Acabamos de (re)ver “Paris, Texas”, filme “maior” de Wenders (na minha humilde opinião, o
aclamado “Der Himmel über Berlin” está longe da magistralidade deste), e a redenção alcançada de Travis dá um sentido ao imenso “cosmos” desértico que perpetua aquelas almas “perdidas” ou alienadas ao longo da monstruosidade que é este colorido road movie imerso na melancolia e na desolação daquelas almas solitárias e, aparentemente, “vazias” (e não sei porquê - talvez pelo título - mas lembro-me sempre da Desolation row do Dylan). É, portanto, uma viagem interior impregnada na desolação duma alma errante e solitária que anseia a redenção numa procura de paz interior.
Wenders, o tal da nova vaga alemã que ficou imortalizado ao lado de nomes como Fassbinder, Herzog, Schroeter, Schlöndorff ou Syberberg, sempre mostrou o seu fascínio pela cultura americana e pelo mito americano… “Paris, Texas” não é imune a isso, está lá tudo, inclusive o falhanço do sonho americano, o american way of life! É, talvez por aí, que “Paris, Texas” encontra o seu propósito, desde a imutabilidade do género (à qual falsamente alude e primícia visualmente como um western para logo a seguir se permutar e imutar no road movie que é), à alusão da perfeição perdida (ou nunca alcançada) na simbologia que o deserto Mojave, com que inicia o filme e no qual aquele Travis errático e solitário se “perdeu”, assume… simbologia “estendida” e “descortinada” mais à frente quando percebemos que a Paris do título é no Texas e não na França, contraste assumido que percorre todo este road movie tão seco quanto o Mojave, até ao lamento que no fundo do mais fundo deste filme o é, perpetuado no tempo (os tais 4 anos de errância pelo deserto) e que culmina naquele peep show onde se confessam as duas almas errantes e angustiantes deste filme.
Por isso “Paris, Texas” é um filme-lamento, onde não só a melancolia ou a desolação reinam como a tristeza é absoluta (como absolutas são as interpretações de Stanton e de Kinski)… a recusa de Travis em falar no início do filme (silêncio quebrado apenas já quase no final da viagem de regresso a casa do irmão), assim como a obstinação inicial em caminhar, apenas caminhar, sem rumo aparente ou em direcção ao vazio, numa alienação incógnita, coisas que irão ser “confessadas” (e que genialidade a de Wenders na “criação” daquele peep show como alusão a um confessionário) mais tarde, lá perto do final… o rumo à redenção num caminho que é de redescoberta interior - a relação “resgatada” com o filho a isso possibilitou -, a solidão que Travis “chama” para si… tudo isso é um lamento e uma resignação pelo passado (que só no final e naquele tal “confessionário” emerge) e pela culpa que Travis carrega em si.
É, portanto, no lamento que reside a vitalidade de “Paris, Texas”, no lamento da solidão e do amor que apenas de longe poderá existir, e Travis sabe-o bem e por isso a redenção final. O amor continua lá, o filho viu-o no olhar do pai enquanto via aquela super 8 e aqueles momentos nostálgicos que o fazem “lembrar” e “redescobrir-se”… foi tudo por amor, inclusivamente a fuga e o abandono… e além do lamento é o amor a força motriz deste filme, é por amor que a redenção se procura e se dá!...
Nunca mais Wenders atingiria esta magistralidade e esta grandiosidade. Absoluto!
Texto de Álvaro Martins.
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