Vou ter de fazer uma pequena interrupção no blog, mas volto no próximo Domingo.
Para já fiquem com os primeiros 10 filmes de Tom Waits, depois continuamos. Até breve.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Candy Mountain (Candy Moutain) 1988
Um jovem que deseja ser músico, mas sem muito talento, acredita que se encontrar um lendário construtor de guitarras, este lhe pode dar o empurrão que ele precisa. Pelo caminho perde a namorada, e um motorista avisa-o que a vida "is no candy mountain".
O espírito inquieto de Jacques Kerouac paira sobre este road movie. Realizado a quatro mãos, pela dupla Robert Frank, e Rudy Wurlitzer. Wurlitzer tinha feito a sua carreira praticamente na estrada, como argumentista de filmes de culto como Glen and Randa e Two-Lane Blacktop. Esta era a sua estreia como realizador, lugar que partilhava com Robert Frank, um famoso fotógrafo, também realizador de um punhado de filmes independentes desde 1959.
O filme é uma viagem cheia de desventuras, cada uma levando-nos para outra mais excêntrica. Por vezes Candy Mountain é um filme que se afirma demais, mas é uma obra cativante. Kevin J. O'Connor facilmente interpreta um anti-herói simpático, e o olhar fotográfico de Frank capta da melhor forma as gradações de luz e côr, que Julius vai apanhando desde Nova Iorque até ao nevoeiro do Canadá.
Para ajudar, o elenco conta com uma série de grandes músicos que vão abrilhantando o elenco, e tocando algumas músicas ao longo do filme: Tom Waits (claro), Joe Strummer, Arto Lindsay, David Johansen, entre outros.
Filme sem legendas.
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Estranhos na Mesma Cidade (Ironweed) 1987
Francis Phelan (Jack Nicholson) é um antigo jogador de Baseball, alcoólatra e marido, que abandona a vida de casado para viver na estrada. Em 1938 regressa à sua cidade natal, como vagabundo, em Albany, Nova Iorque. As ruas são-lhe familiares, e trazem-lhe à mente o sentimento de culpa da morte do filho, 22 anos antes, e outra que ele causou a um trabalhador durante uma greve. Embora seja um homem violento, também se preocupa com Helen (Meryl Streep), companheira de rua durante muitos anos, e Rudy (Tom Waits), outro vagabundo seu amigos. Depois de reunir algum dinheiro, está na altura de visitar a sua ex-mulher (Carroll Baker), e restante família.
William Kennedy adaptou a sua própria novela, vencedora de um prémio Pulitzer, para o grande ecrã, num filme realizado pelo realizador argentino/brasileiro Hector Babenco. Filme que tinha tudo para vencer, já que Babenco vinha do enorme sucesso de "O Beijo da Mulher Aranha", que lhe tinha valido uma nomeação ao Óscar de melhor realizador, e um Óscar de Melhor actor para William Hurt. O trabalho de actores é mais uma vez impecável, e daqui resultariam mais duas nomeações, uma para Jack Nicholson, outra para Meryl Streep.
Há uma grande morbidez e uma tristeza extrema que percorrem o filme, a que Babenco se liga e nunca se curva perante a audiência, para lhes dar o caminho mais fácil. Francis é um homem assombrado pela morte, pela morte do seu filho, pela morte de outro homem às suas próprias mãos, pela dissolução de um casamento, e pelo falhanço de conseguir qualquer sucesso.
Este é sobretudo um filme de actores. Primeiro de Jack Nicholson, depois de Meryl Steep. Tom Waits trabalhava pela primeira vez com Babenco (voltaria a trabalhar), também tem um papel de destaque, mas é um pouco abafado perante as estrelas maiores. Mais um papel decadente, bem ao seu estilo.
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Vencidos pela Lei (Down by Law) 1986
Três homens, presos por motivos diferentes, acabam a partilhar a mesma cela. Tom Waits é Zack, um DJ decadente, John Lurie é Jack, um chulo, enquanto Roberto Benigni é Roberto, um turista italiano não muito influente na língua inglesa. Os três conseguem arranjar um plano para escapar, mas o problema é depois encontrar um caminho para a civilização, já que eles ficam presos nos pântanos circudantes. As terras pantanosas têm um grande papel na segunda metade do filme, por onde o nosso trio escapa e vagueia sem rumo por entre o lodo e a lama.
O filme não se concentra na fuga deste trio da prisão, que nem sabemos sequer como aconteceu, mas sim na relação entre este trio de loosers. Há medida que o filme avança eles vão mantendo a sua personalidade antipática, excepto a personagem de Benigni que é uma espécie de elo entre os outros dois, e o contraponto cómico do filme. Já com uma carreira em Itália considerável atrás de si, sempre como secundário, era a estreia de Roberto Benigni em território americano, e onde ficaria por mais alguns anos, excepto na sua participação em "La voce della luna", de Fellini.
Terceiro filme de Jim Jarmusch, que começava a construir uma carreira de culto, depois de "Permanent Vacation" e "Stranger than Paradise", outras duas obras em que o realizador se focalizou no submundo de Nova Iorque. Magnifica a fotografia a preto e branco, da autoria de Robby Muller, com pormenores desde as paredes sujas da prisão aos reflexos da água no pântano. Muller ficaria ligado aos filmes de Jarmusch por várias vezes, sendo ele o autor da fotografia de "Dead Man", por exemplo.
Primeira colaboração entre Jarmusch e Tom Waits, que além de um dos papéis centrais também colaborou com três músicas: "Jockey Full of Bourbon", "Tango Till They're Sore", "Crying"
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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Streetwise (Streetwise) 1984
Infelizmente, não há nada de surpreendente no documentário de 1984, de Martin Bell sobre adolescentes que vivem nas ruas de Seattle. Eles tendem a vir de lares desfeitos, com os pais ou padrastos que são alcoólatras, abusivos (fisicamente, emocionalmente, sexualmente) e/ou indiferentes. Eles levam uma vida difícil, a maioria vive de roubos insignificantes, tráfico de drogas ou prostituição. Eles comem nas lixeiras, dormem em prédios abandonados, e têm problemas crónicos de saúde. Violência e abusos são comuns.
O facto de tudo isto ser esperado, não diminui o poder do filme. Estas histórias são tão fascinantes como a maioria das narrativas ficcionais. Muitas crianças diferentes aparecem, mas há cerca de meia dúzia que servem o filme como as personalidades principais. Como a maioria dos adolescentes, eles esforçam-se para agir como adultos. Dadas as circunstâncias, têm de tentar muito mais harduamente. Mas ainda podemos ver neles uma criança, nos seus rostos, nos seus maneirismos, um raro vislumbre de deixar caír toda a dureza exterior.
Um aspecto talvez inesperado é que vários deles ainda têm contacto com os pais. Um visita o pai na prisão. Outro é visitado pela mãe e pela avó nas ruas. A maioria deles, no entanto, invoca as famílias substitutas que construíram em volta de si. Um parceiro de confiança e companheiro é um bem valioso nesta situação. Eles unem-se, protegendo-se uns aos outros de quem poderia explorá-los ...mas também, por vezes, formando uma frente unida contra um assistente social bem-intencionado, com um bom conselho.
Documentário nomeado aos Óscar, foi um dos primeiros a lidar com a crescente situação da falta de moradia entre os jovens. Começou como um artigo na revista Life da fotojornalista Mary Ellen Mark e da escritora Cheryl McCall. Mark e o seu marido, o realizador Martin Bell, voltaram para Seattle para filmar as vidas diárias destes jovens fugitivos. O filme é gravado no estilo cinéma vérité, sem narração guiando o espectador. Bell e Mark encontram um grande grupo de indivíduos dispostos a falar sobre as suas vidas de mendigagem, prostituição, pequenos delitos e drogas.
Martin Bell viria mais tarde a estrear-se nas longas-metragens de ficção com "American Heart" (que também iremos ver neste ciclo), e Tom Waits participou apenas na banda sonora, com autoria de duas canções: "Take Care Of All My Children" e "Rat's Theme").
Sem legendas.
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domingo, 26 de janeiro de 2014
Cotton Club (The Cotton Club) 1984
Francis F. Coppola começou a década de 80 a fazer homenagens a tendências anteriores - o musical clássico em One From the Heart (1982), o Technicolor em Widescreen sobre a delinquência juvenil em The Outsiders (1982), e o expressionismo alemão em Rumble Fish (1983). Atingiu o auge desta tendência em 1984 com The Cotton Club, uma dupla e ambiciosa homenagem a dois dos grandes géneros cinematográficos da década de 1930: o filme de gângsters e o musical.
Produzido por Robert Evans, Coppola nunca teve o controle completo sobre a produção, o argumento foi sendo constantemente reescrito, as tensões eram altas no set, e acabou por custar uns supostos 47 milhões de dólares. As histórias sobre as dificuldades enfrentadas durante a produção deste filme só rivalizavam em status lendário apenas pelos excessos de Coppola em Apocalypse Now. No entanto, ao contrário de Apocalypse Now, The Cotton Club não acabou por ser uma das maiores obras do realizador. Pelo contrário, é uma ode interessante e divertida de um tempo passado que pode ser melhor visto como uma oportunidade perdida para algo maior.
The Cotton Club é, em primeiro lugar, uma carta de amor sobre a Era do Jazz, o fim do Loucos Anos Vinte, quando parecia que nada poderia dar errado na América, até que o mercado accionário caiu em 1929. Se Coppola faz uma coisa muito boa no filme, é transcrever a atmosfera eléctrica do clube de jazz nocturno, mesmo que a sua técnica seja mais estilizada do que ele provavelmente precisava para chamar a atenção. Todo o filme tem um estilo conscientemente teatral, algo que é levado a um clímax no final, quando Coppola literalmente transforma a tela num palco da Broadway. Obviamente queria fazer um filme delirantemente optimista, mesmo que inclua alguns crimes brutais ao estilo da máfia que remontam aos momentos mais sangrentos em "O Padrinho".
A história tem lugar no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, e grande parte da acção é centrada em torno do The Cotton Club, um clube infame de jazz no Harlem construído com o dinheiro dos contrabandistas e preenchido com empresários ricos, gangsters e estrelas de cinema. Durante 17 anos, foi uma das salas centrais do Renascimento do Harlem, embora a política racial do seu sucesso tenha sido vergonhosa - os negros forneciam todo o entretenimento, os brancos ficavam com todo o dinheiro. Coppola poderia facilmente ter mergulhado mais fundo nas tensões raciais complexas que envolvem este estabelecimento, mas prefere tomá-lo como um dado e contar uma história diferente.
A personagem central do filme é Dixie Dwyer (Richard Gere), um músico de jazz branco que se envolve com o submundo do crime organizado de Nova York, quando salva a vida do gangster Dutch Schultz (James Remar), que lhe retribui, dando-lhe trabalho. Dixie rapidamente descobre que não é necessariamente uma coisa boa trabalhar para o holandês...
O elenco era fabuloso. Contava ainda com actores como Gregory Hines, Diane Lane, Lonnette McKee, Bob Hoskins, Nicolas Cage, Tom Waits. Mais uma vez num papel bastante secundário, era a quarta vez (e consecutiva), que Waits trabalhava com Coppola. Aqui também apenas à frente das câmaras.
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Rumble Fish - Juventude Inquieta (Rumble Fish) 1983
É fácil de perceber porque a esta odisseia juvenil foi dada tanta precedência, com a sua fotografia monocromática artística e uma mistura variada de talentos americanos, incluindo os nomes de Matt Dillon, Mickey Rourke, Nicolas Cage e Diane Lane. No entanto, é também um filme difícil de se compreender, com a voz autoral de SE Hinton tão ressonante como a do seu realizador, Francis F. Coppola. Dillon protagoniza como líder de um gang, Rusty James, um jovem abandonado na rua, resistente, que um dia se envolve numa briga de rua, e vê o seu estômago cortado com uma faca.
Salvo no último momento pelo seu idolatrado irmão mais velho, "The Motorcycle Boy" (Rourke), o duo caminha pelos passeios de Tulsa, Oklahoma, sonhando com um modo de sair deste beco sem saída. James luta para permanecer ao lado da sua exigente jovem namorada Patty (Diane Lane). Segunda adaptação consecutiva de Hinton, pot Coppola (depois de The Outsiders), Rumble Fish parece-se muito mais como um filme de art house europeu do que uma obra de um dos mais importantes realizadores da América. No entanto, as ligações para o restante trabalho do realizador estão todas lá, como o cameo de Dennis Hopper, como o alcoólatra pai dos protagonistas.
A inspiração de Coppola pode ser vista em muitos pontos do filme. O desenvolvimento de cada personagem, de certa forma metódica, é fascinante, com influências que chegam a Rumble Fish de muitos ângulos diferentes. Um dos muitos elementos que realmente atrai na história é o clima existencial eterno que está presente por todo o lado e é enfatizado pelos protagonistas centrais. Por um lado, uma série de paralelos podem ser traçados entre este filme e os romances de Albert Camus e elementos do seu trabalho em geral - em especial, o personagem de Meursault (the Outsider) e o Motorcycle Boy, interpretado por Mickey Rourke. Antes das filmagens, Coppola entregou a Rourke uma seleção de livros do filósofo existencialista, a fim deste ter uma idéia de como o personagem que deve ser desenvolvido. Motorcycle Boy possui o desapego, a indiferença e o narcisismo que muitos dos personagens de Camus possuem, mas ele também se inspirou em algumas fotos tiradas pelo próprio autor - como o cigarro pendendo dos seus lábios.
A atmosfera despertada no filme é provavelmente melhor descrita como a de uma existência condenada - o destino de Rusty James, cuja personagem poderia chegar mais longe, mas que é incessantemente tentanda a ser alguém que não pode ser, presa, atrás da sombra do irmão, e presa num mundo onde a violência é algo muito normal. Desta forma, ele também é retratado como um personagem trágico num mundo estranho.
Tom Waits participou como uma personagem secundária.
Salvo no último momento pelo seu idolatrado irmão mais velho, "The Motorcycle Boy" (Rourke), o duo caminha pelos passeios de Tulsa, Oklahoma, sonhando com um modo de sair deste beco sem saída. James luta para permanecer ao lado da sua exigente jovem namorada Patty (Diane Lane). Segunda adaptação consecutiva de Hinton, pot Coppola (depois de The Outsiders), Rumble Fish parece-se muito mais como um filme de art house europeu do que uma obra de um dos mais importantes realizadores da América. No entanto, as ligações para o restante trabalho do realizador estão todas lá, como o cameo de Dennis Hopper, como o alcoólatra pai dos protagonistas.
A inspiração de Coppola pode ser vista em muitos pontos do filme. O desenvolvimento de cada personagem, de certa forma metódica, é fascinante, com influências que chegam a Rumble Fish de muitos ângulos diferentes. Um dos muitos elementos que realmente atrai na história é o clima existencial eterno que está presente por todo o lado e é enfatizado pelos protagonistas centrais. Por um lado, uma série de paralelos podem ser traçados entre este filme e os romances de Albert Camus e elementos do seu trabalho em geral - em especial, o personagem de Meursault (the Outsider) e o Motorcycle Boy, interpretado por Mickey Rourke. Antes das filmagens, Coppola entregou a Rourke uma seleção de livros do filósofo existencialista, a fim deste ter uma idéia de como o personagem que deve ser desenvolvido. Motorcycle Boy possui o desapego, a indiferença e o narcisismo que muitos dos personagens de Camus possuem, mas ele também se inspirou em algumas fotos tiradas pelo próprio autor - como o cigarro pendendo dos seus lábios.
A atmosfera despertada no filme é provavelmente melhor descrita como a de uma existência condenada - o destino de Rusty James, cuja personagem poderia chegar mais longe, mas que é incessantemente tentanda a ser alguém que não pode ser, presa, atrás da sombra do irmão, e presa num mundo onde a violência é algo muito normal. Desta forma, ele também é retratado como um personagem trágico num mundo estranho.
Tom Waits participou como uma personagem secundária.
sábado, 25 de janeiro de 2014
Os Marginais (The Outsiders) 1983
The Outsiders era um pequeno filme, passado numa pequena cidade do sul do país - Tulsa, Oklahoma. Sem a sensação épica e gloriosa de O Padrinho e Apocalypse Now é um retrato íntimo de um grupo de adolescentes conhecidos como "Greasers", focado principalmente em Ponyboy Curtis (interpretado por C. Thomas Howell), um órfão de 14 anos de idade, cuidado pelos seus dois irmãos mais velhos (uns jovens Rob Lowe e Patrick Swayze). Ponyboy é um protagonista carismático e mantém sempre num bom nível. Torna-se o cerne emocional de tudo o que é vivido pelo grupo. É realmente um filme sobre a posição social de um grupo de crianças, sem muitas esperanças, e como eles conseguem lidar com a sua situação, cuidando uns dos outros.
É interessante que C. Thomas Howell, aqui tão envolvente, nunca se tenha tornado numa estrela, apesar de ter protagonizado o excelente "Terror na Auto-Estrada". Principalmente quando o comparamos com o resto do deslumbrante elenco deste filme. Temos Rob Lowe, Patrick Swayze, Matt Dillon, Emilio Estevez, Tom Cruise, Diane Lane, Ralph Macchio, e uma participação especial de Tom Waits. Tenham em mente que este filme é de 1983 - por isso, antes de Top Gun, Dirty Dancing ou The Karate Kid. Além de Waits (que era conhecido como músico), nenhum destes actores tinha feito algo digno de nota anteriormente.
The Outsiders é um filme agradável e estranho na filmografia de Francis Ford Coppola. Decidiu partir para o projecto depois de receber uma carta da Lone Star School em Fresno, Califórnia, com muitas assinaturas, pedindo-lhe para fazê-lo. A novela original foi escrita por SE Hinton (que também escreveu Rumble Fish, que também foi filmado por Coppola e lançado em 1983), quando era uma adolescente, e claramente se compara com os adolescentes norte-americanos dos anos oitenta, que poderiam se identificar com muitos dos personagens e temas. A história dá-nos uma visão muito clara, infantil, do mundo, mas ainda consegue tocar em muitas decisões da vida que nos podem afectar, jovens ou adultos.
Ao contrário do filme anterior de Coppola, Tom Waits não fez a banda-sonora, nem escreveu qualquer música para este filme. Aparece como líder do grupo rival, os Socks. Filme de culto por excelência.
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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Do Fundo do Coração (One From the Heart) 1982
Na década de 1970, não havia nenhum realizador que tivesse atraído tantos elogios como Francis Ford Coppola. Enquanto lançava quatro filmes nesta década, O Padrinho, O Padrinho - Parte II, The Conversation e Apocalypse Now, também pertencia ao movimento chamado New Hollywood, ao qual pertenciam realizadores como Steven Spielberg, Peter Bogdanovich e Martin Scorsese. Coppola era também um argumentista e produtor, que também ajudou as carreiras de George Lucas e Carroll Ballard. Embora a década de 1970 fosse um triunfo para Coppola, ele estava prestes a entrar noutra em que teve de enfrentar o fracasso, falta de dinheiro, e outros problemas pessoais.
Durante anos, Coppola desejava tornar-se independente e formar o seu próprio estúdio, onde pudesse criar os seus próprios filmes. Assim nascia o Zoetrope Studios, que começou como um estúdio independente que permitia a realizadores iniciantes terem um impulso para a sua carreira. Também era o lugar onde Coppola esperaria criar o tipo de filmes que queria sem a interferência de um grande estúdio. Para o seu próximo projeto, Coppola decidiu fazer uma obra que seria uma experiência completamente nova, a criação de um filme com novos gadgets eletrónicos para o cinema da época, no início dos anos 80. O filme era suposto ser pequeno, um musical romântico passado em Las Vegas. One from the Heart quase daria cabo da carreira de Francis Ford Coppola, e fê-lo andar no limbo por vários anos.
Originalmente com um orçamento de 2 milhões de dólares, era para ser filmado dentro de um estúdio no Zoetrope Studios para criar uma versão artificial de Las Vegas. Com a ajuda do diretor de fotografia Vittorio Storaro e o designer de produção Dean Tavoularis, a re-criação de Las Vegas, juntamente com outros cenários parecia ser difícil. Como Coppola queria experimentar novas câmeras, novos modos de filmar, e novas técnicas, acabou por ser construída uma cidade artificial, e a produção subiu em flecha para 26 milhões de dólares, isto para um filme lançado no início de 1982. Quando surgiram notícias sobre o seu orçamento final, era claro que Coppola estava prestes a entrar em apuros.
Dois anos antes, Michael Cimino tinha lançado "Heaven’s Gate", um western revisionista histórico passado nas Johnson County Wars, no final do século 18. Seria a continuação de Cimino para o seu aclamado filme de 1978, vencedor dos Oscares, The Deer Hunter, e por isso as expectativas estavam altas. Em vez disso, o filme com um custo de 40 milhões de dólares tornou-se num enorme desastre que iria levar a United Artists à falência, bem como trazer um fim à era de ouro da "New Hollywood", e dos seus realizadores-autores. Para Coppola, a produção e o lançamento de "One from the Heart" deixou-o nervoso, e o filme acabaria por ser um fracasso enorme, uma vez que só iria render 600 mil dólares na bilheteria durante a primeira semana. Depois disto, o realizador resolveu tirar o filme dos cinemas e iria passar o resto da década de 1980 e parte da década de 1990 a fazer filmes para saldar as dívidas.
Coppola acabaria por recuperar o dinheiro perdido, bem como reviver a Zoetrope como American Zoetrope. Mas, muitas pessoas não viram "One From the Heart", que começou a ser elogiado por um pequeno grupo de cinéfilos que o tinha visto com interesse, quando saíu. Em 2001, Coppola lançou uma versão estendida de Apocalypse Now chamada Apocalypse Now Redux, com grande sucesso, que o levou a decidir revisitar o filme que lhe tinha dado tantos problemas. Com a ajuda de Storaro e o executivo da American Zoetrope, Kim Aubry, Coppola fez algumas mudanças na montagem, e deu a "One From the Heart uma nova hipótese de ser visto.
Com argumento de Coppola e Armyan Bernstein, baseado numa história verdadeira, "One from the Heart" é a história de um casal cuja relação de cinco anos está a começar a desmoronar-se. Os dois caminham em mundos diferentes, como a mulher a apaixonar-se por um empregado de mesa, enquanto o homem é surpreendido por uma artista de circo alemã. Um retrocesso aos musicais e filmes românticos das décadas de 40 e 50, de produção abundante, é um filme em que Coppola combina esse estilo de produção pródiga, em sintonia com o mundo colorido dos anos 80. Interpretado por Frederic Forrest, Teri Garr, Raul Julia, Nastassja Kinski, Lainie Kazan, e Harry Dean Stanton.
A história do filme é bastante simples. Um rapaz e uma rapariga, namorados, separaram-se e conhecem os seus parceiros ideais, até perceberem que ainda estão apaixonados um pelo outro. Isso é muito bonito, e é parcialmente contado através da música do filme. A música de Tom Waits é o verdadeiro destaque, uma vez que não joga apenas com cool world de Las Vegas, mas também com o desejo de romance dos personagens. Com músicas e letras de Waits, as canções jogam até com o cerne emocional do filme, quando são cantadas por Waits e Crystal Gayle. A voz de Gayle sobe ao mesmo tempo de muitos momentos comoventes. A banda sonora acabaria por ser nomeada para um Óscar, a única nomeação do filme, e era a primeira fez que Waits trabalhava a tempo inteiro numa banda sonora.
O argumento é apenas um pano de fundo para o que Coppola quer criar, um filme mais sobre a parte visual do que sobre a história. Como a história não tem muito brilho, com uma enorme falta de tensão e surpresas, permite que Coppola crie sequências mais sobre o momento e os visuais. A realização de Coppola é definitivamente maravilhosa, não apenas a recriar Las Vegas, mas também a recriar um lugar de fantasia. Um puro filme de culto.
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Cidade em Pânico (Wolfen) 1981
Embora tenha uma pequena parcela de emoções assustadoras e momentos sangrentos, Wolfen é um pouco mais do que um filme de terror-padrão, com temas sobre a decadência urbana e o estado diminuto dos nativos americanos, especialmente como os que tentam adaptar-se a ambientes urbanos. Com o desenvolvimento continuo a produzir mais urbanização, a natureza esforça-se para existir, agarrando-se desesperadamente para sobreviver mesmo em novos ambientes externos. Onde os homens costumavam viver com os animais, agora o homem tem vindo a matá-los para construir edifícios e centros comerciais para dar lucro. Mas o assunto que explora "Wolfen" é muito mais do que isso, a interpretação de Wadleigh do livro de Whitley Strieber assume um contexto político que é pouco vulgar e refrescante para o que de outra forma não poderia ser mais do que um festival de sustos.
Albert Finney é o protagonista como Dewey Wilson, um detetive de Nova York aposentado que regressa para desvendar o mistério por trás de uma série de crimes macabros que ocorreram na área, com o mais recente a ser o de um casal rico, Christopher e Pauline van der Veer. Devido à natureza complexa dos crimes, Wilson procura ajuda numa especialista em terrorismo (Diane Venora), um policia (Gregory Hines), e um excêntrica zoólogo (Tom Noonan).
Wolfen é um thriller que não se encaixa facilmente em qualquer género definido. É visto, principalmente, como de terror, mas como o mistério que está por trás dos crimes a desvendar-se, encontramos elementos de suspense e fantasia. É uma experiência irregular, mas tem as suas recompensas, e a natureza peculiar do que pode, provavelmente, ser atribuída à experiência anterior do realizador da contra-cultura, Michael Wadleigh, cujo trabalho anterior inclui o documentário profundamente influente, Woodstock.
Com interpretações agradáveis de todo o elenco e um interessante ponto de vista dos efeitos especiais (sequências a lembrarem as usadas mais tarde no filme Predator), Wolfen é um tipo de thriller de horror completamente diferente, que vai agradar aos espectadores cansados dos filmes de terror habituais.
Tom Waits tem um papel muito secundário, como pianista num bar, e também colaborou na banda sonora com o tema "Jitterbug Boy".
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Tom Waits - (Meet Me) In Paradise Alley
"And will you meet me in Paradise Alley tonight
We'll leave town in a bottle of whiskey
And come on, you old scarecrow, and be a wheel, not a lamppost
Just put a saddle on a wishbone, and you're halfway there"
Beco do Paraíso (Paradise Alley) 1978
O enredo gira em torno dos irmãos Caboni: Cosmo (Stallone), Lenny (Armand Assante) e Victor (Lee Canalito) que vivem no Hell's Kitchen, Nova York e logram escapar da pobreza que circunda a sua comunidade. Cosmo é um vigarista que vive a executar golpes constantemente, a fim de fazer algum dinheiro rápido. Envolve-se com o chefe local, Stich Mohan (Kevin Conway) e vê no wrestling profissional como uma oportunidade para se tornar rico. Ele convence o seu simples e bondoso irmão Victor, para entrar no ringue, a fim de ganhar algum dinheiro fácil. O outro irmão, Lenny é contra a idéia, porque vê nisto um dos golpes de Cosmos e fica preocupado. Depois de Victor bater o campeão local, Lenny tem uma mudança de coração e torna-se no gerente de Victor, dando-lhe o nome de "Kid Salami".
"Paradise Alley" teve luz verde depois do sucesso de Rocky e emula a mesma fórmula, mas desta vez usando o wrestling como pano de fundo. É uma história um pouco confusa, sendo primeiramente sentimental e, de seguida, mudando para tons de comédia.
Rocky não só foi um dos maiores sucessos de bilheteria dos anos setenta - arrecadando mais de 225 milhões de dólares, num orçamento de apenas um milhão, tornando-se um dos filmes mais rentáveis de todos os tempos - mas também era uma obra comovente, bem-feita, sobre personagens que, na verdade, parecem reais. O filme ganhou críticas universalmente positivas, com muitos críticos a proclamarem Sylvester Stallone (acreditem ou não) como um candidato digno do trono de Marlon Brando. Assim, com elogios da crítica e o público do seu lado, Stallone decidiu fazer um outra obra para os fãs do filme anterior, com ele mesmo na cadeira de realizador. Enquanto Rocky era inspirado na Idade de Ouro corrigida para os anos setenta, Beco do Paraíso leva as coisas um pouco mais longe, situando o drama em 1946. Era um retrocesso aos dramas policiais dos anos 40, onde actores como Cagney ou Raft subiam a escada do poder até ao topo, mas está longe de ter o seu ritmo ou força.
Além dos três protagonistas, o filme tinha um elenco interessante, com alguns actores em inicio de carreira: Frank McRae, Anne Archer, Kevin Conway, e Tom Waits. Waits tem a sua estreia no papel de Mumbles, e também colabora em duas músicas da banda sonora: "(Meet Me in) Paradise Alley" e "Annie's Back in Town". Tinha 29 anos nesta altura.
Filme sem legendas.
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terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Ciclo Tom Waits
Tom Waits tem tido uma carreira musical longa e bem sucedida que começou na década de 1970 e continua até aos dias de hoje. Musicalmente, o que ele agora produz é considerado um pouco mais experimental do que no início. Ouvir através de seu trabalho em ordem cronologicamente, é interessante para traçar sua evolução como artista. Mesmo com a mudança para o material experimental, continua a ser um grande contador de histórias com as suas canções. Frequentemente as suas músicas focam personagens vadias que não estariam fora de lugar em novelas de Bukowski, Burroughs ou Kerouac.
A música de Waits já apareceu numa série de filmes e programas de TV, e a sua primeira tentativa de compor um filme inteiro rendeu-lhe uma nomeação ao Óscar. A nomeação foi para a banda sonora do filme musical de Francis Ford Coppola, One From The Heart (1982), filme que é, talvez, mais conhecido por ter levado Coppola à falência, devido aos custos de produção terem saído para fora de controle. Waits, acompanhado numa série de músicas por Crystal Gayle, oferece uma banda sonora quase perfeita, que garante grande parte da narrativa para o filme. Waits aparece brevemente no filme como um trompetista, mas este trabalho com Coppola levou-o s ser convidado para vários outros filmes do realizador. Devido a ser um amigo próximo da família Coppola, foi ele quem tocou no casamento de Spike Jonze com Sofia Coppolla.
Waits teve a sua estreia como intérprete num filme de 1978, de Sylvester Stallone, Paradise Alley, como um pianista chamado Mumbles. Desde então, começou a aparecer em uma série de excelentes filmes, trabalhando com alguns realizadores aclamados ao longo do caminho. Ele tem colaborado com o auteur indie Jim Jarmusch, e Francis Ford Coppola por várias vezes.
Ao longo das próximas 3 semanas, vamos fazer uma viagem pela carreira deste actor, Conhecer alguns dos seus filmes, outros em que ele colaborou na banda sonora, e ouvir algumas das suas músicas. Espero que seja do vosso agrado. Volto Quinta.
A música de Waits já apareceu numa série de filmes e programas de TV, e a sua primeira tentativa de compor um filme inteiro rendeu-lhe uma nomeação ao Óscar. A nomeação foi para a banda sonora do filme musical de Francis Ford Coppola, One From The Heart (1982), filme que é, talvez, mais conhecido por ter levado Coppola à falência, devido aos custos de produção terem saído para fora de controle. Waits, acompanhado numa série de músicas por Crystal Gayle, oferece uma banda sonora quase perfeita, que garante grande parte da narrativa para o filme. Waits aparece brevemente no filme como um trompetista, mas este trabalho com Coppola levou-o s ser convidado para vários outros filmes do realizador. Devido a ser um amigo próximo da família Coppola, foi ele quem tocou no casamento de Spike Jonze com Sofia Coppolla.
Waits teve a sua estreia como intérprete num filme de 1978, de Sylvester Stallone, Paradise Alley, como um pianista chamado Mumbles. Desde então, começou a aparecer em uma série de excelentes filmes, trabalhando com alguns realizadores aclamados ao longo do caminho. Ele tem colaborado com o auteur indie Jim Jarmusch, e Francis Ford Coppola por várias vezes.
Ao longo das próximas 3 semanas, vamos fazer uma viagem pela carreira deste actor, Conhecer alguns dos seus filmes, outros em que ele colaborou na banda sonora, e ouvir algumas das suas músicas. Espero que seja do vosso agrado. Volto Quinta.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Martyrs (Martyrs) 2008
Lucie foi raptada em jovem, e mantida em cativeiro durante um ano num matadouro abandonado. Os médicos não encontram evidências de abuso sexual, o que sugere algo diferente do que a gratificação instantânea geralmente associada a casos de violação. Depois da sua fuga Lucie vive num lar, onde conhece Anna, ela mesma uma vítima de abusos sexuais, que se torna a sua melhor amiga e confidente. Mas Lucie é assombrada pela estranha culpa que violentamente se manifesta como uma mulher magra que continua a infligir dor nela. Andamos quinze anos para a frente, quando Lucie procura a vingança impiedosa e tenta rastrear as pessoas que acredita que a raptaram.
Narrativamente falando, Martyrs é um filme fora de vulgar, que tem algumas voltas e reviravoltas, e numa última análise, sente-se distante do seu ponto de partida. Embora isso possa soar como um pouco sinuoso e incoerente, na realidade não o é - e é um filme bastante coeso, como um todo. Estejam preparados para um filme com duas partes distintas que finalmente se juntam para formar uma experiência instigante e muito interessante.
De certa forma, Martyrs é um pouco semelhante ao primeiro Hostel, que injustamente foi marcado com o estigma "Torture Porn", no entanto, existe um método aqui, em que a loucura é explorada por Laugier nos cantos mais depravados da mente humana. Uma vez que são finalmente revelados, os vilões e as suas motivações são extremamente intrigantes e originais, e francamente assustadoras. Dito isto, há algumas sequências extremamente violentas na tradição dos brutais filmes franceses que saíram nos anos anteriores.
O filme é levado a bom porto pela direção focada de Laugier e a beleza da fotografia. Para ser um filme tão violento, Martyrs realmente está bastante bonito, e parece ter uma camada de brilho polido que funciona muito bem. Muitos condenaram a violência substancialmente gráfica que preenche Martyrs como uma indulgência, sugerindo a violência e o derramamento de sangue a serem empregados simplesmente num esforço para chocar, horrorizar, e incentivar uma reação visceral. Embora este argumento seja indiscutivelmente válido, este é sem dúvida o melhor dos filmes franceses de terror extremista, considerado por muitos especialistas como o melhor filme de terror da década passada. Será?
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À l'intérieur (À l'intérieur) 2007
Na véspera de Natal, Sarah ainda está traumatizada com a memória do acidente de carro horrível em que faleceu o seu marido, e que ela por pouco sobreviveu. No dia seguinte irá ao hospital para dar à luz, mas primeiro deve passar uma última noite sozinha na sua tranquila casa suburbana. Naquela noite, uma estranha mulher bate à porta e pergunta se pode fazer um telefonema urgente. Mais tarde, naquela mesma noite, Sarah é acordada pelo som de um intruso em casa. É a mesma mulher de preto que ela viu antes! Sarah logo percebe que a sinistra mulher veio para levar o seu bébé para longe dela...
Aqui vamos nós outra vez. Quando pensávamos que o cinema de autor teve os seus tempos nos filmes de terror, volta outra vez, como se o fantasma de Michael Myers se tratasse, mais sangrento e mais faminto do que nunca. França está na vanguarda do mais recente ressurgimento do interesse no género "slasher", o que é surpreendente, dado que os franceses têm, tradicionalmente, o género de terror como um cinema menor. À L'intérieur eleva o conceito do terror e impulsiona-o numa nova e mais terrível direção, combinando-o com elementos de fantasia e suspense psicológico para entregar ao espectator uma experiência de visualização verdadeiramente angustiante.
O que torna À l'intérieur tão particularmente preocupante e que o diferencia do filme de terror mais convencional é que ele ultrapassa a fronteira entre a realidade e a imaginação, de tal forma que tudo é possível, e mesmo assim tudo parece ser assustadoramente real. O filme mais próximo é o de Wes Craven A Nightmare on Elm Street (1984), que oferece uma excursão semelhante num pesadelo de tormento auto-induzido, aquele em que a repressão sexual adolescente manifesta-se como um mal onipresente e mortal (chamado Fred). O título À l'intérieur sugere o mesmo tipo de de conflito interno, em que o protagonista, uma jovem mulher grávida, deve enfrentar os seus próprios demónios, o produto de um acidente de carro traumático e um parto iminente, e o risco de perder a sua sanidade mental.
Para os fãs dos slasher clássicos, À l'intérieur é um must-see, que mostra este género agora revivido e vilipendiado no seu modo mais niilista e chocante. Com um pouco mais de trabalho no argumento, poderia ter sido algo especial, um estudo escuro e inteligente do colapso mental que investiga os limites absolutos do terror psicológico.
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domingo, 19 de janeiro de 2014
Frontière(s) (Frontière(s)) 2007
Quando a extrema direita está prestes a tomar o poder, uma gang de jovens dos subúrbios comete um assalto e põem-se em fuga. Perseguidos pela polícia, fogem de carro para a fronteira com o Luxemburgo. Aqui, no meio de uma floresta, são recebidos pelos moradores de uma pousada isolada. Mas nem tudo é o que parece. Os moradores aparentemente tolerantes deste pequeno e acolhedor estabelecimento são, na realidade, canibais sádicos e neo-nazis.
A expressão "torture porn", foi utilizada ultimamente como uma forma para descrever filmes de terror que levam o seu conteúdo violento a novos extremos. Em "Frontiere(s)" há sangue suficiente para saciar até mesmo os cães mais vorazes que conseguirem encontrar. A verdadeira surpresa é que esta obra assustadora e contemporânea também tem algumas idéias, visuais e não só. Tal como outros filmes de língua francesa de terror do mesmo período ("Alta Tensão", "Calvaire"), este também tem uma dívida com o moderno filme de terror americano, e o original "Texas Chainsaw Massacre", entre muitos outros, embora "Frontier(s)", acrescenta um toque político divertidamente simplista a toda a sua carnificina.
Xavier Gens alega ter concebido o filme durante as eleições presidenciais francesas de 2002, quando o candidato da extrema direita Jean-Marie Le Pen foi uma forte surpresa nas urnas, mas é fácil perder o conceito de que "Frontiere(s)" é passado ligeiramente no futuro, sob um regime conservador repressivo. Mas a sugestão de que os vilões Von Gieslers encarnam uma cepa de racismo francês é clara: Eles desprezam Yas e os amigos porque eles não são de uma raça pura, e não os consideram melhores do que os porcos destinados à mesa do jantar.
Este era o filme de estreia de Xavier Gens, e tal como outros dos seus compatriotas do terror francês deste período, partiu logo para os Estados Unidos, onde já realizou duas longas, "Hitman" e "The Divide", e um segmento para o filme "The ABCs of Death".
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Sheitan - Pacto com o Diabo (Sheitan) 2006
A história segue os amigos Thai (Nicolas Le Phat Tan), Bart (Olivier Bartelemy), Ladj (Ladj Ly) e Yasmine (Leïla Bekhti), que conhecem Eve (Roxane Mesquida) numa discoteca e concordam segui-la a uma casa no campo para continuar a sua festa. É de manhã, na véspera de Natal, e quando chegam a esta casa no meio da nada, são recebidos por um rebanho de cabras e estranho governante... Joseph (Vincent Cassel).
Joseph é a verdadeira estrela do filme e a interpretação de Vincent Cassel é incrível. A sua personagem psicótica, maníaca, de olhos arregalados, sorrindo, é ao mesmo tempo divertida e assustadora, em igual medida, e desde os início sabemos que os outros personagens devem ser cautelosos. Ele saúda os jovens - um pouco calorosamente - para dentro de casa, onde Eve mostra a coleção de bonecas da sua família. Essas bonecas fazem Chucky parecer um simpático brinquedo. A mise-en-scene diz "Corram, seus tolos". É óbvio que eles devem fugir dalí o mais rápido possível.
"Sheitan" pertence a uma produtora chamada Kourtrajme (gíria em francês para "curta-metragem"), um coletivo urbano de jovens realizadores, músicos e designers gráficos, onde Kim Chapiron, o realizador deste filme, pertence. Depois de algumas curtas postadas no site da Kourtrajme ganharam fama no submundo do cinema francês, e uma certa hype na imprensa francesa, ajudada pelo realizador de "La Haine" Matthieu Kassovitz, e o actor Vincent Cassel - tanto que ambos apareceram em algumas das suas curtas, e Cassel é o protagonista deste filme. Mesmo Chris Marker, o lendário realizador de La Jetée (1962), não hesitou em compará-los como a nova onda do cinema francês.
Pelo que é visto em Sheitan, a sensibilidade de Chapiron está algures entre Gaspar Noé (Irreversível) e Harmony Korine (Gummo), um surrealismo desprezível povoado por imagens grotescas e uma aberrante violência extrema. Em muitos aspectos, é um exercício de culto juvenil, o que provavelmente explica por que ganhou tanta fama, e o cobiçado prémio Midnight Madness no Toronto Film Festival. Mas o filme tem um trunfo enorme em Vincent Cassel, e só por isso já vale a pena uma visualização.
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sábado, 18 de janeiro de 2014
Eles (Ils) 2006
Clémentine e Lucas são um jovem casal francês que têm vivido em Bucareste à vários meses. Ela trabalha como professora, ele é escritor. Vivem numa mansão isolada, a milhas da cidade mais próxima. Uma noite, Clémentine é acordada por um barulho estranho. Convencidos de que alguém invadiu a casa, ela acorda Lucas que sai para explorar no escuro. Como temia, Lucas encontra provas de intrusos, mas eles parecem estranhamente relutantes em se mostrar. O pesadelo está apenas a começar...
Supostamente baseado numa história verdadeira, Ils é um exemplo superlativo do género psycho-thriller/horror que se tornou popular na década de 70 e ganhou alguma respeitabilidade com "Shining", de Stanley Kubrick (1980). O realizador John Carpenter desenvolveu o género para o que hoje denominamos o "thriller de terror" através da introdução de violência gráfica com o seu filme Halloween (1978). Recentemente, o género tornou-se cada vez mais sangrento e repugnante. Ils dá um passo ou dois para trás de todo este derramamento de sangue gratuito, e mostra que um thriller muito, muito mais eficaz pode ser alcançado como resultado.
É interessante notar que até recentemente este era um género que era excepcionalmente raro no cinema francês. O único filme semelhante, de nota, era "Alta Tensão", de Alexandre Aja (2003), embora este se desvie dos excessos do filme de Aja, e apareça involuntariamente engraçado em algumas de suas sequências mais violentas. Por contaste, Ils é muito mais contido, com menos violência retratada na tela do que encontramos, por exemplo, num episódio de "Tom & Jerry". A razão pela qual o filme é tão eficaz e tão absolutamente convincente, é porque a maioria do horror das experiências dos espectadores, enquanto vê o filme vem de da sua própria imaginação. O terror é muito mais terrível quando se trata das profundezas obscuras da nossa própria consciência. Este, afinal, é o lugar onde nascem os pesadelos.
A leve abordagem adoptada pelos realizadores em estreia David Moreau e Xavier Palud (reparem que até agora todos os filmes deste sub-ciclo têm sido realizado por estreantes) para este filme, na verdade, serve o tema do filme muito bem. O verdadeiro inimigo que os dois protagonistas enfrentam aqui é o seu medo, não os seus perseguidores humanos. A incapacidade de lidar com o medo e lidar com a ameaça que os enfrenta de forma racional é o que os impulsiona a sua condenação. Na maioria dos filmes deste tipo, as vítimas são atormentadas por alguém do mal quase sobre-humana, alguém que (incrivelmente) sabe todos os seus movimentos e tem um talento especial implausível de saber exatamente em que canto se esconder. Aqui, as vítimas são seus próprios algozes. É o medo cego que os leva a entrar em pânico e mergulha-los num pesadelo vivo, tornando a sobrevivência de uma impossibilidade virtual. Ils é um filme impressionante que nos lembra o quão perigoso e destrutivo pode ser o medo, se nós permitirmos que ele tome conta de nós.
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Les Revenants (Les Revenants) 2004
Os mortos voltaram. Por todo o mundo, milhões de homens, mulheres e crianças que morreram nos últimos dez anos saíram dos seus túmulos. Eles andam, atordoados e silenciosos, em locais públicos, com o mundo a olhar em espanto. Então, de repente, param de chegar. O problema agora é o que fazer com todas essas pessoas recém ressuscitadas. Como é que os seus amigos e famílias vão lidar com a reunião com alguém que achavam que tinham perdido para sempre? Será que vai ser possível voltar a integrá-los de volta para a sociedade? A humanidade enfrenta um dos seus maiores desafios - aprender a viver com os mortos...
Um dos filmes franceses mais falados de 2004, foi o filme de zombies dos seus dias, mas é menos um filme de terror convencional e mais uma alegoria subtil sobre como a sociedade responde a um súbito afluxo de pessoas de fora (por exemplo, imigrantes). Foi o primeiro filme a ser dirigido por Robin Campillo, que já se tinha distinguido com a montagem de filmes de Laurent Cantet, como Humaines Ressources (1999) e L'emploi du Temps (2001).
Embora o seu tema seja pura fantasia, "Les Revenants" é uma peça original e pensativa de cinema que proporciona uma reflexão séria sobre a natureza da dor, e como uma sociedade com medo trata de grupos minoritários e pessoas de fora. O filme tem alguns pontos fortes - uma intensa atmosfera e uma fotografia assombrosa - mas o seu impacto é enfraquecido pelo ritmo letárgico e o facto de que praticamente todos os personagens - humanos e zombies normais - serem interpretados do mesmo modo inexpressivo. O tipo de reações que naturalmente esperaríamos quando um parente enlutado é confrontado com o seu ente querido está dolorosamente ausente, e esta falta de realismo emocional apenas acentua a artificialidade e absurdo descarado da narrativa. Apesar de suas falhas óbvias, este filme tem a sua própria poesia obscura e é estranhamente atraente...
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Calvaire (Calvaire) 2004
Marc Stevens é um cantor itinerante que realiza espectáculos principalmente para casas de repouso. Depois de um concerto num hospício ser cancelado, o seu carro avaria no meio do nada. Um estranho aparece e leva-o para uma estalagem dirigida por Monsieur Bartel. Desde que a sua esposa Gloria o deixou, este tem andado num estado de desequilíbrio mental. Para surpresa de Marc, Bartel está convencido de que ele é a reencarnação da sua esposa. A surpresa de Marc transforma-se em horror quando o seu anfitrião aprisiona-o e veste-o com as roupas da esposa...
"Haute Tension", de Alexandre Aja (2003), mostrou ao mundo que o cinema francês poderia fazer filmes de terror de sobrevivência, tão ou mais emocionantes e elegantes do que qualquer coisa feita pelos seus colegas norte-americanos, mas tinha uma falha: não tinha sentido de humor. Na sua estreia, no ano seguinte, o belga Fabrice Du Welz evitou cometer esse mesmo tipo de erro, e deu ao público desavisado algo muito mais satisfatório e saudável: um limpo filme de terror de gelar o sangue que faz o público rolar pelo chão em histeria (bem , quase). "Calvaire" mostra as suas influências com uma quase desavergonhada falta de modéstia: The Texas Chainsaw Massacre (1974), sendo o filme de terror clássico que mais obviamente se baseia neste filme, mas ao mesmo tempo se afasta, por ser tão escandalosamente off-the-wall, e ridiculamente doente.
A maior parte do filme é muito bem estruturada, com um músico da cidade a tornar-se atormentado pelo mais estranho dos campestres, que o confunde com a reencarnação da sua esposa. Jackie Berroyer consegue ser hilariante e terrível como o vilão, enquanto Laurent Lucas revela-se uma escolha eficaz para o papel da vítima que adoramos ver passar por um inferno. Desde o início, é o pinteresco Berroyer que monopoliza a nossa simpatia, e chegamos mesmo a apreciar as humilhações e crueldades que ele submete o personagem de Lucas. Calvaire é um filme que nos lembra de que, não importa o quanto nós podemos fingir o contrário, há um pouco de sadismo em todos nós.
A história pode não ser particularmente original - é praticamente uma repetição da maravilhosamente insana comédia de humor negro de Philippe Haïm, Barracuda (1997) - mas isso pouco importa se, tal como Du Welz, a vermos a partir de um ângulo completamente novo, e com auto-contenção e bom gosto. Claramente muito mais interessado no estilo do que na substância, Du Welz ataca o seu filme com uma espécie de alegria maníaca, invadindo quase todos os filmes de terror americanos feitos a partir de meados da década de 1970. O filme começa vertiginosamente bizarro, com porcos e moradores que parecem zombies (todos do sexo masculino) com um sentido geral de desordem e histeria. Um dos filmes de terror mais elegantes e dementes da língua francesa, Calvaire é uma fantasia delirante desequilibrada que parece suspeita como um conto de fadas dos Irmãos Grimm horrivelmente fora de controle, e que merece um lugar na coleção de qualquer entusiasta dos filmes de terror.
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Alta Tensão (Haute Tension) 2003
As melhores amigas Marie e Alex decidem fazer uma pausa no campo para estudar para os exames. Mas logo depois de chegarem à casa da família de Alex, uma casa isolada, um visitante sinistro chega numa van. Marie assiste com horror ao estranho a matar sistematicamente os pais de Alex e o seu irmão mais novo. Enquanto tenta resgatar a amiga, Marie acaba por ficar encurralada na van do assassino enquanto ele vai embora. Consegue escapar num posto de gasolina e faz uma tentativa desesperada de encontrar ajuda para que ela possa salvar Alex...
Esta homenagem do entusiasta Alexandre Aja aos filmes de terror americanos encharcados de sangue dos anos oitenta, não é um filme que agrade a todos os gostos, mas para os devotos do género muito criticado vale a pena conferir. Na sua segunda longa-metragem (esta é a primeira), Aja passou a dirigir o remake do aclamado "The Hills Have Eyes" e ganhou reconhecimento como um dos mais talentosos da mais recente onda de realizadores de filmes de terror. Haute Tension é um trabalho muito mais interessante do que a grande maioria dos filmes de terror que têm saído dos estúdios de cinema norte-americanos, muitos dos quais são sequelas cansadas que oferecem pouco em termos de originalidade ou recurso ao susto. O trabalho de câmera fluido tem uma sensação de voyeur sinistro, o que funciona bem com o design de som misterioso para criar uma aura sustentada de ameaça e terror montados lentamente. O filme transmite-nos a sensação de estarmos preso num pesadelo, um pesadelo onde o terror é ilimitado e qualquer horror indescritível pode se tornar realidade.
Como acontece frequentemente com este tipo de filmes, a tensão e o impacto dramático são, em última análise, prejudicados pelos excessos sangrentos que são necessários para proporcionar a experiência completa dos slasher. O desempenho fascinante da personagem central de Cécile De France compensa, pelo menos em parte, a falta de contenção de Aja na demasiada exposição do sangue e ajuda a restaurar um senso de realidade ao processo. O seu design elegante e a montagem são duas outras das vantagens, que o tornam numa das entradas mais respeitáveis do género slasher na década passada.
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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
O Novo Cinema Extremista Francês: A brutalidade nos filmes de terror do milénio
Esta vaga que temos vindo a seguir, terminou por volta de 2004, com os seus realizadores mais importantes, já estabelecidos na indústria de cinema francesa. Praticamente ao mesmo tempo começava uma nova vaga, agora ligada ao cinema de terror.
Esta segunda parte deste ciclo vai apresentar uma nova vaga de brutalidade em filmes de terror franceses na década de 2000. Estes obras também têm em conta os filmes do "novo extremismo", um termo nebuloso e vagamente concebido para filmes que tem um ponto ou outro não incluídos apenas no cinema de arte reconhecido, mas também no novo horror francês. Utilizando estratégias estéticas que atravessam as fronteiras da expectativa, tanto no cinema de arte como no género horror, estes filmes repelem e brutalizam as suas audiências até à exaustão. Derivam como representações alegóricas de ansiedades culturais de uma cultura inundada com imagens de tortura e terrorismo, e como imagens que são projetadas para nos repelir jogando com essas ansiedades.
Os filmes dentro desta nova vaga do Novo Cinema Extremista francês têm diferentes influências de uma série de sub-géneros do horror - a saber, os slashers, o terror psicológico e os filmes de gore - mas todos os que estão dentro desta categoria transmitem também influências de um outro género infame, o Body Horror. Pascal Laugier, o realizador de Martyrs - sem dúvida o filme mais reconhecído dentro deste movimento - citou as séries americanas de "torture porn" "Saw", e "Hostel", de Eli Roth como duas grandes influências no seu trabalho.
Outro realizador notável ligado a este novo género, Xavier Gens (criador de Frontier's), descreveu o seu trabalho como: "Uma carta de amor ao cinema de género". Quando estimulado a lançar luz sobre as inspirações desta carta de amor, ele disse: "Há um monte de referências a "Texas Chainsaw Massacre", "The Fly", e muitos outros." À luz das influências americanas/Canadianas deste duo de importantes realizadores, é relativamente seguro supor que um número significativo de realizadores ligados a esta tendência recente assumiram semelhante influências.
Nos próximos dias, vamos ver 8 filmes deste sub-sub-género, alguns deles do cinema de terror mais importante da década passada. Espero que gostem.
Esta segunda parte deste ciclo vai apresentar uma nova vaga de brutalidade em filmes de terror franceses na década de 2000. Estes obras também têm em conta os filmes do "novo extremismo", um termo nebuloso e vagamente concebido para filmes que tem um ponto ou outro não incluídos apenas no cinema de arte reconhecido, mas também no novo horror francês. Utilizando estratégias estéticas que atravessam as fronteiras da expectativa, tanto no cinema de arte como no género horror, estes filmes repelem e brutalizam as suas audiências até à exaustão. Derivam como representações alegóricas de ansiedades culturais de uma cultura inundada com imagens de tortura e terrorismo, e como imagens que são projetadas para nos repelir jogando com essas ansiedades.
Os filmes dentro desta nova vaga do Novo Cinema Extremista francês têm diferentes influências de uma série de sub-géneros do horror - a saber, os slashers, o terror psicológico e os filmes de gore - mas todos os que estão dentro desta categoria transmitem também influências de um outro género infame, o Body Horror. Pascal Laugier, o realizador de Martyrs - sem dúvida o filme mais reconhecído dentro deste movimento - citou as séries americanas de "torture porn" "Saw", e "Hostel", de Eli Roth como duas grandes influências no seu trabalho.
Outro realizador notável ligado a este novo género, Xavier Gens (criador de Frontier's), descreveu o seu trabalho como: "Uma carta de amor ao cinema de género". Quando estimulado a lançar luz sobre as inspirações desta carta de amor, ele disse: "Há um monte de referências a "Texas Chainsaw Massacre", "The Fly", e muitos outros." À luz das influências americanas/Canadianas deste duo de importantes realizadores, é relativamente seguro supor que um número significativo de realizadores ligados a esta tendência recente assumiram semelhante influências.
Nos próximos dias, vamos ver 8 filmes deste sub-sub-género, alguns deles do cinema de terror mais importante da década passada. Espero que gostem.
À Aventura (À l'Aventure) 2008
Sandrine está aborrecida com a sua confortável existência de classe média numa cidade da provincia. Finalmente, cansada dos rituais diários e compromissos intermináveis que limitam a sua liberdade, deixa a casa e o namorado e sai em busca de aventura. Ela começa por conhecer um jovem psiquiatra que acontece partilhar da sua sede de paixão e auto-realização através das mais intensas experiências sensuais...
Os três filmes que compõem a trilogia da exploração da sexualidade feminina e o tabu, de Jean-Claude Brisseau, tem sido marcados por uma controvérsia extraordinária que acabou por prejudicar o seu propósito e lançado dúvidas sobre os seus métodos. Acusado de assédio sexual por duas actrizes depois do primeiro filme (Choses Secrètes), o segundo filme da trilogia acabaria por ficar comprometido pelo realizador sentir a necessidade de se explicar e os seus métodos, sugerindo ainda que a sua grave exploração de um assunto tão proibido e esotérico como a sexualidade feminina tinha desencadeado forças místicas negativas contra ele para provocar a sua queda. Destemido, Brisseau completa a trilogia com "À l'Aventure", e embora ainda fixado em misticismo sexual e, finalmente, um tanto mais simplicista no seu argumento, o filme, no entanto, recupera um pouco da intenção séria da sua obra.
No contexto da trilogia, então, o título "À l'Aventure" sugere claramente a crença na força libertadora da exploração sexual, ou pelo menos a ambição de lutar pela sua realização. Para os personagens do filme, há uma série de fatores inibidores de condicionamento social e modernos estilos de vida burguesa que os impedem de alcançar esse aspecto vital das suas vidas, mas o principal obstáculo para as mulheres, o que está em causa é claramente a instituição do casamento. É uma armadilha que Sandrine (Carole Brana), observando a insatisfação dos casamentos dos seus amigos e a sua própria relação de rotina com o namorado, deseja escapar. Incapaz até mesmo de dar prazer a si mesma, sem incorrer à ira do seu namorado inseguro, ela acaba por trocá-lo por um homem que encontra num café.
O casting foi o aspecto mais problemático de l'Aventure, o assunto polémico não conseguir atrair actores de qualidade que se encaixassem nos papéis e fizessem justiça ao material. E num filme cujo objetivo era inspirar toda a exploração de outras vias sexuais, é uma grande falha pois há pouco sentido de qualquer verdadeira liberdade, alegria ou libertação aqui expressa.
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Flandres (Flandres) 2006
Num local remoto do interior, algures em França, uma jovem chamada Barbe prossegue uma intensa relação física com um jovem agricultor, Demester. Este último parece não se importar quando Barbe começa a ter um caso com outro rapaz local, Blondel. Demester e Blondel são apenas dois dos vários jovens da região que foram chamados para o serviço militar activo numa terra distante. A perspectiva de aventura excita os jovens que estão ansiosos para partir. Mas não demora muito para que a realidade da guerra destrua as suas ilusões e os transforme em brutais monstros armados. Enquanto isso, de volta a casa, Barbe sofre um trauma emocional cada vez mais tortuoso ao antecipar os horrores que os seus amantes estão a passar, longe do seu país de origem...
Depois de um filme vago e incoerente, Twentynine Palms (2003), Bruno Dumont teve um regresso à forma com Flandres, uma obra friamente expressionista em que os piores defeitos da natureza humana são expostos como carcaças em decomposição incrustadas de sangue na prateleira de um talho. Muitos críticos saudaram este filme como uma obra-prima e poucos ficaram surpresos quando ele venceu o Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes em 2006. Lançado numa altura em que duas aventuras militares imprudentes e aparentemente condenadas estavam a acontecer no Ocidente, Flandres oferece uma reflexão oportuna sobre a futilidade e a influência corruptora da guerra.
Dumont primeiro revelou o seu talento para o cinema instigante e sombrio com o controverso drama social "La Vie de Jésus", que seguiu com o igualmente preocupante "L'Humanité" (1999). Estes dois filmes e Flandres quase que formam uma trilogia, em que a desintegração social, o vazio moral e a falta de realização individual na era pós-industrial materialista eram explorados com um realismo intransigente e uma sensação inconfundível de desespero. Flandres afasta-se um pouco do realismo dos dois primeiros filmes de Dumont, embora ainda mostre queda do realizador para o naturalismo.
O filme mostra-nos que o que nós pensamos como sendo a civilização é, de facto, não mais do que uma máscara para esconder a nossa vergonha. Debaixo da superfície o selvagem esconde-se, ocultando a sua verdadeira natureza com perfume. O que quer que possamos pensar, a agressão é um componente inevitável da condição humana. Dados os estímulos adequados, o conjunto certo de circunstâncias, o lado animal da nossa natureza irá emergir, ansioso para saciar o seu apetite com fome de luxúria e sangue.
Flandres não é de nenhum modo um filme fácil de se assistir. A natureza do seu assunto e a abordagem fria e austera de Dumont, sem dúvida, irão assustar muitos espectadores, que serão conduzidos ainda mais fundo para lá da sua zona de conforto. Mas para aqueles com vigor para este tipo de provação cinematográfica, Flandres é uma obra-prima ousada e sedutora que vai deixar uma impressão duradoura, causando-nos a refletir muito e bem sobre o tipo de criatura que realmente somos.
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Os Anjos Exterminadores (Les Anges Exterminateurs) 2006
"Les Anges Exterminateurs",de Jean-Claude Brisseau, começa em San Francisco no Roxie Cinema, e é baseado em eventos que supostamente ocorreram durante e depois do seu filme de 2002, Coisas Secretas (aka Choses Secrètes), onde o realizador foi acusado de assediar sexualmente jovens atrizes, obrigando-as a masturbarem-se durante as audições. Foi multado, mas nunca chegou a ser preso. Aqui, ele conta a história de um realizador de cinema, François (Frédéric Van Den Driessche), que tem intenção de fazer um filme sobre a sexualidade feminina. Infelizmente, a sua ideia de sexualidade feminina joga muito com as lúgubres fantasias lésbicas de um homem. François entrevista várias jovens mulheres. Muitas recusam os seus pedidos de se exibirem para ele, mas acaba com três actrizes aventureiras, Charlotte (Maroussia Dubreuil), Julie (Lise Bellynck) e Stéphanie (Marie Allan), e cada uma delas começa a agir se uma forma obsessiva, cruel e depravada, enquanto François observa. (aparentemente ele não tem autoridade como realizador sobre elas.) Dormem juntos para a audição, decidem que gostam e continuam a dormir juntos, tocam-se, e muito mais.
Como acontece em Coisas Secretas, Brisseau recusa-se a deixar o filme caír em exploitation. Continua a insistir que está a fazer algo artístico e/ou verdadeiro, levando o filme para terrenos perigosos: o pretensionismo. O olhar da câmera de Brisseau é análogo ao voyeurismo de François, interligando o processo com um tom autobiográfico, e a presença de anjos/demónios que assistem e comentam sobre (e manipulam?) François e as suas actividades, a principal preocupação é a dinâmica compartilhada entre o observador e o observado. É uma relação multifacetada sobre a qual Brisseau não está interessado em dar respostas concretas, mas sim, com este, um filme quase pornográfico, e estranhamente metafísico, criando uma mistura de confusão, medo, e emoções.
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terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Minha Mãe (Ma Mère) 2004
Quando fica a saber da morte do pai, o jovem de 17 anos, Pierre, vive uma súbita e dramática crise de identidade. Enquanto passa férias com a mãe, Hélène, numa ilha do Mediterrâneo, ele passa por uma iniciação turbulenta e destrutiva nos mistérios do sexo. Com a sua amada mãe, ele descobre que é um ninfomaniaco incontrolável, viciado em práticas sexuais obscenas, e que o seu pai possuía um vasto tesouro de material pornográfico. Longe de incomodada pelo despertar violento do seu filho, Hélène piora as coisas, incentivando-o a entregar-se aos seus desejos carnais ao máximo - com consequências desastrosas.
De um modo geral, os filmes dividem-se em duas categorias: aqueles que vemos por prazer e aqueles que vemos para ampliar os nossos horizontes. Ma mère é um filme que certamente não se enquadra na primeira categoria (exceto para aqueles que têm algumas idéias muito estranhas sobre o que constitui o entretenimento), mas provavelmente também não pertence ao segundo ponto. É um filme que empurra os limites em relação ao conteúdo sexual explícito. Definitivamente não é para pessoas fracas de coração.
Ma mère é baseado numa novela controversa de Georges Bataille, e é o segundo filme a ser realizado por Christophe Honoré, cuja primeira obra, o duro, mas envolvente drama "17 fois Cécile Cassard", ganhou enorme aclamação da crítica. Pelo positivo, há algumas interpretações excepcionais - mais notadamente as de Isabelle Huppert e Louis Garrel - e o argumento de Honoré consegue capturar a complexidade da relação mãe-filho, com todas as suas conotações edipianas obscuras. Honoré é menos bem sucedido a fazer o filme acessível ao seu público - a escolha do estilo cinematográfico e a montagem fazem o filme parecer feio e incoerente, uma abordagem que serve para distanciar o espectador do drama, tornando o que vemos ainda mais grotesco e ofensivo do que caso contrário pode ter parecido. O realizador também tem uma tendência a tornar-se pretensioso em certas ocasiões, com algumas opções da música, obviamente, inadequadas para imagens panorâmicas do mar e da areia, de uma forma que compromete o tom sombrio do realismo em que esteve antes. Ainda assim, uma obra a descobrir.
De um modo geral, os filmes dividem-se em duas categorias: aqueles que vemos por prazer e aqueles que vemos para ampliar os nossos horizontes. Ma mère é um filme que certamente não se enquadra na primeira categoria (exceto para aqueles que têm algumas idéias muito estranhas sobre o que constitui o entretenimento), mas provavelmente também não pertence ao segundo ponto. É um filme que empurra os limites em relação ao conteúdo sexual explícito. Definitivamente não é para pessoas fracas de coração.
Ma mère é baseado numa novela controversa de Georges Bataille, e é o segundo filme a ser realizado por Christophe Honoré, cuja primeira obra, o duro, mas envolvente drama "17 fois Cécile Cassard", ganhou enorme aclamação da crítica. Pelo positivo, há algumas interpretações excepcionais - mais notadamente as de Isabelle Huppert e Louis Garrel - e o argumento de Honoré consegue capturar a complexidade da relação mãe-filho, com todas as suas conotações edipianas obscuras. Honoré é menos bem sucedido a fazer o filme acessível ao seu público - a escolha do estilo cinematográfico e a montagem fazem o filme parecer feio e incoerente, uma abordagem que serve para distanciar o espectador do drama, tornando o que vemos ainda mais grotesco e ofensivo do que caso contrário pode ter parecido. O realizador também tem uma tendência a tornar-se pretensioso em certas ocasiões, com algumas opções da música, obviamente, inadequadas para imagens panorâmicas do mar e da areia, de uma forma que compromete o tom sombrio do realismo em que esteve antes. Ainda assim, uma obra a descobrir.
29 Palms (Twentynine Palms) 2003
Daniel, um fotógrafo freelancer, chega a Los Angeles com a namorada russa Katia, e põe-se à procura de um deserto para uma sessão fotográfica. O casal só consegue comunicar-se num muito mau francês e como estão num lugar muito quente resolvem fazer amor tão frequentemente quanto possível. Um dia, quando exploram o deserto são atacados por três homens, um dos quais viola Daniel diante dos olhos da sua namorada...
A génesis de Twentynine Palms veio durante a viagem de Bruno Dumont ao deserto da Califórnia. Não é que este local seja mais perigoso e, portanto, mais assustador, do que a sua cidade natal, no norte de França, mas o ambiente seco, empoeirado, e montanhoso são uma mudança surpreendente das vegetativas quintas que ele estava habituado. Dumont criou Twentynine Palms à volta do horror da desolação, mas, a paisagem é sem dúvida o personagem principal.
O modo pelo qual o público interage com as imagens de paisagens é alternado pelo que temos visto recentemente da crueza dos seres humanos. Apesar da marca de Dumont, alternando entre os close-up e imagens de ângulo mais distante, criarem um conflito entre os seres humanos e a paisagem, o nosso filme tem uma tendência para ignorar as abstrações e optar por se concentrar nos conflitos tradicionais entre os personagens . Há certamente muitas brigas porque David e Katia têm de passar muito tempo juntos, mas o casal está no meio de descobrir o quão poderão ser compatíveis. O facto de que o inglês ser a primeira língua de David e que Katia não falar nada desta língua torna as coisas mais difíceis, e David vê-se obrigado a falar palavras inglesas no meio das conversas em francês, por falta de um francês adequado. No entanto, Katia é ainda mais difícil de compreender, dizendo o oposto polar e depois voltar atrás, recusando-se a explicar-se. Recusam-se a responder um ao outro, agem em urgência e impulso, repetindo o essencial da sobrevivência.
Twentynine Palms mostra uma progressão negra na obra de Dumont. A personagem de Pharaon em L'Humanité foi pensada à medida de um mundo miserável, mas tendo sido revertida para o seu estado mais primitivo. A raça humana em Twentynine Palms está agora totalmente desprovida de compaixão. Essas pessoas não têm consciência, não sentem remorsos, e não sentem culpa, o que faz com que todos sejam uma ameaça potencial. Isto é mais do mundo que vemos em certas obras de época, sejam de homens das cavernas, ou cowboys do oeste selvagem onde qualquer pessoa que encontramos nos podem tentar roubar, violar ou até assassinar. A grande diferença é o herói, e qualquer senso de glamour ou nostalgia foi removido.
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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Irreversível (Irréversible) 2002
Marcus e o seu amigo Pierre procuram vingança. Invadem um bar gay em busca de um homem, e encontram-no, espancando-o até à morte. O que poderia ter causado estes dois jovens descerem ao nível de animais? Poucas horas antes, a namorada de Marcus, Alex, foi brutalmente violada por um chulo homossexual, e antes disso, Marcus soube que Alex estava grávida dele...
Com o seu filme de estreia, Seul contre tous (1998), o realizador argentino/francês Gaspar Noé era tanto criticado como elogiado em quase igual medida, pela sua abordagem escandalosamente provocativa ao cinema. Na sua longa-metragem seguinte, Irréversible, ele monta o equivalente cinematográfico a um golpe terrorista, tendo a sua audiência como refém e submetendo-os durante 90 minutos ao material mais gratuitamente horripilante e degradante que o seu génio artístico poderia conceber. O filme é tão brilhante como é falhado, algo que tem dividido os críticos, tanto quanto o seu conteúdo inegavelmente chocante. Irréversible é, literalmente, o tipo de filme mais insano, que as pessoas sensatas só podem ver uma vez, mas a experiência - para o bem ou para o mal - é aquela que permanecerá para sempre.
Irréversible não é um filme para pessoas de coração fraco. Foi condenado com um fervor quase religioso em alguns setores por causa da violência intransigente mostrada na sua primeira metade. E, talvez, merecidamente, já que é composto por um homem a ser espancado diante dos nossos olhos e uma cena de violação aparentemente interminável. Ambas as sequências são traumatizantes, e levaram muitos críticos a questionar os motivos de Noé - será que ele simplesmente usa a extrema violência como um dispositivo para ganhar notoriedade que o seu talento artístico por si só não poderia conquistar? A cena da violação é particularmente preocupante, principalmente por causa da forma como é filmada, num único shot, com uma câmera totalmente estática - um forte contraste com os movimentos de câmera frenéticos utilizados nos primeiros 20 minutos de filme. Enquanto outros realizadores tentaram recriar o horror da violação através de uma montagem inteligente, Noé simplesmente obriga-nos a sentar e assistir ao evento do ponto de vista de um observador passivo - é uma sequência totalmente demente, mas também dolorosamente eficaz.
Outro ponto de controvérsia é a estrutura da narrativa invertida. Começa com o terrível final de uma história trágica e, de seguida, relaciona os acontecimentos que levaram a esta situação, numa série de episódios com duração de cerca de dez minutos. Noé justifica a narrativa inversa inteligentemente provocando-nos a reavaliar constantemente o que temos visto e com base no que aprendemos. O filme começa no final cronológico da história, com as consequências de uma orgia incontrolável de sede de sangue, e, de seguida, explica porque isso aconteceu. Inevitavelmente, o desenvolvimento dos personagens convencionais correm em sentido inverso, que é uma experiência verdadeiramente bizarra, como pessoas que inicialmente parecem totalmente repugnantes e gradualmente evoluem para indivíduos simpáticos.
Noé desafia a sua audiência em tantos níveis diferentes, muitas vezes, ao mesmo tempo. As imagens de destruição niilista são muito chocantes, a fotografia demasiado frenética, o que é uma luta, mesmo para o mais tolerante dos espectadores. Aqueles que não são influenciados pelos excessos artísticos do realizador vão ser surpreendidos pela facilidade com que são seduzidos a alterar o seu ponto de vista, à medida que o filme avança. Se este tem alguma justificação moral, é aqui. Uma vez que nos mostra que a nossa visão do mundo é fundamentalmente influenciada pelo que sabemos dele. Quanto mais se sabe, então, talvez, maior será a nossa compaixão e a nossa vontade de perdoar. É uma pena que Noé sentiu que tinha de ir a tais extremos para fazer uma conclusão tão simples, assumindo que este era o seu objetivo.
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domingo, 12 de janeiro de 2014
Coisas Secretas (Choses Secrètes) 2002
Nathalie é uma dançarina de um clube noturno consciente do seu poder de sedução e Sandrine trabalha no bar. Ambas são despedidas e como Sandrine não pode pagar as suas despesas Nathalie convida-a para morar com ela. Tornam-se mais do que amigas e decidem conquistar as suas vidas profissionais, numa empresa tradicional, através do poder da sedução.
O que se segue é um aumento de tensão sexual carregado por duas femme fatales, o erotismo, ocasionalmente interrompido pela traição do costume, conivente com os jogos de poder da empresa. No entanto, quando elas finalmente têm o seu principal alvo Christophe (Fabrice Deville), o herdeiro playboy da empresa que têm em mira, este revela-se ser um adversário mais perigoso do que qualquer uma delas esperava.
Há um grande olhar sobre este filme, embora não tão exuberante como a de Kubrick em "Eyes Wide Shut". Há também um elemento subjacente na fantasia, todo o filme é narrado do ponto de vista de Sandrine, e ela conta a história para o público de um modo muito real. O realizador Jean-Claude Brisseau apresenta uma visão moderna intransigente e profundamente cínica do amor e do romance neste drama erótico bizarro que irá, sem dúvida, perturbar algumas pessoas. "Choses Secrètes" é ousado tanto na escolha do tema - a representação explícita de mulheres jovens e atraentes impiedosamente usando a sua sexualidade para destruir egos masculinos - como no seu conteúdo explícito (o que inclui orgasmos femininos simulados em grande quantidade e uma cena de orgia que parece ter sido inspirada por uma pintura de Hieronymous Bosch). Quando o filme cai, é na falta de realismo e na caracterização fraca das personagens, que roubam à história alguma credibilidade. Mesmo assim, Coisas Secretas é um filme absolutamente coeso, sendo a estrutura muito detalhada e bem calculada.
Este filme de Brisseau é o primeiro de uma trilogia estranhamente ligada, cada segmento filmado como um género diferente, desde o art house soft core, aos jogos de poder psicológicos. Como filme esquizofrénico não se coíbe de mostrar a sexualidade feminina. No festival de Cannes de 2003, ganhou o prémio de French Cineaste of the Year, e foi escolhido para melhor filme do ano pela revista Cahiers du Cinema, empatado com "Ten", de Abbas Kiarostami.
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sábado, 11 de janeiro de 2014
Baise-Moi (Baise-Moi) 2002
Duas jovens conhecem-se numa estação de comboios e formam uma ligação instantânea. Ambas têm sido abusadas e humilhadas por uma sociedade que as trata com desprezo. Manu acabou de matar o irmão. Nadine acabou de matar a colega de apartamento. Nenhuma tem alguma coisa a perder. Elas têm uma arma. Elas têm os seus corpos, e isso é tudo o que precisam. Agora é hora de vingança ...
O filme mais controverso a ser feito em França durante várias décadas, Baise-moi é uma obra profundamente perturbadora e explora o lado mais sombrio da feminilidade e da psicologia feminina, de uma forma que nenhum outro cineasta ousou. É também o definitivo road movie niilista, totalmente consumido pela apresentação da gratificação sexual e a violência implacável. Ousado, anarquista, mas honesto: esta é a reação mais extrema que se possa imaginar contra uma sociedade moralmente falida que ainda trata as mulheres como pouco mais do que objetos sexuais fracos e das minorias raciais como uma espécie inferior. De uma certa forma, é tão relevante para a sociedade contemporânea como o aclamado de 1995, La Haine.
O filme foi escrito e co-dirigido por Virginie Despentes, que se baseou no seu romance inovador com o mesmo nome, que por sua vez foi baseado na sua própria experiência como prostituta. A outra realizadora do filme é Coralie Trinh Thi, que anteriormente tinha desenvolvido uma carreira como actriz pornográfica. Para ambas as mulheres esta foi a primeira vez que dirigiram um filme mainstream. Baise-Moi foi feito com um orçamento relativamente baixo, filmado em vídeo digital sem iluminação artificial. Apesar de parecer um pouco amador em alguns pontos, a fotografia granulada muito contribui para a sensação niilista que precorre o filme e o enorme sentido de realismo perturbador. Com uma melhor apresentação, as cenas mais violentas e explícitas do filme teriam parecido grotescamente absurdas. Mas a sensação " áspera" ajuda a reforçar a visão artística e extrai as mensagens que ele tenta passar, sem distrair a audiência com imagens excessivamente coreografadas.
Baise-moi é um filme claramente destinado a chocar. As suas autoras reconhecem que têm razão e que vale a pena ir até ao limite. O problema é que o fazem com pouca concessão para as sensibilidades do público que estão a abordar, e o filme, talvez involuntariamente, visivelmente cruza a linha entre arte e o lixo em certo número de ocasiões. Esta poderia ser a razão porque os críticos ficaram tão divididos, com um espectro de pontos de vista que se estendia de um extremo absoluto ao outro.
Apesar dos seus excessos e de ser extremamente provocativo, Baise-Moi é essencialmente um bom filme, que é contado de uma forma não convencional. No entanto, é tão extremo que é difícil de ser visto pelos menos tolerantes, e, portanto, quase impossível de ser feita uma avaliação objetiva verdadeira. Quem vê o filme provavelmente ficará chocado - talvez menos pela violência, mas mais pelo alto nível de conteúdo pornográfico. O acto sexual é reduzido a um processo mecânico. Se há uma crítica válida que pode ser levantada contra as autores do filme é que deveriam ter cortado algum deste material, não para se desviar dos censores, mas para evitar a repetição inútil. Onde o filme é mais bem sucedido é na interpretação dos seus dois personagens principais, e isso decorre principalmente por causa de algumas interpretações notáveis e naturalistas de Karen Bach e Raffaëla Anderson. Ambas são críveis e, apesar das coisas terriveis que sofrem, como um dos últimos dias de Bonnie e Clyde, não podemos deixar de ter alguma simpatia por elas. "Que tipo de sociedade poderia ter levado estas mulheres a se comportarem assim?".
Se tinha a intenção de chocar, teve mesmo esse efeito, e, provavelmente, muito mais do que as suas autoras Virginie Despentes e Coralie Trinh Thi poderiam ter esperado. Logo depois de lhe ter sido dado uma certificação até aos 16 anos em França, o governo francês proibiu-o poucos dias depois dele ser lançado nos cinemas. Uma certificação XXX foi concedida (em vez do certificado de 18, que já não existia), com a promessa de que as leis de censura seriam revistas. Como havia apenas um punhado de cinemas em França licenciados para mostrar filmes pornográficos, e como Baise-Moi não é manifestamente um filme desses, este deveria ter sido o golpe mortal para esta obra. A polémica em torno do filme, no entanto, ganhou muita atenção nos mídia e adquiriu uma espécie de status de culto. Embora tenha sido proibido em vários países, Baise-Moi foi lançado em muitos outros, ganhando elogios e condenação em aproximadamente igual medida.
Legendado em inglês.
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Dans Ma Peau (Dans Ma Peau) 2002
Marina de Van faz a estreia nas longa-metragens com o Cronenberg-esque "Dans Ma Peau". Nele, a narcisista Esther (De Van) corta a perna acidentalmente numa festa, e, de seguida, começa a encontrar um estranho prazer no desmembramento e comer a sua própria carne. Isso soa como uma receita para uma experiência de um cinema singularmente revoltante, mas é mais calmo do que realmente parece, com De Van - mais conhecida pelas colaborações com François Ozon (ela apareceu em vários dos seus filmes e co-escreveu o argumento de outros dois), a estar mais interessada na parte cerebral do que nos choques viscerais.
Embora a auto-mutilação de Ester seja preocupante, o filme trata-a de uma forma menos intensa, um prazer privado que acabamos por sentir sem direito de o questionar. É fácil imaginar como cenas mostrando os seus cortes poderiam ter levado a aumentar o factor gore, o choque e o enjoar o público com closes de cortes e carne mutilada. Mas isso teria sido fácil demais. Ao fazer desta mutilação uma suave iluminação e um excitante espetáculo, De Van acabou por encontrar uma maneira mais provocante para nos perturbar. Ao invés de focar sobre as feridas, o filme foca-se no rosto de Esther, que registra um horror enlouquecido, e um frenesim orgástico.
"Dans Ma Peau" recusa-se a explicar o comportamento de Esther. Na verdade, o namorado parece projetado principalmente para ridicularizar a busca de explicações simples. Passivo-agressivo, ciumento, e repetidamente intrusivo, Vincent não pode aceitar que Esther tenha uma vida para além dele. Num outro filme qualquer, os seus esforços para compreendê-la poderiam ser "sensíveis", mas aqui retrata-os como tentativas invasivas para controlá-la. Com Vincent a perguntar-lhe repetidamente como é que o seu comportamento a faz sentir, começamos a aceitar a recusa de Esther para responder como uma estratégia de defesa adequada. Quanto mais reconhecemos o interrogatório implacável como "racional", mais agradecemos a retirada de Esther para o irracional.
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