quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Exército das Sombras (L'Armée des Ombres) 1969


Desacreditado pelos críticos franceses durante o seu lançamento inicial em 1969, o Exército das Sombras (L'Armée des ombres), de Jean-Pierre Melville, tem desfrutado de uma reavaliação crítica nos últimos anos, culminando numa restauração do negativo original e a exibição da primeira versão teatral nos Estados Unidos, 37 anos depois de estrear em França, e 33 anos depos da morte do seu autor, cuja feroz independência e inovação estilística lhe renderam o título de "Padrinho da Nouvelle Vague." Como o próprio título sugere, o Exército das Sombras é um retrato, assombrado da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, e não é, nem de comemoração de algum evento (como era originalmente criticado por ser), nem uma versão cínica da guerra. Em vez disso, Melville navega por entre a zona moral mais obscura entre o necessário e o impensável, com foco em personagens que são forçadas a fazer escolhas agonizantes num momento em que parecia que o mundo todo desabava sobre eles. 
A cena de abertura, que estabelece o âmbito trágico do filme, teria sido um choque em 1969, e hoje ainda mantém o poder sublime: uma linha de soldados alemães a passar pelo Arco do Triunfo e, de seguida, virando no famoso Champs-Élysée, mesmo na direção da câmera. Esta metonímia visual para a queda moral e militar francesa, surpreendentemente, nunca tinha sido recriada num filme francês antes de Melville se atrever a abrir um filme com ela, e a carregar uma carga de melancolia que persiste ao longo do filme.
A narrativa começa em 1942, bem depois de grande parte da França ter caído para o império Nazi, quando o movimento da resistência ainda era pequeno e fracturado. O argumento de Melville, que é baseado no romance de 1943 de factos reais, escrito pelo lutador da Resistência Joseph Kessel, divide o seu foco entre os vários combatentes da Resistência, mantendo assim a estrutura do romance original. Como resultado, não há um protagonista, apesar de andarmos sempre perto de Philippe Gerbier (Lino Ventura), um engenheiro bem-educado, prático, e por vezes um implacável civil, que dirige uma pequena célula de combatentes da Resistência. Fundamentalmente, quando vimos pela primeira vez Gerbier, foi capturado e está a ser transportado para um campo de prisioneiros de Vichy. Assim, a ameaça de captura e morte paira sobre os personagens nos momentos de abertura do filme, lembrando que esta não é uma fantasia escapista de acção teatral, mas sim um jogo de moralidades, sobre desespero e fatalismo. 
Outros membros da célula de Gerbier incluem Félix (Paul Crauchet), Le Bison (Christian Barbier), e Le Masque (Claude Mann). Eles ganharam um novo recruta em Jean-François Jardie (Jean-Pierre Cassel), cujo irmão mais velho, Luc Jardie (Paul Meurisse), é o chefe da Resistência. O outro personagem crucial é uma raridade para um universo tipicamente pesado de Melville: Mathilde (Simone Signoret), uma mulher de aço, de bravura intensa, que no entanto tem um ponto fraco, que irá trazer ao filme o seu clímax trágico.
Ao longo do filme cada um desses personagens tem momentos que poderiam ser convencionalmente definidos como "heroísmo", mas Melville apresenta-los de forma a enfatizar a simples humanidade. Melville também infunde o filme com momentos de humor negro, como a cena em que Gerbier deve regressar imediatamente para França a partir de Londres, onde tem andado a recrutar ajuda entre os britânicos, e é forçado a atirar-se de pára-quedas para uma uma zona de guerra, apesar de nunca o ter feito antes. A sua relutância um pouco cómica para dar o salto final é um bem-vindo toque de humor, mas também é testemunho do facto de que mesmo os mais duros também têm momentos de dúvida ou fraqueza. 
Embora haja pouca ação convencional em "O Exército das Sombras" - a maior parte do filme centra-se sobre os detalhes do processo do planeamento e, mais na emoção do que na execução - quando Melville emprega a violência, ele fá-lo de uma forma bem dura. A cena mais brutal do filme retrata Gerbier, Félix, Le Bison, e Le Masque executando um jovem que contou alguns segredos aos alemães. Enquanto a cena é um prenúncio de escolhas mais difíceis que ainda estão por vir, também funciona como uma das representações mais implacáveis ​​de sempre do que está envolvido em tirar a vida a outra pessoa. Não é possível usar uma arma porque os vizinhos poderiam ouvir, os combatentes da Resistência calmamente debatem como executar o jovem traidor mesmo em frente a ele, e eventualmente, decidem-se sobre o método de estrangulamento com uma toalha. De certa forma, parece que o tipo de humor negro que se poderia encontrar num filme de Hitchcock, mas também funciona para nos lembrar que estes combatentes da Resistência são homens desesperados que, se necessário, empregam tácticas brutalmente violentas para garantir a sua própria sobrevivência e, a sobrevivência da França. O heroísmo, Melville mostra-nos que é um assunto profundamente complicado.

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1 comentário:

VGS disse...

"Rebel, rebel" e "Starman" têm de estar nessa lista do David Bowie pa!