domingo, 30 de maio de 2021

A Oeste Nada de Novo (All Quiet on the Western Front) 1930

O primeiro grande filme anti-guerra na era do som, feito apenas 12 anos depois do final da Primeira Guerra Mundial, é baseado num livro de Erich Maria Remarque com o mesmo nome, cujas experiências como jovem soldado alemão na Grande Guerra são retratadas através do personagem principal, Paul Baumer. O livro começa com os jovens já em guerra, com flashbacks das suas adolescências e dias que antecipavam a guerra, mas o filme apresenta as suas vidas de uma forma cronológica através de uma série de sequências que retratam a natureza sem sentido da guerra sob o ponto de vista destes jovens nas trincheiras alemãs. Contrariamente à visão romantizada da guerra na altura, os jovens soldados não encontram glória no campo de batalha, apenas morte de desilusão. 
Muito clamado criticamente e um sucesso de bilheteira desde a sua primeira estreia, é ainda hoje considerado um dos maiores filmes anti-guerra, apesar da ausência de efeitos especiais de que as audiências contemporâneas esperariam. Apesar de conter alguns momentos cómicos e de quatro dos jovens terem algumas experiências amorosas com camponesas francesas, o foco está nos horrores da guerra, e na perda de esperança que os recrutas vão sentindo à medida que a guerra avança. 
O coronel Jason S. Joy do SRC descreveu o filme como "ousado e cheio de veracidade".  Para evitar do que ele chamava de "preocupações mesquinhas e insignificantes" dos conselhos de censura locais, tentou obter apoio para o filme nos Estados Unidos antecipadamente, através de vários grupos, mas sem grande sucesso. Os censores estavam preocupados com uma cena de homens despidos a banharem-se num rio, "dando cambalhotas e expondo-se indevidamente", e exigiram que essa cena fosse cortada do filme. 
O filme foi depois revisto para a SRC com uma audiência prévia, onde se prestou atenção, sobretudo, à reação da audiência a duas cenas. Numa dessas cenas o personagem principal, e dois soldados, levam comida para casa de três raparigas francesas e passam a noite. Embora nenhuma actividade sexual seja mostrada ou falada a cena termina com a sombra de Paul e uma das raparigas projectada no que seria a parede de um quarto. Passou nos censores, mas no Ohio não foi aprovado, e a Universal Pictures foi obrigada a cortar o filme para passar só naquele estado.  Em 1938 o filme teve um relançamento, os censores eram mais apertados, e o PCA ordenou que tanto esta última cena como a dos soldados a banharem-se no rio fossem cortadas dos negativos originais, ou não obteriam selo para ser exibido. Por outro lado, foram adicionadas cenas para dar uma forte mensagem anti-nazi.


sexta-feira, 28 de maio de 2021

O Anjo Azul (Der Blaue Engel) 1930

 "O Anjo Azul", primeiro filme sonoro alemão, foi filmado simultaneamente em inglês e alemão. Josef Von Sternberg construiu o filme à volta de Marlene Dietrich, e tencionava trazê-la para o estrelato. O cenário do cabaret estava destinado a fazer reviver a infância de Von Sternberg, e as canções, que tinham poucas notas,  tinham sido escolhidas de propósito para a voz limitada de Dietrich. A história retrata a queda e humilhação do professor Immanuel Rath, um professor de literatura. Os seus alunos gozam com ele e não mostram interesse nas suas aulas, e preferem passar o tempo a falar e passar fotos da cantora de um clube noturno, que o professor confisca. Determinado a salvar os alunos do que ele acha ser a influência negativa da cantora, decide falar com ela, e vai até ao clube noturno Anjo Azul.
"O Anjo Azul" é uma parábola erótica que expressa o estado do intelectualismo alemão entre as duas grandes guerras. De certa forma, explora a forma como uma mente educada olha para os prazeres sensuais, parte do medo com que certos desejos façam do homem um idiota, até o mais intelectual, tal como Lola Lola faz a Rath. Lola Lola é a fantasia dos adolescentes, com meias altas, maquilhagem e uma cartola. Ela é responsável pela queda do professor da classe média, que se apaixona por ela enquanto tenta salvar os alunos da sua influência. 
O filme foi primeiro criticado na Alemanha. Era um projecto muito pessoal para Von Sternberg, que tratou de tudo com base no seu interesse e obsessão por Marlene Dietrich, por quem estava apaixonado. Por mais pessoal que fosse o filme, Alfred Hugenberg, um político nacionalista da extrema-direita e chefe da Ufa, o estúdio que produziu o filme, viu-o como um ataque à classe média, embora não tenha deixado instruções para que o filme fosse alterado, e, nos Estados Unidos, foi avaliado pela SRC por causa da extrema sexualidade que o filme apresentava, e que segundo algumas opiniões violava o código de decência americano. Acabou por passar com distinção, mas isso não impediu que o fosse proibido em várias cidades de ser exibido, pelos censores locais, como em Pasadena, na Califórnia.
Esta é a versão em alemão, com legendas em inglês.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Outubro (Oktyabr) 1927

Depois do grande sucesso que foi o seu filme de 1925, "Battleship Potemkin", Sergei Eisenstein foi chamado pela produtora soviética Sovkino para fazer um filme para comemorar a revolução de Outubro. Primeiro Eisenstein chamou o filme de "Ten Days that Shocked the World", e usou como base o popular livro de 1919 com o mesmo nome de John Reed para escrever o argumento, transcrevendo para o cinema a história de Reed, e usando o que ele chamaria de "montagem intelectual", ou o uso de vários dispositivos metafóricos para usar diversas ideias dentro do objectivo do filme. John Reed era um jornalista americano que serviu como correspondente durante a Guerra Mexicana (1916, 1917) e depois durante a Primeira Guerra Mundial, que o levou a Petrograd em 1917, no inicio da Revolução Bolshevik (Outubro). Quando regressou aos Estados Unidos ajudou a fundar o Partido Comunista. A reprodução das batalhas e destruição com milhares de pessoas eram difíceis de reproduzir com os limitados meios da época.
Filmado em estilo de documentário relata os eventos da Revolução Russa com uma tendência para suportar o lado comunista, embora mantenha uma postura factual em vários assuntos, como a dedicação de muitos à causa e o sofrimento suportado Eisenstein encena os eventos em Petrograd desde o fim da monarquia czarista em 1917, até ao fim do governo provisório e os decretos da paz e da terra em Novembro daquele ano.  
Eisenstein completou poucos filmes no seu país de origem, e a maioria deles sob supervisão dos censores Stalinistas, e apesar do respeito que Hollywood tinha por ele, "Outubro" tinha tido supervisão do governo, e por causa das mudanças politicas no país Eisenstein tinha sido instruído a cortar sumariamente muitos dos participantes na revolução, como era o caso de Leon Trotsky. Por causa das ordens do governo Eisenstein teve de cortar um terço do filme, e segundo o seu colaborador Aleksandrov Stalin apareceu no estúdio na fase final da montagem, e foi-lhe mostrado vários partes do filme que ele também mandou cortar. Assim, o filme estreou nos Estados Unidos e Inglaterra numa versão muito simplificada, e não teve grande exibição nos cinemas por causa do seu forte apoio ao comunismo. 

terça-feira, 25 de maio de 2021

O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation) 1915

"The Birth of a Nation" foi a interpretação pessoal de D. W. Griffith sobre a era da Reconstrução no sul dos Estados Unidos, que ele adaptou de dois livros, "The Clansman" e "The Leopard Spot", escritos pelo pregador da Carolina do Norte Thomas Dixon Jr., cujo tio era um grande titã no Ku Klux Klan. O filme tem um prefácio que diz o seguinte: "Não temos medo da censura, não queremos ofender com mentiras ou obscenidades, mas nós queremos, como um direito, a liberdade de mostrar o lado negro do errado, para que possamos iluminar o lado bom da virtude, a mesma liberdade concedida à arte da palavra escrita - aquela arte que também devemos a Bíblia e as obras de Shakespeare". Outra mensagem sobre o horror da guerra precede o filme: "Se nesta obra transmitimos à mente as devastações da guerra, a fim de que a guerra seja considerada abominável, este esforço não terá sido em vão." Típico para este período, os principais papéis de negros no filme eram interpretados por brancos com a cara pintada de negro, enquanto os actores negros no filme desempenhavam papéis secundários.
Estudiosos sobre cinema consideram "The Birth of a Nation" um dos mais importantes filmes de todos os tempos, pelas suas inovações cinematográficas, pelos efeitos técnicos e avanços artísticos. Teve um impacto enorme na história do cinema, e no desenvolvimento do filme como arte. Com cerca de 3 horas de duração, era mais longo do que qualquer outro filme até então feito, estabelecendo novas regras para as longas metragens. Comercialmente também foi um dos maiores êxitos da história. 
Mas o filme também representava o racismo no seu estado mais puro, o auge de um género que eram os filmes sobre as plantações. A mensagem racista aberta foi declarada claramente numa das legendas para descrever os membros do Ku Klux Klan marchando "em defesa do direito da primogenitura ariana". 
Quando o filme estreou protestos ocorreram na maioria das cidades americanas, e nos anos seguintes foi alvo de inúmeros piquetes e processos no tribunal. Na cidade de Nova Iorque os editoriais pediam a criação de um censor local oficial e comentavam sobre a indignação generalizada e o ódio racial que o filme tinha despertado. Em Boston os manifestantes fizeram piquetes e tentaram fazer com que as pessoas assistissem ao filme, e dez dias depois da estreia uma multidão de 3000 pessoas marcharam até à capital do estado para exigir o fim da exibição do filme. Em Chicago, o mayor impediu que o filme fosse exibido até que fosse aprovada uma legislatura estatal que proibisse materiais racialmente inflamados em todos os meios de comunicação. O governador do Ohio proibiu completamente o filme em todo o estado por conselho dos censores, que também foi proibido nas cidades de Denver, Pittsburgh, St. Louis e Minneapolis. Mas a proibição não prejudicou a venda de bilhetes, ainda fez aumentar o interesse pelo filme, que se tornou no primeiro sucesso de bilheteira do cinema mudo. 
A controvérsia não acabou com o fim do cinema mudo, batalhas com os censores continuaram de cada vez que ele voltava a ser lançado, em 1924, 1931, 1938, e em muitos locais o filme era banido para evitar que o Ku Klux Klan usasse a exibição para recrutar novos membros. 

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Filmes Poibidos: a história dos filmes banidos na América

 Não é fácil fazer uma história sobre todos os filmes banidos, censurados, contestados nos Estados Unidos, muito menos em todo o mundo. Mesmo listas mais extensas podem ser inadequadas, porque falta a análise dos filmes e a sua supressão. Colocar este tema num ciclo é uma tarefa ainda mais difícil, mas vou tentar contar o ponto de vista dos filmes banidos a partir da história do cinema dos Estados Unidos, à partida o país mais livre do mundo, ou, provavelmente, talvez não.
A chamada censura nos filmes começou pouco depois dos média terem tornado o cinema uma arte mais visível para um mais vasto público. Mesmo na altura dos filmes serem mudos, uma obra podia ser mais expressiva apenas em imagens do que em mil palavras, e esse facto não passou por despercebido aos pretensos moralistas. Em 1915, "The Birth of a Nation", de D. W. Griffith,  impressionou o mundo  e chocou audiências com as suas cenas de lutas raciais e glorificação do Ku Klux Klan. Depois de ver o filme numa exibição privada na Casa Branca, o presidente Woodrow Wilson disse que "era como escrever uma história do país... e o problema é que era tudo tão terrivelmente verdade". Apesar da opinião do presidente, e do filme apenas tentar contar a história, seria a obra mais frequentemente banida na história do cinema.
Tentativas de suprimir o filme em 1915 levaram a uma decisão do United States Supreme Court, que um filme deveria ser tratado como um produto comercial, e como tal, não poderiam reivindicar protecção de garantias constitucionais como liberdade de expressão e imprensa. Este julgamento não apenas negou protecção constitucional aos filmes, mas também os deixou abertos a serem censurados e banidos por cidade ou por distrito de acordo com cada censor regente, pelo menos até ao início da década de 50.
A indústria do cinema, representada pelo Motion Picture Producers and Distributors Association (MPPDA) liderada por Will Hayes, criou um código ao qual todos deveriam aderir. O MPPDA que incluía os donos dos cinemas e os estúdios, criaram uma série de auto-regulamentos, começando pela criação do Studio Relations Comittee (SRC) em 1927, que levou ao desenvolvimento do Prodution Code Administration (PCA) em 1934, que criava um selo de aprovação ou negação para cada filme. Os donos dos cinemas, na sua maioria, concordaram exibir apenas filmes com o selo de aprovação, mas grupos como o Catholic Legion of Decency (LOD) acharam o SRC demasiado relaxado. Já há muitos anos que a igreja católica tentava controlar o conteúdo dos filmes, começando por ter banido o filme "The Power of the Cross", de 1916, e ameaçado excomungar o realizador, A. M. Kenelly. Em 1922 a igreja católica começou a publicar listas de filmes recomendados, depois bispos e padres católicos começaram uma vigorosa campanha para purificar o cinema, levando à criação do LOD. As suas ameaças e acções levaram a indústria do cinema a restringir ainda mais o PCA, que levou à supressão de muitos filmes lançados anteriormente, e resultou na mutilação de outros, para que pudessem caber dentro dos requisitos, levando a uma guerra com os censores.
Os filmes sofreram escrutínios de várias formas, desde alterações no argumento antes da produção começar, de cortes de frames e mesmo segmentos para poderem obter o selo de exibição, e até mesmo cortes posteriores de acordo com os censores de cada cidade.
É a partir destes pressupostos que se desenvolve o nosso ciclo, que irá percorrer um período desde o "Birth of a Nation" até ao inicio dos anos 80. Vamos ver que até no país mais democrático do mundo as coisas não foram tão fáceis como deveriam ter sido, e iremos analisar mais de 60 filmes que foram banidos pelas mais variadas razões, em ordem cronológica. Espero que gostem do ciclo.
 

domingo, 23 de maio de 2021

Final do Festival

 E assim chega ao fim esta edição do Festival de Cannes, e vamos ver quem são os vencedores:

Grande prémio do Festival: "O Vigilante", de Francis F. Coppola
Grande Prémio do Júri: "As Mil e Uma Noites", de Pier Paolo Pasolini
Melhor Argumento: Hal Barwood, Matthew Robbins, Steven Spielberg, por "Asfalto Quente"
Melhor Actor: Jack Nicholson, por "O Último Dever", e Charles Boyer por "Stavisky"
Melhor Actriz: Marie-José Nat, por "Os Violinos do Baile"

Fipresci Prize: "O Medo Come a Alma". de Rainer Werner Fassbinder (em competição)
                         "Lancelot do Lago", de Robert Bresson, (fora de competição, declinou)

Grande Prémio Técnico: "Mahler", de Ken Russell

Prize of Ecumenical: "O Medo Come a Alma", de Rainer Werner Fassbinder
Menção Especial: "O Vigilante", de Francis F. Coppola

Espero que tenham gostado. Vamos por momentos voltar a 2021, e o próximo ciclo começa muito em breve.


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Delito de Amor (Delitto d'Amore) 1974

No núcleo da história de "Delitto d'amore" está a paixão entre dois jovens operários fabris, um do norte (ele, Nullo) e outro do sul de Itália (ela, Carmela). Os obstáculos à relação amorosa entre eles são múltiplos e destes conflitos se faz o filme de Comencini, em registo drama social.
Uma joia pouco vista dos anos de glória do cinema italiano, "Delito de Amor" é uma história de amor diferente. De certa forma, um retrocesso ao período do neorealismo, o filme é uma história estimulante e nada sentimental de dois operários que se sentem atraídos, apesar das suas grandes diferenças. É um caso de amor malfadado mas a sua destruição deve-se em parte ás forças ambientais e problemas económicos, tanto como pressões sociais. Funciona como um estudo sociólogo fascinante das diferenças regionais entre as classes trabalhadoras do norte e do sul de Itália. 
Enquanto a poluição das industrias de Milão influenciam todo o visual do filme, Luigi Comencini evita transformar a sua história num filme de mensagem ecológica, preferindo focar-se nas emoções conflituantes dos seus dois protagonistas, interpretados por Giuliano Gemma e Stefania Sandrelli, dois jovens presos em empregos sem saída numa fábrica, com poucas opções de carreira.
Fez parte da seleção oficial de Cannes. Legendas em inglês.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

O Último Dever (The Last Detail) 1973

Dois oficiais de baixa patente, Buddusky (Jack Nicholson) e Mulhal (Otis Young), são designados para levar um jovem marinheiro, Meadows (Randy Quaid), da base naval da Virgínia à prisão naval de New Hampshire para cumprir uma sentença de oito anos por causa de um erro banal. Buddusky e Mulhal apegam-se a Meadows e estão determinados a mostrar-lhe algumas coisas boas da vida em sua viagem ao norte.
Filme fantástico do grande realizador Hal Ashby, que incorpora tudo o que se deve esperar de um grande filme americano. É surpreendentemente ousado, transbordando de emoções e filmado com uma precisão casual brilhante que a tecnologia digital nunca será capaz de replicar. Ashby realizaria uma série de filmes dos mais importantes da década de 70, e vinha da montagem, tendo ganho um Óscar nesta categoria por "In the Heat of the Night" (1967), de Norman Jewison, com quem trabalhou mais activamente.
O filme é baseado num famoso livro de Darryl  Ponicsan, mas tanto as suas personagens e identidade vêm do excelente argumento de Robert Towne, um dos melhores argumentistas de Hollywood que no ano seguinte escrevia "Chinatown". Na verdade, a jornada narrada no livro é apenas a base para Towne mergulhar nestas personagens impregnadas de muito humor e da filosofia da rua testada na universidade da vida. O mais importante está nas trocas e descobertas que os três homens fazem uns dos outros. E um destaque especial para dois actores, Jack Nicholson e Randy Quaid, ambos seriam nomeados para o Óscar com este filme que também concorria para o prémio principal no festival.



terça-feira, 18 de maio de 2021

Jogos de Gatos (Macskajáték) 1974

As heroínas do filme são as duas irmãs Szkalla, que quando eram novas eram brilhantes e bonitas, mas agora estão velhas, e vivem separadas uma da outra. Giza é a mais solitária, porque tem de andar presa a uma cadeira de rodas, e vive com o filho em Munique. A outra é a senhora Orbánné, que dá aulas de canto para sobreviver em Budapeste e vive um romance com Csermlényi, um antigo pretendente, que é um tenor já na reforma. Quando está de bom humor ainda tem uma grande proximidade com o seu inquilino, Egérke... 
Três anos depois do seu primeiro grande sucesso internacional, e consequente vitória no grande prémio do Júri em Cannes, Karoly Makk regressa com uma história de partir o coração sobre duas irmãs solteiras, que depois de uma vida dolorosa, ainda procuram acreditar na esperança e no amor. Mais uma vez Makk faz-se valer dos desempenhos extraordinários da sua dupla de actrizes, desta vez interpretadas por Margit Dajka e Elma Bulla. "Macskajáték" opõe-se à desolação do mundo exterior com paixão, amor e lealdade. 
Além de ter concorrido para a Palma de Ouro em Cannes, "Macskajáték" conseguiu ainda uma nomeação para o Óscar de Melhor filme em Lingua Estrangeira, o segundo da Húngria a conseguir ser nomeado para este prémio, seis anos depois de "The Boys of Paul Street", de Zoltán Fábri, um filme que já por aqui passou num ciclo deste realizador. Os húngaros continuariam a tentar, para conseguir finalmente ganhar um Óscar para "Mephisto", de István Szabó, em 1982. "Macskajáték" teve estreia em Portugal no festival da Figueira da Foz em 1986. Legendas em Inglês.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Milarepa (Milarepa) 1974

Uma história inspirada num texto clássico da literatura tibetiana, o filme anda para trás e para a frente no tempo, entre a história do personagem do título, uma mística do século XI, e um jovem ocidental cujas angústias não são muito diferentes, embos divididos entre a busca do conhecimento e a busca do poder.
O ioga tibetiano Milarepa é um dos principais professores de budismo. A sua autobiografia é filmada em paralelo com a história de um jovem dos nossos dias, ambos procurando respostas das mesmas perguntas. Ambos têm mestres com quais cujas decisões não concordam totalmente, e há mulheres cujos papéis são ambíguos. Mestre e discípulo dependem um do outro, na procura feroz da verdade, onde apenas a crença e a honram contam.
Liliana Cavani faz um filme extraordinário que não perde nada do charme dos seus últinos filmes. É uma meditação do destino do homem, e também uma narrativa das vidas paralelas, do homem e da mulher. Um trato filosófico e uma homenagem a Milarepa, que foi selecionado para concorrer para o principal prémio em Cannes. Legendas em Inglês.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Um Filme Doce (Sweet Movie) 1974

A história entreligada de duas mulheres: uma é a vencedora do concurso Miss Mundo cujo prémio foi casar-se com um magnata do petróleo e que foge desse casamento tumultuado para Paris, tem um caso selvagem com um famoso rock star, El Macho e muda-se para uma comunidade radical. A outra dirige um barco carregado de doces e açúcar, atraindo homens e rapazes com sexo, morte e conversa revolucionária.
Depois do sucesso internacional da crítica de  "WR: Mysteries of the Organism" (1971), o tratado subversivo sobre o comunismo, Wilhelm Reich e a liberdade sexual, o provocador Dusan Makavejev usou toda a sua infâmia para produzir "Sweet Movie", um dos mais desafiadores e chocantes filmes dos anos 70. Muitos dos criticos que já admiravam "WR", em si um desafio subversivo aos costumes politicos e sexuais tradicionais, já consideraram "Sweet Movie" um filme exagerado, enquanto outros o elogiaram como um marco, um filme estimulante cuja quebra de todos as fronteiras convenciomais foi central para a sua tese sobre a necessidade de libertação completa. 
Tal como "WR", "Sweet Movie" dispensa a narrativa convencional a favor de um efeito de colagem de narrativas múltiplas. O fio narrativo dominante começa como uma espécie de comédia política em que uma jovem é coroada de Miss Mundo em 1984. O concurso de beleza exige que ela seja virgem, o que é verificado em palco por um ginecologista de renome mundial que se maravilha com a perfeição do seu hímen intacto.  
"Sweet Movie" foi exibido no festival de Cannes de 1974, na semana dos realizadores.

terça-feira, 11 de maio de 2021

El Santo Oficio (El Santo Oficio) 1974

Gaspar de Carvajal, um dominicano, não vê a sua família desde os 10 anos, quando foi mandado embora para seguir uma vida religiosa. Comparece ao funeral do pai, onde percebe que o corpo foi lavado, depois enterrado numa mortalha e sem caixão. Gaspar diz ao confessor que suspeita que a sua família, os judeus convertidos ao catolicismo, ainda seguem os velhos hábitos. Padre Lorenzo diz que este assunto deve ser levado à Inquisição.
O longo braço da inquisição, ou Santo Ofício, chegou até pelo menos ao século 16 no México (ou Nova Espanha, como era chamada na altura). Muitos católicos espanhóis de origem Moura ou Judaica acharam conveniente fugir para o Novo Mundo para escapar da sufocante atenção da inquisição. Em Espanha, simplesmente ser descendente de um destes povos era suficiente para garantir uma morte horrível por imolação. No Novo Mundo demorou um pouco mais, e este filme mexicano de 1974 relata o sofrimento de uma família que pratica secretamente o judaísmo sendo entregues à inquisição por um membro da família. Curiosamente, um pequeno clã familiar de judeus familiar foi descoberto no Novo México em finais da década de 80 do século passado, tendo conseguido manter a sua fé em segredo durante quase 500 anos.
Realizado por Arturo Ripstein, na altura um jovem mexicano que já tinha trabalhado como assistente de Luis Buñuel, realiza aqui uma das suas primeiras de fição, que o levou direcamente ao Festival de Cannes, para a seleção oficial. Legendas em Inglês.

domingo, 9 de maio de 2021

Parada (Parade) 1974

O público reúne-se num grande salão de circo (apesar do cenário ainda estar a ser montado na altura que eles chegam), e são recebidos por Tati, o Mestre de Cerimónias). Com as performances a sucederem-se uma após outra, a linha entre público e performer começa a quebrar... 
No seu último filme, Jacques Tati leva a câmera para o circo, onde o próprio realizador serve como mestre de cerimónias. Embora inclua muitos espectáculos, incluindo palhaços, malabaristas, acrobatas, contorcionistas, e muito mais, "Parade" também incide sobre os espectadores, tornando este trabalho despojado um testemunho para a comunhão entre as audiências e o entretimento. Criado para a televisão sueca, com o lendário director de fotografia de Ingmar Bergman, Gunnar Fischer, na fotografia do filme, "Parade" marca um tocante final de uma carreira brilhante, que lembra as origens do realizador, como mímico e actor de teatro.
"Parade" foi exibido no Festival de Cannes de 1974, fora de competição.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

A Rainha Diaba (A Rainha Diaba) 1974

Do quarto dos fundos de um bordel, o bandido conhecido como Rainha Diaba controla a distribuição de drogas na cidade. Ao saber que um de seus homens está prestes a ser preso, resolve fabricar um novo bandido para enganar a polícia.
"A Raínha Diaba" é o segundo filme de António Carlos da Fontoura, seis anos anos depois do sucesso de crítica e bilheteira "Copacabana Me Engana", e fazia uma mudança total de tema e estilo visual, é sobre uma traficante do submundo do Rio de Janeiro, interpretada por Milton Gonçalves, e que por acaso é negra, gay, poderosa, vingativa e extremamente violenta. 
Foi um dos primeiros filmes brasileiros a lidar, num estilo expressionista e não realista, com a então niva realidade do trafico de droga organizado em larga escala, nas favelas do Rio de Janeiro, a caminho do que se iria tornar o negócio incrivelmente sangrento e violento que é hoje. O aspecto mais marcante é mesmo o tratamento visual com as suas cores gritantes, mas não podemos esquecer dos cenários e figurinos alucinantes de Ângelo de Aquino. 
O filme foi exibido na Quinzena dos realizadores do Festival de Cannes de 1974, e fez também muito sucesso no circuito dos festivais.

terça-feira, 4 de maio de 2021

O Vigilante (The Conversation) 1974

Como convém a um filme sobre um especialista em escutas e vigilância, The Conversation, de Francis Ford Coppola é impulsionado pela sua banda-sonora, pelas complexas intersecções das gravações, a música jazz e a sobreposição de diálogo. O vigilante Harry Caul (Gene Hackman) é um homem solitário e paranóico, um profissional consumado que constrói o seu próprio equipamento e guarda zelosamente os segredos de toda a gente à sua volta, incluindo o seu parceiro de longa data Stan (John Cazale) e a sua amante, Amy (Teri Garr). A vida solitária, mas estável, de Harry, é interrompida quando se envolve mais do que o normal num caso mais recente, em que um empresário pediu a Harry e à sua equipa para gravarem uma conversa entre um jovem casal num local público. O casal, Mark (Frederic Forrest) e Ann (Cindy Williams), estão cientes de que estão a ser observados, então vão para um parque público com movimento a meio do dia, andando em círculos sem fim no meio da multidão, acreditando que isso fará com que seja impossível registrar o que estão a dizer. Para Harry, isto é acima de tudo um desafio profissional, e que, inicialmente, gostou da dificuldade da tarefa que lhe foi dada. Está orgulhoso das suas habilidades, e sabe que é, possivelmente, o único homem no ramo que poderia fazer este trabalho. 
A introdução do filme centra-se, assim, nas habilidades técnicas de Harry, e Coppola corta, secamente, para a frente e para trás, os homens de vigilância nos seus vários esconderijos, enquanto o casal anda conversando. Ouvimos trechos da conversa, por vezes cristalina, por vezes altamente processada ​​ou interrompida por outros ruídos. A banda sonora reflecte as tentativas dos homens de vigilância para montar uma fita coerente, acompanhando o casal com três microfones diferentes. O casal fala sobre coisas aparentemente inofensivas: presentes de Natal, os sem-abrigo, ficando aborrecidos de andar em círculos. Este diálogo básico vai voltar novamente e novamente durante todo o filme, com novos detalhes a serem preenchidos e novos trechos do diálogo que está a ser ouvido, enquanto Harry trabalha nas fitas e descobre novas nuances no som. De cada vez que ele ouve a gravação, parece ouvir algo novo, e como novos detalhes são revelados, os anteriores assumem novos significados. Noutras vezes, uma simples frase pode significar várias coisas diferentes, com base no contexto em que ela foi dita, o tom exacto da voz por trás dela. O áudio e as imagens do casal que muitas vezes acompanham esta gravação, formam a base estrutural para o filme, como Harry começa a investir mais e mais emocionalmente no significado para esta gravação. 
O final extenso acaba por ser uma reversão pura e irónica do que nós (e Harry) assumimos que estava a acontecer. Um pedaço crucial da gravação é repetido, uma última vez, e desta vez uma pequena mudança de ênfase numa palavra muda completamente o significado do que está a ser dito. É uma última lembrança sobre a importância das palavras, do quanto elas podem alterar o significado e a intenção de uma única palavra, uma única sílaba, de quanta informação pode ser codificada no áudio mais aparentemente inócuo. Uma palavra, pronunciada de forma ligeiramente diferente, faz toda a diferença entre a inocência e a culpa, entre o assassino e a vítima. É neste tipo de pequeno efeito, surpreendente que faz com que o filme de Coppola, tão poderoso como tenso, um filme onde a banda sonora sonora é pelo menos tão importante, e provavelmente até mais importante do que, as imagens metódicas, cuidadosamente compostas.

domingo, 2 de maio de 2021

As Mil e Uma Noites (Il Fiore Delle Mille e una Notte) 1974

Neste filme inspirado nos contos antigos, eróticos e misteriosos do Médio Oriente, a história principal fala de um jovem inocente que se apaixona por uma escrava que o escolheu para seu dono. Depois do seu erro imprudente ter causado a sua separação, ele viaja à procura dela. Outros viajantes que contam as suas experiências trágicas e românticas, falam de histórias como a de um jovem que fica extasiado por uma mulher misteriosa no dia do seu casamento e de um homem que está determinado a libertar uma mulher do demónio.
O terceiro e último filme da chamada "Trilogia da Vida" de Pier Paolo Pasolini, adaptado de alguns dos contos mais eróticos da colecção de contos árabes "Mil e uma Noites", difere muito dos anteriores da série, também eles adaptados de coleções de histórias canónicas. De certa forma, este terceiro filme mistura os temas dos filmes anteriores, "Decameron" e "Os Contos de Caterbury", mantendo um pouco o humor obsceno e a liberdade sexual do primeiro, enquanto que lhe acrescenta alguns dos tons mais sombrios do segundo, a sexualidade é contrabalançada com personagens a serem crucificadas, desmembradas e castradas. O filme também carece de uma figura central, enquanto que nos outros é a personagem de Pasolini que unifica todas as histórias. 
Pasolini recrutou um grupo de actores jovens com pouco experiência, e juntos percorreram exteriores espectaculares (na Etiópia, Irão, Nepal), e aparentemente escolhendo talentos locais para preencher o resto do elenco. O segundo filme desta trilogia tinha ganho o Urso de Ouro em Berlin, e agora estava na altura de lutar por Cannes.