terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A Vingança é Minha (Fukushû Suru Wa Ware ni Ari) 1979


Superficialmente "A Vingança é Minha" é um filme sobre um serial killer. Foi feito muito tempo antes da vaga recente de Hollywood começada com "O Silêncio dos Inocentes", mas alguns anos depois dos pioneiros do género, como "A Kiss Before Dying"(1951), "The Boston Strangler"(1968), "Peeping Tom" (1960), "Psico" (1960) e 10 Rillington Place (1971). O filme está alinhado com estas obras anteriores, seguindo as actividades do assassino, em vez da investigação para localizá-lo, mas estilisticamente, é muito diferente. Baseado na história verdadeira de Nishiguchi Akira, que foi preso em 1964 depois de uma matança por todo o país, o filme segue o assassino Iwao Enokizu enquanto viaja pelo Japão, vivendo de fraudes e enganos, além de cometer uma série de assassinatos insensíveis,  incluindo narrativamente os seus problemas da infância pré-guerra, e a problemática do pós-guerra, e a sua relação amarga com o pai, um católico devoto.
Neste contexto, conteúdo e estrutura narrativa, a abordagem do filme é complexa e meticulosa. Começando com o transporte de Iwao para a esquadra da polícia depois da sua detenção, a história desenrola-se inicialmente numa forma não-linear, pulando para trás e para a frente através do tempo, nem sempre com a ajuda gráfica da data actual e local. A descoberta do primeiro corpo, por exemplo, vem depois da captura de Iwao, mas muito pouco tempo antes são mostrados os acontecimentos que levaram ao assassinato em si. Ocorrendo no início da narrativa, esta não é uma matança no estilo dos thrillers tradicionais modernos, mas uma matança desajeitada, amadora e deliberadamente desagradável, o fracasso das tentativas de Iwao colocar inconsciente a sua vítima com um martelo, obrigando-o a recorrer a uma faca, que é espetada violentamente no peito de um homem que só depois vai morrer. É uma cena chocante por todas as razões. O efeito sobre a nossa percepção de Iwao é imediata, e quando um pouco mais tarde, ele procura numa loja para comprar uma faca de cozinha (ele escolhe a mais barata, que é um detalhe interessante), este simples acto provoca um arrepio de medo sobre o que ele vai fazer com esta compra. Um segundo assassinato segue de seguida, tão desagradável de se ver como o primeiro, e a partir daqui até mesmo a ameaça de violência por parte de Iwao deixa-nos os nervos em franja.
Como a narrativa de flashback a torna-se cada vez mais linear em termos de estrutura, a personagem de Iwao é consideravelmente mais expandida, e a história  à sua volta proporciona uma imagem mais clara do caminho que o levou de criança para adulto rebelde, a ser tão destrutivo. Tendo estabelecido Iwao como tema do  filme, Imamura engana-nos a todos, ignorando-o depois e concentrando-se na relação que se desenvolve entre a sua jovem esposa e o pai idoso. Mas mesmo o fio dessa história avança de uma forma inesperada.
Repetidamente o filme leva-nos a lugares inesperados e perturbadores. Grande parte da violência ocorre fora da narrativa e, ocasionalmente, joga com as nossas expectativas. Como se a própria narrativa não fosse suficientemente confusa, Imaura também inclui algumas referências intrigantes a aspectos menos discutidos da sociedade japonesa.
E, para finalizar, o filme é muito atraente. Pelo seu realismo documental, pela sua técnica da narrativa complexa mas emocionante, pelo desempenho magnífico de Ken Ogata, pela sua abordagem de não julgamento ao material consistente, e pela profundidade intelectual e emocional. Imamura ainda tem coragem de terminar o filme com uma cena de peculiaridade surrealista que, todavia, funciona perfeitamente para o filme, justamente por causa de suas possíveis leituras escondidas. "A Vingnaça é Minha" é o cinema realmente grande, desafiador, inteligente e de confronto, uma história brilhantemente contada, tratada com firmeza e explorando o lado mais obscuro da natureza. Isto nem sempre torna fácil a sua visualização, mas é uma experiência memorável.

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