domingo, 8 de setembro de 2013

A Vida é Doce (Life is Sweet) 1990



Num bairro da classe trabalhadora, uma família luta para sobreviver, ligada aos seus sonhos modestos, apesar dos prazeres aparentemente escassos e as poucas oportunidades disponíveis que têm. Eles seguem as suas rotinas diárias, lutam e brigam incansavelmente uns com os outros, e fazem, obviamente, tentativas fracassadas de irem mais para lá das suas rotinas. Qualquer outro realizador que intitulasse este filme de "Life Is Sweet", seria para fazê-lo como um gesto irónico, um comentário auto-consciente sobre a miséria e a abjeção destes personagens. Para Mike Leigh, no entanto, este título é, obviamente, qualquer coisa menos irónico, e as suas ressonâncias dentro do filme são muito mais complexas do que uma simples inversão da realidade sombria. A visão da vida de Leigh é frequentemente descrita como miserável ou negativa, o que não é totalmente incorreto, mas é apenas uma descrição incompleta na melhor das hipóteses. É inegável que ele mostra personagens com problemas e limitações, que poucas vezes é visto no cinema. Os seus personagens estão presos em empregos sem futuro, são brutos e bêbados e provavelmente não são particularmente inteligentes. Leigh apresenta uma visão da realidade nua e crua, dos tipos de problemas da rotina que afetam as pessoas comuns: falta de dinheiro, crianças malcriadas e ingratas, empreendimentos comerciais que nunca chegam a lado nenhum, uma linha aparentemente interminável de tarefas de melhoria que nunca há tempo ou dinheiro suficiente para ser concluído. Estes são os verdadeiros personagens da classe trabalhadora com problemas da classe trabalhadora, o tipo de pessoas que raramente aparecem nos ecrãs de cinema. Leigh, praticamente sozinho, está interessado em contar histórias sobre essas pessoas, e fá-lo sem recorrer a qualquer dramatização brilhante ou "problema social" moralizador.
A história que ele aqui nos conta refere-se à família de Andy (Jim Broadbent) e Wendy (Alison Steadman). Ele é um cozinheiro, enquanto ela trabalha numa loja de roupas para crianças. Eles têm duas filhas gémeas, Natalie (Claire Skinner) e Nicola (Jane Horrocks), que não poderiam ser mais diferentes. Natalie é inteligente, um pouco rebelde, economizando o seu dinheiro para uma viagem à América - os seus pais estão, talvez, um pouco preocupados com seus maneirismos de criança, mas estão orgulhosos da sua ambição e da bondade essencial. Depois temos Nicola. Nicola é uma criação inspiradora. Obcecada com o seu peso, e com os tufos de cabelo-palha e enormes óculos, os seus olhos azuis são matreiros e cheios de raiva.. Ela parece revoltada com o mundo, e assim, horrorizada com tudo o que vê. Professa um profundo ódio aos homens, declarando-se uma "feminista", mesmo sem realmente entender o que isso significa, mas ao mesmo tempo parece atraída por homens. Ela tem um amante (David Thewlis) que aparece durante o dia para lhe encher o corpo de chocolate e fazer sexo, mas ela inevitavelmente manda-o embora pelo que acabaram de fazer juntos.
Nicola é uma personagem fascinante, uma complicação de contradiçõesem que cada linha é brilhante - por vezes também brilhantemente cómicas, embora seja inegável um obscuro e um pouco desconfortável sentido de humor. Ela funciona melhor em muitos closes que Leigh lhe dá, closeups que captam todas as nuances da sua frustração e raiva, assim como ataques emocionais. Leigh é famoso pelo cuidado e atenção que dá aos actores, o desenvolvimento dos seus personagens fica com os próprios actores ao longo de longos ensaios antes de cada frame do filme ser filmado. Este processo mostra a profundidade e a complexidade dos personagens.
Para esta família, a vida é doce não por causa de circunstâncias materiais (certamente que não!), mas porque eles ainda têm esperanças, eles ainda têm ambições, eles têm carinho e respeito uns pelos outros. Apenas Nicola parece não ter esperanças, sem sentimentos positivos, em absoluto.
"Life is Sweet" é o filme que deu a Leigh estima global como um grande cineasta, e ainda um de seus melhores estudos, compassivos de uma família britânica, perto do fim do regime de Thatcher. O título é um testemunho da nuance e ambiguidade dos métodos de Leigh, e não nos é oferecido por brincadeira, nem por celebração. 
 
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