domingo, 2 de junho de 2013

A Paixão de Joana d'Arc (La passion de Jeanne d'Arc) 1928


Universalmente reconhecido como uma verdadeira obra-prima do cinema, "La passion de Jeanne d'Arc" de Carl Theodor Dreyer continua a fascinar e a seduzir, oferecendo uma experiência visual e emocional unica que o torna um dos filmes mais marcantes de todos os tempos. Composições inquietantes do filme e a sua poderosa representação da transcendência da alma humana diferencia-o de qualquer outra obra cinematográfica e tornam-na numa das peças mais expressivas e compassivas da arte do cinema. Há uma humanidade sublime neste filme que é angustiante em toda a sua intensidade e também na limpeza espiritual. Ninguém que o vê pode ficar indiferente. 
Carl Dreyer tinha feito oito filmes anteriormente, a maioria dos quais na sua Dinamarca natal, mas outros também na Suécia, Alemanha e Noruega. Foi o sucesso de um seu filme de 1925, "Master of the House", que levou a empresa com sede em Paris, Société Générale a oferecer-lhe um contrato de longo prazo. A especialidade deste estúdio era de dramas históricos luxuosos e a Dreyer foi oferecido a escolha de três temas: Marie-Antoinette, Catherine de Medici ou Joana d'Arc. Ele escolheu a última opção, supostamente por sorteio. Dreyer ficou agradecido ao grande orçamento que lhe foi dado, mas rejeitou o argumento. Em vez disso, escreveu o seu próprio guião, depois de meses de uma investigação cuidadosa, usando a transcrição do julgamento de Joan como uma fonte para o diálogo das intertitles.
Dreyer levou 18 meses a completar o filme, o seu projecto mais ambicioso e inovador. O seu perfeccionismo implacável valeu-lhe a reputação de ser um tirano e, inevitavelmente, colocou-o em conflito com os seus chefes na Société Générale. Embora o filme recebesse críticas muito favoráveis ​​quando foi lançado, apenas recuperou uma fração do seu custo de produção, e a Société Générale tentou rescindir o contrato com Dreyer. O realizador reagiu mal, processando o estúdio (com sucesso) e, de seguida, criando a sua própria produtora, com o apoio do aristocrata rico Nicolas von Gunzburg. O que poderia ter sido o início de uma carreira cinematográfica monumental em França iria terminar em breve com outro sombrio fracasso comercial, Vampyr. 
A sorte de "La Passion de Jeanne d'Arc" foi ainda mais polémica que a do homem que o criou. Foi um filme surpreendentemente original para a época, muito diferente de qualquer outro que já tinha sido feito na era do cinema mudo. No entanto, o tratamento de Dreyer a este tema foi também altamente controverso. O filme foi proibido no Reino Unido pelo sentimento anti-Inglês percebida e recebida a hostilidade das forças da direita em França, que viam o retrato da Igreja como um sacrilégio. Não muito tempo depois da sua primeira, e comercialmente desastrosa, release, o negativo original do filme foi destruído num incêndio. Dreyer então construíu uma segunda versão, que também foi perdida num incêndio. Nos anos seguintes, várias cópias mal tratadas do filme estavam em circulação, levando alguns críticos a questionar os méritos artísticos da chamada obra-prima de Dreyer. Então, em 1981, milagrosamente, uma cópia quase intocada da primeira versão do filme foi encontrada por acaso num armário do zelador de um hospital psiquiátrico norueguês. Esta ressurreição improvável silenciou os cépticos e confirmou imediatamente a posição do filme como uma das grandes obras-primas do cinema.
A reputação de "La Passion de Jeanne d'Arc" repousa sobre duas das suas facetas mais marcantes - o modo como o filme é composto, quase todo em close-ups, e uma interpetação central imponente da actriz que interpreta Joana, Maria Falconetti (também conhecida como Renée Jeanne Falconetti). Há um génio indefinível na interpretação da Joana de Falconetti, que fez dela um ícone duradouro de cinema, o que é ainda mais surpreendente quando verficamos que esta foi a sua única aparição à frente da tela como protagonista.
Na altura em que fez o filme, Falconetti era uma actriz do teatro bem conhecida que tinha interpretado papéis menores em apenas dois filmes. Dreyer originalmente queria uma actriz francesa estabelecida, mas logo descobriu que nenhuma estrela parecia voluntariamente querer entrar num filme sem maquilhagem e com a cabeça rapada à frente da câmera (os dois principais requisitos do papel). Dreyer descobriu Falconetti quando a viu numa produção teatral da comédia escandalosa "La Garçonne". Falconetti tinha exatamente as qualidades que o realizador procurava, a capacidade de transmitir um imenso sofrimento interior por detrás de uma máscara de serenidade.
 

Maria Falconetti achou a experiência de trabalhar com Dreyer como extremamente árdua. Num esforço de autenticidade, o realizador teria sistematicamente privado-a de dormir e de se alimentar, e muitas vezes obrigou-a a passar horas ajoelhada no chão de pedra. Isto pode explicar porque Falconetti nunca mais viria a aparecer num filme (embora se acredite que Dreyer tenha planeado fazer um segundo filme com ela). Ela regressou aos palcos e teve uma carreira de enorme sucesso. Na década de 1930, Falconetti sofreu uma reversão súbita cruel da sua fortuna, e foi à falêcia. Durante a Segunda Guerra Mundial, fugiu para a Suíça, e depois estabeleceu-se em Buenos Aires. Aqui, ela esbanjou o que restava da sua fortuna num estilo de vida luxuoso e o vício do jogo compulsivo. Antes da sua morte, em 1946, ela sobrevivia a dar aulas de dicção aos argentinos, de língua francesa. O grande regresso que ela tinha a esperança de fazer nunca se materializou - um final triste para uma actriz que já tinha dado o que era amplamente considerado o maior desempenho no cinema, de todos os tempos.

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