sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

2019 no M2TM

Chega assim ao fim mais um ano de Thousand Movies.
Foi um ano bastante activo por aqui. Fiquei com mais tempo para o blog, e tivemos mais filmes. Desde 2015 que não tínhamos tantos filmes publicados durante o ano. Foi um ano que trouxe uma nova rubrica, parecida com a antiga "5x5", que teve lugar, principalmente, no blog anterior. Em "Quem programa Sou Eu" são os nossos leitores que são convidados a organizar o seu próprio ciclo, e a escolherem os filmes a serem postados.
Foram sete os convidados que fizeram parte desta rubrica. O Carlos Natálio e o Alexandre Mourão preferiram uma abordagem mais pessoal e escolheram filmes que os ajudaram a crescer enquanto pessoas. O Álvaro Martins escolheu os temas Melancolia e Desolação para o seu ciclo. O José Oliveira escolheu o tema Desporto, e o João Palhares o tema "Os Cineastas e a Televisão", e os três acompanharam os filmes com brilhantes textos seus. O Rafael Lima escolheu para tema do seu ciclo o Catálogo Janus Films, e terminamos o ano com o ciclo da Inês Esteves e um fantástico ciclo sobre a produtora Continental Films. Este ciclo ainda não terminou, vai acabar no início de Janeiro, mas aqui fica desde já o meu agradecimento a todos pela colaboração e por todos os bons momentos proporcionados. Espero muitas mais colaborações em 2020.
Ao longo do ano tivemos ainda uma série de ciclos preparados minuciosamente, com o objectivo de trazer um diferente ponto de vista a todos os seguidores do M2TM. Vamos lá fazer um resumo:
Começamos o ano com o ciclo "Fotofilme", em colaboração com um curso da Universidade Nova organizada pelo Luís Mendonça. Em Fevereiro iniciou-se um ciclo bastante prolongado sobre o "Giallo", em que vimos cerca de 26 filmes. Em Março tivemos um ciclo sobre um realizador brasileiro a descobrir, Olney São Paulo, com alguns filmes inéditos na internet. Textos exclusivos do Yves São Paulo, um familiar do realizador. Logo depois chegaram os filmes da década de 30 de John Ford, até ao momento em que ele partiu para a guerra. Em Maio fomos até à Ásia Central, com uma selecção de filmes contemporâneos de países como Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, e Uzbequistão.
Em Junho chegou o festival Stop Motion, com uma série de curtas e longas metragens de animação, escolhidas a dedo, e feitas com o uso desta técnica. Em Agosto começamos um ciclo sobre um realizador Japonês pouco reconhecido no Ocidente, Kon Ichikawa. Da sua vasta filmografia fizemos uma selecção com cerca de 20 filmes. No final de Setembro foi para o ar o ciclo "Fantasy Lo Fi", com uma série de filmes de fantasia de baixo orçamento, sobretudo europeus. E durante todo o mês de Novembro e parte do de Dezembro um ciclo da Hammer Studios, provavelmente o ciclo que muitos de vós esperavam sobre os filmes de terror desta produtora. Foram perto de 40 filmes, livros, documentários, e muita informação partilhada.
Queria deixar um agradecimento a quem tem partilhado os acontecimentos do blog nas redes sociais, como o Jorge Saraiva, o Marc Nt e o José Carlos Maltez.
Foi um ano bastante intenso, e fica desde já o aviso que o próximo será mais. Sempre que possível com bons filmes e bons e inéditos ciclos.
Vou tirar agora umas miniférias, e volto dia 2 de Janeiro, para continuarmos o ciclo que está a decorrer. Um bom ano para todos. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Au Bonheur des Dames (Au Bonheur des Dames) 1943

Denise Baudu, uma jovem órfã com necessidades, decide ir para Paris onde o seu tio mantém uma loja de tecidos, "La Vieil Elbeuf", onde espera que o tio a coloque numa boa posição. Infelizmente Octave Mouret, um concorrente visionário do tio, acaba de abrir uma gigante loja nas proximidades, que agora atraí clientes como um íman.  Denise, ao perceber que a loja do tio está a morrer, vai oferecer os seus préstimos a Octave.
"Au Bonheur des Dames" foi uma das produções mais generosas da Continental no período da ocupação. Baseado no 11º livro do escritor francês Émile Zola, "A Saga dos Rougon-Macquart" o filme quase subverte as intenções originais de Émile Zola e oferece uma declaração sem vergonha do Petainismo à sua ideia mais básica. Apesar do seu óbvio contexto político, que lhe valeu algumas críticas pouco favoráveis durante e depois da ocupação, o filme não tem qualquer falha tecnicamente, e um dos filmes visualmente mais impressionantes feitos pela Continental. A escala dos cenários e a atenção aos detalhes são incríveis para um filme do seu tempo, providenciando um dos mais autênticos retratos do Segundo Império Francês. 
O filme foi realizado pelo antigo advogado André Cayatte, o segundo de três filmes que ele fez para a Continental, e era também o seu segundo filme, e já mostrava suficiente talento para tirar o máximo de partido dramático de cada cena, como na sequência do confronto final entre Baudu e o seu rival Mouret. Tal como Zola, Cayatte era muito influenciado pela consciência social dos artistas, e, no futuro , daria a voz a vários importantes temas sociais, como a queda do sistema judicial francês. Este filme não é tão directo a condenar os males da sociedade como alguns dos seus filmes posteriores, mas faz um comentário importante ao poder dos grandes negócios a tomarem conta das nossas vidas, em prejudico dos pequenos negócios.
Legendas em inglês.

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

L'Assassin Habite... au 21 (L'Assassin Habite... au 21) 1942

O Inspector Wens investiga o caso de um serial killer que deixa um cartão de visita para as suas vítimas: Monsieur Durand. Quando o Inspector recebe uma pista de que o assassino mora numa pensão resolve infiltrar-se na pensão com a namorada, que só deseja ser famosa para ser cantora, e começa a investigar os outros inquilinos. Um suspeito é preso, mas o assassino continua a matar...
A primeira longa metragem de Clouzot é um filme de um suave contraste com os thrillers carregados de suspense que ele é melhor conhecido, como "Les Diaboliques" ou "Le Salaire de la Peur", e um excelente exemplo do que era conhecido como o "polar" nos anos 40.
"L'Assassin Habite au 21" é um thriller "whodunit" que apesar de ser mais leve que os filmes de Clouzot posteriores, ainda contém alguns elementos perturbantes, e uma técnica surpreendentemente madura e efectiva para alguém que estava ainda a fazer o seu primeiro filme, principalmente por causa dos primeiros cinco minutos, que contêm alguns momentos emocionantes e chocantes. 
Nota-se claramente que viria a ser uma influencia importante para o film noir americano, particularmente na iluminação da atmosfera e na fotografia. Pierre Fresnay repete o seu papel de Inspector Wens, do filme anterior "Le Dernier des Six", que Clouzot igualmente escreveu. Suzy Delair também regressa no papel da namorada de Wens, Mila Milou.
Os censores em tempo de guerra (dos Nazis e do público em geral) foram talvez o factor mais importante para determinar o ambiente do filme. Poderia ter sido um thriller psicológico bem mais obscuro, como aconteceu no seu filme seguinte, "Le Corbeau", mas em vez disso Clouzot optou por uma abordagem mais leve, com algum humor que parece aumentar em vez de aliviar a tensão, com alguns personagens a parecerem algo cómicos no inicio, mas que acabarão por se tronar personagens sinistras.
Legendas em português.



sábado, 21 de dezembro de 2019

A Sua Maior Causa (Les Inconnus dans la Maison) 1942

Hector Loursat, advogado, mora com a filha Nicole numa grande mansão numa cidade da província. Não falam muito entre si, e de alguma forma responsabilizam o outro pela situação: Hector costumava ser um dos grandes advogados da cidade até que a sua esposa o trocou por um homem 18 anos atrás. Desde então que Hector bebe, e deixou de viver, completamente intoxicado pelo álcool. Não se preocupa muito com a filha, que foi criada por uma empregada. Uma noite são ouvidos tiros no andar de cima, e Hector vê uma sombra a fugir, e encontra um homem morto numa cama velha do sótão.
O livro de Georges Simenon de 1940 "Les Inconnus dans la Maison" é um estudo meditativo sobre o colapso social e o descontentamento juvenil que contém uma poderosa crítica às sociedade dos países ocidentais da década de 40. O mesmo pode ser dito da magnifica adaptação para cinema de Henri Decoin, uma das primeiras e mais bem sucedidas tentativas de trazer o universo sombrio e melancólico de Simenon para o grande ecrã. Era o segundo filme que Decoin fazia para a Continental, e seria difícil ser mais diferente em tom e assunto do seu primeiro filme: "Premier Rendez-Vous" (1941), uma comédia romântica de estilo americanizado.
Henry Decoin é considerado um dos realizadores franceses mais versáteis apesar da maior parte da sua carreira ser conhecida por comédias ligeiras. "Les Inconnus dans la Maison" mostra um lado diferente de Decoin, mais escuro, mais pessimista, mais consciente de uma realidade sombria da vida real. Sem dúvida o seu melhor filme, igualado apenas pelo ainda mais sombrio "La Vérité Sur Bébé Dongue" (1952), outra suberba adaptação de Simenon. 
O argumento era de Henri-Georges Clouzot que, tal como Decoin, havia começado a sua carreira na Alemanha a fazer versões de filmes franceses falados em alemão. O papel de Clouzot na Continental era de supervisionar os argumentos dos filmes da produtora, mas acabaria por escrever e realizar alguns. "Les Inconnus dans la Maison" tem muito em comum com "Le Corbeau", o filme mais conhecido da Continental, como por exemplo a atmosfera arrepiante que recordava os anos da ocupação, e ao mesmo tempo fazia uma crítica à sociedade francesa contemporânea, que neste momento estava dividida. Os dois filmes foram julgados como Petainistas, e foram banidos (injustamente) logo depois da libertação. 
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Sinfonia Fantástica (La Symphonie Fantastique) 1942

Em Paris por volta de 1825, Hector Berlioz é um estudante de medicina que demonstra mais interesse em música do que na anatomia humana. Convencido de que o seu futuro será de compositor, o jovem Berlioz abandona os estudos e dedica-se às composições musicais encorajado pelo seu amigo Antoine Charbonnel. O mundo ainda não está preparado para Berlioz e o seu novo conceito musical, e apenas longos anos de trabalho duro e desilusões ele começará a ver frutos.
"La Symphonie Fantastique" era o mais grandioso dos filmes produzidos pela Continental na altura da ocupação. O homem apontado para dirigir a Continental, Alfred Greven, tinha um especial interesse nele e deu uma ajuda no argumento. O filme não era uma adaptação muito fiel da vida de Berlioz, apesar de ir buscar inspiração às suas "Mémoirs". Em comum com outros respeitáveis biopics de artistas proeminentes era o facto de se destacar o trabalho do artista em prol do artista como pessoa, e apesar do filme não surpreender muito enquanto drama, acaba por ser um respeitável produto a um dos mais importantes compositores franceses. Uma produção de alto nível, que revelava a superioridade da cultura francesa, e que apelava ao patriotismo francês num período de grande incertezas e ansiedade.
Como seria de esperar de qualquer filme financiado pelos Nazis, este glorioso biopic não podia ter uma mensagem muito aberta com o risco de ser banido, e provavelmente as intenções de Greven eram de unir os franceses,  e servir o seu iluminado líder Maréchal Petain, a viver em Vichy. Infelizmente alguns alemães proeminentes, incluindo o ministro da propaganda Joseph Goebbels, viram o filme de uma forma diferente, como um flagrante apelo ao patriotismo francês que poderia provocar reações na Resistência Francesa, e foi assim que "La Symphonie Fantastique" foi considerado perigoso, e todas as suas cópias encontradas foram enviadas para a incineradora.
Greven era a grande força por detrás do filme, mas a realização cabia a um jovem de 37 anos chamado Christian-Jacque, que já tinha conseguido um grande sucesso para a Continental, "L'Assassinat du Père Noel", no ano anterior. Com grandes recursos, como os que tinha da Continental, Jacque fazia grandes filmes, embora nunca tinha atingido o estatuto de "auteur".
Legendas em inglês.

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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Mataram o Pai Natal (L'assassinat du Père Noël) 1941

Numa pequena localidade algures nos Alpes franceses o Natal está a chegar, e a pesada neve isolou-os do resto do país. Não é nada que não estejam habituados, e a população está entretida com a preparação dos festejos natalícios. A atmosfera muda subitamente quando alguém ataca o padre da aldeia, e depois rouba o valioso sino de São Nicolau da igreja local, ao mesmo tempo que um homem aparece morto vestido de Pai Natal. O presidente imediatamente entra em contacto com a esquadra mais próxima, mas é-lhe dito que devido à neve levará alguns dias até que os únicos policias disponíveis cheguem ao local. O presidente, e alguns locais mais influentes, concluem que se a polícia não consegue lá chegar, o ladrão também não consegue saír, o que significa que ainda está entre eles, e pode ser qualquer um.
Como uma pequena comunidade, com um ambiente claustrofóbico, pode ser tomada pelo medo, pela suspeição, e pelas denuncias maliciosas, "L'Assassinat du Pére Nõel" tem muito em comum com "Le Corbeau" de Henri-Georges Clouzot. O enredo pode ser diferente, mas os dois filmes evocam poderosamente o ambiente que se vivia na altura, transportando o sentimento de desconfiança e paranoia que se vivia na França ocupada pelos nazis. As similaridades são mais evidentes quando nos apercebemos que os dois filmes foram produzidos pela Continental, gerida por capitais alemães. Grande parte dos argumentistas e realizadores que trabalharam com a Continental não eram simpatizantes da ocupação, e salvavam a consciência introduzindo alguma alegoria escondida nos seus filmes, mas teria de ser algo que escapasse aos censores alemães e pudesse ser apanhado pelo público cinéfilo. 
"L'Assassinat du Pére Nõel" era um dos exemplos mais flagrantes destes acontecimentos, na representação da população de uma pequena localidade montanhesa que se torna instável por causa de uma série de eventos sinistros, e viria a ter uma ressonância imediata na maioria da população francesa, que se ajustava ao regime nazi. O assassinato do Pai Natal aparecia para simbolizar a perda de identidade, mas, como mais tarde seria implícito no filme, esta perda dos ideais seria muito mais difícil de ultrapassar do que previsto. Um público moderno veria toda esta situação mais como um desafio, e o Pai Natal, afinal de contas, não era apenas um homem, mas uma ideia, e as ideias não podem ser mortas.
O filme também tem um grande significado histórico, pois foi o primeiro a ser feito depois da capitalização do país pelos alemães. Foi o primeiro a ser feito pela Continental, o que colocava a fasquia bem alta aos futuros filmes da produtora. Apesar da ocupação ser considerada um dos períodos mais negros da história do país, um período em que a nação fora humilhada e a maioria das pessoas passaram por situações muito duras, também foi um período em que o cinema francês floresceu, graças ao investimento dos alemães na Continental, que procuravam sempre os mais talentosos técnicos. E é por isso que o cinema da altura é tido, hoje em dia, em tão alta estima.
Legendas em inglês.

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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O Último dos Seis (Le Dernier des Six) 1941

Depois de vencerem uma aposta e dividirem o lucro, seis amigos fazem um pacto e prometem partilhar todo o dinheiro que conseguirem em 5 anos. O momento está muito próximo, mas um deles é misteriosamente assassinado, e depois outro… O superintendente Wenceslas Woroboyioetschik (também conhecido como Wens) é chamado para investigar...
Embora tenha ido buscar alguma inspiração, talvez mesmo inconscientemente, à série de filmes "The Thin Man", feitos em Hollywood nos anos 30 e 40, "Le Dernier des Six" tem uma identidade gaulesa muito própria, e ajudou a estabelecer o que rapidamente viria a ser considerado um dos géneros mais populares em França, o "Polar", que eram thrillers de mistério. O filme era baseado numa pulp novel de crime chamada "Six Hommes Morts" do belga Sanilslas-André Steeman, um de uma série de trabalhos que contava como protagonista o detective Monsieur Wens. O argumento é claramente copiado, ou mesmo plagiado, do livro de Agatha Christie "Ten Little Indians", que por sua vez seria adaptado para o cinema alguns anos depois em "And then There Was None" (1945), o filme de estreia de René Clair em Hollywood. Para a Continental Films esta era uma produção de prestígio que preenchia perfeitamente os seus requisitos: providenciar algum entretenimento para as audiências francesas, para aliviarem a mente da ocupação Nazi.
Georges Lacombe pode ter sido creditado como realizador, mas não conseguimos tirar a ideia de que grande parte da sua inspiração veio do argumentista Henri-Georges Clouzot, que faria a sua estreia atrás das camaras num filme que seria uma sequela directa deste, chamado "L'Assassin Habite au 21" (1942). As similaridades estilísticas entre os dois filmes são impressionantes, o que pode levar a crer que Clouzot pode ter exercido muito mais controlo artístico do que lhe foi creditado, e o filme é bastante melhor do que o que Lacombe tinha feito na sua carreira até então. Como Clouzot tinha começado carreira na Alemanha pré-Nazi, trabalhando em adaptações de obras francesas para filmes populares alemães, não seria de surpreender que ele fosse bastante influenciado pelo expressionismo alemão, e isso estaria bem presente tanto neste filme, como na sua obra de estreia, através do uso da luz e das sombras que contribuíram muito para a atmosfera destes dois filmes bastante agradáveis. 
Legendas em inglês.

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domingo, 15 de dezembro de 2019

Continental Films: o busto de Hitler nos Campos Elísios coberto de casacos e chapéus de chuva.

A rubrica "Quem Programa Sou Eu" tem sido uma constante ao longo de 2019, levando já seis edições. Nesta rubrica os nossos leitores são convidados a programar um ciclo, com cerca de 10 filmes, da sua preferência, ou sobre um determinado assunto. A Inês Esteves, uma já antiga seguidora do My Two Thousand Movies, lançou-me um desafio no mês passado, que tem em tudo a ver com o espírito do blog: um ciclo sobre a Continental Films, uma produtora francesa com capitais alemães durante a ocupação Nazi. Uma idéia excelente, para a qual lançamos mãos à obra imediatamente.
Para ficarmos a conhecer um pouco sobre o que foi a Continental, e em que circunstâncias se destacou, vamos ler a introdução escrita pela Inês.



"Estamos no início da década de 40 do século XX, a França encontra-se sob ocupação alemã e o governo francês está exilado em Vichy por essa época.
O panorama cinematográfico francês nos anos 40 estava estagnado, atravessava um período de crise, com muitos estúdios a fechar e a mobilização em torno da guerra era geral. Grandes nomes como Renoir tinham sido forçados ao exílio devido à ocupação nazi, contudo, uma certa crise económica vinha já de trás, de finais da década de 30 mas, ainda assim, a França era uma das maiores indústrias de cinema europeias.
É por isso importante para os alemães controlá-la e é assim que nasce a nova empresa de produção, a Continental Films, uma produtora cinematográfica franco-alemã, instalada em Paris em plena Ocupação. Paris era a cidade onde muitos soldados alemães se deslocavam em licença em busca da diversão e do prazer. A Continental era uma empresa de direito francês e capital alemão. Durante a sua breve existência, entre 1940 e 45, a Continental Films produziu cerca de 30 filmes. Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazi e das figuras mais próximas de Hitler, nomeia para director da Continental, um alemão veterano da I Grande Guerra e amigo de Göring, homem de negócios, já ligado à UFA - Universum Film AG ( era o director de produção da UFA), francófilo e próximo do partido nazi, um homem exigente, rico e megalómano, falamos de Alfred Greven.
A ideia de Goebbels era fundamentalmente fazer dinheiro com a Continental Films, produzindo filmes ligeiros, de entretenimento e comédias, captando o estrelato francês para os filmes, aproveitando que a indústria francesa detinha a distribuição pelos Países Baixos, pela própria França, Espanha, Itália, para onde o cinema francês exportava. A Alemanha estava fora deste circuito, já que era o cinema alemão que, na perspectiva dos nazis, devia ser o de conteúdo, como o de carácter nacionalista. A propaganda estava também a cargo do cinema feito na Alemanha e era o cinema produzido na Alemanha que devia permanecer como o dominante, talvez por esse motivo, a Continental tivesse dificuldades de financiamento, porque o capital era quase todo canalizado para a UFA. A Continental fora criada com uma ideia de negócio e para entreter os territórios ocupados com filmes puramente desprovidos de conteúdo e abrilhantados por estrelas como Danielle Darrieux e Fernandel.
A Continental tem uma história misteriosa e paradoxal e, por incrível que pareça, chega a gozar duma liberdade que é, no mínimo, bizarra, dada a conjuntura sócio-política daqueles anos, e os seus estúdios produziram filmes vanguardistas e inovadores.
Não estava nos planos de Alfred Greven seguir as orientações de Joseph Goebbels, que ao chegar ao seu escritório nos Champs Elysées todas as manhãs, pendurava o sobretudo e o chapéu de chuva no busto de Hitler.
Alfred Greven é, como disse, um francófilo, e não tem dificuldade em fazer-se rodear dos melhores e mais talentosos profissionais do cinema que se fazia em França, desde argumentistas a realizadores, compositores a técnicos e actores e, para isso, fazia uso dos seus métodos ora de sedução ora de chantagem, conforme a situação. É o caso de Georges-Henri Clouzot que é convidado por Greven, que admirava muito o seu trabalho de cenógrafo, a chefiar o departamento de cenografia da produtora franco-alemã. Clouzot pôde mostrar o seu talento e a partir daí, aproveitar a oportunidade para realizar nos estúdios da Continental, duas das suas grandes obras: “Le Corbeau” e “L’Assassin Habite au 21”. Além disso, as pessoas precisavam mesmo de trabalhar ainda que, fazendo-o para a Continental Films, lhes valesse o cliché de colaboracionistas, Clouzot esteve vários anos impossibilitado de filmar depois da Libertação devido à sua ligação à produtora franco-alemã. A verdade é que muitos acumulavam a actividade de profissionais nos estúdios da Continental com a actividade clandestina na Resistência, por exemplo.
A situação daqueles tempos sombrios era complexa, porque havia muitos profissionais que não conseguiam de todo trabalho durante a ocupação nazi e foram captados pelos estúdios da produtora, tanto vedetas consagradas como jovens talentos que se lançaram na Continental, e é neste aspecto que Alfred Greven teve um papel verdadeiramente ambíguo. Fosse por ser um homem de negócios acima de tudo e extremamente exigente, fosse por ser um conhecedor e amador da cultura francesa, Greven fez -se rodear dos melhores e entre os melhores estão evidentemente judeus e comunistas; alguns trabalharam clandestinamente na Continental, sem créditos já que o seu nome jamais poderia ser publicitado ou teriam de o substituir por pseudónimo ou nome falso, mas outros, pelo contrário, tiveram um papel destacado, como foi o caso do paradigmático actor Harry Baur que reunia todos os requisitos para ser persona non grata aos nazis: era inglês, agente-duplo, comunista, judeu mas era uma estrela do teatro e cinema franceses, um grande actor, uma figura incontornável da interpretação em França. O seu desempenho brilhante como protagonista no filme “L’Assassinat du Pére Noel”, o cativante Monsieur Cornusse que representa o homem bom e sonhador, indignou os nazis: “Como era possível um judeu estrelar um filme alemão?!”, na opinião do crítico e realizador Bertrand Tavernier, autor do documentário sobre cinema em Paris durante a Ocupação - “Laissez Passer”, poderia entender-se como um acto de provocação por parte de Harry Baur a sua presença na Continental. Harry Baur viria a morrer devido a brutais maus tratos na prisão às mãos da Gestapo. Há ainda outros casos de judeus como o do compositor Roland Manuel (Levy) que criou música para filmes como “Inconnu dans la Maison” ou do cineasta Raymond Bernard, assim como elementos da Resistência e também russos trabalhavam para a Continental pois já eram profissionais da indústria cinematográfica francesa e estavam em França desde a Revolução Russa.
Certo é que Alfred Greven percebeu desde logo que tinha de fazer este jogo duplo se queria tornar a Continental numa Hollywood europeia. Há aliás, um episódio curioso, quando Greven tenta levar Jacques Prévert para a Continental, o que Prévert não aceitou, mas terá dito a Greven que este jamais alcançaria o sucesso de Hollywood porque a Continental não tinha judeus e eles eram os melhores. O que Prévert desconhecia era que Alfred Greven já o tinha percebido e esse era o seu segredo mais bem guardado.
Alfred Greven queria acima de tudo produzir cinema de qualidade, e conseguiu-o com uma independência notável, dadas as circunstâncias, quer em relação ao governo alemão, quer em relação ao governo francês de Vichy e produziu filmes transgressores e subversivos, no conteúdo e ou na forma.
Temos o exemplo de “Le Corbeau” de Clouzot, um filme que não passaria na censura de nenhum dos governos, pois para os alemães, o filme que retrata um vilarejo que é contaminado por uma praga de cartas anónimas assinadas por um corvo que delata os habitantes, fazendo pairar um clima de terror psicológico e desconfiança entre os membros daquela comunidade, desencorajava a denúncia anónima de que a Gestapo muito se alimentava e era, por isso, na perspectiva dos alemães, um filme ao serviço de Vichy. Para outros era um filme anti-francês, desde logo, o governo francês, conservador e católico, considerou “Le Corbeau” um filme imoral que fala de questões malditas como o aborto e a droga. Os comunistas e a resistência também não o viam com bons olhos pois era produzido com dinheiro nazi. O certo é que, independentemente da ambivalência do filme, que questiona de que lado está o bem e de que lado está o mal (onde estão os bons e onde estão os maus), o que ele denuncia é a cegueira estúpida das multidões que seguem sedentas e dominadas pela cólera, prontas a linchar o primeiro que lhes apareça à frente e isto é uma impiedosa crítica social de que Clouzot lança mão.
O filme “La Symphonie Fantastique” de Christian-Jaque, é claramente uma exaltação da França. Um filme sobre Berlioz, o patriotismo, em que entram personagens como Victor Hugo, o que elevava a moral e auto-estima do país ocupado. Goebbels, furioso, chama Greven a Berlim, depois de ver o filme, para lhe lembrar que a Continental não devia jamais fazer filmes a enaltecer o nacionalismo francês, que não era essa a sua função mas sim filmes comerciais, ligeiros, para fazer adormecer o espectador.
A Continental levou para o cinema obras da literatura francesa nos filmes de André Cayatte “Au Bonheur Des Dames”, adaptada dum romance de Émile Zola; “La Fausse Maîtresse” a partir da obra de Balzac e “Pierre et Jean” da de Guy de Maupassant; ou “la Main du Diable” realizado por Maurice Tourneur, inspirado numa novela do escritor e poeta francês Gérard de Nerval; “L’Assassinat du Pére Noel” de Christian-Jaque a partir do romance de Pierre Véry; “Les Caves du Majestic” realizado por Richard Pottier a partir do romance de Georges Simenon, o que confirma a densidade e independência do cinema que se fez nos estúdios dirigidos por Greven.
Por outro lado, o filme de Maurice Touneur, “La Main du Diable”, é bastante original porque subverte a fórmula do suspense: os momentos de maior perigo e tensão são precedidos de cenas cheias de gente, confusão e barulho (a cena inicial do jantar na estalagem ou a da vernissage), ao vermos a frenética e confusa movimentação da multidão sabemos que algo vai acontecer, ao contrário da fórmula habitual em que é o silêncio, as sombras, a solidão que anunciam o momento de revelação do perigo. 
A Continental Films tal como a figura enigmática de Alfred Greven estiveram envoltas numa névoa de mistério que ultimamente tem vindo a ser dissipada graças ao trabalho de historiadores e críticos de cinema, cineastas e investigadores contemporâneos. 
Os filmes dos estúdios da Continental não colhiam a simpatia da geração da Nouvelle Vague e Cahiers du Cinema por exemplo, e acabaram por ficar exilados no território do esquecimento pelas gerações que se seguiram à Libertação da França e ao fim da II Guerra. 
Foi absolutamente fundamental ter distância para se escrever a História e ter a coragem e curiosidade para investigar os arquivos da empresa e a produção cinematográfica financiada com dinheiro do Terceiro Reich, na França ocupada, por se tratar dum período extremamente sensível, ainda presente na memória colectiva. Porém, esse trabalho tornou possível reconstituir a história da Continental a partir de dentro, dos seus arquivos, entrando finalmente nesse território, interdito durante décadas, e levantar o véu que cobria a fascinante história dos estúdios, com as suas ambiguidades, paradoxalidades, idiossincrasias, mas sobretudo, resgatou do desconhecido e do esquecimento, um conjunto de admiráveis obras, surpreendentemente vanguardistas. 
Tem sido produzido algum trabalho de investigação e divulgação recentemente como a publicação da historiadora Christine Leteux “Continental Films: cinéma français sous l’Occupation”, os documentários “Laissez Passer” de Bertrand Tavernier e “O Mistério de Greven” de Claudia Collao, a par de inúmeros artigos na imprensa e exposições como a retrospectiva sobre a obra de Georges-Henri Clouzot na Cinemateca Francesa ou entrevistas e conferências dadas pelos investigadores que se debruçaram sobre cineastas que trabalharam no período da Ocupação ou sobre a Continental e seu conteúdo e contexto em geral. Esses trabalhos, têm vindo a devolver o lugar da Continental Films e das suas obras à História do Cinema e à Historiografia da Europa do Séc. XX. 
Convido-vos a ver este conjunto de filmes escolhidos para o ciclo que se segue, dedicado à Continental Films e a este período controverso da História da Europa."



 
O meu muito obrigado à Inês por esta fantástica introdução, e está lançado o mote para este "Quem Programa Sou Eu"  especial de Natal.

Se quiserem, pode ver já dois filmes em avanço, que não farão parte do ciclo por já se encontrarem no blog, mas que são, sem dúvida, duas das mais importantes obras da Continental.

 - Le Corbeau (1943), de Henri-Georges Clouzot
 - La Main de Diable (1943), de Maurice Tourneur

Até amanhã.

Hammer Studios - o Terror Vive Para Sempre

Ao longo de um mês e meio, e mais de 40 filmes fizemos aqui um tributo aos filmes de terror da Hammer. Espero que tenham gostado. Novo ciclo já a seguir.

Frankenstein e o Monstro do Inferno (Frankenstein and the Monster from Hell) 1974

O idoso Barão Victor Frankenstein (Cushing) está alojado num asilo de loucos, no qual exerce a função de cirurgião e tem uma série de privilégios, como por exemplo informações secretas sobre Adolf Klauss,, o diretor corrupto e pervertido do asilo (John Stratton). O Barão, sob o pseudónimo de Dr. Carl Victor, usa a sua posição para continuar as suas experiências na criação do homem. Quando Simon Helder (Briant), um jovem médico, chega ao asilo, o Barão fica impressionado com os talentos de Helder e decide torná-lo seu aprendiz. Juntos, eles trabalham no projeto de uma nova criatura. Sem o conhecimento de Simon, no entanto, Frankenstein promove a aquisição de partes de corpos dos seus pacientes assassinados. 
Depois do falhanço que foi "Horror of Frankenstein", o filme seguinte parecia uma reunião da antiga equipa da Hammer. Escrito por Anthony Hinds sob o pseudónimo de John Elder, a Hammer convenceu Terence Fisher a regressar de uma aposentadoria e Peter Cushing a regressar ao papel que o tornou famoso. Tinha tudo parar dar certo, no entanto a nostalgia dos bastidores não se traduziu na tela, e o último Frankenstein da Hammer acabaria por ser um esforço inglório para terminar um franchise que tinha feito história, um pouco ao jeito de Drácula no ano anterior. 
Embora possa ser uma tentativa de recapitulação de glórias passadas, o filme também tem algumas virtudes. O Barão de Cushing é o maior vilão de sempre, com referências a tendências homicidas e a procura de avanços científicos a qualquer custo e sem senso de moralidade. Cushing interpreta sempre bem esta personagem, e é, de longe a maior virtude do filme. 

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sábado, 14 de dezembro de 2019

Drácula Tem Sede de Sangue (Drácula Rites of Drácula) 1973

Na Londres dos anos 70, os investigadores da Scotland Yard acham que encontraram um caso de vampirismo. Chamam para investigar um pesquisador especialista em vampiros chamado Professor Lorrimer Van Helsing (um descendente do grande caçador de vampiros Abraham Van Helsing) para ajudá-los a acabar com uma série de crimes hediondos. Torna-se aparente que o responsável é o Conde Drácula, disfarçado de promotor imobiliário mas secretamente planeando libertar um vírus mortal no mundo.
Escrito por Don Houghton, "The Satanic Rites of Drácula" foi uma das últimas tentativas da Hammer de trazer sangue fresco aos velhos contos de vampiros, até que finalmente desistiram e se arrastaram para outras paisagens. Podia ter um fim melhor esta série, mas este último filme de Christopher Lee na pele do Drácula da Hammer parece ser uma mistura de vários géneros populares, misturados num enredo apocalíptico com um toque de domínio do mundo Fu Manchu, e alguma espionagem à mistura. 
Diz-se que é o menos interessante da série Drácula, e nem as personagens milenares interpretadas por Christopher Lee e Peter Cushing salvam o filme. Na realização está de novo Alan Gibson, que já tinha realizado o filme anterior da série, da qual este é uma sequela directa. Mesmo assim aqui fica o filme para os mais curiosos. 

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Kronos (Captain Kronus - Vampire Hunter) 1972


Captain Kronos (Horst Janson) precorre o século 19 da Europa, acompanhado pelo seu sócio Professor Grost (John Cater), procurando combater o mal. As suas viagens levam-nos para a aldeia de um outro amigo, Marcus (John Carson) que lhe conta que as jovens locais estão a ser misteriosamente encontradas, drenadas, não de sangue, mas de vida. Kronos e Grost imediatamente suspeitam de um vampiro, mas como destruí-lo, e quem será ele?
Para injectar uma vida nova nos filmes da Hammer, foram recrutados o argumentista Brian Clemens e o produtor Albert Fennell, e esta foi a obra em que os dois colaboraram para revitalizar o género "vampiro". Foi planeado para ser o primeiro de uma série, de Kronos, o caçador de vampiros, mas infelizmente este não foi um sucesso de bilheteira, e nunca mais se ouviu falar na personagem. Adicionando um herói de capa e espada a um ambiente familiar parecia ser uma boa idéia, mas mesmo assim tal não resultou.
Kronos era uma personagem muito nova, muito longe do velho Van Helsing dos filmes do Drácula. A personagem equivalente a Van Helsing é a de Grost, um corcunda com muita experiência, para combinar com as habilidades de Kronos. Clemens sabia que tinha uma história banal para trabalhar, mas consegue ultrapassar os clichés com um toque bastante inteligente. O vampiro não tem medo da cruz, e na verdade aparece como uma sombra em forma de cruz, pouco antes de atacar uma vítima na igreja. As flores murcham e morrem quando o vilão passa, e Kronos e Grost vão descobrindo que é muito difícil destruir esta personagem, ao qual estacas, fogo e o enforcamento parecem não ter efeito.
Todas as evidencias apontam para os Durwards, uma familia de nobres que exploram os aldeões. Mas há um twist em cima da mesa, que não é particularmente chocante, mas que nos dará um duelo de espadas que estávamos à espera, e logo um duelo muito bom.
Poderia ter sido uma série de sucesso da Hammer, mas o tema vampiro já estava por demais explorado.

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O circo dos Vampiros (Vampire Circus) 1972

Os moradores de um vila invadem o castelo do Conde Mitterhaus, na verdade mora lá um vampiro assassino de crianças e destroem-no com uma estaca no coração. Antes de morrer, ele amaldiçoa toda a vila. Quinze anos depois, o local sofre com uma epidemia mortal que está a dizimar a comunidade. É quando um circo itinerante chega à cidade, prometendo "uma centena de encantos" e deixando a população fascinada pelas apresentações. No entanto, os exóticos artistas planeiam raptar as crianças do vila e drenar o seu sangue, para que Mitterhaus possa ressuscitar. 
1972 foi um ano em que a Hammer trouxe novos talentos para as suas obras, já tínhamos visto o caso de Alan Gibson, um realizador que vinha da televisão e realizava dois filmes seguidos de Drácula, e agora temos o caso do realizador Robert Young, um novato que se estreava com o pé direito em "Vampire Circus". Era uma tentativa de dar nova vida às suas produções de terror, e permanecer na vanguarda das produções do cinema fantástico.
Mas "Vampire Circus" era uma produção invulgar em relação ao que a Hammer tinha feito até então. Robert Young, era um documentarista, e tentava prestar homenagem aos seus maiores influenciadores, como Ingmar Bergman e Frederico Fellini através de visuais impressionantes e a atmosfera de um estranho circo itinerante. O filme é muito bem sucedido nesta estranha atmosfera, sem sangue, mas cheia de horrores indescritíveis, atraindo e matando crianças, para não falar numa troupe do circo que se dirige a uma cidade fechada pelos tremores de uma praga. Toda esta sensação de isolamento é reforçada pelos militares que bloqueiam todo o acesso para a cidade, deixando as pessoas apodrecerem e as origens da praga serem ligadas à maldição do barão, há muito morto na cidade.

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Drácula 72 (Drácula A.D. 72) 1972

Drácula, o conde vampiro da Transilvânia, é morto no século dezanove pelo seu perseguidor Abraham Van Helsing, mas as suas cinzas são guardadas por um estranho homem. Mais tarde, na moderna Londres em pleno século vinte, um jovem rebelde e desordeiro - descendente daquele misterioso homem - tem acesso a essas cinzas e, num macabro ritual satânico, traz de volta à vida o terrível senhor dos vampiros. Agora, o professor Van Helsing, descendente directo do antigo caçador de vampiros, tem de lutar novamente contra o senhor das trevas, mas desta vez, para proteger a sua neta, uma linda jovem, pela qual o vampiro está apaixonado. 
O último filme de período da série Drácula tinha sido "Scars of Drácula", de 1970, uma obra onde se nota a decadência em que esta série de filmes estava a entrar, e que nem vimos neste ciclo. A maioria dos cenários e argumentos já tinham sido utilizados, até que chegava Alan Gibson aos comandos da série, tendo a oportunidade de realizar dois filmes. A Hammer passava assim a acção das aldeias da Europa do Século XIX para a movimentada Londres do Século XX, e como bónus trazia Peter Cushing de volta na perseguição ao vampiro.
"Drácula AD" era um filme que deixava o público da Hammer com "mixed feelings". Lee é magnético como de costume, embora tenha pouco tempo de cena, e com muita pena não o vemos a varrer as ruas de Londres com a sua capa atrás. Peter Cushing já tem mais tempo para brilhar, e já o vemos a correr pelas ruas escuras de Londres enquanto veste o manto de herói e persegue um jovem vampiro. 
Mesmo com todos estes artefactos os resultados não foram os melhores, tendo o filme sido bastante criticado ao longo dos anos. No entanto, merece sem dúvida uma segunda oportunidade.

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

As Servas de Drácula (Twins of Evil) 1971

Twins of Evil é o terceiro filme da Karnstein Trilogy, baseada na personagem Carmilla, criada em 1872 por Joseph Thomas Sheridan Le Fanu, para a novela com o mesmo nome. De Jean Rollin a Jess Franco, Carmilla foi uma grande fonte de inspiração na criação de vampiros do sexo feminino no cinema. Mas Twins of Evil não é uma adaptação directa da obra de Le Fanu pois a Mircalla Karnstein, reencarnada em Carmilla na novela, são concedidos apenas alguns minutos da trama. O destaque é dado às gémeas Maria (Mary Collinson) e Frieda (Madeleine Collinson), que, depois da morte dos pais, viajam de Veneza para Karnstein para serem adoptadas pelo tio Gustav Weil (Peter Cushing), líder de uma terrível irmandade responsável pela captura e morte de bruxas e de outros supostos seguidores do diabo. O conde de Karnstein (Damien Thomas), invocando o demo, ressuscita Mircalla (Katya Wyeth) e com a sua ajuda é transformado em vampiro. Uma das gémeas, Frieda, entediada com o isolamento que vive na aldeia, procura a companhia do conde, que a seduz e secretamente transforma em vampira. 
One uses her beauty for love! One uses her lure for blood. Which is the virgin? Which is the vampire? 
A Karnstein Trilogy é uma resposta dos estúdios Hammer ao esgotamento dos filmes protagonizados por Dracula e também à mudança de costumes no que diz respeito à utilização do sexo e da violência no panorama audiovisual da época. Desde o primeiro filme na Hammer e ao longo das sucessivas releituras, Dracula - interpretado por Christopher Lee - largara um certo ar romântico e acentuara a frieza e o sadismo. Em Dracula: Prince of Darkness (Terence Fisher, 1966), o conde não profere uma única palavra, bastando a sua figura aterradora. Scars of Dracula (Roy Ward Baker, 1970) marca o ponto mais alto na violência, até essa data. Mas os resultados críticos e de público tornavam-se desanimadores. A introdução de mulheres libidinosas e com orientações lésbicas foi a estratégia que o estúdio estabeleceu para revitalizar o género. Primeiro com The Vampire Lovers (Roy Ward Baker, 1970) e depois com Lust for a Vampire (Jimmy Sangster, 1971), ambos em torno da tentadora vampira Carmilla. No filme seguinte, Twins of Evil, a novidade recai no protagonismo entregue a duas irmãs gémeas, numa bela imagem do bem e do mal. Enquanto Maria aceita resignada a realidade que o tio lhe impõe, Frieda oferece a alma ao diabo e não se coíbe em condenar a irmã à morte. As irmãs Collinson chegam à Hammer depois de terem posado nuas para as páginas da Playboy, como Playmates do mês. Desenganem-se, desde logo, aqueles que procurarem Twins of Evil por este aspecto pois é muito comedido nas cenas de nudez (ou lésbicas), quando comparado com os outros dois filmes da série. A Hammer introduziu a nudez em The Vampire Lovers e, a partir daí, tornar-se-ia em algo vulgar nos filmes do estúdio. Algum pudor nas cenas de sexo também se perdera com o tempo, mas mantendo-se sempre dentro do socialmente aceitável e sob a vigia do British Board of Film Classification. Isto obrigava ao uso de subtilezas - algumas muito pouco subtis - que criam apontamentos camp, como no plano de Twins of Evil em que vemos a mão de Mircalla a agarrar-se a um candelabro quando, fora de campo, está deitada na cama com o conde. Na Karnstein Trilogy, há regras importantes da mitologia vampírica que assumem outras formas. Uma delas, a possibilidade de os vampiros caminharem sob a luz solar, provoca incerteza no espectador quanto à definição das personagens e alterações dramáticas significativas na relação dos vampiros com os mortais. Os dentes também aumentam de tamanho, acentuando a pose grotesca. 
Texto do Carlos Alberto Carrilho, daqui

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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

As Mãos do Estripador (Hands of the Ripper) 1971

Jack, o estripador finalmente é descoberto e perseguido pelos moradores de whitechapel, e na fuga ele mata a esposa à frente da sua filha pequena. A filha , já adulta e traumatizada, passa a incorporar a personalidade ou o espirito assassino, que a chama pelo nome "Ana". A jovem parece estar possuida, e quando está em transe comete assassinatos. O doutor Pritchard, médico psiquiatra, interessa-se pelo caso, tentando ajuda-la , mas novas mortes acontecem.
O estilo gótico da Hammer está bem presente neste thriller de suspense da Hammer, um filme já um pouco perdido no tempo, que deve muito à habilidade da realização de Peter Sasdy, a sua última colaboração com a produtora até ao seu regresso em 1980, na série de televisão "Hammer House of Horror". Sasdy tece os elementos psicológicos da história com delicadeza, paralelizando a tensão sexual entre o médico e a sua paciente, com o terror crescente do resultado inevitável. 
Está entre os filmes de época mais evocativos da Hammer, apesar de ser uma das produções do estúdio mais sangrentas. É também um conto em mais pequena escala sobre a crise de identidade de uma jovem mulher, e a determinação de um médico humanista em utilizar os novos teoremas de Freund para curar uma paciente ferida psicologicamente.

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Provem o Sangue de Drácula (Taste the Blood of Drácula) 1970

Três distintos cavalheiros procuram por algo excitante nas suas vidas aborrecidas. Entram em contacto com um dos servos de Drácula e realizam uma cerimónia nocturna para trazê-lo de volta à vida. Os três homens matam o servo do Conde, e, como vingança, ele decide que os cavalheiros serão mortos, um a um, pelos seus próprios filhos.
A continuação de "Dracula Has Risen From The Grave," escrita novamente por Anthony Hinds, sob o pseudónimo de John Elder, serve de indicação para quanto terreno vampírico já tinha sido coberto por outros filmes do género. Banhado em cores doces que não são muito nativas da era vitoriana, há também a selecção de lentes de distorção de Peter Sasdy, que levam o filme a um terreno barroco surreal. 
Drácula regressa como o último rebelde da sociedade, mais lascivo do que os três snobs da alta sociedade que o fazem reviver. A vingança é o tema dominante na franquia de vampiros da Hammer, e quando Drácula envia as suas vítimas para os túmulos o vampiro mantém uma relação de proximidade com pelo menos duas mulheres, enquanto que a polícia da classe trabalhadora trata cada assassinato da classe alta com total desinteresse.

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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

The Vampire Lovers (The Vampire Lovers) 1970

A Condessa é chamada para cuidar de uma amiga doente, e pede ao General para aceitar a sua filha Marcilla como hóspede. Alguns dos habitantes da aldeia começam a morrer, e a filha do General começa a ficar pálida e fraca, mas Marcilla está lá para confortá-la. Os habitantes da aldeia começam a sussurrar sobre vampirismo, e Marcilla é a principal suspeita..
Quando a década de setenta chegou, já se tinham passado mais de 10 anos desde que a Hammer começara a tomar conta do mercado de terror, com os seus filmes góticos. Mas as coisas mudaram muito a partir desta altura. Apareceram filmes mais explicitamente violentos e realistas, deixando a Hammer para trás pela primeira vez em quase 15 anos. Ironicamente, o estúdio que ajudou a introduzir mais violência gráfica no grande ecrã, subitamente parece um pouco antiquado. Como resultado, a Hammer dos anos 70, muitas vezes por desespero, voltava-se para a violência e o terror gratuito, com o objectivo de permanecer relevante.
Mas não abandonou totalmente o seu estilo ou conteúdo. Na verdade, voltaram-se para aquilo que sabiam que poderia ajudar mais a revigorar a sua marca: os Vampiros. Enquanto que o franchise de Drácula continuava na década de setenta com tentativas forçadas de se manter na primeira linha, chegando mesmo a passar o Vampiro para a Londres da actualidade, a Hammer introduziu uma nova trilogia, a Trilogia Karnstein, que se iniciou com este "The Vampire Lovers". Embora nunca tenha conseguido os mesmos resultados que os Dráculas da década anterior, esta série seria um marco pela sua explicita sensibilidade lésbica.
Roy Ward Baker realiza, Peter Cushing aparece no seu papel do costume, mas a estrela do filme é a vampira vilã: Ingrid Pitt.

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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O Barão Frankenstein (Frankenstein Must Be Destroyed) 1969

O Barão Frankenstein viaja para uma nova cidade para conhecer o Dr. Brandt, com quem tinha correspondido e com quem espera trabalhar. Quando chega, no entanto, descobre que ele está numa instituição mental, tendo ficado completamente louco. Fica numa pensão administrada pela jovem Anna, que por acaso está noiva de Karl, um médico que trabalha no estabelecimento onde o Dr. Brandt está internado. Quando Frankenstein descobre que Karl andava a roubar drogas do hospital, faz-lhe chantagem para que o ajudem a libertar o Dr. Brandt.
A imagem principal deste filme ocorre logo no início, quando um monstro hediondo remove o seu rosto para se revelar o Doutor Frankenstein a usar uma máscara. O quinto capítulo da saga Frankenstein da Hammer vê a transformação completa do médico em monstro. O retrato de Peter Cushing sobre o Barão de Frankenstein é de uma total insanidade e ódio, ao contrário do génio incompreendido (se não ético) dos filmes anteriores. Frankenstein transplanta o cérebro de um médico louco para o corpo de Freddie Jones, criando uma fera patética e disforme enquanto faz uso de outros vícios como a chantagem e violação para controlar as pessoas ao seu redor.
Diz-se que este era o filme preferido de Terence Fisher,  e o seu ritmo e a composição raramente foram melhores. Freddie Jones é óptimo a comunicar a desorientação e a agonia da sua condição, e a personagem de Cushing é mais unidimensional do que é habitual. Ainda haveria mais dois filmes da série de Frankenstein, mas agora Fisher só voltaria para o último.

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domingo, 1 de dezembro de 2019

O Sinal de Drácula (Dracula Has Risen from the Grave) 1968

Quando uma jovem é encontrada enforcada na igreja com marcas de dentes no pescoço, os aldeões suspeitam logo que Drácula (Christopher Lee) esteja por detrás do crime. Embora ele supostamente esteja morto há algum tempo, o vampiro é o principal suspeito. O Monsenhor (Rupert Davies) é chamado para exorcizar o castelo onde Drácula viveu. A próxima vítima de Drácula será a sobrinha de Monsenhor, que trabalha no Pub local.
O quarto filme da franquia de Drácula não é das coisas mais bonitas da Hammer, centrado principalmente numa história de amor aborrecida, enquanto que Christopher Lee se esconde nas sombras. No entanto, com o ex director de fotografia Freddie Francis atrás das câmaras, os visuais quase psicadélicos transformam a pequena história numa delirante história de terror aos quadradinhos.  Acaba por ser muito divertido, com momentos atraentes, incluindo um cadáver pendurado dentro do sino de uma igreja.
Não são muitos os temas religiosos no argumento de Anthony Hinds, que resolveu renovar a franquia com algum humor deliciosamente obsceno, principalmente entre o par amoroso do filme. Francis projectou o estilo visual usando cores mais realistas, mas adicionando um filtro âmbar a cada shot de Drácula, dando ao demónio um olhar alucinatório que se intensifica na intensificação das cores.

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O Diabo à Solta (The Devil Rides Out) 1968

No interior de Inglaterra o duque de Richelieu, também conhecido como Nicholas, acolhe o seu velho amigo Rex Van Ryn, que voou para se encontrar com ele e com Simon Aron, que é filho de outro velho amigo dos dois que já falecera, e a quem os dois prometeram cuidar. Nicholas e Rex visitam Simon de surpresa, para descobrirem que ele está a receber 12 convidados misteriosos, mas, depressa, Nicholas, que é conhecedor de magia negra, descobre que os 12 convidados são membros de um culto satânico...
Poucas pessoas podiam escrever melhor sobre o oculto como Dennis Wheatley, provavelmente porque ele acreditava nisso e estudou-o extensivamente. O seu trabalho deu aos estúdios da Hammer alguns trabalhos fortes, e "The Devil Rides Out", em particular, impressiona bastante. Pode ter algumas fraquezas estruturais, e até sofrer de alguma considerável descrença, mas é forte na atmosfera e tem alguns desempenhos muito interessantes, como o de Christopher Lee, num papel bem diferente do habitual. 
A incursão da Hammer no satanismo foi adiada por alguns anos. Era para ter sido feita no início dos anos sessenta, mas havia fortes possibilidades de serem reprimidos os seus elementos mais demoníacos. Finalmente foi lançado em produção em 1967, com base num argumento de Richard Matheson, um argumentista americano que já havia trabalhado com Roger Corman várias vezes. 
O resultado é um dos filmes espirituais mais uniformes do estúdio, que dispensa tanta a ambiguidade moral como a sedução das franquias de Frankenstein e Drácula, que tentavam fazer dos seus personagens anti-heróis. Não é o que acontece aqui, pois o tema predominante parece ser "em frente soldados cristãos", liderados por um Christopher Lee de rosto severo, que pela primeira vez está disposto a livrar o  mundo do mal, em vez de espalhá-lo.

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