Vazio, o nada, corpos deambulando por uma Hungria decadente, apocalíptica e uma obsessão por uma mulher casada. Música, danças e mais danças, um preto e branco que mostra uma história sem esperança alguma, um homem que procura essa esperança e uma mulher que foge dela. O caos, a chuva, a arte de filmar de Béla Tarr, o fascínio de uma obra negra e incontrolável. “Kárhozat” data de 1988 e é cinema que explode nos nossos olhos, são planos correntes de corpos vazios numa normalidade incompreendida e de uma procura interior que nunca chega. O silêncio. O cinema na sua realidade.
“Kárhozat” marca o início do “preto e branco” estilizado no cinema do cineasta húngaro, assim como assegura o fim dum certo realismo social presente nos seus primeiros filmes (“Családi tüzfészek” de 77, “Szabadgyalog” de 81 e “Panelkapcsolat” de 82) e que já havia sido depurado no anterior “Öszi Almanach” de 85. E, tal como esse portento delírio de cores abrasadoras e saturantes e de planos e ângulos magistrais que é “Öszi Almanach”, “Kárhozat” é filme sem esperança alguma, o que reina ali é o caos, a decadência e a desolação do mundo inteiro naquelas almas errantes e vazias. Na verdade, “Kárhozat” esconde no seu interior um delírio social, como a tudo o resto que víria depois (os filmes seguintes) vemos associada essa alucinação social, coisa obscura e desoladora oriunda dum conflito interior onde a natureza humana prevalece (e Tarr é talvez dos mais pessimistas cineastas que conheço!), natureza negra como a noite mais escura e mais terrífica de todas… não há redenção possível, no final aquele “duelo” com o cão é a simbologia das simbologias sobre isso - o primitivismo ou o “animalesco” prevalece e molda o ser humano, ou seja, o amor não tem força nem consegue sobreviver neste mundo. No final fica a desolação e a rendição ao caos que a dor interior acarreta.
Texto do Álvaro Martins
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