terça-feira, 31 de outubro de 2017

Noite de Halloween

A noite de 31 de Outubro é internacionalmente conhecida como a Noite de Halloween. Apesar de ser um feriado americano, cada vez tem maior repercussão em Portugal. Aqui, no My Two Thousand Movies, é um habitual período para filmes de terror. Por isso, para esta noite, fizemos uma seleção especial com 20 filmes de terror, escolhidos meio ao acaso, mas todos eles bastante recomendados. É servirem-se, e bom Halloween.

- Amer (2009), de Hélène Cattet e Bruno Forzani. Link Imdb
- Bug (1975), de Jeannot Szwarc Link Imdb
- Dead Snow (2009), de Tommy Wirkola Link Imdb
- Eden Lake (2008), de James Watkins Link Imdb
- El Vampiro (1957), de Fernando Méndez Link Imdb
 - Fragile (2005), de Jaume Balagueró Link Imdb
- Kitchen Sink (1989), de Alison MacLean Link Imdb
- La Horde (2009), de Yannick Dahan, Benjamin Rocher Link Imdb
- Nomads (1986), de John McTiernan Link Imdb
- Schramm (1993), de Jorg Buttgereit Link Imdb
- Session 9 (2001), de Brad Anderson Link Imdb 
- Skjult (2009), de Pal Oie Link Imdb
- The Oblong Box (1969), de Gordon Hessler Link Imdb
- The Beyond (1981), de Lucio Fulci Link Imdb
- The Abandoned (2006), de Nacho Cerdà Link Imdb
- Tony (2009), de Gerard Johnson Link Imdb
- Tras el Cristal (1986), de Agustin Villaronga Link Imdb
- Veneno Para las Hadas (1984), de Carlos Enrique Taboada Link Imdb
- Visitor Q (2001), de Takashi Miike Link Imdb
- Wolfen (1981), de Michael Wadleigh Link Imdb

O próximo ciclo começa no fim de semana. Até lá, divirtam-se.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Dois Homens e Um Destino (Butch Cassidy and the Sundance Kid) 1969

Butch (Paul Newman) e Sundance (Robert Redford) são os dois líderes do gang  Hole-in-the-Wall . Butch é o homem das idéias, Sundance o homem da acção e habilidade. O Oeste está a ficar civilizado, e como eles assaltam um comboio com muita frequência acabam a ser perseguidos, vão eles para onde quer que vão. Por cima das rochas, por dentro das cidades, através dos rios, um grupo segue sempre no seu encalço. Quando finalmente escapam por pura sorte, Butch tem uma nova idéia: "Vamos para a Bolívia".
Quando "Butch Cassidy and the Sundance Kid " estreou, em 1969, o western como género cinematográfico dominante estava a entrar em eclipse, e não iria ressurgir durante muitos anos, embora ninguém soubesse disso na altura. Apenas John Wayne, com o sentimental "True Grit" (1969) tornou-se no favorito para ganhar o Óscar de Melhor Actor nesse ano, continuaria a entrar em westerns regularmente. Mas mesmo estes filmes que restavam eram tocados por uma consciência da doença que o perseguia, e que lhe levaria a vida em 1979. Os tempos tinham mudado, a percepção da história foi-se alterando, e as antigas mitologias do western já não resultavam mais. Numa época de rebeldião contra-cultural e protesto anti-governamental, filmes como "Bonnie & Clyde" (1967), de Arthur Penn, transformaram o criminoso no herói fora da lei, o rebelde simpático que tentava fugir da tirania da sociedade e da autoridade opressiva. Neste ambiente, surgiram dois westerns com abordagens decididamente diferentes de tudo o que havia sido feito antes.
O primeiro foi "The Wild Bunch" (1969), de Sam Peckinpah, um banho de sangue nos últimos dias do Velho Oeste, que juntamente com as transmissões da guerra do Vietname, mudaram para sempre a nossa consciência sobre violência no ecrã. O outro foi, "Butch Cassidy and the Sundance Kid", feito num momento em que a sociedade se estava a aproximar dos heróis, selando o seu inevitável destino. Também eram uma lufada de ar fresco no western convencional, que de certa forma reafirmavam a nossa identificação com o género, com personagens que pareciam mais do nosso tempo do que foram do passado. Onde Peckinpah e Penn mostraram os seus personagens a morrerem de horríveis mortes sangrentas, em câmara lenta, chocante, mas estranhamente românticas, George Roy Hill, neste "Butch Cassidy and the Sundance Kid ", congelou o quadro final, antes da morte da dupla de bandidos, interrompendo a tempo a sua amizade afectuosa e divertida, bem como a lenda. Nostálgia e sátira, detalhes históricos e sensibilidades modernas, uma lamentação por tempos perdidos e uma sentido cómico contemporâneo. "Butch Cassidy and the Sundance Kid" tinha tudo isto, e a audiência adorou.
Com críticas medíocres na estreia, "Butch Cassidy and the Sundance Kid" tornou-se num fenómeno no boca a boca, impulsionando a carreira de todos os envolvidos. Paul Newman já era uma estrela, mas encontrou aqui uma nova geração de fãs, conseguindo ainda o seu primeiro grande sucesso num papel cómico. Robert Redford, que até aqui era apenas mais um protagonista conseguiu alcançar o estrelato graças ao seu talento.  William Goldman estabeleceu-se como um argumentista de sucesso com o seu primeiro argumento importante, vencendo um Óscar com este filme, e George Roy Hill, ganhou mais controle sobre os seus trabalhos. Quatro anos mais tarde, este trio formado por Hill - Redford - Newman voltariam a reunir-se para mais um filme de sucesso, chamado "The Sting". Hill também voltaria a trabalhar com os dois actores em separado.

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domingo, 29 de outubro de 2017

A Guerra Secreta de Harry Frigg (The Secret War of Harry Frigg) 1968

Quando cinco generais aliados são capturados pelos alemães, são levados para a mansão da Condessa Francesca De Montefiore (Sylva Koscina), onde serão mantidos prisioneiros no estilo de vida que merecem. Infelizmente, como são todos generais de uma estrela, não conseguem concordar com os outros num plano para fuga. A solução é enviar para lá o rebelde soldado Harry Frigg (Paul Newman), especialista em fugas, para ajudar os generais a fugir. O problema é que ele quando chega à mansão, conhece a condessa  Francesca De Montefiore, e já não quer saír de lá.
Os primeiros vinte minutos de "The Secret War of Harry Frigg" são um pouco difíceis, porque mostram Paul Newman no seu pior. Simplificando, Paul Newman dá o seu melhor, mas ele não consegue fazer de burro, e embora consiga fazer da comédia charme não é num papel destes cheio de maneirismos. As boas noticias são que depois destes vinte minutos as coisas melhoram. Primeiro pelas discussões divertidas entre estes cinco generais, depois pela chegada de Frigg, que em vez de tentar escapar vai tentar atrasar a fuga, para chegar mais perto da Condessa.
Uma comédia de guerra realizada por Jack Smight, que já tinha trabalhado com Paul Newman em "Harper", e aqui volta a trabalhar num filme que não é mais do que um veículo para o actor. Foi dos poucos flops de Newman nos anos sessenta, mas mesmo assim alcançou um sucesso razoável nas bilheteiras norte americanas.

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O Presidiário (Cool Hand Luke) 1967

"Há estrelas e há actores como Paul Newman, cuja presença icónica e penetrantes olhos azuis transcendem regularmente até o melhor trabalho em que trabalham. A postura galharda de "O Presidiário" pode oscilar de vez em quando, mas a magnética personalidade de Newman empresta ao filme o peso que a sua história relativamente simples luta nobremente por suportar. Filmado num impressionante ecrã largo (o melhor a captar o brilho do sol e os prisioneiros, ligados por correntes, luzidios de suor e sem camisa), o filme de Stuart Rosenborg vacila ambiciosamente entre uma história francamente anti-autoritária e uma grande lenda "macho" para acabar numa curiosa e incompleta alegoria de Cristo.
O facto de a película se afundar desajeitadamente a meio caminho não deve surpreender ninguém, mas "O Presidiário" continua mesmo assim a prender a atenção. Newman interpreta um homem comum enigmaticamente recalcitrante, Lucas "Cool Hand" Jackson (Luke) atirado para o presídio por cortar, em rebeldia, os topos dos paquímetros. Uma vez encarcerado ele colide, sem surpresa, com um sistema de regras ainda mais teimoso e, à medida que o seu estoicismo perturbador se torna mais disruptivo, as punições que lhe são infligidas tornam-se mais severas. Cheio de diálogos citáveis e sequências memoráveis, "O Presidiário" existe como uma obra icónica em si mesma, decepcionamtemente ligeira em significado, mas cheia, de modo definitivo, de significação cultural (contracultural).
Efectivamente, várias frases do filme entraram no léxico do cinema (a ameaçadora declaração discreta: "o que temos aqui é um problema de comunicação", por exemplo) enquanto cenas como a aposta de comer ovos e uma batalha a murro no átrio da prisão são a essência da lenda do cinema. Uma grande parte do charme considerável de "O Presidiário" deriva de um colorido elenco de actores secundários, um contingente de faces jovens que um jovem Dennis Hopper, Harry Dean Stanton, e George Kennedy como o rival de Newman, depois o seu braço-direito.
Kennedy levou para casa o Óscar de Melhor Actor Secundário pelo seu retrato de Dragline, o definitivo duro ingénuo. Mas no coração do filme está o desempenho tranquilamente carismático de Newman, que mostrou o actor no topo do seu jogo e propulsionou para o topo a sua popularidade. Comparado com o desempenho super-activo de Jack Nicholson no estranhamente similar "Voando Sobre um Ninho de Cucos", Newman em "O Presidiário" é todo subtileza, sorrisos sabedores e confiança" Texto de Josha Klein.

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sábado, 28 de outubro de 2017

Um Homem (Hombre) 1967

"Paul Newman é um homem branco raptado em criança pelos Apaches e criado com os da sua raça.Tendo herdado a pobreza e regressado aos brancos, descobre-se numa diligência no Novo México com um grupo variado que incluí Diane Cilento como uma viúva divertida, Fredric March como um corrupto agente dos assuntos indios, e Martim Balsam como o cocheiro mexicano da diligência. A meio da jornada são assaltados por um bando ligado a outro passageiro, Richard Boone. Newman, demonstrando o seu treinamento Apache, mata dois dos bandoleiros mas não vê razão para dar mais assistência aos viajantes, já que alguns deles deixaram claro o seu ódio pelos índios.
"Um Homem", de Martin Ritt, exibe muito do sentimento liberal que se tornou um lugar-comum nos westerns dos anos sessenta e depois, mas a retórica fica em segundo plano relativamente ao agravar das tensões entre as personagens, à medida que o jogo do gato e do rato entre o bando e os seus prisioneiros se desenvolve. Newman é excelente como um John Russell gelidamente autocontrolado, cuja dualidade ética lhe dá uma visão muito especial do preconceito racial, e Richard Boone, como o seu adversário, afasta-se jovialmente da hipocrisia dos cidadões mais respeitáveis." Texto de Edward Buscombe  
O elenco de luxo contém ainda nomes como Cameron Mitchell, Barbara Rush e Frank Silvera.

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sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Cortina Rasgada (Torn Curtain) 1966

O professor Michael Armstrong dirige-se para Copenhaga, para acompanhar uma conferência de física com a sua assistente / noiva Sarah Sherman. Quando lá chegam Michael diz-lhe para ela regressar e ele deve ficar mais algum tempo. Ela segue-o, e descobre que ele está a ir para a Alemanha oriental, para trás da cortina de ferro, e fica chocada quando descobre que ele está a desertar para o oriente depois do governo ter cancelado o seu processo de pesquisa. Mas ele não está a fugir mas sim à procura de um famoso cientista da alemanha oriental.
Quando Alfred Hitchcock começou o seu 50º filme, "Torn Curtain" (1966), deveria estar no auge da sua carreira. Depois de quatro décadas como realizador, os seus filmes ainda eram populares, os críticos franceses proclamavam-no como um grande artista, e alguns críticos americanos começavam a concordar com a sua brilhante gestão da carreira. No entanto, ao começar a juntar as idéias para "Torn Curtain", sentiu-se inseguro. "The Birds" (1963), apesar de popular, tinha ficado longe do êxito de "Psycho" (1960), e o seu próximo filme "Marnie" (1964) tinha sido um desastre a nível de público e crítica. Temendo que estivesse a perder o toque, Hitchcock permitiu que a Universal fizesse mais e mais exigências para que o filme fosse um sucesso.
A idéia para este filme era interessante. Depois do casal de espiões Burgess e MacLean terem sido capturados, em 1951, estava na altura de passar a história para a grande tela, quando se estava no auge dos filmes de espionagem, e James Bond era um êxito garantido, o que fazia desta altura a ideal. Mas Hitchcock estava longe de querer fazer uma réplica das aventuras de 007.  Ele queria revelar o lado sombrio da espionagem, queria fazer o "homem médio" americano fazer-se sentir um espião, e o quanto sujo este trabalho era.
Hitchcock não ficou contente com as escolhas de casting, mas acabou por acatar as ordens da Universal: Paul Newman e Julie Andrews, duas estrelas maiores na década de sessenta. Newman aborreceu Hitchcock, pela forma como se comportou num jantar em sua casa. Enviou-lhe um memorando detalhando em três páginas problemas do argumento. Como o peso das duas estrelas principais levava logo grande parte do orçamento do filme, houve dificuldade em encontrar um resto do elenco decente.
Os críticos não mantiveram "Torn Curtain" em grande estima, mas, ainda assim, seria o maior êxito do realizador desde "Psycho". Mas ficava o aviso que provavelmente não era boa idéia vergar-se às ordens dos grandes estúdios.

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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Harper, Detective Privado (Harper) 1966

Lew Harper é um investigador privado de Los Angeles cujo casamento com Susan Harper, que ele ainda ama, está em vias de chegar ao fim, porque ela não suporta vir em segundo lugar, depois do seu trabalho. A sua última cliente é Elaine Sampson, que quer que ele encontre o seu marido, desaparecido faz 24 horas, logo depois de chegar ao aeroporto de Van Nuys, em Vegas. Ninguém parece gostar de Ralph, incluindo a sua esposa, que acredita que ele está com outra mulher. Seja como for, o trabalho de Lew éncontrá-lo, e ao mesmo tempo tentar salvar o que resta do seu casamento.
Paul Newman a assumir o papel de um detective privado que tenta encontrar um milionário desaparecido no meio da vida exuberante de Los Angeles. O resultado seria um sucesso memorável, e um dos maiores sucessos de Newman nos anos sessenta, que ajudava a estabelecer a sua reputação de actores mais cool da grande tela. 
Harper ficou conhecido no mundo como Lew Archer, o herói de uma séries de livros iniciados pelo escritor de mistério Ross Macdonald, com o primeiro livro a chamar-se "The Moving Target". A série seria aclamada por adicionar uma grande densidade psicológica aos livros de detectives, e fez de Macdonald um dos escritores de maior sucesso das novelas de mistério, com o seu nome a ser colocado ao lado de outros como Dashiell Hammett ou Raymond Chandler.
Isso não impediu Newman de mudar o nome ao famoso detective de Macdonald, impulsionado pelo facto dos seus dois filmes de maior sucesso começarem pela letra "H", "Hud" e "The Hustler", Newman pediu que o nome do seu detective fosse alterado de Archer para Harper. Para além deste pormenor, o filme ficou fiel ao livro de Macdonald, e ajudou a trazer novos leitores para o escritor. O papel ficou tão associado a Newman que ele entraria numa sequele nove anos depois, "The Drowing Pool". 
"Harper" também mostrou respeito pelos filmes noir do passado, onde vai buscar inspiração, principalmente na escolha da actriz que interpreta a Mrs. Sampson, Laureen Bacall. O elenco conta ainda como nomes como Arthur Hill, Julie Harris, Janet Leigh, Shelley Winters e Robert Wagner.

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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Ultraje (The Outrage) 1964

Numa estação ferroviária do sudoeste americano na década de 1870, três homens: um ex-presidiário, um padre e um prospector, trocam histórias sobre o julgamento de um criminoso mexicano, condenado à forca pela violação a uma mulher e o assassinato do seu marido. Três testemunhas estão nesse julgamento, o acusado, a vítima e um velho índio, que contam versões amplamente divergentes sobre o que aconteceu, e pelo que os homens falam na estação, há mais versões. Na restituição do incidente, que vai do realismo ao humor físico, a natureza da verdade e a natureza humana são examinadas. 
"The Outrage" (1964) é um remake de um conhecido filme de grande realizador japonês, Akira Kurosawa: "Rashomon" (1950), que ganhou um Óscar para melhor filme em língua estrangeira. Os argumentistas Michael e Fay Kanin transformam a história numa peça, mantendo o cenário medieval. Durante a sua exibição nos palcos em 1959, Rod Steiger interpretava o violador, e a sua então esposa Claire Bloom, era a mulher enganada. Esta versão cinematográfica era transportada para o grande ecrã por Michael Kanin, com Martin Ritt atrás das câmaras, mundando-se o cenário para o velho Oeste, e a personagem do samurai para um fora da lei do sul da fronteira, entregando-se o papel principal a uma estrela da bilheteira, Paul Newman. Ao seu lado estava um elenco recheado de estrelas: Laurence Harvey, Claire Bloom, Edward G. Robinson e William Shatner. 
Curiosamente, "The Outrage" era um dos filmes preferidos de Newman, que foi um papel onde ele investiu muito para expandir os seus horizontes além das personagens americanas urbanas, com as quais ele era mais conhecido. O actor viajou para o México, e esteve um tempo considerável entre a população daquele país, como forma de se preparar para esta personagem, e aprender o sotaque. A maioria dos críticos considerou que a sua interpretação era de tal forma exagerada e o seu sotaque tão forçado, que quase se podia considerar uma paródia aos vilões mexicanos. No entanto, Newman continuou a considerar este um dos seus melhores desempenhos, provavelmente por causa da sua atração pela bravura da personagem.

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terça-feira, 24 de outubro de 2017

Hud: O Mais Selvagem Entre Mil (Hud) 1963

Hud Bannon (Paul Newman), é um jovem implacável que deixa marcas em tudo o que toca. Hud representa a encarnação perfeita da juventude em fúria, capaz de entrar em qualquer briga sem medir as consequências. Há um amargo conflito entre o insensível Hud e o seu pai Homer, um homem severo e altamente fundamentado. O sobrinho de Hud, Lon, admira a rebeldia de Hud, embora se dê conta da amoralidade que acompanha o seu tio. 
Protagonistas pouco simpáticos nunca foram estranhos para os ecrãs americanos quando "Hud" viu a luz do dia, em 1963. Na década de 30, James Cagney tinha construído uma carreira à custa de criminosos carismáticos, e Clark Gable (cujos primeiras obras inspiraram Martin Ritt e os argumentistas deste filme) muitas vezes interpretava personagens que se encontravam do lado errado da lei. Mas como Ritt observava, Gable era sempre convertido perto do final do filme, e sobrevivia, e os personagens de Cagney, bem mais perversos e brutais, acabavam por ser punidos ou mortos. Parecia que o cinema americano não estava disposto a apresentar um rebelde que não estivesse disposto a se apresentar e curar, até que apareceu "Hud", apresentando um personagem amoral do princípio ao fim do filme.
"Hud" também abordava uma mudança na sociedade americana, e um novo cinismo sobre o nosso modo de vida, e as pessoas que nela alcançam sucesso. Na história, o velho Homer Bannon,,um rancheiro respeitável e com princípios, cujo mundo desmorona em torno dele, adverte o seu neto sobre os perigos de admirar o seu outro filho, Hud. Homer diz-lhe que a nossa percepção do mundo muda conforme as pessoas que admiramos, adivinhando a queda da inocência do jovem e um passo para o que muitos vêm como a sociedade corporativa, cada vez mais popular.
"Hud" era um de vários westerns modernos, que lamentavam a morte do mundo aberto e livre do velho Oeste, e os seus códigos de ética. Filmes como "The Lusty Men" (1952) e "Lonely Are the Brave" (1962), eram centrados na figura de um robusto herói masculino individualista destruído por um mundo que o deixava para trás, com pressa em direcção ao progresso. Mas neste fillme, é esse robusto individualista que se recusa a comprometer-se, o que é mostrado como a sua força mais destruidora. 
O que era mais incrível nesta caracterização, foi o facto de ter levado à tela a estrela mais popular dos seus dias, Paul Newman, e era apresentado com desempenhos sensíveis e atraentes, não só da parte de Newman como também do restante elenco (Patricia Neal e Melvyn Douglas ganharam Óscares). Newman ficou consternado ao ver como os mais jovens receberam o filme. Em vez de odiarem Hud viram nele uma personagem carismática e atraente, transformando-se num ídolo para a juventude transviada. Martin Ritt, o realizador, não gostou do que viu, e considerou ter cometido um erro na sua representação. A história estava prestes a ultrapassar as exigências morais do cinema, sinais de que o cinismo, e o respeito pelos egoístas estavam a tornar-se nos novos padrões.

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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Noites de Paris (Paris Blues) 1961

Ram Bowen e Eddie Cook são dois músicos de jazz a viverem em França, onde, ao contrário dos EUA na altura, os músicos de jazz tinham valor e o racismo não era um problema. Quando eles conhecem e se apaixonam por duas jovens americanas, Lillian e Connie, que estão de férias em França, devem decidir se devem voltar aos EUA com elas ou se devem ficar em Paris, pela liberdade que esta lhes permite. Ram, quer ser um compositor reconhecido, acha Paris demasiado excitante, e está relutante em abandonar a cidade por uma relação, e Eddie quer ficar pela atmosfera racial mais tolerante da cidade.
Martin Ritt fez uma série de dramas sociais discretos, entre os quais este "Paris Blues", uma obra fascinante sobre a era do Jazz, com uma banda sonora brilhante, onde expatriados americanos sobrevivem em Paris a tocar jazz. Louis Armstrong faz também uma aparição como a super estrela do jazz Wild Man Moore.
Há três elementos que definem o filme: a música, os cenários, e a abordagem directa ao racismo americano, sendo a banda sonora de Duke Ellington nomeada para o Óscar. Esta era também a segunda colaboração de Martin Ritt com ambos os protagonistas, Paul Newman e Sidney Poitier. O retrato de Paul Newman sobre o jovem "músico de jazz hipster" é muito poderoso. Uma das partes mais interessantes do filme é ouvir Paul Newman a usar a gíria, agora intemporal, do músico de jazz americano. Globalmente o filme é puro entretenimento.

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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A Vida é um Jogo (The Hustler) 1961

"Em "A Vida é um Jogo", Paul Newman representa Fast Eddie Felson, um "tubarão" atrevido do bilhar, que gasta o seu tempo vagueando de mesa em mesa à procura de alguns papalvos para depenar. O empresário, género abutre, personificado por George C. Scott, vê um filão em Eddie, e tenta ensinar-lhe que manter o sangue frio é a chave para ganhar, mas Newman descobre da pior maneira que permanecer cool também significa excluir tudo e todos da sua vida excepto a mesa de bilhar e o homem que se tenta bater.
Fora os espectaculares planos de ecrã largo a preto e branco das fumarentas salas de bilhar, "A Vida é um Jogo" é um filme sobre pessoas e, como tal, apresenta um arsenal de desempenhos impressionantes.  Com Newman e Scott está o lacónico Jackie Gleason, e a patética Piper Laurie que se torna o interesse amoroso, maldito e alcóolico de Newman (embora amor seja uma palavra demasiado forte para descrever o que eles partiilham). O filme de Robert Rossen continua a ser um dos retratos mais notáveis e cínicos da natureza humana já feitos, uma descrição gelada de um mundo onde a lealdade dura o tempo de uma jogada ganhadora, e onde a vitória nem sempre se distingue da derrota." Texto de Joshua Klein
Venceu dois óscares, num total de nove nomeações, com destaque para os actores, que arrecadaram quatro nomeações: Paul Newman, Piper Laurie, Jackie Gleason e George C. Scott, que recusou a nomeação por considerar que os actores não podiam competir uns com os outros, a não ser que estivessem a interpretar o mesmo papel. Mais tarde recusou o Óscar em "Patton" pelas mesmas razões.

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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Exodus (Exodus) 1960

Judeus sobreviventes do Holocausto tentam emigrar para a Palestina, então sobre controle britânico. Estes, no entanto, restringem a migração apreendendo os navios que transportam os judeus e confinando-os no Chipre. Um combatente da Haganá, Ari Ben Canaan, é enviado ao local para fazer o que for necessário para que 611 passageiros cheguem a Palestina. O plano é descoberto instantes antes do navio zarpar. A maioria dos passageiros recusam-se a regressar ao confinamento, permanecem a bordo do Exodus, novo nome dado por eles ao navio, e iniciam uma greve de fome.
Baseado no best seller de Leon Uris, Exodus (1960) concentra-se no nascimento de Israel depois da Segunda Guerra Mundial. Centra-se em Ari Ben Canaan, um líder da resistência israelita que tenta ajudar um grupo de 600 judeus que tentam escapar de um bloqueio britânico para a palestina.
Otto Preminger, o realizador, era um homem que gostava de controvérsia, e desde o inicio que esta adaptação do livro de Leon Uris tinha os seus detratores. Primeiro Preminger decidiu descartar o argumento de Uris, porque considerava que o autor não podia escrever os diálogos, o que foi causar uma enorme controvérsia entre os dois durante anos. Depois convidou Albert Maltz, um argumentista da lista negra para escrever o argumento, mas este entregou-lhe uma versão de 400 páginas. O trabalho final iria parar às mãos de Dalton Trumbo, mais um da lista negra, que escrevia o argumento com o seu próprio nome. Mais ou menos na mesma altura, Kirk Douglas contratou Trumbo para escrever "Spartacus", e seria o reaparecimento de Trumbo que acabaria com o poder da Lista Negra.
Paul Newman, o protagonista, e Otto Preminger, o realizador, tinham dois estilos muito diferentes de trabalhar. Newman gostava de discutir as motivações do seu personagem com o realizador, mas este queria que Newman só fizesse o que ele lhe mandava. Um dia Newman entregou várias páginas de notas a Preminger, ao que este respondeu: "If you were directing the picture, you would use them. As I am directing the picture, I shan't use them."
A natureza não comprometedora de Preminger foi bem escolhida para esta produção específica. Havia discussões contra o filme pelos líderes de Israel, onde foi filmado em exteriores, assim como por líderes de grupos de terroristas, que levaram Preminger a enfrentar grandes pressões, e críticas à produção. Na sua autobiografia Preminger disse: "I think that my picture...is much closer to the truth, and to the historic facts, than is the book. It also avoids propaganda. It's an American picture, after all, that tries to tell the story, giving both sides a chance to plead their case." 

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terça-feira, 17 de outubro de 2017

Milionários de Filadélfia (The Young Philadelphians) 1959

O futuro advogado Anthony Lawrence enfrenta vários dilemas éticos e emocionais, enquanto escala a escada social de Filadélfia. As suas habilidades pessoais e profissionais são testadas quando ele tenta equilibrar as necessidades da sua noiva Joan, as expectativas dos seus colegas e a sua própria obrigação de defender o seu amigo Charlie, acusado de um crime.
A nova e a velha Hollywood encontram-se em 1959, num relato de sexo, pecado e escândalo, na cidade do amor fraternal. De um lado estavam os veteranos, como o realizador Vincent Sherman, A estrela dos anos quarenta Alexis Smith, e Billie Burke, que entrava no seu primeiro filme em seis anos. Representando os jovens encontrávamos a nova estrela Paul Newman, a protagonista Barbara Rush, Robert Vaughn, e Adam West, um futuro Batman no seu papel de estreia. Estas gerações misturam-se perfeitamente, alimentando o estatuto de ídolo de Paul Newman. 
Newman estava interessado em muito mais do que isso. Na verdade ele foi obrigado a fazer o filme, sob contracto com a Warner Bros, que tinha assinado quando começou a fazer filmes em 1955. Embora tivesse sido nomeado ao Óscar no ano anterior graças ao seu filme "Cat on a Hot Tin Roof", não estava feliz com a maior parte dos trabalhos, e pretendia voltar para os palcos. A única forma de o poder fazer, era fazer outro filme para a Warner Bros. Mas apesar do seu desapontamento com Hollywood, deu o melhor de si em "The Young Philadelphians", criando um retrato memorável de um jovem que faria qualquer coisa para chegar ao topo, incluindo dormir com a esposa do seu chefe.
Para Sherman marcava o regresso de Sherman à Warner Bros, depois de oito anos sem sequer falar com o chefe do estúdio, Jack Warner. Depois de trabalhar como freelancer no inicio dos anos cinquenta, Sherman esteve sem trabalhar durante quatro anos. Quanto a Robert Vaughn tinha acabado de ser protagonista de um filme de série B de Roger Corman, "Teenage Caveman", para no ano seguinte aparecer como um dos "Sete Magníficos", de John Stu
rges. Vaugh seria um dos grandes destaques deste "The Young Philadelphians", conseguindo uma nomeação para o Óscar. A única deste filme.

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terça-feira, 10 de outubro de 2017

Paixões Que Escaldam (The Long, Hot Summer) 1958

Depois de ser obrigado a deixar uma cidade por ser considerado, sem provas, um incendiário, Ben Quick manda-se pela estrada fora. Então, vai parar a uma pequena cidade onde passa a viver, e onde acaba por ter uma ascensão meteórica após se envolver com uma mulher e cair nas boas graças do líder da cidade.
"The Long, Hot Summer" é uma adaptação de duas histórias curtas, e de uma longa de William Faulkner, todas fundidas num único argumento. Continua a parecer uma obra de Faulkner, mantendo a atmosfera, a ironia, e a sensação de calamidades que caracterizam o seu trabalho. Paul Newman é impecavelmente escolhido como protagonista, no filme onde conheceria a mulher da sua vida, Joanne Woodward, com quem passaria o resto da sua vida, e provavelmente um dos casamentos mais longos de Hollywood (50 anos). Mas seria Orson Welles quem levaria realmente o filme a bom porto, no papel de "big man in town". Welles numa interpretação tão brilhante que ultrapassa mesmo a de Newman.
Parte da atração do filme, reside em assistirmos no grande ecrã ao inicio desta paixão tão duradoura entre Newman e Woodward, que depressa passou para a vida real, tendo os dois casado pouco tempo depois das filmagens terem acabado, assim como as tensões entre todos os personagens.
Seria a primeira colaboração entre Martin Ritt e Paul Newman, uma colaboração que se iria estender por mais alguns filmes. Ritt tinha sido colocado na lista negra de Hollywood, e estava com extrema necessidade de provar que era um realizador capaz de criar êxitos de bilheteira, e "The Long, Hot Summer" chegou em óptima altura, iniciando uma colaboração que se iria prolongar por mais alguns anos, durante a década de sessenta, como "Paris Blues", "Hud", "The Outrage", e "Hombre".

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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Famintas de Amor (Until They Sail) 1957

A vida de quatro irmãs da Nova Zelândia durante a Segunda Guerra Mundial, e a forma como a vida delas é afectada pela chegada dos militares norte-americanos. Paul Newman interpreta um militar cínico que se apaixona por uma das irmãs, uma viúva, interpretada por Jean Simmons, com Joan Fontaine a interpretar a irmã mais velha, e Piper Laurie a interpretar a irmã promiscua, cujas aventuras sexuais a levam à tragédia. A irmã mais jovem é interpretada por Susan Dee, na sua estreia cinematográfica. 
Paul Newman tinha chegado a Hollywood com um contrato com a Warner Brothers, que rapidamente transformou no seu primeiro filme, um épico bíblico chamado "The Silver Chalice" (1954). Emprestado à MGM, Newman rapidamente compensou esse desastre com interpretações bastante aclamadas como o boxeaur Rocky Graziano de "Somebody Up There Likes Me" (1956), e o veterano de guerra de "The Rack" (1956).  O seu próximo filme era este Until They Sail (1957), que voltava a reunir Newman com o realizador de "Somebody Up There Likes Me", e que era Robert Wise. Apesar de Newman gostar de trabalhar com Wise, não estava particularmente contente com este filme, por o considerar um "filme de mulheres", e o seu papel ser periférico. 
Newman estava cada vez mais insatisfeito com os termos de contrato da Warner, que ganhava 1000 dólares por semana, enquanto o estúdio ganhava 75 mil de cada vez que o emprestava. Também não estava satisfeito com a ausência da nomeação ao Óscar para "Somebody Up There Likes Me". 
Alguns temas controversos foram abordados no filme, como a promiscuidade, ter filhos fora do casamento, mas são tratados de um forma surpreendentemente directa e sofisticada para uma audiência dos anos cinquenta. E são tratados da forma mais simpática e humana possível, não havendo indícios de sensacionalismo espalhafatoso nem da repressividade que os filmes dessa época costumavam ter ao lidar com o assunto. 

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domingo, 8 de outubro de 2017

Paul Newman - Os Anos Rebeldes

Inicialmente estava preso à beleza dos seus olhos azuis, mas procurou deliberadamente papéis desafiadores e anti-heróicos, que garantiram que a sua carreira superasse muitos dos seus contemporâneos.
Os seus personagens eram ex-condenados, foras da lei, jogadores invertebrados, que estavam longe de ser admiráveis. O seu dom era investir nestas personagens com encanto e nobreza, que o tornavam irresistíveis tanto para homens como para mulheres. E foi com isto que mais tarde ele se tornou num actor reconhecido e de muito valor, capaz de só com a sua presença elevar filmes como "Road to Perdition", "Message in a Bottle" e "The Hudsucker Proxy".
De Butch Cassidy a Cool Hand Luke, Paul Newman trouxe integridade, vigor e uma impertinência irónica aos seus papéis que combinaram bem com o espírito de anti-autoritarismo que predominava das décadas de 60 e 70.
Este ciclo não pretende fazer uma revisão geral da sua carreira, mas sim uma análise aos seus anos mais rebeldes, começando com "Until They Sail", de Robert Wise, do ano de 1957, até "Butch Cassidy and the Sundance Kid", um dos seus filmes mais conhecidos, realizado por George Roy Hill em 1969, passando por outros bem menos conhecidos, como "The Young Philadelphians" ou "Paris Blues".
15 filmes, 3 semanas. É assim que iremos até ao fim deste mês. Espero que gostem.

Livros - Semana 3

Hoje é Domingo, é dia de se abastecerem com livros para lerem durante a semana. Estes são os livros que temos para vós.

- História do Cinema Mundial, de Fernando Mascarelo. Link
Este livro concretiza uma proposta no cenário brasileiro - apresentar um panorama horizontal da produção internacional dessa forma narrativa que chamamos 'cinema'. A aposta na dimensão diacrônica tem seus predicados. Percorrer esse livro é deparar-se com a efervescência das tradições que reivindicaram para si o estatuto de cinematográficas. O cinema das origens, o cinema clássico, o diálogo criativo do cinema com o construtivismo, o expressionismo, o surrealismo, as particularidades da vanguarda cinematográfica chamada impressionista, o cinema realista e seu coroamento no neo-realismo, a chegada da modernidade com a Nouvelle Vague, os novos cinemas, o retorno de Hollywood, os grandes autores e as grandes personalidades da história do cinema, o pós-modernismo e o cinema documentário - o cinema no século XX é o universo que esse livro se propõe a discutir - de partida, um desafio elevado.

- Transgressão, Mercado e Distinção A Violência Extrema no Cinema, de Paulo Scarpa. Link
Uma dissertação de mestrado muito interessante. 

- Re-viewing Fascism- Italian Cinema, 1922-1943 , de Jacqueline Reich. Link
Quando Mussolini proclamou que o "Cinema era a arma mais poderosa", estava apenas a contar metade da história. Na verdade, poucos filmes durante o fascismo podem ser considerados de propaganda. Este livro analisa muitos filmes que falharam como "armas"  para criar uma consciência cultural e em vez disso reflectiu as complexidades e contradições da cultura fascista.

- Alfred Hitchcock: The Icon Years, de John William Law. Link
A década de 60 foi muito positiva para Alfred Hitchcock. Alcançou o êxito no cinema, na televisão, nos livros. Este livro de John William Law vai analisar estes anos de ouro de um outro ponto de vista.

- Subversive Horror Cinema, de Jon Towlson. Link
O cinema de terror floresceu em períodos de crise ideológica e traumas nacionais - A Grande Depressão, a guerra fria, a era do Vietname, o pós 11/9. Este livro discute uma sucessão de realizadores a trabalhar no terror, desde James Whale a Sylvia Soska, que usaram o género e o choque da sua era para desafiar o "status quo" desses tempos.

sábado, 7 de outubro de 2017

Homens Maduros (Age of Consent) 1969

Homens Maduros é o infeliz título dado em Portugal a The Age of Consent, o penúltimo filme realizado por Michael Powell. Peeping Tom, hoje considerado um clássico, arruinou a carreira britânica de Michael Powell. A década de 60 foi penosa para o cineasta, ostracizado pela crítica mainstream do seu país e com escassas possibilidades de filmar. Não admira, portanto, que este The Age of Consent tenha sido rodado na Austrália, produzido a meias por Powell e James Mason que desempenha o papel principal. Para todos os efeitos, o cineasta tornou-se, pelo menos temporariamente, num exilado. 
O filme parte de um roteiro de Peter Yeldham baseado num romance de 1935 de Norman Lindsay. Em abono da verdade o filme que fecha o ciclo não é propriamente um encerramento com chave de ouro. Não foi o desastre que a crítica não australiana proclamou, mas foi um filme pouco condizente com os pergaminhos anteriores de um dos cineastas mais importantes de sempre. Curiosamente, parece-me que o argumento até poderia ter potencialidades para dar, não um grande filme, mas uma obra interessante. Um pintor de sucesso resolve regressar à Austrália natal, cansado dos meandros do negócio das artes. Mesmo em Brisbane, sente a necessidade de se isolar e recolhe a uma ilha que pensa ser deserta. Não se percebe se o seu objectivo é redefinir a sua carreira, ou apenas descansar. O que poderia ser explorado de forma mais eficaz é a forma de relacionamento entre o pintor e uma bela adolescente que vive na ilha (Helen Mirren no seu primeiro papel no cinema). A presença da adolescente faz repensar o rumo criativo do pintor. Teríamos então um filme que poderia ser excelente se centrasse na relação entre pintor e adolescente que lhe serve de modelo. Claro que como a relação estabelecida não vai ser puramente artística, poderíamos antever uma espécie de Lolita (de Kubrick a partir do célebre livro homónimo de Nabokov), salvo as devidas distâncias que se prendem sobretudo de não estarmos em presença de uma adolescente de 12 anos, antes de uma de 17 e com um corpo de adulto. Por vontade própria, ou por condições alheias, Powell altera o foco para elementos laterais, tornando o filme numa espécie de comédia ligeira., criando personagens secundárias (a avó, o amigo, a velha solteirona, o barqueiro) que lhe aligeiram o tom, tornando-o excessivamente leviano e superficial. Daqui resulta um objecto em que nenhuma das personagens tem suficiente espessura e densidade para fazer delas algo de interessante. Para quem nos deixou algumas das mais inolvidáveis personagens da história do cinema, custa bastante ver Powell nesta situação. E nem o belo corpo de Helen Mirren aqui filmado no limite (ou se calhar um pouco para lá do limite) das convenções dos anos 60, nem as imagens subaquáticas dos corais, salvam The Age of Consent de um certo desconchavo. E afinal, quando o que de forma mais ou menos sugerida se concretiza na cena derradeira do filme, fico a pensar se ele não poderia ser muito melhor se se tivesse centrado na relação artística e pessoal entre o pintor de meia idade e o seu modelo adolescente. 
 Não sei se se pode falar de declínio criativo. Afinal Powell tinha apenas 64 anos quando realizou The Age of Consent. Houve cineastas como Bergman, Resnais ou Oliveira que fizeram obras primas com idade muito mais avançada. Mas provavelmente nenhum deles teve que arrostar com um filme que hoje é uma obra prima e na altura foi demolido. É à luz de Peeping Tom que podemos ver The Age of Consent. E talvez essa relação explique mais coisas do que o próprio filme. 
* texto de Jorge Saraiva

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A Vítima do Medo (Peeping Tom) 1960

Após a interrupção da parceria com Emeric Pressburger e a dissolução da produtora The Archers, Michael Powell realizou um filme menor, Honeymoon (1959), antes de se abalançar a Peeping Tom, o seu filme mais controverso de sempre e aquele que na altura mais dividiu a opinião da crítica e do público.
Peeping Tom é a expressão em calão para a palavra francesa voyeur, ou seja, aquele que gosta de observar os outros de forma indiscreta e disso retira prazer, nomeadamente de natureza sexual. Aqui essa componente está afastada, sendo substituída pela sensação de medo. O filme tem um argumento de Leo Marks e concita todos os nossos pavores. Não são precisas grandes introduções para percebermos o que se passa: um fotógrafo discreto e tímido vive com uma dupla personalidade. Por trás da sua afabilidade e da sua vontade expressa de se isolar das pessoas. existe um monstro que procura levar as mulheres a uma situação de terror absoluto, para, em seguida, as assassinar. Este tipo de argumento que se aproxima dos thrillers psicológicos e dos filmes de horror, remete de imediato para o universo psicanalítico. Neste caso, não directamente para o complexo de Édipo de Psycho de Alfred Hitchcock (quase da mesma altura e com quem foi frequentemente comparado), mas para um trauma violento causado pelo abuso psicológico por parte do pai. A câmara de filmar de que Mark Lewis (Carl Boehm) se serve é um objecto ambivalente: serve para reavivar a recordação do trauma de infância, mas também como fonte de acalmia mórbida, através do assassinato das mulheres que são suas vítimas. Esta polaridade de opostos desagua num universo sado-masoquista (mais uma vez sem a componente sexual) da personagem do protagonista, que tanto argumentista, como realizador optaram por deixar opaca e enigmática. Apesar da utilização muito apropriada da cor, com o predomínio dos tons quentes, do brilhantismo quer da fotografia, quer da música e do desempenho sóbrio e eficiente dos actores, o que me fascina mais é a excelência do argumento e da realização. O primeiro é denso e complexo, com inúmeras ramificações, muitas vezes mais sugeridas do que desenvolvidas; a segunda porque em momento algum, Michael Powell se deixa levar pelos clichés do género. Não há sangue, não se filmam mortes, excepto no final por uma conclusão lógica do argumento, não há a criação de uma expectativa artificial nos espectadores. Não estamos, de facto, na presença de um filme de terror. O serial killer é apresentado como um homem perturbado, mas nunca como uma espécie de demónio que tem prazer em fazer sofrer as suas vítimas. É esta indefinição, de um assassino que sofre por matar as suas vítimas, mas que depois retira prazer de vê-las sofrer, cuja explicação para os seus actos é apenas antevista, mas nunca totalmente explicada, que torna Peeping Tom num dos mais perturbantes filmes da história do cinema. Como aconteceu em toda a sua carreira isoladamente ou com Michael Pressburger, não abundam as personagens lineares. Mas talvez não exista nenhuma com o grau de ambiguidade de Mark Lewis. Neste jogo de duplicidades, somos incitados enquanto espectadores a estabelecermos uma ligação afectiva com o protagonista de ar sofredor, bons modos e palavras tranquilas, quase pedindo desculpa pelo facto de existir.
O filme praticamente arruinou a carreira na Grã-Bretanha do seu mais prestigiado cineasta. Mais do que fria, a recepção de grande parte da crítica foi de um encarniçamento total contra o filme. Muito mais tarde, Michael Powell diria com a habitual fleuma britânica: este foi um filme que na época ninguém queria ver, mas que agora todos já viram ou querem ver. Até eu que não sou um absoluto incondicional dos filmes do género, sou capaz de reconhecer facilmente a sua genialidade. 
* texto de Jorge Saraiva

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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Perigo na Sombra (I'll Met by Moonlight) 1957

Perigo na Sombra foi ó ultimo filme realizado por Powell e Pressburger, enquanto membros da produtora The Archers, que se dissolveria ainda nesse ano. A dupla voltaria ainda a assinar dois filmes em conjunto, mas por ora decidiram terminar a sua carreira conjunta, para que cada um pudesse explorar os seus próprios caminhos. Claro que essa decisão amigável veio a ser mais benéfica para Powell do que para Pressburger.
Perigo na Sombra é o título em português de I`ll Met By Moonlight. O filme é uma mistura quase bizarra de filme de guerra e acção, com um thriller, num ambiente típico de neo-realismo italiano. Para este último aspecto contribuiu decisivamente o facto de os The Archers terem optado nesta adaptação de um romance de W. Stanley Moss, pelo preto branco. Embora tivesse sido rodado em grande parte nos Alpes marítimos franceses, a acção refere-se à ilha grega de Creta e reporta-se à fase final da Segunda Guerra Mundial. Nessa ilha ocupada pelos alemães, com o habitual rasto de destruição que esteve associado ao nazismo, um grupo de oficiais britânicos aliado à resistência cretense ao invasor, resolve fazer uma operação audaciosa: raptar o responsável máximo militar alemão e levá-lo para o Cairo. As razões nunca são apresentadas ao longo do argumento. A operação é, em si mesma, particularmente arriscada, a dois níveis: por um lado conseguir efectuar o acto de rapto e, por outro, conseguir evacuá-lo da ilha. É aqui que o filme se torna num thriller interessante. recheado de sentido de humor. Como de costume nos seus filmes, coabitam várias línguas: o inglês. o alemão e o grego, consoante os protagonistas. Ao espírito impulsivo e generoso dos cretenses, junta-se a fleuma e o humor dos oficiais britânicos, num quadro de entreajuda praticamente exemplar. Também a guerra surge como um pano de fundo, onde as acções militares são mais referidas do que propriamente filmadas. O conjunto de peripécias muito focado nas viagens pela ilha montanhosa tentando fugir dos alemães e conduzir o dito general até ao porto onde o barco britânico o espera, acabam por ocupar uma parte substancial da acção. Nesse sentido, o filme é estranhamente leve para um tema tão sério, com alguns momentos quase hilariantes. Este tom de abordagem da guerra, contrasta com A Batalha do Rio de Prata, o seu filme anterior, que era pesado e austero. O general alemão (protagonizado por Marius Goring, que já tinha participado em 3 filmes anteriores da dupla) foge completamente à visão estereotipada que foi apresentada na generalidade dos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. Embora procure reaver a sua liberdade e deixar todas as pistas possíveis para que os seus soldados o encontrem tentando mesmo subornar uma criança, há uma espécie de moral cavalheiresca entre o referido general e os seus raptores britânicos. Na guerra cada um desempenha o seu papel: uns combatem por um lado, outros por outro. O facto de serem inimigos não pode significar que tenham que se odiar. Este olhar humanista sobre os alemães está muito presente em praticamente todas as abordagens feitas à Segunda Guerra Mundial por parte de Powell e Pressburger. Não há espaço nos seus filmes para um maniqueísmo simplista. De resto, apesar de não ser um filme de grande orçamento, todos os pormenores foram meticulosamente cuidados. Para além de uma presença breve de Christopher Lee, o destaque principal vai para Dirk Bogarde, ainda numa fase afirmação de uma carreira que veio a ser extraordinária, a ponto de ser considerado um dos mais versáteis e brilhantes actores de toda a história do cinema. 
Enquadrada no conjunto da obra de Powell e de Pressburger, I`ll Met You By Moonlight não é um dos seus melhores filmes, longe disso. Mas contém suficientes motivos de interesse para justificar um visionamento atento. 
* texto de Jorge Saraiva

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a Batalha do Rio da Prata (The Battle of the River Plate) 1956

Após Os Contos de Hoffman a produção de Powell e de Pressburger caiu drasticamente. Até 1951 terem realizado um filme por ano, fizeram um interregno de quatro anos. Regressaram com a comédia musical Oh Rosalinda que não está incluída neste ciclo. Posteriormente assinariam em conjunto mais dois títulos, antes de dissolverem a produtora The Archers em 1957
A Batalha do Rio de Prata (1956) é o segundo desses três filmes. É o regresso ao cenário da Segunda Guerra Mundial e a um dos seus episódios mais significativos, a primeira grande batalha naval desse conflito, ocorrida em 1939. Ao contrários de outros filmes seus em que a guerra era um pano de fundo, mas nunca aparecia filmada, tornando-se numa espécie de ausente-presente, em a Batalha do Rio de Prata as acções militares não só são filmadas explicitamente, como se tornam no aspecto fulcral de todo o filme, tornando-a numa presente-presente. Trata-se de uma reprodução absolutamente meticulosa e fidedigna daquele episódio militar. Como tal, foi filmado no próprio local e houve o cuidado de utilizar os navios da época de forma a tornar mais realista a acção. Mais uma vez nenhum pormenor foi deixado ao acaso, embora haja, como é óbvio, elementos ficcionais. As filmagens decorreram no Rio da Prata e na cidade de Montevideu, capital do Uruguai. No contexto da acção estão os modernos cruzadores alemães que atacam sistematicamente e em todos os lugares do planeta os navios mercantes ingleses, tendo em vista cortar os abastecimentos à Grã-Bretanha. Revelando uma clara superioridade tecnológica, os alemães acabam por ser confrontados no Rio de Prata, com uma frota britânica muito superior que acaba por derrotar a jóia naval alemã, o cruzador Graf Spee. A Batalha do Rio de Prata centra-se exclusivamente nos aspectos militares da acção, quer na sua vertente prática no terreno, quer na definição de estratégias e contra-estratégias para aniquilar o adversário. É um filme sem mulheres, porque estas não fazem a guerra nem pertencem à Marinha (pelo menos nesse tempo). Não apresenta contextos de vida pessoal ou qualquer romance. Não tem verdadeiramente um actor principal, uma vez que tem o cuidado de se repartir entre os barcos ingleses e o couraçado alemão. Tem muitos tiros de canhão e presume-se que existam muitas baixas de um lado e do outro, estas são referidas, mas raramente filmadas. Sendo um filme a cores, é, do ponto de vista do argumento, totalmente monocromático. A única variação à acção militar está directamente com ela relacionada, ou seja, as manobras diplomáticas das diversas embaixadas junto do governo uruguaio, nessa altura neutral.
Não é propriamente galvanizante, para quem não percebe nada de guerra, nem é um particular entusiasta deste tipo de temas. Mas quando se faz uma análise mais fina, percebe-se imediatamente a marca de água dos The Archers, mesmo num filme que não é, na minha opinião, uma obra prima. E não é apenas no plano puramente estético. O filme trata os alemães em absoluta paridade com os ingleses. No centro está a figura do capitão alemão Hans Langsdorff que faz sobrepor a dimensão ética do relacionamento humano, face ao mero sentido do inimigo militar. A forma como termina os seus dias («um capitão está sempre sozinho») num assomo de dignidade e cavalheirismo, remete-nos de forma imediata para a obra prima de Jean Renoir, A Grande Ilusão. O mesmo sentido de dignidade ao olhar a guerra, que afinal é uma circunstância do acaso e, como tal, transitória, enquanto há uma perenidade de valores que ultrapassa circunstâncias e fronteiras. 
A Batalha do Rio de Prata não está ao nível das obras primas que Powell e Pressburger nos deixaram. Mas é um filme deles, com todo o significado que isso possa ter. 
* texto de Jorge Saraiva

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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Os Contos de Hoffmann (The Tales of Hoffmann) 1951

Os Contos de Hoffman ocupam um lugar muito particular na obra de Michael Powell e de Emeric Pressburger. Poderá ter alguns pontos de contacto com Red Shoes pelo peso que a música e a dança nele desempenham. Mas a estrutura e a intenção deste Contos de Hoffmann são completamente distintos.
Não sei se na história do cinema anterior a 1951 houve muitos exemplos de adaptação de óperas ao cinema, mas estou convencido que não. O projecto era arriscado. Jacques Offenbach o francês nascido na Alemanha em 1819 e que era um violoncelista virtuoso e um compositor emérito, dedicou grande parte da sua actividade à criação de operetas. Os Contos de Hoffman foram a sua única ópera, que aliás ficou incompleta e que só foi estreada um ano após a sua morte em 1880. A ópera tinha um libreto de Jules Barbier e baseava-se em três histórias curtas de E.T.A. Hoffmann. de pendor romântico e fantástico. A adaptação ao cinema feita por Powell e Pressburger com o apoio de Dennis Arundell, mantém-se bastante fiel ao libreto original, embora com algumas alterações de pormenor. Não sou entendido em ópera, logo não tenho condições para fazer para uma crítica de tipo musical, nem penso que seja essa a intenção deste texto. Os The Archers não tinham a intenção de filmar uma ópera no sentido clássico do termo. O seu objectivo era fundir a ópera onde existem inúmeros elementos de ballet com o cinema, isto é conjugar as três artes, tirando partido das vantagens tecnológicas desta última. Portanto o que vemos é um filme com um libreto de ópera, mas onde a marca dos realizadores é absolutamente inconfundível. E aquilo que vemos é absolutamente esmagador. Presenciamos, muitas vezes atónitos, a algumas das imagens mais belas que a dupla nos ofereceu, o que não é fácil, tendo em conta a maravilhosa quantidade de filmes que os The Archers nos legaram. O argumento segue o libreto original constando de um prólogo, três contos e um epílogo. Comum às três histórias é a personagem do próprio Hoffmann representada por Robert Rounseville, um actor e cantor lírico americano que juntamente com Ann Ayars são os únicos que representam e cantam. Todos os restantes actores, incluindo a bailarina Moira Shearer (a protagonista de Red Shoes) não cantam, apenas dançam e representam. As três histórias giram em torno dos três amores de Hoffmann e os três logros em que caiu: a paixão por Olympia, cantora e bailarina que afinal não passa de um autómato que se vai desarticulando; a paixão por Giulietta (Ludmilla Tchérina) que se desfaz porque a sua imagem deixa de aparecer reflectida num espelho o que provoca a perda da sua identidade; finalmente na terceira, a paixão por Antonia (Ann Ayars) que é uma cantora que sofre de uma doença incurável e que se continuar a cantar fatalmente morrerá. Todas as paixões serão um malogro e que conduzem a um epílogo ambíguo onde alguma esperança floresce no meio do desalento. O lado fantástico é proporcionado pela presença diabólica de um mágico (três personagens sempre representadas por Robert Helpmann) que tudo faz para afastar Hoffmann dos seus amores, utilizando ardis que vão para lá do mundo físico. O que é absolutamente espantoso é que tudo é filmado num palco, sem o recurso a takes exteriores. Trata-se de reproduzir em estúdio todos os envolvimentos do mundo exterior, nomeadamente das paisagens naturais. Desta intenção deliberada, resulta um filme tão artificial quanto maravilhoso, que seria seguido por muitos cineastas posteriormente, de Alain Resnais (Mélo e Coeurs) até Coppola (One from the Heart), passando por Syberberg. Tudo é extremamente cuidado: o trabalho de actores, particularmente difícil num filme deste tipo, a interacção com a música (cantada em inglês, ao contrário do original que utilizava a língua francesa), os cenários, a montagem e todos os adereços. Nada é deixado ao acaso. Este trabalho de um meticuloso primor contém algumas cenas absolutamente inesquecíveis: a desarticulação de Olympia, a canção que inicia a história de Giulietta (Moon of Love) e as vozes que Antonia ouve por parte da sua mãe, são apenas três exemplos. 
É o último grande filme de Powell e de Pressburger enquanto dupla. Não foi, nem nunca poderia ter sido, um grande sucesso de bilheteira, embora não tenha sido um desastre, o que significa que mesmo no início da década de 50, havia público para projectos tão arrojados como este. Embora a dupla continuasse a filmar, há um fim de ciclo que se anuncia em Os Contos de Hoffman. O tempo em que podíamos alimentar todas as nossas ilusões numa sala escura a olhar para uma tela. Um sonho a cores. 
* texto de Jorge Saraiva

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terça-feira, 3 de outubro de 2017

A Raposa (Gone to Earth) 1950

Com Gone to Earth (quem em Portugal recebeu o nome de A Raposa), Powell e Pressburger entram declaradamente no terreno do melodrama como ainda nunca o tinham feito. É um filme brilhante, mas que acabou por ter um efeito polémico: David Selznick não gostou do final e procurou modificá-lo, no que esbarrou com a firme oposição dos The Archers. O caso acabou em tribunal com uma decisão salomónica: Selznick não podia alterar o filme na Grã-Bretanha, mas pôde fazê-lo para a versão americana, saída em 1952, com o título Wild Heart e com cerca de um terço do seu conteúdo alterado.
Gone to Earth adapta uma novela de Mary Webb de 1917. É um filme campestre passado em plena época vitoriana (final do século XIX), que foi marcada por um grande puritanismo. Tal como todos os grandes melodramas (veja-se o caso de Douglas Sirk), nunca é inocente. No centro está uma rapariga que vive numa espécie de mundo panteísta e que adora uma raposa e que parece viver em estreita comunhão com a natureza, particularmente com os animais. É uma personagem tão deliciosa quanto contraditória. Um dia promete ao seu pai, fabricante de caixões de profissão e notável harpista, que casará com o primeiro homem que a pedir. Será disputada ardorosamente por dois homens: o reverendo da região (igreja protestante) o primeiro a pedi-la e um proprietário e caçador da região. Envolvida na indecisão da escolha, a rapariga casa com o reverendo, mas acaba por ser seduzida pelo seu outro pretendente e troca-o. Esta é uma das grandes virtudes de Gone to Earth. Não é comum num filme de 1950 o adultério ser abordado de forma tão explícita e, ainda por cima, de forma tão amoral. Não há nenhuma condenação explícita pelo acto da rapariga por parte do argumento. A condenação vem da sociedade de uma pequena aldeia regida por severos costumes morais e da própria família do reverendo. O mais interessante é, na minha opinião, a densidade das personagens que tinha sido o ponto débil do filme anterior, A Black Small Room Nenhum dos envolvidos neste triângulo corresponde ao protótipo do bom cidadão, tão típico na maioria dos filmes da época: o proprietário é agressivo e possessivo e não se conforma com a escolha da rapariga; o reverendo parece encarnar todas as virtudes cristãs, mas não deixa de revelar alguma hipocrisia e agressividade quando se sente trocado: a rapariga, personagem central do filme, parece volúvel e caprichosa: o seu maior amor é a sua raposa ao mesmo tempo que oscila entre os seus dois amantes e trocando um pelo outro, para depois voltar ao primeiro. É curioso, a quantidade de filmes de Powell e Pressburger em que as mulheres são a personagem central: Canterbury Tales, I Know Where I Am Going, Black Narcissus e Red Shoes, para além deste. A humanização das personagens por uma percepção da inexistência do maniqueísmo remete-nos para a sua própria ambiguidade, afinal tão comum a todos nós. Esteticamente o filme é belíssimo, com as suas cores vivas e o excepcional trabalho de fotografia de Christopher Challis, num dos seus primeiros trabalhos de uma carreira que se viria a revelar repleta de grandes obras. Foi este ambiente deslumbrante que levou muitos críticos a considerar Gone to Earth como um dos mais belos filmes campestres de todos os tempos. Come-se com os olhos. 
O filme termina de forma circular. As últimas imagens reproduzem, numa fase inicial, as primeiras. O desenlace anunciado que se assemelha ao de Red Shoes, era inevitável, embora não seja feliz. Para a posteridade foi a versão dos cineastas que prevaleceu. Embora não conheça a que foi modificada por ordem de David Selznick acredito, pelo que li, que o original é muito melhor. E é mais um dos grandes filmes dos The Archers. 
* texto de Jorge Saraiva

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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O Seu Pior Inimigo (The Small Black Room) 1949

The Small Black Room (cujo título em português é O Seu Pior Inimigo) é um filme singular na carreira de Michael Powell e Emeric Pressburger. Representa o regresso ao passado, tanto em termos formais como temáticos. Depois da notável trilogia de filmes de alto orçamento (A Matter of Life and Death, Black Narcissus e Red Shoes) de pendor filosófico e coloridos, agora regressamos a um cenário quase espartano, não só pelo preto e branco, mas principalmente pela escassez de meios envolvidos. É isso que torna The Small Black Room num objecto desconcertante, como se os The Archers quisessem mandar ao mundo uma mensagem de que para eles não havia fórmulas de sucesso, nem estavam presos ao ditames comerciais. 
Trata-se de uma adaptação de um livro de Nigel Balchin, romancista e dramaturgo inglês escrito em 1943, numa altura em que o destino da II Guerra Mundial ainda era incerto. Mas, tal como acontecia em Canterbury Tales, a guerra é um pano de fundo presente, embora distante. Não há cenários militares, nem referências explícitas aos alemães. No centro da acção encontra-se um cientista a trabalhar na investigação militar secreta britânica. O filme vai-se repartindo entre a sua actividade científica e a sua vida pessoal e essa articulação parece ser o momento menos conseguido de todo o filme. É a única surpresa negativa: habituados à consistência e ao brilhantismo dos argumentos de Emeric Pressburger, estranhamos esta dicotomia na personagem de Sammy Rice. Enquanto cientista é uma espécie de génio dócil, que aceita de forma pacífica os ditames dos seus directores, enredados em vaidade, mediocridade, intriguismo e burocracia. Em casa é um homem dependente do álcool, sobretudo whisky, que destrata a namorada e que sente complexos de inferioridade por ter um perna artificial que lhe provoca imensas dores. O problema é que a articulação entre as duas facetas da personalidade é, a meu ver, demasiado superficial, ou seja falta-lhe espessura. O que salva o filme são os aspectos puramente formais e algumas cenas antológicas. A fotografia e a direcção de actores são, como de costume, notáveis, assim como todos os restantes aspectos cinematográficos. O desempenho de David Farrar é brilhante. Há quem considere este como o auge da sua carreira de actor e, seguramente não é por sua responsabilidade que a personagem que encarna é mais conseguida. Aliás, a ele se devem os tais dois momentos antológicos do filme e que, só por si, justificam o seu visionamento. O primeiro, quando sozinho em casa, começa a ter alucinações face à privação do álcool e ao que ele julga ser, o abandono da sua namorada, finalmente persuadida a largá-lo por força das suas insistentes e masoquistas sugestões: a segunda, já perto do final, quando o cientista vai despoletar a bomba alemã de uma tecnologia totalmente desconhecida. Os realizadores optaram por planos em cima do rosto do actor, ganhando partido da sua imensa capacidade expressiva. Há aqui muitos aspectos de um thriller hitchcokiano, com a criação de um suspense crescente, quase até ao limite do insuportável. Aliás, aqui não é seguro dizer quem é que influenciou quem, uma vez que se trata de cineastas contemporâneos. 
Serão estes predicados suficientes para fazer de The Small Black Room, um bom filme? Sem dúvida! Mas quando pensamos em títulos anteriores e nalguns posteriores, imediatamente percebemos que este não é um dos seus melhores. 
* texto de Jorge Saraiva

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domingo, 1 de outubro de 2017

Os Sapatos Vermelhos (The Red Shoes) 1948

Sapatos Vermelhos é, provavelmente, o apogeu de toda a criação cinematográfica dos The Archers, com tudo o que de subjectivo implica essa designação. É também a continuação de um conjunto de filmes com um cariz vincadamente filosófico como foram Um Caso de Vida ou de Morte ou Quando os Sinos Dobram.
Quando escrevo sobre este filme, sinto que tenho que fazer uma declaração de interesses. Sapatos Vermelhos é um dos filmes que levaria para uma ilha deserta. E nem sequer é por ser um filme sobre dança de que gosto muito, mas nada entendo. Não é pela genialidade dos diálogos de Emeric Pressburger livremente inspirados no conto homónimo de Hans Christian Andersen. Também não é pela beleza estonteante das cores, desta vez, ao contrário do seu antecessor, apostando nos tons quentes. O uso da cor é de tal forma impressionante que Martin Scorsese considerou este Red Shoes como o mais belo filme a cores da história do cinema, juntamente com o Rio de Jean Renoir e a que eu acrescentaria o Escrito no Vento do Douglas Sirk. Nem é sequer pelo virtuoso trabalho da câmara, dos cenários, da direcção de actores (especialmente sublime nos vintes minutos em que acompanhamos a execução do bailado). O que é verdadeiramente essencial, o eidos que era utilizado pelos filósofos gregos, é que surge aqui em todo o seu esplendor uma questão fundamental: a Arte ou a Vida?. Comparado com alguns dos seus filmes anteriores, a estrutura de Red Shoes é quase linear. Dois jovens desconhecidos, ele músico e maestro, ela bailarina, entram no mesmo dia na companhia de dança mais prestigiada do mundo. Ele, um talento para a composição de partituras, impõe rapidamente a sua capacidade de escrever grandes músicas para a companhia; ela vai subindo a pulso, primeiro rejeitada, depois admitida num papel secundário, até se impor de forma esplendorosa em Sapatos Vermelhos, o bailado que dá nome ao filme. Acima deles está a figura do director da companhia (um desempenho fabuloso de Anton Walbrook) que coloca a questão essencial, um dogma de que não se afasta nem um milímetro: a grandeza dos artistas implica a renúncia. Um pouco como a actividade sacerdotal ou monástica, o artista só se elevará ao domínio do sublime se se afastar de tudo o que não for o seu acto de criação ou de representação. Este abraçar do ideal ascético deve ser compensado pelo puro prazer da entrega sem reservas à Arte, quase numa visão abstracta e incorpórea da criação e fruição do Belo como Platão sistematizou no seu diálogo Banquete. Esta visão é incompatível com o conceito de uma família, ou com o amor. Mas, somos todos humanos, demasiado humanos, nas palavras sábias de Nietzsche. E quando o amor une músico e dançarina, para ela, volta a implacável questão: A Arte ou a Vida? Tinta e cinco anos depois, no último segmento do Zweite Heimat de Edgar Reitz, outro génio da história do cinema (e de que mantenho a esperança de vir a ser apresentado neste blog), voltava ao tema, exactamente com o mesmo nome: A Arte ou a Vida. A resposta em ambos, é totalmente inconclusiva. Como conciliar dois amores literalmente incompatíveis? Como preencher o vazio que a escolha de um deles provoca ao abandonar o outro? O director da companhia põe-lhe a decisão de uma forma brutal: ou vais ser a melhor dançarina que alguma vez pisou os palcos, ou serás uma anónima dona de casa a cuidar dos teus filhos e a cozinhar para o teu marido. E ela não sabe o que escolher. Dilacerada pelo sentido de perda (incapaz de sublimar o amor terreno no amor abstracto da dança e vice-versa), ela só vê no horizonte uma terceira alternativa: radical e definitiva. 
É de filmes como este que se faz a história do cinema. Incompreendido na altura, por não ter um happy end, nem seguir o padrão mainstream dos filmes da época, Red Shoes só teria um novo fôlego muitos anos depois, fruto do empenho de Scorsese na sua restauração e digitalização. Nem sempre a justiça chega, mesmo que seja tarde. Neste caso, chegou. Penhoradamente agradecemos. 
* texto de Jorge Saraiva

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Livros - Semana 2

Hoje é Domingo, e por isso é dia de publicar de publicar mais alguns livros.
Os livros de hoje são especiais, são em português, e são sobre o cinema português. Alguns deles estão livres na internet, mas provavelmente pouca gente sabe. Aqui fica o conjunto desta semana.

- Novas & Velhas Tendências no Cinema Português Contemporâneo, coordenação de João Maria Mendes. Link
Este livro, resultante de um projecto de investigação apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e desenvolvido na Escola Superior de Teatro e Cinema, no âmbito do Centro de Investigação em Artes e Comunicação, com a colaboração de investigadores da Universidade do Algarve, esboça, nos seus textos introdutórios, nas entrevistas nele antologiadas e nas suas conclusões, respostas a estas e outras questões. É ao mesmo tempo um inquérito à cultura organizacional do meio cinematográfico português e um retrato inter-geracional dos agentes criativos que contribuem para a definição dos perfis marcadamente sui generis da cinematografia portuguesa nestes primeiros anos do século XXI.

- Em Busca de um Novo Cinema Português, de Michelle Sales. Link
Em busca de um novo cinema português discorre acerca da gênese do referido movimento que se tornou conhecido por tratar-se de uma transformação ampla no modo de ver e fazer cinema em Portugal. Como se mostrou evidente, inúmeros debates acerca da função social da arte nasceram das discussões em torno do impasse estabelecido entre uma arte de viés modernista e outra, de feições neo-realistas.

- Geração Invisível - Os Novos Cineastas Portugueses, de Ana Catarina Pereira e Tito Cardoso Cunha. Link
Páginas que analisam a inquietude, a poesia, a liberdade e o olhar de uma nova geração de cineastas portugueses. Páginas que dão a conhecer o trabalho de um grupo de realizadores e realizadoras que filma com escassos recursos, contra o tempo e o esquecimento.

- Breve História do Cinema Português (1896-1962), de Alves Costa. Link
Livro que visa contar a história do cinema português, desde o seu início, até ao inicio da década de sessenta, altura em que saíram os primeiros filmes do chamado "novo cinema português".

- Cinema em Português - IX Jornadas, de Frederico Lopes, Paulo Cunha e Manuela Penafria (Eds). Link
A presente publicação reúne doze das vinte e uma comunicações apresentadas durante as IX Jornadas Cinema em Português que decorreram entre 27 e 29 de abril de 2016 na UBI, organizadas pelo Labcom.IFP, da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior. A nona edição das Jornadas Cinema em Português trouxe a debate questões atuais e pertinentes para a reflexão sobre as produções e relações cinematográficas entre os diversos países que falam em português, procurando reunir esforços para ensaiar hipóteses de leitura conjunta e complementar.