannini), um italiano, deserta do exército. Os alemães capturam-no e enviam-no para um campo de concentração, onde faz quase qualquer coisa para sobreviver. Em flashbacks, é vista a sua família com sete irmãs (as sete belezas), como Pasqualino cometeu um assassinato acidental ao amante de uma irmã, a sua confissão e prisão, a sua calculada troca para um asilo, e como decidiu voluntariamente ser um soldado para escapar da prisão.
"Pasqualino Settebellezze" é uma sátira ousada, irreverente, e densa em camadas sobre uma cultura nacional de machismo, onde a crueldade humana justifica promover um clima de militarismo e permitir a cumplicidade, resultando na tragédia da Segunda Guerra Mundial. Ao apresentar a situação cívil de Pasqualino como uma consequência da interacção entre a vaidade e a covardia, Lina Wertmüller mostra-nos uma correlecção incisiva entre a agressão masculina e a virilidade. 
Lina Wertmüller era uma das realizadoras mais controversas em Itália, e este era um dos seus melhores exemplos. Foi nomeado para quatro Óscares, sendo Wertmüller a primeira mulher a ser nomeada para melhor realizadora. O filme foi também nomeado para melhor actor (Giancarlo Giannini), Argumento, e Filme em Língua Estrangeira.

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Oh! Amigos Meus... (Amici Miei) 1975

A história de quatro amigos, playboys cinquentões - depois tornam-se cinco - que cultivam o antigo gosto toscano das brincadeiras, às vezes burlescas, às vezes cruéis. Mantêm-se juntos pela vontade de gozar e de não levar nada a sério, nem a si próprios.
"Amici Miei" deveria ter sido o último filme de Prieto Germi, um dos mestres da comédia italiana. Escreveu o argumento, mas não conseguiu dirigir o filme por causa da doença ir já em estado avançado. Faleceu em 1974, um ano antes da estria deste filme, que acabou por ir parar ás mãos de Mário Monicelli, que acabou por fazer um óptimo trabalho. O filme fez um enorme sucesso de bilheteira, que acabou por gerar mais duas sequelas, em 1982 e 1985.
Passado na Toscânia, uma região na Itália conhecida pelo seu humor cruel e sarcástico, o filme segue quatro amigos interpretados por Ugo Tognazzi, Gastone Moschin, Phillipe Noiret, e Duílio Del Petre, aos quais depois se junta outro interpretado por Adolfo Celli, no  seu dia a dia de pregar partidas cada vez mais grotescas. Todos na casa dos cinquenta, eles têm dificuldade em lidar não apenas com as suas esposas, mas também com os seus filhos e familiares, que consideram o seu humor infantil e fútil. Porque muitas das suas piadas dependem da linguagem nonsense italiana, muitas das suas piadas são difíceis para serem percebidas para alguém com conhecimento limitado da língua italiana.

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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Insólito Destino (Travolti da un insolito destino nell'azzurro mare d'agosto) 1974

A tirar férias no Mediterrâneo, a rica capitalista Raffaella Pavone Lanzetti (Mariangela Melato) alugou um iate para fazer um cruzeiro. Ela grita ordens a toda a hora, quando não está a tomar posições bem incorretas politicamente. Raffaella descarrega boa parte da sua futilidade em Gennarino Carunchio (Giancarlo Giannini), um siciliano comunista que trabalha na embarcação, exigindo que ele fique mais apresentável. Gennarino desenvolve desprezo pela independência dela, ficando cada vez mais frustrado com as suas ordens. Por causa de um infortúnio vão os dois parar a uma ilha desabitada, isolados e sem as diferenças sociais, Gennarino e Raffaella vão se ver numa situação que nunca iriam imaginar.
Mais um filme realizado por Lina Wertmuller, na sua fase mais criativa. Foi uma obra controversa na altura da sua estreia, pela sua representação ousada das relações de género. Hoje em dia, quando se dá tanta importância ao politicamente correcto, a abordagem e o conteúdo do filme tornaram-se uma maldição. Mesmo o facto do filme ter sido escrito e realizado por uma mulher não permitiu que evitassem o nome impróprio de "misógino".
O filme aborda dois assuntos desafiadores, política e sexo, e fá-lo da forma mais carregada que se possa imaginar, acrescentando violência e subjugação a uma mistura já tóxica de opinião e desafio. É um filme de nervos disfarçado de comédia negra, ou talvez um romance, com Wertmuller a usar o conflito de classes para provocar os espectadores o máximo que pode, fazendo um filme provocativo com uma sensualidade estranha.

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segunda-feira, 25 de maio de 2020

Perfume de Mulher (Profumo di donna) 1974


Um antigo capitão do exército italiano viaja de Turim para Nápoles para reencontrar um amigo que, como ele, ficou cego depois da explosão de uma granada. Ciccio, um jovem soldado destacado pelo exército, acompanha o capitão nessa viagem. A braços com um homem fanfarrão e irascível que afirma reconhecer uma mulher bonita apenas pelo cheiro, Ciccio está longe de imaginar que a finalidade daquela viagem é cumprir um pacto de suicídio feito entre os dois oficiais. 
Nova reunião entre Dino Risi e Vittorio Gassman, uma dupla que rendeu alguns títulos interessantes, como "Il Sorpasso" ou "Em Nome do Povo Italiano", e que aqui estava de volta para uma obra cujos resultados foram acima do merecido. Foi um êxito comercial, foi muito bem sucedido a nível de prémios, tendo sido nomeado para dois Óscares (Filme Estrangeiro e Argumento), e Gassman ter sido vencedor do prémio de Melhor Actor em Cannes. Mais tarde, um remake inferior, também garantiu um Óscar a Al Pacino. 
Uma odisseia com sabor a clássicos como "Don Quixote" ou "Jacques le Fataliste" com um capitão do exército italiano e o seu Sancho Pança a viajarem por cidades como Roma, Turim, Génova e Nápoles. A força do filme reside em Gassman, que dá uma profundidade à personagem que é difícil de se encontrar. 

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sábado, 23 de maio de 2020

Tão Amigos Que Nós Éramos (C'eravamo Tanto Amati) 1974

Três italianos, Gianni (Vittorio Gassman), Nicola (Stefano Satta Flores) e Antonio (Nino Manfredi) tornam-se muito amigos durante o ano de 1944 enquanto combatem os nazis. Cheio de ilusões, eles estabelecem-se depois da guerra. Os três amigos idealistas têm agora de lidar com as inevitáveis desilusões da vida no pós-guerra da Itália. Ettore Scola compõe um painel que segue 30 anos da vida italiana recortada pelo envolvimento destes três homens, completamente diferentes entre si, que se desencontram numa outra batalha, a de conquistar o amor de uma mulher, Luciana (Stefania Sandrelli). Ela torna-se a inspiração das estratégias que eles constroem para reconhecer a quem ama e nisso os quatro desencontram-se sem perder a amizade.
Ettore Scola teve em meados da década de 70 o seu período mais criativo, começando com este "C'eravamo Tanto Amati", realizado em 1974.Algumas cenas são pura poesia: a mudança repentina de preto e branco para uma imagem colorida (sublinhada por uma banda sonora), a conclusão dramática de uma noite na Piazza de Spagna, o sentimento geral de nostalgia que atravessa todo o filme. É um filme que envelhece como um bom vinho.
O filme é dedicado a Vittorio de Sica e tem cameos de Fellini e do próprio De Sica, além de ter clipes de filmes de outros realizadores, como Antonioni, Rosellini e Visconti.

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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Queremos os Coronéis (Vogliamo i Colonnelli) 1973

Uma sátira à política, a partir de uma tentativa imaginária de golpe de Estado por alguns militares do tempo do fascismo. Convencidos de que precisam salvar a Itália da fragilidade da democracia, os militares da reserva planeiam tomar o poder, cantando hinos como se a Segunda Guerra Mundial ainda não tivesse acabado e como se Mussolini não estivesse morto. Não podem imaginar que os seus esforços serão amplamente manipulados pelos políticos italianos, que pretendem tirar proveito da desastrada tentativa de golpe em interesse próprio.
A partir de meados da década de sessenta, o cinema italiano tradicionalmente escapista começou cada vez mais a incluir conotações de natureza politica, com referências abertas, ou ocultas, a eventos reais. É o caso deste filme, que retrata não uma, mas duas, tentativas de golpe de estado que foram planeados em Itália entre 1964 e 1970, que quase foram postas em funcionamento, falhando apenas por razões que não foram muito claras. 
Mário Monicelli, é claro, interpreta estes eventos ao puro estilo "comédia à italiana" gozando com todo o exército italiano e os seus mais altos escalões senis, expondo o oportunismo e o amadorismo do personagem italiano, com Ugo Tognazzi, no papel principal, a roubar o show. O filme foi exibido no Festival de Cannes de 1973.

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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Filme de Amor e Anarquia (Film d'amore e d'anarchia) 1973

Itália, inicio dos anos trinta. Em "La Maison" de madame Ainda (Pina Cei), um "bordel" destinado aos sonhos proibidos dos prazeres da carne e do amor, é o local onde se cruzam os destinos de Salomé (Mariângela Melato), uma anarquista que deseja vingar a execução do seu noivo, morto injustamente por uma multidão enfurecida, de Tonino (Giancarlo Giannini, um ingénuo camponês que também procura vingança pela morte de um grande amigo e de Tripolina (Lina Polito), uma menina que, de alguma forma, quer vingar a morte do seu pai falecido durante a guerra. Três pessoas humildes e sofridas que unidas pela dor, procuram suas vinganças e se entrelaçam no amor e nos sonhos.
Neste filme, Lina Wertmuller incorpora muitos detalhes Fellinescos: o trabalho de câmara de Giuseppe Rotunno, as harmonias características de Nino Rota, prostitutas a fazer música e a vender os seus produtos, e até uma personagem feminina que implora ao seu público que respeite pelo seu passado de estrelato (tal como a Mademoiselle Fifi em "8 e 1/2"), mas o objectivo da realizadora dificilmente poderia ser mais diferente de Fellini. Basta observar "Amarcord" e depois este "Filme de Amor e Anarquia" para perceber quanto diferentes podem ser duas vozes narrativas com articulações estilísticas semelhantes. 
Wertmuller deriva muito do seu poder de misturar política com as emoções universais desagradáveis. Ela criou o oposto do épico, trabalhando a partir de detalhes psicológicos caseiros, com a grandiosidade épica a ser reservada para representar os fascistas. Retratando o medo e a vulnerabilidade Wertmuller encontra novas dimensões, uma exploração mais completa da relação entre política e vida do que em "O Conformista", de Bertolucci, com o qual este filme foi comparado.
Gincarlo Giannini ganhou o prémio de Melhor Actor no festival de Cannes.

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terça-feira, 19 de maio de 2020

O Jogo da Fortuna e do Azar (Lo Scopone Scientifico) 1972

Bette Davis interpreta uma milionária excêntrica viciada num jogo de cartas, e em ganhar a jogadores que não têm dinheiro para apostar. Todos os anos ela vai a Roma com o seu secretário e ex-amante (Joseph Cotten) para jogar com Peppino (Alberto Sordi) e a sua esposa Antonia (Silvana Mangano), uma empregada de limpeza que vive num bairro pobre com o marido e os seus cinco filhos. 
A milionária oferece um milhão de liras ao casal para jogar com ela e com o seu secretário num jogo chamado "scopone", ao qual ela é apaixonadamente dedicada e ao qual Antónia é uma campeã. Mesmo precisando desesperadamente de dinheiro o casal costuma deixar-se vencer para agradar à milionária, mas este ano Antónia está determinada a vencer. 
"Lo Scopone Cientifico" é uma obscura comédia negra do realizador Luigi Comencini que lida com com a eterna luta entre classes de uma forma invulgar, mas ainda assim bem divertida. Para além da luta de classes, temos ainda uma luta entre actores de países diferentes, com duas velhas glórias do cinema americano, Bette Davis e Joseph Cotten por parte dos Estados Unidos, e Alberto Sordi e Silvana Mangano por parte dos italianos. Os americanos representam os ricos, e os italianos os pobres. Luigi Comencini e o argumentista Rodolfo Sonego colocam em destaque o cinismo e o egoísmo das classes mais ricas e a brecha inaceitável que existe entre os mais pobres e os mais ricos. 
Sordi e Mangano ganharam os David Di Donatelo para Melhor Actor e Actriz, os prémios correspondentes a Melhor Actor e Actriz.

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Ferido na Honra (Mimì Metallurgico Ferito Nell'onore) 1972

Mimi (Giancarlo Giannini), durante as eleições, vota no candidato do partido comunista em vez do candidato da máfia. Sendo assim, a máfia faz um boicote para que ele não encontre emprego. Mimi é forçado a sair da Sicília, deixando mulher e filhos, para ir tentar a vida em Turim. Lá, ele consegue emprego, mas é obrigado a fingir ser um mafioso porque em Turim existe mais corrupção do que no lugar de onde veio. Começa a viver com uma mulher vendedora de rua, e activista comunista, com quem tem um filho. No entanto, ele recebe uma oferta irrecusável em sua cidade natal...
Chegou a altura de vos introduzir a mais um nome grande da Commedia All'Italiana: a realizadora Lina Wertmuller. Corajosos, políticos e satíricos são os filmes da realizadora italiana, dos anos 70, que podem ser emocionantes do ponto de vista intelectual, desafiando o espectador com ideias filosóficas e socioeconómicas, e são apresentados com uma paixão avassaladora. 
A maioria dos filmes da realizadora concentram-se em actos sexuais específicos, geralmente indutores de constrangimento. Os seus personagens trocam e retêm relações sexuais como moeda, mas neste "Ferido na Honra", o primeiro dos seus filmes com Giancarlo Giannini como protagonista, e a sua primeira farsa regional, o "eu" corporal é menos uma mercadoria do que uma herança: determina o quanto uma pessoa pode arriscar na vida.
Apesar de não ser o seu primeiro filme, esta seria a obra de revelação de Lina Wertmuller, que se tornaria num dos nomes mais importantes do cinema italiano da década de 70, tendo inclusive sido a primeira mulher a ser nomeada para o Óscar de Melhor Realizadora. Vamos ver vários filmes seus neste ciclo.

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segunda-feira, 18 de maio de 2020

A Minha Mulher é Um Violonsexo (Il Merlo Maschio ) 1971

O violoncelista Nicholas Vivaldi sente-se preso na sua carreira e até mesmo ridicularizado pelos seus colegas, e negligenciado pelo seu condutor. Um dia Vivaldi começa a fotografar a sua bela esposa Constance de uma forma cada vez mais ousada, e, de seguida, mostra as fotografias ao seu melhor amigo, Cavalmoretti, e, depois, para os colegas, num crescendo de exibicionismo.
Durante a década de setenta surgiu um novo tipo de comédia dentro da já popular "commedia all'italiana", era a comédia de cariz sexual, que por causa da sexualidade se tornou um êxito. É uma vertente que eu não vou mostrar muito neste ciclo, mas do qual ainda tenho alguns filmes, como este de Pasquale Festa Campanile, um realizador e argumentista pouco conhecido fora do país, mas reconhecido interinamente.
"Il Merlo Maschio" era uma obra que ficava conhecida basicamente por ter sido um filme-veículo para a actriz Laura Antonelli, com umas das melhores prestações da actriz no campo da comédia. Ela participou em várias destas comédias ao longo da década de setenta, como por exemplo: "Um Deputado Mulherengo", "Pecado Venial", "Meu Deus, ao Que Eu cheguei…" ou "Com Elas, Todo o Cuidado é Pouco…", em que contracenava com Ursula Andress, Sylvia Kristel e Monica Vitti. Como podem ver, os nomes não podiam ser mais sugestivos, a eles juntando ainda este "A Minha Mulher é um Violonsexo". 

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Em Nome do Povo Italiano (In Nome del Popolo Italiano) 1971

Um obscuro magistrado italiano suspeita que a morte de uma jovem drogada foi provocada por um poderoso industrial. Decide investigá-lo e levá-lo a juízo, independente de ter provas para acusá-lo. Em nome do poder que o povo italiano lhe conferiu, esse juiz tem direito de agir assim? O filme discute a ação da justiça, que nem sempre se detém em seus limites. 
Este ataque selvagem ao sistema judicial italiano é uma obra-prima desconhecida, com o realizador Dino Risi e os actores Ugo Tognazzi e Vittorio Gassman no topo da sua forma. Embora necessariamente muito falado e pesado, o ponto forte do filme é a forma como trata vários pontos densos e relevantes sobre o estado do país na altura, dentro dos limites de um filme de suspense e comédia. O resultado final é uma caracterização estimulante (colocando duas postas uma contra a outra (Tognazzi como magistrado obstinado e Gassman como suspeito de assassinato industrial) com algumas vinhetas memoráveis, e muitas vezes cáusticas, denunciando burocracia, grandes empresas e diferenças de classe e geração.
Na melhor tradição da comédia italiana, o argumento é realizado de uma forma grotesca, que acaba por ser emocionante, deixando um sabor amargo no final.

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sábado, 16 de maio de 2020

Ciúme, ciúmes e ciumentos (Dramma della gelosia) 1970

Um triângulo amoroso na Roma do inicio da década de 70. Oreste, um trabalhador da construção civil, e a sua noiva, Adelaide, conhecem Nello, o cozinheiro de uma pizzaria. Os três costumam ir a comícios comunistas e gostam da praia imunda de Ostia. Será que este ambiente hostil poderá levar ao caminho dos ciúmes?
Realizado por Ettore Scola, de quem já tínhamos falado no inicio deste ciclo, por ter sido argumentista de filmes como "Il Mattatore", "Il Sorpasso", "La Marcia Su Roma", ou "I Mostri".  Depois de se estrear na realização, e depois dos seus primeiros filmes não terem sido muito relevantes, acabaria por se tornar um dos grandes mestres da "comédia à italiana" durante a década de setenta. Começando por este "Drama Della Gelosia", uma história tragicómica de ciúmes românticos, ressentimento de classe  e emoções exageradas que tanto gozam como prestam homenagem à grande tradição cinematográfica da "commedia all'italiana".
Scola partiu para este filme com um trio de actores com o qual seria difícil de falhar: Marcello Mastroianni, numa das suas melhores prestações, com a qual ganhou o prémio de Melhor Actor em Cannes, Monica Vitti e Giancarlo Giannini. O argumento também era da autoria da famosa dupla Incrocci e Scarpelli, argumentistas de filmes como "Gangsters Falhados", "Seduzida e Abandonada" e "O Bom, o Mau e o Vilão".

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Uma Aventura nas Cruzadas (Brancaleone alle Crociate) 1970

O filme começa onde "L'armata Brancaleone" termina.  Bracaleone da Norcia, novamente interpretado por Vittorio Gassman, é um pobre mas orgulhoso cavaleiro da Idade Média, liderando o seu bizarro exército de azarados. No entanto, acaba por perder todos os seus "guerreiros" numa batalha, e encontra uma encarnação da Morte (uma parábola a "O Sétimo Selo", de Bergman). Tendo conseguido mais tempo para viver, forma mais um exército de esfarrapados, com o qual irá ter mais uma missão, e viver mais uma série de episódios hilariantes.
Depois do grande êxito que foi "L'Armata Brancaleone", era de prever que houvesse uma sequela, e foi assim que chegou "Brancaleone alle Crociate", feito pela mesma equipa: realizador (Monicelli), argumentistas e protagonista. Seguimos o nosso herói medieval quixotesco no seu caminho para a Terra Sagrada durante as Cruzadas, juntando-se a uma equipa de loucos, e pelo caminho encontra gente ainda mais louca, que inclui um cruzado alemão traiçoeiro, uma princesa disfarçada de leprosa, uma bela bruxa (Sandra Sandrelli) e um rei que fala apenas em rima (Adolfo Celli). 
Embora não esteja ao nível do primeiro filme, o que seria difícil, e embora alguns erros ao longo do caminho, este filme tem uma grande vantagem: a mistura espirituosa de falsos dialectos (que só podem ser verdadeiramente apreciados se dominarem bem o dialecto italiano). Produção de grande orçamento, filmada em exteriores na Argélia, e algumas piadas maravilhosas, algumas delas parafraseadas ou a absolutamente roubadas pelo Monty Phyton, em filmes como "The Holy Grail",  "Life of Brian", ou "The Meaning of Life".  Um exemplo, a parte do Grim Reaper é roubada directamente deste "Brancaleone".

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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Vejo Tudo Nu (Vedo Tudo) 1969

"Neste filme, um dos mais divertidos de Dino Risi, o realizador retoma a sua fórmula de comédia em episódios, traçando o retrato da Itália dos anos 60 através de ousadas histórias que giram em torno do sexo. No episódio mais kitsch, a actriz Sylva Koscina pretende socorrer um ferido mas acaba por provocar uma tal loucura no hospital, com a sua roupa quase inexistente, que vira para si todas as atenções e o pobre homem acaba por morrer. Num outro, um culturista muito míope espia uma bela mulher nua que, afinal, não é mais que uma ilusão de óptica provocada pelo seu reflexo no espelho. Há ainda um homem que trai a sua mulher com um comboio, um fetiche que acaba por se tornar uma obsessão partilhada. E se Ornella é o mais sensível retrato de um amor homossexual feito pelo cinema italiano, em "Audiência À Porta Fechada" conta-se a história do julgamento de um lavrador que abusa de uma galinha, recorrendo a todos os elementos da grande comédia à italiana. 
O filme conta ainda com a extraordinária interpretação de Nino Manfredi, que fecha o filme com a história de um publicitário que, à força de despir as mulheres, passa a vê-las sempre nuas."
* texto RTP

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A Rapariga da Pistola (La Ragazza con la Pistola) 1968

Assunta (Monica Vitti) é uma jovem habitante da tradicional região da Sicília. Um dia, ela sucumbe ao charme de um homem conquistador, e perde a virgindade com ele. No dia seguinte, o rapaz abandona-a e parte para a Inglaterra. Furiosa, Assunta pega numa arma e segue em busca do rapaz, para forçá-lo a casar-se com ela, e manter assim a sua honra. 
O cinema italiano tem um talento especial para encontrar humor em assuntos sérios, e abordá-lo da forma mais ridícula. Em “A Rapariga da Pistola”, Mario Monicelli pega num assunto com muita virtude, e vira-o de cabeça para baixo. No centro deste filme está uma jovem cuja virtude é posta em causa, e a única forma de redimir-se aos olhos da família é ou casando ou matando o homem responsável. Embora seja este o assunto que coloca em andamento todo o filme, é no final, com a transformação de Assunta, que acaba por se revelar o mais potente. 
Uma produção bem vistosa em todos os aspectos, sobretudo com o aproveitamento de excelentes cenários. Mónica Vitti tem uma grande prestação à frente de um elenco com vários actores britânicos, como Stanley Baker, Corin Redgrave e Anthony Booth, e não esquecer que o filme seria nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. 

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quinta-feira, 14 de maio de 2020

O Capitão Brancaleone (L'armata Brancaleon) 1966

Os costumes da cavalaria medieval através da sátira, mostrando um jovem aristocrata chamado Brancaleone (Vittorio Gassman) que, educado no código de cavalaria da ética, deve reivindicar uma alegada herança que consiste num feudo. Por isso, Brancaleone recorre ao apoio de um punhado de bandidos mal armados e muito temerosos, que só procuram fugir das agruras do banditismo sem correr grandes riscos, e a quem o protagonista da fantasia chama seriamente de "meu exército" (chamado armata em italiano). A ingenuidade e a falta de coragem de Brancaleone e seu temido "exército" causam situações irónicas e humorísticas, enquanto o grupo de aventureiros mal equipados busca realizar a sua missão. 
Uma década antes de "Monty Phyton and the Holy Grail" , apareceu um, agora, filme obscuro, mas muito famoso na sua altura, antecipando o humor da famosa troupe de actores ingleses, e estabelecendo um novo sub-género, que poderíamos chamar de "sátira medieval". Um sucesso tão grande que, quatro anos mais tarde, viria a originar uma sequela.
Era um filme difícil de exportar para fora de Itália, porque a parte mais engraçada estava na linguagem usada, uma mistura de vários dialectos italianos com o latim da idade média, e era também mais um episódio da ascenção de Mario Monicelli como o grande poeta da comédia italiana. 

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quarta-feira, 13 de maio de 2020

Senhoras e Cavalheiros (Signore & Signori) 1966

Os costumes e a vida da região de Veneto, na Itália da década de 60, representados por três histórias distintas. A primeira envolve um homem que confidencia um segredo ao seu médico, que prontamente repassa a informação para alguns amigos que não conseguem ficar de boca calada; a segunda explora a vida de um bancário que acaba de perder a mulher e a amante; e a terceira é a história de um grupo de rapazes que se aproveita da ingenuidade de uma jovem, cujo pai fará de tudo para colocá-los na cadeia. 
O casamento italiano anda sob ataque constante de Pietro Germi, desde que o seu “divorcio à italiana” concluiu que o assassinato era mais fácil e mais conveniente do que o divórcio. Principalmente porque a Itália não permite o divórcio, mas se um marido matar a sua esposa enquanto ela estiver nos braços de um amante, o que pode um juiz fazer contra ele? 
Germi começa com opiniões partilhadas por todo o italiano que se preze, e depois, astuciosamente, leva-as ao resultado mais lógico. Foi assim em “Divórcio à Italiana”, e também em “Seduzida e Abandonada”, os dois filmes que com este “Senhoras e Cavalheiros” fazem parte da chamada trilogia provincial. “Senhoras e Cavalheiros goza com as atitudes dos italianos perante o casamento, o divorcio, a castidade, e também o amor. Germi destrói os tribunais, a polícia, a igreja, a família e o estado. Os filmes de Germi estão cheios de puro amor ao movimento e à acção, e poderiam ser descritos como “slapstick”, não fossem eles descritos com tanta força e direcionados tão directamente para alvos satíricos. 
Ganhou a Palma de Ouro em Cannes, no ano de 1966, ex-aqueo com “Um Homem e uma Mullher” de Claude Lelouch, algo inesperadamente, já que era raro comédias ganharem prémios tão importantes. Nessa edição do festival participavam filmes como: “A Religiosa” de Rivette, “Doutor Jivago” de David Lean, “Morgan” de Karel Reisz, “Passarinhos e Passarões” de Pasolini, ou “Seconds” de John Frankenheimer. Também foi nomeado para o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

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Io la Conoscevo Bene (Io la Conoscevo Bene) 1965

Adriana é uma jovem do interior, que é apanhada nas tentações tempestuosas da cidade grande. Está convencida de que tem o que é preciso para ser uma estrela de cinema, e só precisa de conhecer o produtor certo que reconhecerá o seu talento e iniciará a sua carreira. Mas, na Cidade Eterna, os homens que ela atrai apenas querem saber das curvas do seu corpo. Alguns são bandidos e traficantes, outros são camaleões ricos que vivem vidas duplas há anos. 
Embora Antonio Pietrangeli seja menos conhecido do que os seus contemporâneos, o seu envolvimento no cinema italiano entendeu-se desde o inicio do neo-realismo até ao aos anos 50 e 60, quando esse movimento evoluiu intelectualmente para a dissecação da recuperação económica do pós-guerra e as consequências sociais e políticas que resultaram da prosperidade e uma rejeição das normas sociais tradicionais. Como argumentista, Pietrangeli colaborou com Visconti (“Ossessione”, 1943, “La Terra Trema” 1948) e Rosselini (“Europa´51”, 1952, “Viaggio in Italia” 1954), entre outros. Como alguns destes filmes indicam, uma característica marcante do trabalho do realizador era o interesse e preocuupação pela experiência das mulheres nessas décadas de transição. 
Pietrangeli escreveu o argumento em conjunto com Ruggero Maccari e Ettore Scola, e apesar de ter os seus interludios cómicos é um filme que tingido por uma sensação de angústia numa sociedade que explora incansavelmente os vulneráveis. O ponto de comparação óbvio é “La Dolce Vita” (1960) de Fellini, e conta com uma grande presença da actriz Stefania Sandrelli, então com apenas 19 anos e já um punhado de filmes inportantes em carteira, além de um punhado de grandes actores como co-adjuvantes: Mario Adorf, Jean-Claude Brialy, Nino Manfredi, Ugo Tognazzi ou Franco Nero (tentem lá descobri-lo). 

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terça-feira, 12 de maio de 2020

Casanova 70 (Casanova '70) 1965

Sejam elas mulheres fatais, ingénuas ou virtuosas que se fazem passar por mulheres perfeitas, nenhuma resiste a André, o belo oficial da NATO que salta de conquista em conquista, ao sabor das suas colocações. A par das suas fáceis conquistas, o sedutor complica o jogo acrescentando-lhe elementos de perigo. Mas o verdadeiro perigo é uma bela criatura dotada de todas as qualidades que ele virá a encontrar nas montanhas suíças. 
Uma farsa sexual extremamente datada, “Casanova 70 foi muito bem recebido na sua estreia, tendo conseguido uma nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Original. Visto hoje, é difícil perceber porque é que o argumento foi tão elogiado, já que todo o filme se baseia numa piada – Marcello Mastroianni é impotente, a menos que haja perigo eminente em torno de qualquer escapadela sexual – e essa piada é repetida várias vezes. Mas há imaginação na forma como os argumentistas conseguem colocar Mastroianni em cada uma das situações perigosas para que ele consiga obter satisfação. 
O filme apresenta um Marcello Mastroianni numa grande interpretação, no auge da sua forma, o que ajuda bastante a manter o interesse dos espectadores, além da presença de óptimas actrizes como Virna Lisi ou Marissa Mell. Mario Monicelli está atrás das câmaras.

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Matrimónio à Italiana (Matrimonio all'Italiana) 1964

Durante a Segunda Grande Guerra, Domenico, um bem-sucedido homem de negócios e com uma grande queda pelas mulheres, encontra a jovem e linda Filumena num bordel. Depois da guerra, aluga um apartamento para ela e os dois tornam-se amantes durante 22 anos. O que Domenico não sabe, é que Filumena tem três filhos que são criados por babysitters, e ao mesmo tempo, ele inicia planos para se casar com uma jovem empregada.
Vittorio de Sica ganhou quatro Óscares de Melhor Filme em Língua estrangeira, e Matrimonio all'Italiana era a sua quinta nomeação, que pela primeira vez perdeu. Com uma dupla de peso como protagonista, Marcello Mastroianni e Sophia Loren, que também foi nomeada para Melhor Actriz, é um filme bastante satisfatório, apesar de estar bem longe em termos de qualidade das grandes obras do realizador, principalmente dos grandes clássicos do neorealismo. 
O filme é descrito como uma comédia, mas é na realidade um drama emocionante com Sophia Loren a atirar fogo pelos olhos. Uma força da natureza, forçada a envelhecer 20 anos durante o filme, e carregando totalmente esse peso. 
Baseado na peça "Filumena Marturano" de Eduardo De Filippo, que alcançou grande êxito em 1951, que o próprio interpretou ao lado da sua irmã. Curiosamente o público Napolitano (a história original passa-se em Nápoles) não ficou muito contente com o facto de Loren e Mastroianni terem sido os escolhidos para os papéis principais, apesar da dupla ter sido elogiada no resto de Itália e um pouco por todo o mundo. Grande parte da história é contada através de flashbacks, que contam o caso de amor entre a jovem Filumena e Domenico, um romance muito amargo.

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Viagem pela Commedia All'italiana

Espero que tenham gostado deste ciclo dedicado ao confinamento, com 40 convidados, e com a colaboração do Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos do Fundão, do Cineclube Lucky Star, e do projecto "A Comuna". O meu agradecimento a todas estas instituições pelo convite para participar neste ciclo, e ainda por cima com uma parte tão importante.
Amanhã voltaremos à programação habitual do M2TM, e iremos regressar ao ciclo "Viagem pela Commedia All'italiana" que tinha iniciado no dia 14 de Março, e tinha sido interrompido no final do mês. 
Fiquem por aí, os filmes seguem dentro de momentos. 

segunda-feira, 11 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Os Melhores Anos das Nossas Vidas”, de William Wyler

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O último convidado é Filipa Gambino, que escolheu Os Melhores Anos das Nossas Vidas de William Wyler.

Sinopse: Filme dramático norte-americano realizado em 1946 por William Wyler, The Best Years of Our Lives foi interpretado por Myrna Loy, Fredric March, Dana Andrews, Harold Russell, Teresa Wright e Virginia Mayo, entre outros. O argumento foi escrito por Robert E. Sherwood, baseando-se no livro Glory For Me, de MacKinlay Kantor. Tratando-se de um clássico sobre o regresso a casa, depois da guerra, e as dificuldades de adaptação à nova vida civil, o filme centra-se em três homens: Al Stephenson (Fredric March), Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russell). Os três regressam a casa juntos, atormentados pelas memórias recentes da guerra e com dúvidas acerca do seu futuro. Quando chegam, seguem diferentes caminhos. O marinheiro Homer regressa a casa sem mãos, Al regressa para a sua esposa Milly (Myrna Loy), filhos e o antigo emprego num banco, e Fred encontra uma mulher que praticamente o abandonou e não tem perspetivas de trabalho.

Em jeito de conclusão, escreve-nos que “o ecletismo deste ciclo (de uma maneira pouco premeditada já que a curadoria foi distribuída por tantas pessoas quantos os filmes que por aqui passaram) acabou, de certa forma, por reflectir os vários estágios pelos quais passámos durante esta quarentena. O terror do vírus desconhecido em Cassandra Crossing, ou da peste em A Máscara da Morte Vermelha, ou da cólera em 7 Mulheres; a estranheza da impossibilidade de sair do confinamento em O Anjo Exterminador, a necessidade de evasão em E.T. - O Extraterrestre ou Querido Diário, os dramas familiares como Spencer’s Mountain ou O Túmulo dos Pirilampos e tantos outros e tão bons onde pudemos encontrar paralelos com a situação em que nos encontramos. 
Escolhi Os Melhores Anos das Nossas Vidas porque descobri nele ecos para as perguntas que me invadem agora o pensamento, nesta fase de desconfinamento: vamos encontrar o mundo ainda como o deixámos? Haverá lugar nele para nós? Saberemos/poderemos ainda abraçar os que amamos? Terá o pior já passado? Tudo perguntas que atormentam estes 3 veteranos de guerra que Wyler acompanha no regresso a casa. 
Ao longo do filme o desconforto é palpável, o desajustamento destes homens às realidades às quais regressam quase que nos fere. No entanto, ou por isso mesmo, está cheio de vida e beleza. Particularmente marcantes os momentos em que Wyler recorre à profundidade de campo como forma de contar as histórias dos três homens ao mesmo tempo. Acontece no bar onde os três amigos se costumam encontrar mais que uma vez (Fred, no fundo, ao telefone com Peggy), acontece no magistral plano final: toda a força do poder redentor do amor numa única imagem. 
Esperemos que seja também esse poder redentor do amor a salvar-nos agora e que os melhores anos das nossas vidas estejam, afinal, ainda por viver.”

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domingo, 10 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Adventure in Hapiness Street”, de Jacques Tourneur

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O quadragésimo convidado é o crítico e programador de cinema norte-americano Andy Rector, que escolheu Adventure in Happiness Street, episódio da série de televisão “The Barbara Stanwyck Show” realizado por Jacques Tourneur em 1961.

Sinopse: Josephine acha que consegue ajudar o Dr. Paul Harris a arranjar medicamentos para a sua clínica usando apenas os seus contactos comerciais.

Robert Culp, que aparece neste episódio, contou uma pequena história de rodagem à Television Academy Foundation, dizendo que fez “um programa de meia-hora, o “Barbara Stanwyck Theater” [nota: “The Barbara Stanwyck Show”] – e lembro-me, sabe, de ficar arrebatado com a ideia de trabalhar com Barbara Stanwyck. Fui para o plateau, logo, e esta mulher era famosa por saber os primeiros nomes de cada tipo, dos gajos lá de cima, de toda a gente atrás das câmaras, do tipo que limpava o chão, e chamava-os a todos pelo primeiro nome todas as manhãs. Toda a gente simplesmente adorava esta mulher. Bom, eu entrei em cena com ela pela primeira vez, para ensaiar, olhei para ela e ela devolveu-me o olhar. Nessa altura ela não estava casada. Eu estava muito casado. E aquela coisa aconteceu como se se estivesse de pé a abanar uma bandeira. E eu pensei, “Oh, meu Deus.” E não sei quão mais velha que eu ela era, não faço ideia, mas está a ver, isso é um momento que não se esquece, nunca, a vida toda.” 
Situando a sua escolha no ciclo e nos tempos que vivemos, Andy Rector disse-nos, “Olhem para este filme. É a armadilha em que estamos todos até hoje! E como na nossa era, não há solução que se encontre; temos de ser nós próprios a produzi-la, ou sair para morrer na rua. Este episódio de televisão chegou-nos numa cópia sem os últimos dois minutos, isto é, sem o monólogo final típico de cada episódio e dito pela anfitriã Barbara Stanwyck para reconciliar o que vimos.” 
O filme não tem legendas,

Amanhã, a escolha de Filipa Gambino.

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sábado, 9 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Themroc", de Claude Faraldo

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo nono convidado é o músico Adolfo Luxúria Canibal, que escolheu Themroc de Claude Faraldo, dizendo-nos «o confinamento ou a libertação da vida.»

Sinopse: Retrata a revolta de um trabalhador contra o quotidiano de miséria a que se encontra submetido. O seu despertar leva-o à procura do fruir dos instintos mais primitivos reprimidos pela domesticação da sociedade industrial, e ao repelir das instituições causadoras dessa repressão. Sem linguagem conceptual durante todo o filme, uma obra prima de crítica à civilização.

Numa entrevista de 2005 ao jornal L'Humanité, e quando lhe perguntaram qual achava ser o seu lugar no cinema francês, Faraldo disse que “em lado nenhum. Eu não conhecia o cinema. Não era cineasta nem sequer cinéfilo. Tinha visto alguns filmes, e é tudo. Nunca me tinha aproximado de uma câmara e nem sequer sabia que se podiam mudar as ópticas. Era uma época diferente da sociedade e talvez do cinema. Era apenas motorista de entregas, o que é contado em Bof, filme que podia mentir mas não mente. 
“Bof foi tirado dos cinemas e Langlois passou-o na Cinemateca. Descobri esse senhor gordo que parecia conhecer e amar o cinema. Apresentou-me a umas pessoas. É preciso dizer que eu era contra o parisianismo. Em minha casa, éramos comunistas, adorávamos Montand e Aragon. Os outros todos eram intelectuais que falavam. O cinema não era razoável. Com Themroc, quis fazer um filme que valesse e por si só e não trouxesse analogia nenhuma, é por isso que não há lá linguagem nenhuma. Nunca senti que tivesse um lugar no cinema.”

Amanhã, a escolha de Andy Rector.

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sexta-feira, 8 de maio de 2020

Programação para os próximos tempos

Estes são os ciclos que poderão ver por aqui, nos próximos tempos:

12 Maio:
- Commedia All'italiana (2ª parte)

6 Junho:
- O Cinema Espanhol no Tempo de Franco

Julho: 
Programação de um Convidado Especial

Agosto:
Koji Wakamatsu

Sempre o melhor Cinema, aqui.







40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Céline et Julie vont en Bateau", de Jacques Rivette

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo oitavo convidado é a cineasta Sílvia das Fadas, que escolheu Céline et Julie vont en Bateau do misterioso cineasta francês Jacques Rivette, comentando simplesmente: «Para uma explosão de alegria incandescente.»

Sinopse: Viagem ao "outro lado do espelho" em que Julie é o Coelho Branco que leva Céline (Alice) para o seu mundo fantástico de magia e histórias rocambolescas. A frescura, a irreverência e o sonho (e a memória dos grandes "serials" americanos) no mais acessível e divertido filme de Rivette.

Em Sexual Politics and Narrative Film, Robin Wood disserta sobre esta obra de Rivette, escrevendo que “os créditos atribuem o argumento a Juliet Berto (Céline), Dominique Labourier (Julie), Bulle Ogier, Marie-France Pisier e, finalmente, Rivette, "em diálogo com" Eduardo di Gregorio; as mulheres trabalharam os seus próprios papéis e determinaram todo o progresso do filme, com Rivette a fornecer apenas um ponto de partida sugerido. Com Berto e Labourier em particular, a distinção entre actor e personagem é continuamente ofuscada: temos muitas vezes a impressão que Céline e Julie estão a construir o filme das suas imaginações, enquanto avança. Em lugar do tradicional progresso de leitura através do qual se decifra um trabalho previamente construído para se poder chegar e partilhar da posição privilegiada de conhecimento do autor, aqui partilha-se, a um grau invulgar, do processo de construção, tornando-se a divisão entre isso e o processo de leitura mais estreita do que em qualquer filme de ficção anterior em que consiga pensar. Ao mesmo tempo, o processo de leitura tradicional é levado a primeiro plano com as tentativas de Celine e Julie em decifrar a história dentro da "Casa de Ficção," vivenciadas inicialmente em fragmentos tentadores: elas tornam-se as leitoras de um romance, espectadoras numa peça, o público numa sala de cinema (debatendo, a dada altura, se deveria ou não haver um intervalo, e decidindo contra)—mas os leitores/espectadores que recebem miraculosamente o poder de entrar na ficção, intervêm na acção, e mudam o desenlace predeterminado.” 

Amanhã, a escolha de Adolfo Luxúria Canibal.

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quinta-feira, 7 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Os Passaros", de Alfred Hitchcock

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo sétimo convidado é o programador Francisco Rocha, autor do blog My Two Thousand Movies, que justifica abaixo a escolha de uma das máximas obras-primas do mestre Hitchcock:

Sinopse: Um dos maiores êxitos públicos de Hitchcock e uma das suas obras mais perfeitas. Adaptado de um conto de Daphne du Maurier, THE BIRDS segue a personagem de Tippi Hedren na ida à cidade costeira de Bodega Bay e ao encontro de uma estranha revolta de aves que começam a atacar as pessoas. Como estrelas dos efeitos especiais deste filme, elaboradas miniaturas de pássaros, que foram combinadas com pinturas e uso de retroprojeção.

Francisco Rocha: «O homem luta entre si praticamente desde que existe, com a sobrevivência da humanidade a ser muitas vezes posta à prova no meio dessas guerras. Nunca levou muito a sério o seu inimigo mais natural, a natureza. Temos o exemplo da pandemia que estamos a atravessar, e também foi assim no filme de Alfred Hitchcock, “Os Pássaros”, de 1963, onde várias espécies de pássaros de uma pequena comunidade começam a atacar os humanos sem razão aparente. 
Revi “The Birds” algures a meio de Abril, quando a pandemia já ia bem desenvolvida. Na altura, já era uma forte ameaça e uma verdadeira incógnita sem resolução à vista. O inimigo invisível avançava a uma velocidade avassaladora e ameaçava chegar à nossa porta rapidamente. No filme de Hitchcock o inimigo não é invisível, mas é uma força que não temos capacidade de compreender, nem de destruir, e chegamos ao fim sem saber o que realmente transformou os pássaros em criaturas assassinas. Provavelmente vai acontecer o mesmo com este vírus, apareceu e vai desaparecer, deixando muitas questões sem resposta. 
Apesar de mais de 50 anos separarem o filme da realidade que vivemos, temos vários pontos em comum. Um deles é, por exemplo, a personagem interpretada por Tippi Hedren, uma socialite rica que viaja até à pequena comunidade de Bodega Bay, na tentativa de pregar uma partida ao homem que a insultou. A certa altura, depois dos pássaros darem início aos ataques de forma organizada, os habitantes desta comunidade começam a duvidar desta personagem, como se ela pudesse estar no centro de todos os acontecimentos (tudo começou com ela e ela está sempre presente). Na actualidade existe uma situação parecida. Ninguém sabe nada sobre as raízes do vírus, por enquanto não passam de suposições, mas no entanto já meio mundo aponta o dedo para a China, que é a Tippi Hedren desta realidade. Hitchcock também deixa a dúvida a pairar no ar, se Hedren tem alguma coisa ou não a ver com os ataques. 
“The Birds” é um filme muito actual, mesmo que já o tenham visto, está na altura ideal para o reverem e, por certo, irão encontrar mais pontos em comum com o nosso mundo de 2020.»

Amanhã, a escolha de Silvia das Fadas

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quarta-feira, 6 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Uma Vida Inteira”, de john Ford

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo sexto convidado é o historiador de cinema Tag Gallagher, autor do monumental volume sobre John Ford intitulado John Ford: The Man and His Films, e que escolheu The Long Gray Line, pois, como começou por dizer: «Bem, nunca pode haver Ford demais, por isso escolho “The Long Gray Line”»

Sinopse: Homenagem de John Ford ao Exército, evocando a mais célebre instituição para a formação de oficiais, a Academia de West Point. Centra-se na história de “Marty” Maher, treinador na Academia e da sua relação com cadetes que se tornarão famosos, como Eisenhower (interpretado por Harry Carey Jr). Um dos melhores trabalhos de Tyrone Power e Maureen O’Hara em estado de graça.

O crítico e argumentista Frank S. Nugent escreveu no livro colectivo John Ford Made Westerns que “John Ford é um homem grande e bamboleante com um rosto enrugado, cabelo ruivo que enfraqueceu com os anos, um feitio que não enfraqueceu, e um dom para fazer filmes que lembra de forma desconfortável a Hollywood que os filmes não são apenas uma indústria, mas uma arte. Entre os conhecedores de cinema, é considerado um dos maiores realizadores que já viveram; alguns chamam-no o maior. Ganhou três Óscares da Academia pessoalmente endereçados—entre os realizadores, só Frank Capra tem tantos como ele—e é o vencedor inigualável por quatro vezes dos prémios anuais da Associação de Críticos de Nova Iorque para realização. Ford tem orgulho dos seus troféus, mesmo sem nunca ter aparecido nos jantares da Academia ou nas transmissões dos críticos para os aceitar. Odeia publicidade.” 
Em entrevista a Jean Mitry para a revista Cinémonde, em 1955, e quando o francês lhe pergunta quais são os filmes preferidos entre os que fez, John Ford contra-ataca com a sua humildade mordaz, dizendo “os meus filmes preferidos? Bah! Não sei. Diz que fiz bons filmes, acredito em si. Não sabia que as pessoas estavam tão interessadas no meu trabalho, em França. Fico encantado, mesmo assim. Bom! Digamos The Long Voyage Home, Stagecoach, The Informer. The Sun Shines Bright também e o meu último, The Long Gray Line. Acho que é um dos melhores. Vai ver.” 

Amanhã, a escolha de Francisco Rocha.

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terça-feira, 5 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Três na Rua Mechtchanskaya", de Abram Room

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo quinto convidado é a realizadora Rita Azevedo Gomes, que escolheu Três na Rua Meshchsanskaya de Abram Room.

Sinopse: Esta atrevida farsa russa é uma fascinante curiosidade, atípica em relação ao cinema de propaganda da altura, e bem à frente do seu tempo no tratamento a sexo e género. Os três intérpretes principais têm grandes interpretações, com destaque para Lyudmila Semyonova num papel feminino altamente progressista para a altura. O filme também beneficia de um trabalho de câmara inventivo, produzindo uma visão realista da década de 20 em Moscovo e dos seus habitantes.
Era o quarto filme de Abram Room, e ganhou fama por ter sido banido (e elogiado) nos dois continentes. Tal como outros dos primeiros realizadores do cinema soviético, chegou a esta área depois de um caminho sinuoso. Era um médico especializado em psiquiatria e neurologia, que serviu como oficial do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa, que se deu depois das revoluções de 1917. Originalmente da Lituânia, Room decidiu ficar em Moscovo depois da desmobilização e começou a trabalhar no Teatro da Revolução.

Num capítulo de Kino and the Woman Question, Judith Alley escreve que “Três na Rua Meshchanskaya é diferente da maior parte dos filmes considerados “clássicos” do cinema mudo soviético tanto pelo seu tema como pelo seu estilo. Um crítico da Close-Up descreveu o filme como caracterizado por “cortes descuidados, continuidade não relacionada, por todos os erros que o amador pode cometer.” O crítico continua: “E no entanto aqui estava um filme que nos prendia e tinha génio. A própria irregularidade concedia-lhe um poder acrescentado; quase se podia dizer que criou uma nova técnica.” 
“O filme conta a história de uma mulher, Liudmilla, cuja vida é definida pelo pequeno apartamento de um quarto em que passa os dias. O marido dela, Kolia, um supervisor de construção, convida um velho amigo, um estampador, a partilhar o apartamento deles. O amigo, Volodia, chegou recentemente a Moscovo e não consegue encontrar um quarto devido à crise de habitação.”
 Justificando a sua escolha, Rita Azevedo Gomes disse-nos que é «uma recentíssima descoberta, este filme, Três na Rua Meshchanskaya, fascinou-me não tanto pela urgência em abordar, no contexto social da União Soviética dos anos 20, temas como o amor, o casamento, a moralidade sexual, mas pela maneira como tudo se condensa e encerra num pequeno espaço, uma cave nos subúrbios de Moscovo. Sublime a economia estética da imagem; cada plano, detalhe, olhar, cada reflexo, aproxima-nos com enorme delicadeza da densidade interior dos três personagens e da sua fragilidade, sustentada pelo espantoso trabalho dos actores.» 

Amanhã, a escolha de Tag Gallagher.

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segunda-feira, 4 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Mãe!”, de Darren Aronofsky

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo quarto convidado é o artista Zina Caramelo, que escolheu Mãe! de Darren Aronofsky.

Sinopse: Um casal vive numa casa isolada onde ele, um poeta em crise de inspiração, viveu toda a sua infância. Ela, decidida a transformar aquele lugar num lar, remodela cada espaço com amor e dedicação. Certa noite, são visitados por um estranho que diz ser médico. O marido decide acolhê-lo. Depois chega a mulher do médico e, mais tarde, os dois filhos de ambos. A presença daqueles estranhos hóspedes depressa começa a tomar conta de toda a casa, possuindo-a e deixando a proprietária com uma sensação de terror que parece ir tomando, a cada dia, proporções cada vez maiores….

No seguimento da má recepção deste filme de Darren Aronofsky, Martin Scorsese veio em sua defesa e escreveu que “antes de chegar a ver Mãe!, estava extremamente perturbado com todos os julgamentos severos que lhe fizeram. Muitas pessoas pareciam querer definir o filme, catalogá-lo, achá-lo imperfeito e condená-lo. E muitos pareciam ficar contentes com o facto de ter recebido uma classificação de “F” do Cinemascore. Isto tornou-se mesmo uma notícia — Mãe! tinha sido "esbofeteado" com a "temida" classificação de “F” do Cinemascore, uma distinção terrível que partilha com filmes realizados por Robert Altman, Jane Campion, William Friedkin e Steven Soderbergh. 
“Depois de ter a oportunidade de ver Mãe!, ainda fiquei mais perturbado com esta pressa para julgar, e foi por isso que quis partilhar as minhas reflexões. As pessoas pareciam querer sangue, só porque o filme não podia ser facilmente definido ou interpretado ou reduzido a uma descrição de duas palavras. É um filme de terror, ou uma comédia negra, ou uma alegoria bíblica, ou uma fábula admonitória sobre a devastação moral e ambiental? Talvez um pouco de tudo o que se referiu anteriormente, mas certamente não apenas uma dessas categorias arrumadas.” 

Amanhã, a escolha de Rita Azevedo Gomes. 

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domingo, 3 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "O Deserto dos Tártaros", de Valerio Zurlini

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo terceiro convidado é o grande cineasta português, verdadeiramente português, Manuel Mozos, que escolheu O Deserto dos Tártaros de Valerio Zurlini.

Sinopse: No meio do deserto, dentro de um forte, um grupo de soldados espera por um inimigo que tarda em chegar. Soldados e oficiais sobrevivem de forma honrada, tentando respeitar as regras. Mas os dias, os meses, os anos passam e absolutamente nada acontece. Sentindo-se espiritualmente encarcerado, o jovem tenente Drogo (Jacques Perrin) tenta obter um atestado médico que o isente da sua nova posição. Mas o seu pedido é recusado e Drogo não tem outro remédio senão adaptar-se a uma vida solitária e, a seu ver, claustrofóbica e inútil. Baseado no romance homónimo de Dino Buzzati, "O Deserto dos Tártaros" foi considerado o melhor filme do ano nos Prémios David di Donatello e valeu a Valerio Zurlini o Prémio David para melhor realizador. Com música de Ennio Morricone, autor das bandas sonoras de títulos como "Era Uma Vez na América" (1984), "Os Intocáveis" (1987), "Cinema Paraíso" (1989), "Lobo" (1994) e "A Lenda de 1900" (1998).

Sobre o deserto, Zurlini escreveu a páginas tantas de Pagine di un diario veneziano que “houve um hábito antigo e apaixonado de outras viagens para outras terras que me ligou com uma atracção invencível ao deserto como a um espaço de liberdade incontaminada que me era secretamente agradável e no qual nunca me conseguia sentir sozinho. […] É lindo imergir na sua solidão não ameaçadora que não nos acolhe mas também não nos rejeita, perdermo-nos na sua imensidão indiferente até ao cair da primeira escuridão, descobrir a fantasia de uma vegetação petrificada milenar, encontrar esqueletos alisados pelo sol ou os poucos animais antediluvianos que o habitam sem o pesadelo da sede: cancelar as dimensões do tempo numa calma profundíssima que acalma suavemente todas as inquietudes no coração.” 
Falando-nos sobre a sua escolha, Manuel Mozos disse que «este é o último filme de Valerio Zurlini, um cineasta de que gosto particularmente, muitas vezes ignorado ou posto de lado. Não existe acção neste filme, apenas um grupo de soldados perdidos num deserto, num sítio que nem sequer é claro, à espera que aconteça algo que mude as suas vidas. O filme é só essa espera. E é isso que eu acho fantástico.» 

Amanhã, a escolha de Zina Caramelo. 

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