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segunda-feira, 11 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Os Melhores Anos das Nossas Vidas”, de William Wyler

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O último convidado é Filipa Gambino, que escolheu Os Melhores Anos das Nossas Vidas de William Wyler.

Sinopse: Filme dramático norte-americano realizado em 1946 por William Wyler, The Best Years of Our Lives foi interpretado por Myrna Loy, Fredric March, Dana Andrews, Harold Russell, Teresa Wright e Virginia Mayo, entre outros. O argumento foi escrito por Robert E. Sherwood, baseando-se no livro Glory For Me, de MacKinlay Kantor. Tratando-se de um clássico sobre o regresso a casa, depois da guerra, e as dificuldades de adaptação à nova vida civil, o filme centra-se em três homens: Al Stephenson (Fredric March), Fred Derry (Dana Andrews) e Homer Parrish (Harold Russell). Os três regressam a casa juntos, atormentados pelas memórias recentes da guerra e com dúvidas acerca do seu futuro. Quando chegam, seguem diferentes caminhos. O marinheiro Homer regressa a casa sem mãos, Al regressa para a sua esposa Milly (Myrna Loy), filhos e o antigo emprego num banco, e Fred encontra uma mulher que praticamente o abandonou e não tem perspetivas de trabalho.

Em jeito de conclusão, escreve-nos que “o ecletismo deste ciclo (de uma maneira pouco premeditada já que a curadoria foi distribuída por tantas pessoas quantos os filmes que por aqui passaram) acabou, de certa forma, por reflectir os vários estágios pelos quais passámos durante esta quarentena. O terror do vírus desconhecido em Cassandra Crossing, ou da peste em A Máscara da Morte Vermelha, ou da cólera em 7 Mulheres; a estranheza da impossibilidade de sair do confinamento em O Anjo Exterminador, a necessidade de evasão em E.T. - O Extraterrestre ou Querido Diário, os dramas familiares como Spencer’s Mountain ou O Túmulo dos Pirilampos e tantos outros e tão bons onde pudemos encontrar paralelos com a situação em que nos encontramos. 
Escolhi Os Melhores Anos das Nossas Vidas porque descobri nele ecos para as perguntas que me invadem agora o pensamento, nesta fase de desconfinamento: vamos encontrar o mundo ainda como o deixámos? Haverá lugar nele para nós? Saberemos/poderemos ainda abraçar os que amamos? Terá o pior já passado? Tudo perguntas que atormentam estes 3 veteranos de guerra que Wyler acompanha no regresso a casa. 
Ao longo do filme o desconforto é palpável, o desajustamento destes homens às realidades às quais regressam quase que nos fere. No entanto, ou por isso mesmo, está cheio de vida e beleza. Particularmente marcantes os momentos em que Wyler recorre à profundidade de campo como forma de contar as histórias dos três homens ao mesmo tempo. Acontece no bar onde os três amigos se costumam encontrar mais que uma vez (Fred, no fundo, ao telefone com Peggy), acontece no magistral plano final: toda a força do poder redentor do amor numa única imagem. 
Esperemos que seja também esse poder redentor do amor a salvar-nos agora e que os melhores anos das nossas vidas estejam, afinal, ainda por viver.”

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domingo, 10 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Adventure in Hapiness Street”, de Jacques Tourneur

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O quadragésimo convidado é o crítico e programador de cinema norte-americano Andy Rector, que escolheu Adventure in Happiness Street, episódio da série de televisão “The Barbara Stanwyck Show” realizado por Jacques Tourneur em 1961.

Sinopse: Josephine acha que consegue ajudar o Dr. Paul Harris a arranjar medicamentos para a sua clínica usando apenas os seus contactos comerciais.

Robert Culp, que aparece neste episódio, contou uma pequena história de rodagem à Television Academy Foundation, dizendo que fez “um programa de meia-hora, o “Barbara Stanwyck Theater” [nota: “The Barbara Stanwyck Show”] – e lembro-me, sabe, de ficar arrebatado com a ideia de trabalhar com Barbara Stanwyck. Fui para o plateau, logo, e esta mulher era famosa por saber os primeiros nomes de cada tipo, dos gajos lá de cima, de toda a gente atrás das câmaras, do tipo que limpava o chão, e chamava-os a todos pelo primeiro nome todas as manhãs. Toda a gente simplesmente adorava esta mulher. Bom, eu entrei em cena com ela pela primeira vez, para ensaiar, olhei para ela e ela devolveu-me o olhar. Nessa altura ela não estava casada. Eu estava muito casado. E aquela coisa aconteceu como se se estivesse de pé a abanar uma bandeira. E eu pensei, “Oh, meu Deus.” E não sei quão mais velha que eu ela era, não faço ideia, mas está a ver, isso é um momento que não se esquece, nunca, a vida toda.” 
Situando a sua escolha no ciclo e nos tempos que vivemos, Andy Rector disse-nos, “Olhem para este filme. É a armadilha em que estamos todos até hoje! E como na nossa era, não há solução que se encontre; temos de ser nós próprios a produzi-la, ou sair para morrer na rua. Este episódio de televisão chegou-nos numa cópia sem os últimos dois minutos, isto é, sem o monólogo final típico de cada episódio e dito pela anfitriã Barbara Stanwyck para reconciliar o que vimos.” 
O filme não tem legendas,

Amanhã, a escolha de Filipa Gambino.

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sábado, 9 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Themroc", de Claude Faraldo

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo nono convidado é o músico Adolfo Luxúria Canibal, que escolheu Themroc de Claude Faraldo, dizendo-nos «o confinamento ou a libertação da vida.»

Sinopse: Retrata a revolta de um trabalhador contra o quotidiano de miséria a que se encontra submetido. O seu despertar leva-o à procura do fruir dos instintos mais primitivos reprimidos pela domesticação da sociedade industrial, e ao repelir das instituições causadoras dessa repressão. Sem linguagem conceptual durante todo o filme, uma obra prima de crítica à civilização.

Numa entrevista de 2005 ao jornal L'Humanité, e quando lhe perguntaram qual achava ser o seu lugar no cinema francês, Faraldo disse que “em lado nenhum. Eu não conhecia o cinema. Não era cineasta nem sequer cinéfilo. Tinha visto alguns filmes, e é tudo. Nunca me tinha aproximado de uma câmara e nem sequer sabia que se podiam mudar as ópticas. Era uma época diferente da sociedade e talvez do cinema. Era apenas motorista de entregas, o que é contado em Bof, filme que podia mentir mas não mente. 
“Bof foi tirado dos cinemas e Langlois passou-o na Cinemateca. Descobri esse senhor gordo que parecia conhecer e amar o cinema. Apresentou-me a umas pessoas. É preciso dizer que eu era contra o parisianismo. Em minha casa, éramos comunistas, adorávamos Montand e Aragon. Os outros todos eram intelectuais que falavam. O cinema não era razoável. Com Themroc, quis fazer um filme que valesse e por si só e não trouxesse analogia nenhuma, é por isso que não há lá linguagem nenhuma. Nunca senti que tivesse um lugar no cinema.”

Amanhã, a escolha de Andy Rector.

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sexta-feira, 8 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Céline et Julie vont en Bateau", de Jacques Rivette

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo oitavo convidado é a cineasta Sílvia das Fadas, que escolheu Céline et Julie vont en Bateau do misterioso cineasta francês Jacques Rivette, comentando simplesmente: «Para uma explosão de alegria incandescente.»

Sinopse: Viagem ao "outro lado do espelho" em que Julie é o Coelho Branco que leva Céline (Alice) para o seu mundo fantástico de magia e histórias rocambolescas. A frescura, a irreverência e o sonho (e a memória dos grandes "serials" americanos) no mais acessível e divertido filme de Rivette.

Em Sexual Politics and Narrative Film, Robin Wood disserta sobre esta obra de Rivette, escrevendo que “os créditos atribuem o argumento a Juliet Berto (Céline), Dominique Labourier (Julie), Bulle Ogier, Marie-France Pisier e, finalmente, Rivette, "em diálogo com" Eduardo di Gregorio; as mulheres trabalharam os seus próprios papéis e determinaram todo o progresso do filme, com Rivette a fornecer apenas um ponto de partida sugerido. Com Berto e Labourier em particular, a distinção entre actor e personagem é continuamente ofuscada: temos muitas vezes a impressão que Céline e Julie estão a construir o filme das suas imaginações, enquanto avança. Em lugar do tradicional progresso de leitura através do qual se decifra um trabalho previamente construído para se poder chegar e partilhar da posição privilegiada de conhecimento do autor, aqui partilha-se, a um grau invulgar, do processo de construção, tornando-se a divisão entre isso e o processo de leitura mais estreita do que em qualquer filme de ficção anterior em que consiga pensar. Ao mesmo tempo, o processo de leitura tradicional é levado a primeiro plano com as tentativas de Celine e Julie em decifrar a história dentro da "Casa de Ficção," vivenciadas inicialmente em fragmentos tentadores: elas tornam-se as leitoras de um romance, espectadoras numa peça, o público numa sala de cinema (debatendo, a dada altura, se deveria ou não haver um intervalo, e decidindo contra)—mas os leitores/espectadores que recebem miraculosamente o poder de entrar na ficção, intervêm na acção, e mudam o desenlace predeterminado.” 

Amanhã, a escolha de Adolfo Luxúria Canibal.

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quinta-feira, 7 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Os Passaros", de Alfred Hitchcock

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo sétimo convidado é o programador Francisco Rocha, autor do blog My Two Thousand Movies, que justifica abaixo a escolha de uma das máximas obras-primas do mestre Hitchcock:

Sinopse: Um dos maiores êxitos públicos de Hitchcock e uma das suas obras mais perfeitas. Adaptado de um conto de Daphne du Maurier, THE BIRDS segue a personagem de Tippi Hedren na ida à cidade costeira de Bodega Bay e ao encontro de uma estranha revolta de aves que começam a atacar as pessoas. Como estrelas dos efeitos especiais deste filme, elaboradas miniaturas de pássaros, que foram combinadas com pinturas e uso de retroprojeção.

Francisco Rocha: «O homem luta entre si praticamente desde que existe, com a sobrevivência da humanidade a ser muitas vezes posta à prova no meio dessas guerras. Nunca levou muito a sério o seu inimigo mais natural, a natureza. Temos o exemplo da pandemia que estamos a atravessar, e também foi assim no filme de Alfred Hitchcock, “Os Pássaros”, de 1963, onde várias espécies de pássaros de uma pequena comunidade começam a atacar os humanos sem razão aparente. 
Revi “The Birds” algures a meio de Abril, quando a pandemia já ia bem desenvolvida. Na altura, já era uma forte ameaça e uma verdadeira incógnita sem resolução à vista. O inimigo invisível avançava a uma velocidade avassaladora e ameaçava chegar à nossa porta rapidamente. No filme de Hitchcock o inimigo não é invisível, mas é uma força que não temos capacidade de compreender, nem de destruir, e chegamos ao fim sem saber o que realmente transformou os pássaros em criaturas assassinas. Provavelmente vai acontecer o mesmo com este vírus, apareceu e vai desaparecer, deixando muitas questões sem resposta. 
Apesar de mais de 50 anos separarem o filme da realidade que vivemos, temos vários pontos em comum. Um deles é, por exemplo, a personagem interpretada por Tippi Hedren, uma socialite rica que viaja até à pequena comunidade de Bodega Bay, na tentativa de pregar uma partida ao homem que a insultou. A certa altura, depois dos pássaros darem início aos ataques de forma organizada, os habitantes desta comunidade começam a duvidar desta personagem, como se ela pudesse estar no centro de todos os acontecimentos (tudo começou com ela e ela está sempre presente). Na actualidade existe uma situação parecida. Ninguém sabe nada sobre as raízes do vírus, por enquanto não passam de suposições, mas no entanto já meio mundo aponta o dedo para a China, que é a Tippi Hedren desta realidade. Hitchcock também deixa a dúvida a pairar no ar, se Hedren tem alguma coisa ou não a ver com os ataques. 
“The Birds” é um filme muito actual, mesmo que já o tenham visto, está na altura ideal para o reverem e, por certo, irão encontrar mais pontos em comum com o nosso mundo de 2020.»

Amanhã, a escolha de Silvia das Fadas

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quarta-feira, 6 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Uma Vida Inteira”, de john Ford

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo sexto convidado é o historiador de cinema Tag Gallagher, autor do monumental volume sobre John Ford intitulado John Ford: The Man and His Films, e que escolheu The Long Gray Line, pois, como começou por dizer: «Bem, nunca pode haver Ford demais, por isso escolho “The Long Gray Line”»

Sinopse: Homenagem de John Ford ao Exército, evocando a mais célebre instituição para a formação de oficiais, a Academia de West Point. Centra-se na história de “Marty” Maher, treinador na Academia e da sua relação com cadetes que se tornarão famosos, como Eisenhower (interpretado por Harry Carey Jr). Um dos melhores trabalhos de Tyrone Power e Maureen O’Hara em estado de graça.

O crítico e argumentista Frank S. Nugent escreveu no livro colectivo John Ford Made Westerns que “John Ford é um homem grande e bamboleante com um rosto enrugado, cabelo ruivo que enfraqueceu com os anos, um feitio que não enfraqueceu, e um dom para fazer filmes que lembra de forma desconfortável a Hollywood que os filmes não são apenas uma indústria, mas uma arte. Entre os conhecedores de cinema, é considerado um dos maiores realizadores que já viveram; alguns chamam-no o maior. Ganhou três Óscares da Academia pessoalmente endereçados—entre os realizadores, só Frank Capra tem tantos como ele—e é o vencedor inigualável por quatro vezes dos prémios anuais da Associação de Críticos de Nova Iorque para realização. Ford tem orgulho dos seus troféus, mesmo sem nunca ter aparecido nos jantares da Academia ou nas transmissões dos críticos para os aceitar. Odeia publicidade.” 
Em entrevista a Jean Mitry para a revista Cinémonde, em 1955, e quando o francês lhe pergunta quais são os filmes preferidos entre os que fez, John Ford contra-ataca com a sua humildade mordaz, dizendo “os meus filmes preferidos? Bah! Não sei. Diz que fiz bons filmes, acredito em si. Não sabia que as pessoas estavam tão interessadas no meu trabalho, em França. Fico encantado, mesmo assim. Bom! Digamos The Long Voyage Home, Stagecoach, The Informer. The Sun Shines Bright também e o meu último, The Long Gray Line. Acho que é um dos melhores. Vai ver.” 

Amanhã, a escolha de Francisco Rocha.

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terça-feira, 5 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Três na Rua Mechtchanskaya", de Abram Room

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo quinto convidado é a realizadora Rita Azevedo Gomes, que escolheu Três na Rua Meshchsanskaya de Abram Room.

Sinopse: Esta atrevida farsa russa é uma fascinante curiosidade, atípica em relação ao cinema de propaganda da altura, e bem à frente do seu tempo no tratamento a sexo e género. Os três intérpretes principais têm grandes interpretações, com destaque para Lyudmila Semyonova num papel feminino altamente progressista para a altura. O filme também beneficia de um trabalho de câmara inventivo, produzindo uma visão realista da década de 20 em Moscovo e dos seus habitantes.
Era o quarto filme de Abram Room, e ganhou fama por ter sido banido (e elogiado) nos dois continentes. Tal como outros dos primeiros realizadores do cinema soviético, chegou a esta área depois de um caminho sinuoso. Era um médico especializado em psiquiatria e neurologia, que serviu como oficial do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa, que se deu depois das revoluções de 1917. Originalmente da Lituânia, Room decidiu ficar em Moscovo depois da desmobilização e começou a trabalhar no Teatro da Revolução.

Num capítulo de Kino and the Woman Question, Judith Alley escreve que “Três na Rua Meshchanskaya é diferente da maior parte dos filmes considerados “clássicos” do cinema mudo soviético tanto pelo seu tema como pelo seu estilo. Um crítico da Close-Up descreveu o filme como caracterizado por “cortes descuidados, continuidade não relacionada, por todos os erros que o amador pode cometer.” O crítico continua: “E no entanto aqui estava um filme que nos prendia e tinha génio. A própria irregularidade concedia-lhe um poder acrescentado; quase se podia dizer que criou uma nova técnica.” 
“O filme conta a história de uma mulher, Liudmilla, cuja vida é definida pelo pequeno apartamento de um quarto em que passa os dias. O marido dela, Kolia, um supervisor de construção, convida um velho amigo, um estampador, a partilhar o apartamento deles. O amigo, Volodia, chegou recentemente a Moscovo e não consegue encontrar um quarto devido à crise de habitação.”
 Justificando a sua escolha, Rita Azevedo Gomes disse-nos que é «uma recentíssima descoberta, este filme, Três na Rua Meshchanskaya, fascinou-me não tanto pela urgência em abordar, no contexto social da União Soviética dos anos 20, temas como o amor, o casamento, a moralidade sexual, mas pela maneira como tudo se condensa e encerra num pequeno espaço, uma cave nos subúrbios de Moscovo. Sublime a economia estética da imagem; cada plano, detalhe, olhar, cada reflexo, aproxima-nos com enorme delicadeza da densidade interior dos três personagens e da sua fragilidade, sustentada pelo espantoso trabalho dos actores.» 

Amanhã, a escolha de Tag Gallagher.

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segunda-feira, 4 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Mãe!”, de Darren Aronofsky

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo quarto convidado é o artista Zina Caramelo, que escolheu Mãe! de Darren Aronofsky.

Sinopse: Um casal vive numa casa isolada onde ele, um poeta em crise de inspiração, viveu toda a sua infância. Ela, decidida a transformar aquele lugar num lar, remodela cada espaço com amor e dedicação. Certa noite, são visitados por um estranho que diz ser médico. O marido decide acolhê-lo. Depois chega a mulher do médico e, mais tarde, os dois filhos de ambos. A presença daqueles estranhos hóspedes depressa começa a tomar conta de toda a casa, possuindo-a e deixando a proprietária com uma sensação de terror que parece ir tomando, a cada dia, proporções cada vez maiores….

No seguimento da má recepção deste filme de Darren Aronofsky, Martin Scorsese veio em sua defesa e escreveu que “antes de chegar a ver Mãe!, estava extremamente perturbado com todos os julgamentos severos que lhe fizeram. Muitas pessoas pareciam querer definir o filme, catalogá-lo, achá-lo imperfeito e condená-lo. E muitos pareciam ficar contentes com o facto de ter recebido uma classificação de “F” do Cinemascore. Isto tornou-se mesmo uma notícia — Mãe! tinha sido "esbofeteado" com a "temida" classificação de “F” do Cinemascore, uma distinção terrível que partilha com filmes realizados por Robert Altman, Jane Campion, William Friedkin e Steven Soderbergh. 
“Depois de ter a oportunidade de ver Mãe!, ainda fiquei mais perturbado com esta pressa para julgar, e foi por isso que quis partilhar as minhas reflexões. As pessoas pareciam querer sangue, só porque o filme não podia ser facilmente definido ou interpretado ou reduzido a uma descrição de duas palavras. É um filme de terror, ou uma comédia negra, ou uma alegoria bíblica, ou uma fábula admonitória sobre a devastação moral e ambiental? Talvez um pouco de tudo o que se referiu anteriormente, mas certamente não apenas uma dessas categorias arrumadas.” 

Amanhã, a escolha de Rita Azevedo Gomes. 

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domingo, 3 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "O Deserto dos Tártaros", de Valerio Zurlini

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo terceiro convidado é o grande cineasta português, verdadeiramente português, Manuel Mozos, que escolheu O Deserto dos Tártaros de Valerio Zurlini.

Sinopse: No meio do deserto, dentro de um forte, um grupo de soldados espera por um inimigo que tarda em chegar. Soldados e oficiais sobrevivem de forma honrada, tentando respeitar as regras. Mas os dias, os meses, os anos passam e absolutamente nada acontece. Sentindo-se espiritualmente encarcerado, o jovem tenente Drogo (Jacques Perrin) tenta obter um atestado médico que o isente da sua nova posição. Mas o seu pedido é recusado e Drogo não tem outro remédio senão adaptar-se a uma vida solitária e, a seu ver, claustrofóbica e inútil. Baseado no romance homónimo de Dino Buzzati, "O Deserto dos Tártaros" foi considerado o melhor filme do ano nos Prémios David di Donatello e valeu a Valerio Zurlini o Prémio David para melhor realizador. Com música de Ennio Morricone, autor das bandas sonoras de títulos como "Era Uma Vez na América" (1984), "Os Intocáveis" (1987), "Cinema Paraíso" (1989), "Lobo" (1994) e "A Lenda de 1900" (1998).

Sobre o deserto, Zurlini escreveu a páginas tantas de Pagine di un diario veneziano que “houve um hábito antigo e apaixonado de outras viagens para outras terras que me ligou com uma atracção invencível ao deserto como a um espaço de liberdade incontaminada que me era secretamente agradável e no qual nunca me conseguia sentir sozinho. […] É lindo imergir na sua solidão não ameaçadora que não nos acolhe mas também não nos rejeita, perdermo-nos na sua imensidão indiferente até ao cair da primeira escuridão, descobrir a fantasia de uma vegetação petrificada milenar, encontrar esqueletos alisados pelo sol ou os poucos animais antediluvianos que o habitam sem o pesadelo da sede: cancelar as dimensões do tempo numa calma profundíssima que acalma suavemente todas as inquietudes no coração.” 
Falando-nos sobre a sua escolha, Manuel Mozos disse que «este é o último filme de Valerio Zurlini, um cineasta de que gosto particularmente, muitas vezes ignorado ou posto de lado. Não existe acção neste filme, apenas um grupo de soldados perdidos num deserto, num sítio que nem sequer é claro, à espera que aconteça algo que mude as suas vidas. O filme é só essa espera. E é isso que eu acho fantástico.» 

Amanhã, a escolha de Zina Caramelo. 

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sábado, 2 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “A Morte Espera no 322”, de Richard Quine

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo segundo convidado é a escritora e cinéfila Ana Teresa Pereira, que confessou a paixão por Kim Novak e as relações com Hitchcock, oferecendo-nos o texto abaixo.

Sinopse: O polícia honesto Paul Sheridan é incumbido de recuperar 200 mil dólares roubados de um banco. Ele e os seus outros colegas mantêm vigilância de 24 horas sobre Lona McLane, namorada de um dos assaltantes. Sheridan acaba por se apaixonar por Lona, que, quando descobre que ele é um polícia, tenta persuadi-lo a matar Harry Wheeler, de forma que os dois possam ficar com o dinheiro. No início, ele resiste, mas com o tempo concorda. Após o assassinato, Sheridan percebe que também tem de trair seu colega detective Paddy Dolan e enganar seu parceiro Rick McAllister e seu chefe Tenente Eckstrom e não deixar pistas. Quase toda a acção se passa à noite no apartamento em forma de U, onde Lona e uma testemunha chave, a vizinha Ann Stewart, vivem.


THE LITTLE BLACK DRESS 
ANA TERESA PEREIRA 


«Would it make any sense if I told you it’s never happened before?» 
«Maybe.» 
(“Pushover”) 

«Will you tell me something? Has this ever happened to you before?» 
«What?» 
«Falling… into San Francisco Bay.» 
(“Vertigo”) 


A rapariga é a mesma: Kim Novak. Os homens são Fred MacMurray e James Stewart. Para quem conhece “Vertigo”, ver “Pushover” pela primeira vez pode ser inquietante. Há elementos familiares: partes do diálogo, movimentos de câmara, cenas inteiras (Kim Novak a conduzir o automóvel e a parar junto à casa do homem que a persegue); o vestido preto que Scottie força Judy a usar quando tenta transformá-la em Madeleine (e que supostamente Hitchcock imaginara para Vera Miles), é o vestido preto de Lona em “Pushover”. Nas suas entrevistas com Truffaut, Hitch menciona o facto de Judy não usar soutien quando Scottie a encontra. No primeiro encontro de Lona e Paul, Quine filma-a de modo a tornar isso evidente.
“Pushover” foi o primeiro filme de Kim Novak. Foi também o princípio da sua história de amor com Richard Quine. Fizeram vários filmes juntos; o último e talvez o mais belo é “Strangers When We Meet” (a casa que, no filme, Kirk Douglas está a construir, era a casa que Quine ia oferecer a Kim). Quase nada no romance de Bill S. Ballinger, que inspirou o argumento de Roy Huggins, sugere a personagem de Lona no filme. Lona não é uma “femme fatale”; ela precisa de dinheiro (as pessoas são sujas, o dinheiro não) porque precisa de segurança. A forma como Quine a filma torna-a enternecedora, quase pura: uma rapariga apaixonada.
Hitchcock detestava Kim Novak. Mas a irrealidade de Madeleine, a presença carnal de Judy, não revelam isso. A câmara segue a actriz apaixonadamente, como a seguira três anos antes em “Pushover”. Esse foi um dos golpes de génio de Hitchcock. Filmar a actriz como um homem que a amava.

Amanhã a escolha de Manuel Mozos

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sexta-feira, 1 de maio de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Stromboli", de Roberto Rossellini

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo primeiro convidado é a realizadora e programadora Inês Sapeta Dias, que propôs Stromboli, o famoso filme de Rossellini, o que a levou a dispensar apresentações.

Sinopse: O primeiro filme de Rossellini com Ingrid Bergman (que “partiu de UNDER CAPRICORN para STROMBOLI”) marcou uma viragem importante no percurso do realizador e no da atriz. À época, Eric Rohmer comentou assim o filme: “STROMBOLI, grande filme cristão, é a história de uma pecadora tocada pela graça. (…) O autor de STROMBOLI bem sabe a importância que a sua arte pode dar aos objetos, ao lugar, aos elementos naturais do cenário. Dominando o poder que lhes confere, Rossellini faz deles os instrumentos da sua expressão, o molde de onde sairão os gestos e mesmo os impulsos dos atores”. Por muitas razões, uma das mais extraordinárias experiências em toda a história do cinema. “Este filme, duma beleza alucinante, é um filme sobre o cosmos. […] STROMBOLI é o poema da criação” (João Bénard da Costa).

No entanto, e continuando a sinopse, ficam mais algumas palavras de João Bénard da Costa: «Para se perceber os hasards deste filme tem que se começar pelo primeiro: Ingrid Bergman. A história é muito conhecida, Ingrid contou-a em pormenor nas suas célebres memórias (“My Life”), Rossellini também, e por isso a vou resumir. Foi por acaso – segundo ela jurou – que Ingrid Bergman, em 1948 a mais famosa e bem paga vedeta do mundo (é célebre a anedota hollywoodiana que refere como lugar-comum das conversas dos anos 40 “hoje vi um filme sem Ingrid Bergman”) entrou numa sala de cinema, para ver um filme de que nunca tinha ouvido falar: Roma, Città Aperta. O que viu maravilhou-a, pois que – Ingrid dixit – “nunca na minha vida tinha visto um filme assim, nem imaginava que os pudesse haver”. Voltou e voltou ao cineminha de bairro que projectava o filme de Rossellini, já “velho” de três anos. E amadureceu a decisão: escrever uma carta a Roberto Rossellini – Cinecittá – Roma – Itália, oferecendo-se para trabalhar com ele, fossem quais fossem as condições.
Este simples acontecimento marca uma revolução na história do cinema e na história de Hollywood. A mais célebre das stars – em percurso inverso ao de Greta Garbo, Marlene Dietrich, Vivien Leigh ou tantas outras – estava disposta a trocar a capital do cinema pela Europa e – mais do que isso – achava que se faziam melhores filmes na Europa do que em Hollywood. Vinte anos antes, Louise Brooks achara o mesmo e trocara Hollywood pela Lulu de Pabst. Mas este teve que insistir e Louise era um “bicho” muito raro e muito rebelde (aliás, pagou com a carreira essa rebeldia). Além disso, o cinema alemão de 28 tinha reputação comparável ao americano que, por isso mesmo, lhe roubou, um a um, todos os grandes (Lubitsch, Murnau, Leni, Jannings, Marlene e dezenas de outros). Ingrid Bergman era tudo menos rebelde (ou não tinha imagem de o ser), estava instalada em pleno star system (no alto do firmamento) e a crítica americana tratava sobranceiramente o incipiente cinema italiano dito “neo-realista”. Que o símbolo de Hollywood caísse aos pés do símbolo do neo-realismo (Roma, não Rossellini) é que era a revolução de que falei.
A carta de Ingrid chegou às mãos de Rossellini a 8 de Maio de 1948, dia em que o realizador festejava o seu 42º aniversário. Apesar do prestígio de Rossellini na Europa, apesar do êxito de filmes como Roma ou Paisà, o cineasta não acreditou no que lia. E julgou tratar-se de uma brincadeira de alguém decidido a ver até onde chegava a mania das grandezas dele. Nem respondeu.
Mas Ingrid insistiu e Rossellini acreditou mesmo. Foi até à América. Quando os estúdios perceberam o que se podia passar, usaram o velho ditado que manda juntarmo-nos aos que não podem ser vencidos. Roberto podia dirigir Ingrid mas em Hollywood, num filme aprovado por Hollywood. Isso era exactamente o que nem um nem outro queriam. E, em 49, sem dizer água vai (ou disse-o de outra maneira) Ingrid Bergman voou de Londres, onde filmara sob a direcção de Hitchcock Under Capricorn (que detestou) para aterrar em Roma e daí partir para a Ilha de Stromboli para filmar em décors naturais (o que jamais lhe havia sucedido) uma história escrita por muitos e mais ou menos em borrão.
O resto é conhecido. Ingrid apaixonou-se também por Rossellini e começou a viver com ele, ainda formalmente casada com o médico sueco que fora o seu primeiro marido. A escandaleira que isso deu só em parte foi ditada pelo romance heterodoxo (muitos houve antes, que os estúdios calavam, como tantos outros). A grande razão é que Hollywood não perdoou essa fuga e resolveu ter muito menos fair play do que teve – ao que parece – o marido “enganado”. Era preciso que Ingrid fosse esmagada e que o filme fosse um fiasco.
Quando Stromboli se estreou (distribuído pela RKO) e amputado e remontado, houve o fiasco. “When things get dull, they throw in a little sex” escreveu um reputado crítico americano da época. A frase valia mais para o que Hollywood fizera do que para o filme (com muito pouco sexo) e que não era o “20 minute travelogue of Stromboli in an 89 minute film”, como também se escreveu. E Bosley Crowther no “New York Times” advertia os leitores que “the much discussed Stromboli is neither good Bergman, good Rossellini, nor good anything”. E muitos anos passaram até que alguns happy few descobrissem a beleza desta obra, muitos anos avançada em relação à sua época, e que, ainda por cima, nada tinha de “neo-realista” no sentido usual do termo.
Mas um dos aspectos mais curiosos deste filme – para mim – é ver como Ingrid Bergman – menos “maquilhada” do que nunca, e jamais o fora muito – sem actores a seu lado capazes de lhe darem réplica (Mario Vitale ou Renzo Cesana, eram actores de secundaríssimo plano) e rodeada de povo, povo (não actores) manteve uma imagem que, para mim, é já a dos seus filmes de Hollywood. Sempre ela me pareceu como tanto escrevi (e pensem em Intermezzo, em Gaslight, em Spellbound, em Notorious ou em Under Capricorn) a permanente estrangeira que misturava à sua doçura a capacidade de ser a misteriosa detonadora das forças do mal. Parecia atrair masoquisticamente esse mal que chegava mais para desgraça dela do que dos outros. Ora, Stromboli, aparte muitas outras coisas e já lá vou, é isso mesmo: a mulher que vem doutro mundo (o campo de raparigas, a Checoslováquia) e, ao casar com Antonio e entrar em Stromboli, desencadeia não só a hostilidade popular (compreensível face à estrangeira) mas o oculto movimento das forças subterrâneas – acompanhando, imperceptivelmente o que se passa nos subterrâneos dela – até à explosão final, em todos os sentidos da palavra. Paradoxalmente, quando Rossellini julgou revelar ao mundo uma nova Ingrid Bergman, surgiu quanto a mim, o paradigma de tudo quanto Hollywood antes, nela, deixara entrever. E Stromboli é um filme sobre a progressão da auto-destruição de Karin-Ingrid, um filme em que, ao contrário do “nada se passa” que a crítica da época acentuava, tudo se passa no interior de Karin, num processo ditado não por acontecimentos mas por actos, que sinalizam tanto o conflito que opõe Karin ao espaço envolvente, como a metamorfose interior, jamais explicitada, da personagem. Estamos em pleno universo rosselliniano: “universo de actos puros, insignificantes por si próprios, mas preparando, mesmo a despeito de Deus, a súbita e maravilhosa revelação do seu sentido” (Bazin). » 

Amanhã a escolha de Ana Teresa Pereira.

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quinta-feira, 30 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Mest" de Yermek Shinarbayev

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O trigésimo convidado é o crítico de cinema Carlos Natálio, que escolheu este raro filme e se justificou do modo escrito abaixo.

Sinopse: Revenge é um filme soviético de 1989, dirigido por Ermek Shinarbaev e escrito por Anatoli Kim. Foi exibido na seção Un Certain Regard no Festival de Cannes de 1991. O filme foi restaurado em 2010 pela World Cinema Foundation no Laboratório Cineteca di Bologna / L'Immagine Ritrovata e lançado como Revenge. 

Carlos Natálio: "A primeira imagem de “Mest” [“Vingança”, 1989] do cazaque Yermek Shinarbayev é o rosto de uma tartaruga que avança, lentamente, para a câmara. Ouvimos um respirar ou uma espécie de suspiro. Virá do animal? Nunca o saberemos. Instantes depois e vemos um soberano da Dinastia coreana Joseon que pergunta ao seu conselheiro porque se move ela (a tartaruga) sempre na mesma direcção. Vai na direcção do mar, de onde provém. O filme acabará no mar, também. E no entremeio há uma história de uma vingança que mais do que servir-se fria, servir-se-á apurada, destilada pelo destino, como se fosse sendo entregue a prestações, como o lento caminhar resiliente da tartaruga. Mas isto registei apenas agora, com o cuidado de um olhar mais pesado. A primeira vez que vi o filme (já não recordo exactamente quando e em que circunstâncias; teria sido na televisão ou já na internet?; no cinema não foi, isso sei) só fiquei com duas coisas. O brilho e um menino sentado.
 O brilho é fácil de explicar. Desde as primeiras imagens que percebemos que esta é uma obra onde a luz do dia explode nos planos. As pessoas desaparecem na luz intensa do dia, o sol a despejar os seus raios do cimo de uma montanha, o trajecto por um corredor que a manhã faz atravessar pela claridade ou a fluorescência que vem como canhão de cada uma das janelas do exterior para o interior. Em concreto lembrava a foice iluminada - recordemos a queda do bloco soviético, o início da independência do Cazaquistão, não mais do que um par de anos depois da estreia do filme - que é o objecto do crime que dá origem à semente do ódio e da vingança. É uma cena de ouro, literalmente, um ouro que encandeia. Encandeia o julgamento, não sabemos porque o professor resolve matar uma das alunas, e encandeia o espaço, com blocos de luz no dourado das palhas do celeiro, que mais parecem objectos sem substância. Uma espécie de sonho terrível que vai-se a ver e acaba mesmo por ser a realidade. Se este é um filme que passa por várias épocas e espaços - o prólogo no século XVII, a Coreia e depois a China de 1915, a ilha Sacalina, nos anos 30 e 40, ilustrando a convulsão histórica que aquela zona teve entre domínio e influências russas, japonesas, chinesas e subjugação coreana - o mesmo acontece com esse brilho. À medida que a vingança parece aproximar-se da sua substância, os reflexos, as cores vão escurecendo, raiando de sangue e dourado, como se o filme fosse fazendo osmose com o crepúsculo e a tragédia sombria.  
E depois havia esse menino sentado. Durante muito tempo ali estava, inerte. A mãe ia construir-lhe uma protecção de palha para o abrigar da chuva e do sol. O seu pai não tinha conseguido vingar a morte da sua meia-irmã e este engravida, sob sugestão da sua esposa já velha, uma mulher mais nova. O intuito parece simples e maquiavélico: ter um filho que se destine a ter como propósito de vida realizar os desejos vingativos do pai. Esses planos do menino sentado têm um poder existencial e político. Por um lado, pode alguém crescer à espera de crescer? Inerte, num estado de hibernação até poder cumprir o seu desígnio? Por outro lado, e isso vem no filme de Shinarbayev desde o prólogo, as pessoas e as tartarugas têm missões e enquanto não as cumprem habitam a elipse ou, quando muito, a espera. Ou as duas. Algo que parece trazer nas suas linhas e contra linhas um modelo de cooperação social.
Finalmente, este é também um filme sobre a poesia. Ou mais em concreto um filme acerca da tentativa da fuga da poesia, da sua vontade em desentranhar-se da injustiça e da crueldade. Como no prólogo vemos, com um poeta do reino a pedir para sair da corte, ao não conseguir lidar com a execução de um lutador que se deixou ganhar pelo príncipe como sinal da sua submissão e foi por isso castigado. Diz o poeta ao soberano: «a injustiça não é um terreno fértil para a poesia». Mas que poesia poderá haver na vingança? A passagem do tempo parece dizer-nos que com ele tudo passa, e que a poesia ganhará ao sangue derramado. Mas este belo filme da nova vaga cazaque, disseminado que é pelo tempo, pelos espaços, pelas épocas, converte a vingança em ironia do destino. Não apaga a vingança, apenas a subjuga a uma enorme roda da vida. Talvez por isso seja fácil de perceber uma ideia que pessoas que se debruçaram sobre este filme sublinham: a humildade que perpassa na nova vaga cazaque, a colectividade de todo o processo criativo, a pouca relevância de um centramento na figura do autor. Ou como diz o poeta: «não existe verdade a ser encontrada que se esconda por detrás da palavra “eu”»."

Legendas em inglês

Amanhã, a escolha de Inês Sapeta Dias 

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quarta-feira, 29 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “O Cavalo de Turim”, de Béla Tarr

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo nono convidado é a montadora e professora Cristina Amaral, que escolheu O CAVALO DE TURIM de Béla Tarr. Sobre esta obra final do realizador Hungaro escreveu-no o texto abaixo.

Sinopse: Turim, 3 de Janeiro de 1889. O filósofo Friedrich Nietzsche sai de casa. Ali perto um camponês luta com a teimosia do seu cavalo, que se recusa a obedecer. O homem perde a paciência e começa a chicotear o animal. Nietzsche aproxima-se e tenta impedir a brutalidade dos golpes com o seu próprio corpo. Naquele momento perde os sentidos e é levado para casa onde permanece em silêncio por dois dias. A partir daquele trágico evento Nietzsche nunca mais recuperará a razão, ficando aos cuidados da sua mãe e irmãs até ao dia da sua morte, a 25 de Agosto de 1900. Partindo deste evento, o filme tenta recriar o percurso do camponês, da sua filha, do velho cavalo doente e a sua existência miserável.

Cristina Amaral sobre O Cavalo de Turim: 

«O CAVALO DE TURIM – Béla Tarr 

Um cinema raro, com escrita própria, com um tempo particular. Rigoroso, milimetricamente encenado. E, por todos esses motivos, muito arriscado, o que o faz escapar da monotonia e da previsão. 
Eu me lembro de quando assisti O CAVALO DE TURIM pela primeira vez. 
Deixou-me atordoada. É um filme que nos coloca frente a frente com um fim de mundo real, sombrio, muito próximo de nós – não mais o da ficção científica, não mais o dos blockbusters, ou dos disaster movies. 
Austero desde os créditos e o texto inicial. O preto e branco – presente em praticamente toda a sua filmografia (dos que conheço apenas o OUTSIDER é colorido) completa esse mundo onde não há espaço para dispersão. Aqui, a música é palavra, e o vento é música. 
Os longos planos-sequência revelam também uma montagem bela e inteligente, a partir de seus movimentos de câmera e enquadramentos primorosos. E cada corte, é uma cortina que se abre para esse mundo interiorizado, monossilábico, e que roda em círculos. E, também mérito dessa mise en scène, não soa repetitivo. 
“Mãe, eu sou um tolo.” 
Descrito em off, o pranto de Nietzsche, abraçado ao cavalo é, com certeza o ato mais humano dentro do filme – é o sofrimento da poesia diante da dureza e da estupidez. 
Além disso, apenas um fiapo de vida para nos apoiar, que é passagem dos ciganos pela casa, rápida, fugaz, mas transgressora. E agressiva também. O resto é uma morte que se deixa acontecer. 
O CAVALO DE TURIM é quase premonitório desses tempos que vivemos agora, em que estamos confinados, onde a doença e a morte são os perigos que nos rondam de perto, à espreita do lado de fora das nossas casas. 
É visionário, preciso, rigoroso. Traz dor, beleza, e a vida escapando com o vento inexorável. A natureza não nos perdoa. 
Um cinema que nos obriga a repensar o mundo, nossa forma de viver, e a buscar urgentemente uma nova humanidade.»

Amanhã, a escolha de Carlos Natálio.

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terça-feira, 28 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Pouco a Pouco”, de Jean Rouch

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo oitavo convidado é a montadora Patricia Saramago, que escolheu Pouco a Pouco de Jean Rouch, justificando-se assim: «O orgulho do Sul do mundo. Para vermos de maneira diferente coisas a que estamos demasiado habituados.»

Sinopse: PETIT À PETIT é um exemplo extremo da noção de “antropologia compartilhada”, que foi tão cara a Rouch. Retomando ao seu modo a ideia das clássicas Lettres Persanes, de Montesquieu, Rouch conta a história de um habitante do Níger, cuja empresa vai construir o primeiro prédio de Niamey e vem a Paris ver como vivem as pessoas nas “casas de andares”. Isto é pretexto para uma divertida excursão de antropologia invertida, em que o africano observa com surpresa os estranhos hábitos dos parisienses, numa crítica implícita ao modo como os antropólogos franceses estudam os seus compatriotas. O filme também é um retrato dos espíritos da Paris dos primeiros anos do período pós-68.

Em 1968, quando se estava a preparar para rodar Petit à Petit, Jean Rouch escreveu aos Cahiers du Cinéma que “o filme vai ser improvisado durante a rodagem, naturalmente. O que se segue, são as grandes linhas da história, desenvolvida com os intérpretes ao longo de passeios pela África negra, e com o “herói”, Damouré Zika, durante a sua primeira estadia em Paris. 
“Tudo começa portanto nesta pequena aldeia do Níger, Ayorou, onde vivem os três inseparáveis: Illo, o pescador, Lam, o pastor, Damouré, o «galante». Depois de terem sido iniciados às regras elementares do comércio, como vimos em Jaguar, criaram eles próprios uma sociedade anónima, comissionada para vender os peixes deles, o gado, e vários outros produtos. Essa sociedade chama-se «Pouco a pouco», em memória da loja onde fizeram a sua aprendizagem no Gana, «Pouco a pouco, o pássaro faz o seu chapéu», o que significava que, pouco a pouco, o pássaro conseguia adquirir o turbante do chefe.” 
Legendas em inglês

Amanhã, a escolha de Cristina Amaral.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “O Castelo Branco”, de Johan van der Keuken

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo sétimo convidado é o realizador belga Mieriën Coppens, que escolheu O Castelo Branco de Johan van der Keuken.


Sinopse: Misturando imagens da meca do turismo espanhol, Formentera, de um centro comunitário em Columbus, Ohio, e de fábricas na Holanda, o filme ilustra nitidamente as vidas fragmentadas e alienadas que a economia de mercado produz e retrata friamente o que Van der Keuken viu como ‘uma correia transportadora [que] atravessa o mundo’. 

Van Keuken disse em entrevista a Bérénice Reynaud que «o aspecto simbólico do meu trabalho nem sempre é percebido pelo espectador. Eu passo por símbolos para voltar a uma percepção mais intensa, mais descritiva e talvez mais difícil do Real. Há uma multiplicidade de níveis, porque eu não me posso colocar num nível puramente materialista. O aspecto material/materialista das coisas é como uma ferramenta para perceber o que está a acontecer no mundo. Também há um aspecto especulativo, que não posso recusar totalmente, mesmo que não deva fazer “demais” com isso, e mantê-lo sempre na sua justa perspectiva. Ao mesmo tempo, fico muito ansioso, bem, com a perfeição, i.e., gostava de ser capaz de mostrar algo com clareza absoluta. No entanto, estou perfeitamente ciente de que sou um cineasta a trabalhar com a aproximação... Sim, pode-se dizer que há um elemento lúdico no meu trabalho, que o cinema é um “brinquedo de construção” para mim, mas, ao mesmo tempo, há coisas que são tão reais e tão poderosas que não podem ser dominadas. Daí entrarmos no reino da aproximação. Não posso aceitar o plano angular perfeito de campo/contra-campo como a “verdade” de um filme. Há uma parte de mim que desespera por nunca ser capaz de “dizer a coisa certa.”» 

Mieriën Coppens deixou-nos o seguinte poema: 

“Local de convalescença, perto da água. 
Isolado, um chão. 
Tantos motivos. 
Tantos laços mútuos. 
O quadro ilegível. 
O futuro.” 



Nota: o filme não tem legendas, mas também não tem muitos diálogos.


Amanhã, a escolha de Patrícia Saramago. 

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domingo, 26 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Cidade nas Trevas”, de Fritz Lang

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo sexto convidado é o realizador, actor e encenador Jorge Silva Melo, que escolheu Cidade nas Trevas de Fritz Lang, dizendo-nos que “precisamos de uma imprensa livre, precisamos de si, não podemos viver nesta corrupção, neste mundo sem luz. Para Lang tudo era tremendo - e ameaçador o final que parece feliz. Temos de ouvir Puccini logo a seguir: nessun dorma!

Sinopse: Outro dos filmes favoritos de Lang. Adaptação de um romance de Charles Einstein que, por sua vez, teve como uma das inspiração o filme de Lang "Man Hunt". Lang retoma o tema do assassino "compulsivo" que desenvolvera em M, mas coloca-o no centro da disputa pela direcção de um jornal por um grupo de candidatos.

No seu Dicionário do Cinema, Jacques Lourcelles diz-nos que é o “penúltimo filme americano de Lang. Um dos pontos mais altos da sua carreira; na nossa opinião, o seu melhor filme. Baseado num romance, mas sobretudo baseado em relatos de notícias variadas recortadas de jornais e que ele tinha o hábito – mantido até ao fim da sua vida, embora já não trabalhasse mais - de coleccionar, Lang escreveu o guião minuciosamente com Casey Robinson e será um dos mais sofisticados da sua carreira. A preparação não menos minuciosa da rodagem e que permitiu manter, sendo o orçamento do filme bastante razoável, os intérpretes prestigiosos reunidos no conjunto (George Sanders, Ida Lupino, Thomas Mitchell, Rhonda Fleming, etc) só quatro ou cinco dias cada um, quando temos a impressão de os ver presentes ao longo de toda a intriga. (Só a Dana Andrews foi concedido um número de dias ligeiramente superior.) A ambição do filme é imensa, a perfeição do seu estilo, cujos elementos desdenham dar nas vistas, sóbria e eficaz. Lang quer dar a ver um panorama bastante vasto da sociedade americana, fundada aos seus olhos na competição e no crime. Como a competição e o crime se tornaram indissoluvelmente ligados, é este o seu tema, a partir do qual surgem as características do seu estilo, obedecendo todas a uma estética da necessidade que nenhum outro cineasta levou tão longe. Criador solitário e exigente, Lang não está totalmente à parte da corrente americana mais inovadora. While the City Sleeps integra e até interioriza de alguma maneira a revolução trazida no ano anterior ao relato policial por Kiss Me Deadly. Doravante já não há bons nem maus nos enredos. A ferocidade da competição trouxe todas as personalidades ao mesmo nível, o grau zero da moral e da consideração pelos outros. Se examinarmos à lupa (é o que faz o filme) o comportamento de cada uma das personagens envolvidas na acção, vemos ou que eles não têm ideia nenhuma do que lhes poderia servir de moral, ou então – e ainda é pior – que eles sacrificam à sua ambição quaisquer escrúpulos que pudessem ter, comportamento considerado como normal na sociedade em que estão inseridas. A partir daí, o criminoso que os jornalistas procuram com tanto ardor para conseguir um cargo torna-se não só a sua presa, mas também o seu reflexo. Às vezes é mais digno de piedade do que eles. Lang leva aqui a um grau de perfeição absoluta a sua arte das ligações necessárias ou mesmo fatais entre as sequências. Seja por um elemento de diálogo, por um elemento visual, por uma personagem ou pelo efeito de uma causa dramática específica, as sequências encadeiam-se umas às outras a um ritmo e a uma progressão lógica que parece obedecer a alguma fatalidade, que na verdade não é senão a consequência das acções cruzadas de cada um dos protagonistas ocupados em suplantar, a usar ou a destruir o próximo – grande teia de aranha onde por fim todos se encontram presos. Requinte supremo da mise en scène: aquelas divisórias de vidro que, dentro dos escritórios do jornal, separam as personagens permitindo-as verem-se umas às outras e dão à história a possibilidade de executar várias sequências frontais, ligadas numa interacção permanente. Este entrelaçado magistral é visto na luz soberba de uma chapa metálica rasgada a bisturi. Depois de muitos avatares e metamorfoses, redesenhados através da experiência e do estilo de um cineasta meticuloso e genial, o microcosmos expressionista reaparece aqui – talvez pela última vez – lavado de todas as suas histórias, dotado de uma pureza expressiva cuja abstracção e concentração fascinam. É um pequeno pedaço de inferno onde as criaturas estão ocupadas, achando-se livres e activas, sob o olhar de um cineasta que não procura outra coisa senão ver bem e dar bem a ver a realidade, mas mantendo o ponto de vista de Sirius sobre todas as coisas.”

Amanhã, a escolha de Mieriën Coppens.

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sábado, 25 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: “Moisés e Aarão”, de Straub/Huillet

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo quinto convidado é Carlos Fernandes, que escolheu Moisés e Aarão de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.

Sinopse: “Schoenberg é o músico que melhor conhecemos a seguir a Bach”, segundo diz Straub. Na sua adaptação da ópera bíblica inacabada do compositor vienense, Straub e Huillet mantiveram-se fieis aos princípios do seu cinema: som directo, cantores ao invés de actores dobrados, “imagens que não bloqueiem a imaginação do espectador”, numa atitude diametralmente oposta à do tradicional “filme de ópera”.

Carlos Fernandes escreve-nos este texto: 
“O sonho de um mundo novo. O “Êxodo” de Schoenberg segundo Straub-Huillet. 
Schoenberg iniciou a escrita do libreto desta ópera quando já se expectava a possibilidade de um novo “Êxodo” na Europa. A partir 1920 as manifestações anti-semitas eram tão descaradas que ele próprio, unicamente por ser judeu, foi obrigado a abandonar o hotel onde vivia numa pequena aldeia perto de Salzburgo. 
Afundado nesse presente, o compositor e libretista mergulha nos fundamentos de uma história tão remota, quanto transcendental, transportando-a para a contemporaneidade na estrutura de um texto excepcionalmente vinculado a uma partitura matematicamente pura – o serialismo dos 12 tons. 
Embora incompleta, esta ópera, foi simultaneamente a obra-prima do século XX para uns e uma coisa inacabada para outros. Mas para Straub e Huillet estava lá o material rigoroso e necessário que lhes permitiu ver nesta ópera um filme. 
E Jean-Marie Straub e Danièle Huillet fizeram uma vez mais um trabalho magnífico. 
Trabalharam no guião entre 1959 e 70, e filmaram entre 73 e 74 no deserto de Louxor, no vale do Nilo e no anfiteatro italiano Alba Fucens, com som directo sob fundo da Orquestra de Viena pré-gravada. 
Tiveram um cuidado extremo com todos os aspectos que pudessem dramatizar deliberadamente a história, construindo um trabalho de câmara com movimentos rigorosos e planos formais em contraponto visual à complexa partitura de Schoenberg. 
A magnitude da abordagem no conflito entre a espiritualidade interior de Moisés e a capacidade de Aarão de comunicar com as massas (a primeira dupla liderança da história), bem como a proeza dos “milagres necessários” que Aarão concebe para convencer o povo a seguir Moisés até a terra prometida, são configurações dignas de reverência. 
Por fim, a fidelidade ao texto e a tudo – o terceiro acto, que tinha ficado por escrever, surge como um recital sublime apoiado em notas do próprio Schoenberg. 
O combate à opressão e o sonho de um mundo novo. 
É importante que as coisas mexam.”

Amanhã, a escolha de Jorge Silva Melo.

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sexta-feira, 24 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Holiday", de George Cuckor

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo quarto convidado é o crítico de cinema brasileiro Giovanni Comodo, que escolheu Holiday de George Cukor.

Sinopse: O livre-pensador Johnny Case fica noivo de Julia Seton, filha do milionário Ned Seton. Mas entra em choque com a noiva e com o pai dela quando expõe a sua forma livre de viver e ao negar-se a trabalhar, embora queira continuar a ganhar dinheiro. Só é compreendido pela irmã da noiva, Linda Seton, que é considerada a ovelha-negra da família.

No início da sua folha da Cinemateca sobre o filme, Bénard da Costa escreve que “Holiday assenta em quatro poderosos pilares, todos eles reutilizados por Cukor no célebre The Philadelphia Story de 1940: na base, uma peça teatral de Philip Barry, célebre boulevardier dos anos 20, 30 e 40; adaptação de Donald Ogden Stewart, argumentista favorito de Cukor e que, com ele, havia colaborado já em Tarnished Lady e Dinner at Eight, e colaboraria, no futuro, em The Women, The Philadelphia Story, A Woman's Face, Keeper of the Flame e Edward My Son, antes de ser posto na lista negra do Senador McCarthy; Katharine Hepburn e Cary Grant. E foi o quarto filme de Katharine com Cukor (depois de A Bill of Divorcement, Little Women e Sylvia Scarlett) e o terceiro filme dela com Cary Grant (depois de Sylvia Scarlett e de Bringing Up Baby de Howard Hawks).” 
Justificando a sua escolha, Giovanni Comodo escreveu-nos que “a comédia de George Cukor traz em estado de graça a dupla Cary Grant (Johnny) e Katharine Hepburn (Linda). Cukor, sempre elegante, sempre discreto, faz do filme uma enorme oportunidade para observar o movimento dos corpos de Grant e Hepburn no espaço: como andam, como se atraem, como respiram próximos um do outro. Grant em estado burlesco, com cambalhotas mil, e Hepburn em pura classe e incendiária. Para além disso, há piadas incessantes do choque de Johnny e seus amigos com a alta roda nova-iorquina. Um filme que não caminha, desliza. Por fim, é difícil pensar em algo melhor para estes tempos do que ficar trancado por um par de horas em um quarto com Grant e Hepburn.” 

Amanhã, a escolha de Carlos Fernandes. 

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quinta-feira, 23 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "A Árvore dos Tamancos" , de Ermanno Olmi

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga, o My Two Thousand Movies e a Comuna associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “40 dias, 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo terceiro convidado é o realizador Billy Woodberry, que escolheu A Árvore dos Tamancos de Ermanno Olmi.

Sinopse: "A Árvore dos Tamancos" foi o filme de Ermanno Olmi premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes que trouxe a consagração do realizador italiano. É um filme quase documental, onde são recuperadas características do neo-realismo como a utilização de actores amadores e se faz uma exploração crua mas intensamente poética da realidade. O filme conta a vida de quatro famílias italianas de camponeses no final do século XIX. Vêm da Lombardia, trabalham numa exploração agrícola na região de Bergamo e vivem uma vida comunitária. Todos ajudam sempre que surgem dificuldades como aconteceu no caso de Gopa, um vagabundo que acolheram, ou no nascimento do bebé de Batisti. No entanto, um dia Batisti abate um olmo para fazer uns tamancos para o filho e fica mal visto na comunidade que o acolhia.

O cineasta norte-americano disse-nos que «as minhas razões para escolher A Árvore dos Tamancos, de Ermanno Olmi foram bastante simples. Na altura em que me estenderam o convite para seleccionar um filme para a série, as taxas mais altas de hospitalizações, infecções e morte estavam a acontecer no norte de Itália, na região da Lombardia e em Bergamo. Lembrei-me de Olmi e lembrei-me que ele tinha nascido na região e pensei neste filme belo e comovente que ele lá fez em 1978 sobre a vida dos camponeses no início do século vinte. A minha ideia era que no meio do sofrimento tão grave ligado a este sítio nesta altura, o filme pudesse ser uma oportunidade para partilhar este trabalho com um público como forma adicional de pensar sobre este local e estas pessoas através deste filme.» 
Em entrevista a Bert Cardullo, e discutindo o seu método de trabalho, Ermanno Olmi disse que “sou uma pessoa que ainda trabalha bastante na Moviola. Para A Árvore dos Tamancos, estive lá um ano inteiro. A montagem é o momento em que todas as emoções que senti quando comecei a pensar no filme, a concebê-lo, a escolher os locais de filmagem, as caras – estas coisas todas – a montagem é o momento em que tudo se conjuga. Pode-se dizer que durante esse tempo, eu ajusto as minhas contas, trabalho esta escolha ou aquela síntese, resumo a emoção de todas as minhas emoções no que diz respeito a este filme em particular. Não é trabalho administrativo no sentido em que olho para o guião e digo, “OK, para esta cena precisamos de um corte tal e tal. E para aquela cena é necessário um grande plano .” É um novo momento criativo, um momento extraordinário. Isto é porque eu raramente escrevo argumentos sistemáticos e organizados; em vez disso, rabisco uma data de notas. Quando estou a rodar, apareço no plateau com essas notas todas – pedacinhos de papel cheios de apontamentos sobre o diálogo, a atmosfera, as caras – e aí, no plateau, começo uma nova fase crítico-criativa – e não crítico-executiva – enquanto penso nos planos que quero tirar. A montagem, naturalmente, é uma continuação deste processo crítico-criativo.” 

Amanhã, a escolha de Giovanni Comodo. 

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quarta-feira, 22 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "Querido Diário", de Nanni Moretti

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O vigésimo segundo convidado é o crítico de cinema brasileiro Bruno Andrade, que escolheu Querido Diário de Nanni Moretti, e nos diz de sua justiça:

Sinopse: "Querido Diário" é um misto de comédia e documentário autobiográfico dirigido e interpretado por Nani Moretti. O filme, que valeu ao cineasta o prémio melhor realizador em Cannes em 1994, divide-se em três partes. Na primeira, Moretti percorre as ruas de Roma, no Verão, de vespa, claro. Na segunda, viaja com um amigo pela Sicília e na terceira consulta vários médicos por causa dum linfoma.

As palavras do Bruno Andrade:
"1. As imagens que chegaram da Itália, ainda no início da atual crise, das pessoas nas varandas dos seus apartamentos, embaladas pelas mesmas canções; vídeos no Youtube, no Instagram, lives do Facebook; condomínios fechados, mas também antigos prédios próximos a piazzas e vias; sets que vão de Adriano Celentano a Corona (a banda italiana capitaneada pela brasileira Olga Maria de Souza), o compartilhamento e a socialização; a descontração, essa verdadeira arte de viver dos italianos... Tudo isso estranhamente me faz pensar na passagem em que Nanni Moretti diz querer fazer um filme só sobre casas, sobre as fachadas das casas, enquanto passeia de Vespa por vários bairros romanos. A mobilidade, a desenvoltura, a extroversão. Impossível, diante dessas imagens dos cidadãos encontrando novas formas de convívio, não lembrar de Moretti e do seu filme. Dialética estranha, de certa forma inquietante, tão italiana, essa da deambulação e do ócio. Caro diario parece ocupar-se totalmente dela nos seus três episódios: o homem que vagueia livremente, solitariamente pela cidade e chega à orla de Ostia como que num circuito fechado; as ilhas, a vontade de isolamento, mas também a vontade de aprender a dançar; a doença, a busca pela cura, a necessidade da comunicação; entregar-se ao desconhecido, colocar-se nas mãos do outro, aceitar aquilo que a vida coloca nos nossos caminhos. E ao fim de tudo um copo d’água que revigora corpo e espírito.
Não consigo pensar em outro filme que fale tantas coisas sobre o presente momento.

2. Muita coisa a aprender com os italianos, em todas as horas, principalmente em matéria de catástrofe (desde, é óbvio, os tempos do império): foram eles que se prepararam antes de todos para aquilo que seria o futuro da comunicação (a intuição que fez Moretti pegar o bastão do Rossellini tardio e rascunhar a partir dos anos 1990 aquilo que mais tarde se confirmaria com a selfie, o vídeo-diário, as lives); foram eles que viram primeiro o seu cinema popular sucumbir completamente pela idiotização televisiva do público (segunda metade dos anos 1980); foram eles que elegeram primeiro um palhaço midiático proto-fascista, foram eles que desde então precisaram lidar com isso (primeira metade dos anos 1990 - as duas coisas, por sinal, idiotização televisiva e eleição de Berlusconi, interligadas); são eles que estão mostrando como lidar com essa realidade que potencialmente leva a um filme de Tsai Ming-liang (nada mau enquanto filme, mas um tanto trevoso para se viver no dia-a-dia), transformando-a em um filme de Moretti (mesmo que ao som do Azzurro de Adriano Celentano).

3. Num país que reúne Adriano Celentano e Nanni Moretti sempre pode acontecer coisas interessantes, leia-se paradoxais por natureza: Moretti, ex-militante do PCI, cruza com um morador de Casal Palocco - "cães de guarda atrás dos portões, pizza pré-pronta, videocassete, pantufas", em suma, o equivalente romano do eleitor do PSDB/DEM/NOVO - e começa uma conversa.

4. O verdadeiro contraplano de todo filme italiano, de todo o cinema italiano (neorrealismo, commedia all'italiana, peplum, melodrama, giallo, mesmo o cinema de poesia e o faroeste/filme de pirata/poliziottesco nas mãos de Sollima e Damiani), é o social.

5. Uma força regeneradora parece atravessar todo o filme, indescritível como tal, mas perceptível nesses passeios por Roma, nas viagens marítimas rumo às ilhas, e mesmo nas inúmeras consultas com médicos de todo o mundo. Essa força parece mais e mais necessária para enfrentarmos os desafios dos dias vindouros. Inevitavelmente."

Amanhã, a escolha de Billy Woodberry.

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